DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA

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Transcrição:

Um curso de Cosmologia na primeira série do Ensino Médio com enfoque Histórico-Filosófico Andreia Guerra a grupo@tekne.pro.br Marco Braga b - grupo@tekne.pro.br José Claudio Reis c - grupo@tekne.pro.br a CEFET-RJ, Grupo Teknê b CEFET-RJ, Grupo Teknê c Colégio Pedro II, Escola Parque, Grupo Teknê RESUMO Esse trabalho discute a importância de abordamos novos conteúdos no Ensino Médio, como forma de dar maior significado ao ensino de Física nesse segmento. Apontamos também para a necessidade de que a introdução de novos conteúdos não se dê de forma meramente instrumental, como é caracterizada a abordagem atual, mas sim fazendo uso de uma abordagem histórico-filosófica que possibilite a interdisciplinaridade. A discussão e avaliação da proposta apresentada ocorrerão a partir do relato de uma experiência desenvolvida num curso de Física, para primeira série do ensino médio em uma escola do Rio de Janeiro, com o tema Cosmologia. Ao optarmos pela abordagem histórico-filosófica, buscamos ultrapassar o formalismo matemático e dar maior significado para os conteúdos de física que são trabalhados no Ensino Médio. Começamos com a cosmologia aristotélica-ptolomaica discutindo suas virtudes e deficiências, o mesmo foi feito com o sistema copernicano. Com Kepler e Galileu foi enfatizado suas contribuições para o estabelecimento das novas cinemáticas celeste e terrestre. A obra de Newton, assim como sua influência no desenvolvimento da ciência foram bastante discutidos, com o objetivo de reforçar a importância da síntese newtoniana. Por último, abordamos a teoria da relatividade e alguns aspectos das teorias mais modernas sobre a origem e o desenvolvimento do universo. A aplicação dessa proposta mostra que uma abordagem histórico-filosófica para a física permite que essa seja compreendida como um conhecimento vivo. Ao mesmo tempo tal abordagem possibilitou trabalhar com os estudantes, temas atuais da Ciência que muitas vezes estão na mídia e despertam interesse, mas que pouco são abordados com o devido cuidado, pois estão muito distantes dos conteúdos tradicionalmente tratados no Ensino Médio. Para isso, relatamos uma experiência desenvolvida num curso de cosmologia com a primeira série do ensino médio em uma escola do Rio de Janeiro. INTRODUÇÃO Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, de 1999, explicitou questões, já discutidas em encontros de ensino como o Simpósio de Ensino de Física, como a introdução de temas de Física moderna no ensino. Apesar disso, na sua prática cotidiana, os professores, muitas vezes, ficam presos aos programas dos vestibulares, que, em sua grande maioria, só aborda a física construída até meados do século XIX. Pesquisa realizada (OLIVEIRA et al, 2007) confirma tal análise, pois de dez professores entrevistados, sete nunca haviam trabalhado com Física Moderna e Contemporânea. Apesar das recomendações dos documentos oficiais, as mudanças em relação aos conteúdos ensinados foram pequenas.

Acredita-se que a divulgação de trabalhos que tragam propostas para abordar conteúdos de Física mais recente e de forma interdisciplinar é um caminho para que as propostas dos documentos oficiais estejam mais presentes no dia-a-dia do trabalho do professor. DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA Com o objetivo de implantar um curso que pudesse trazer à sala de aula questões tratadas mais recentemente pelos cientistas, foi elaborado um curso de Cosmologia para a 1º série do Ensino Médio de uma escola do Rio de Janeiro. O curso foi ministrado a quatro turmas, num total de 120 alunos, com uma carga horária de 1 hora/aula por semana. A turma tinha mais 3 horas/aula de Física com outro professor. O conteúdo foi distribuído em quatro bimes tres, de forma a estabelecer, para cada período, os objetivos a serem alcançados pelos alunos, visando direcionar melhor o trabalho, tanto para os alunos que receberam essas informações em forma de ementa, quanto para os professores que já traçaram previamente seus objetivos de forma sistemática. A seguir apresentamos os objetivos destacados para cada período. 1º bimestre - Usar a teoria dos 4 elementos para explicar o movimento dos corpos no mundo sublunar. - Distinguir movimento natural do violento - Reconhecer o valor explicativo do sistema de Ptolomeu - Compreender o que é o movimento retrógrado dos planetas a partir dos epiciclos e deferentes. - Diferenciar a explicação de Copérnico para o movimento retrógrado da de Ptolomeu. - Compreender que o sistema copernicano ainda não possuía argumentos físicos totalmente convincentes para substituir o de Ptolomeu. 2º bimestre - Compreender as contribuições dadas por Tycho Brahe para o desenvolvimento da astronomia. - Compreender como Kepler alterou sua forma de interpretar a natureza, saindo de uma visão mais mística para uma mais racional. - Identificar nas leis de Kepler as profundas mudanças em relação à tradição astronômica de mais de 20 séculos. - Aplicar as leis de Kepler para analisar movimentos de planetas e satélites. - Compreender claramente o conceito de referencial e a contribuição desse conceito para a compreensão do heliocentrismo. - Compreender como a cinemática galileana mudou a forma de explicação do movimento dos corpos terrestres. 3º bimestre - Identificar os 4 tipos de forças que agem na natureza - Compreender o conceito de força como interação entre 2 corpos - Identificar a relação entre peso e força de atração gravitacional - Aplicar as leis de Newton para explicar o movimento de corpos na superfície terrestre e dos corpos celestes. - Relacionar a obra newtoniana com o desenvolvimento da ciência do século XVIII

4º bimestre - Analisar a controvérsia entre o mecanicismo newtoniano e a Filosofia Natural Romântica - Construir o conceito de c iência a partir de uma visão histórico-filosófica - Identificar a ciência como uma construção humana - Identificar que tempo, espaço e massa são grandezas relativas. - Compreender que espaço e tempo se relacionam formando um sistema de quatro dimensões. - Compreender a equivalência entre campo gravitacional e referencial acelerado. - Compreender de onde surgiu a teoria do Big Bang. - Identificar as evidências experimentais e teóricas que sustentam a teoria do Big Bang. - Conhecer o modelo do estado estacionário, suas objeções ao Big Bang, bem como suas limitações. - Compreender o ciclo evolutivo das estrelas. Essa ordenação de conteúdos, bem como essas metas a serem atingidas a cada bimestre serve para ilustrar como o curso se desenvolveu ao longo do ano. Nos primeiro, segundo e terceiro bimestres pudemos abordar alguns conteúdos tradicionais como a cinemática terrestre galileana, a cinemática celeste, estudando as leis de Kepler e a dinâmica newtoniana a partir da análise de suas leis, já incluindo a gravitação. MOTIVAÇÕES Todos os conteúdos foram abordados historicamente (MARTINS, 2006) com a preocupação de que os estudantes pudessem compreender determinadas explicações à luz da época que as teorias foram desenvolvidas. Assim, ao falarmos da cosmologia ptolomaica e de sua utilização através da Idade Média, estávamos preocupados em analisar as contribuições do geocentrismo de Ptolomeu naquela sociedade, assim como a força que tal modelo explicativo teve na Europa Ocidental. Dessa forma, enfatizamos que parte do poder desse sistema esteve relacionada ao fato da física aristotélica, com sua teoria de movimentos naturais e violentos nos mundos sub e supra lunar, dar-lhe sustentação. Além disso, trabalhamos com os alunos a idéia de que a cosmologia ptolomaica era coerente e próxima da visão cotidiana do mundo medieval e que não era simples superá -la com a mera mudança de posição entre a Terra e o Sol. Esse tipo de análise permitiu problematizar algumas idéias dos alunos, muitas vezes simplistas, como a de que o geocentrismo era ingênuo e não respondia aos questionamentos da época, tendo permanecido por tanto tempo aceito, exclusivamente pelo poder da Inquisição da Igreja. Essa discussão inicial permitiu destacar aos alunos que a Ciência e, em particular a Física, não se compreende sem o conhecimento mais geral do contexto em que é produzida. A intervenção dos alunos nos debates realizados em sala mostrou que eles c omeçaram a perceber que não se pode cair no erro histórico de analisar o passado com os olhos do presente. O sistema de Copérnico foi, então, analisado à luz dessa nova compreensão do conhecimento científico. Portanto, os alunos tinham em mente que substituir o geocentrismo ptolomaico era mais complicado do que apenas colocar o Sol no centro do Universo. Para uma mudança, era necessário que a nova Cosmologia viesse acompanhada de uma nova Física, capaz de substituir a aristotélica, já que essa era incompatível com o heliocentrismo cope rnicano (NEVES, 2006). Além disso, tivemos a preocupação de discutir com os alunos que a mudança do geocentrismo para o heliocentrismo significava uma mudança profunda na forma como o Homem percebia seu lugar no Universo.

A partir dessas discussões, o caminho estava aberto para que pudéssemos introduzir as novas explicações para o movimento dos corpos terrestres e celestes com os trabalhos de Galileu e Kepler. Iniciamos essa etapa do trabalho, apresentando as contribuições de Tycho Brahe e como elas serviram para desestabilizar o geocentrismo, uma vez que mostravam mudanças no mundo supra lunar que eram incompatíveis com a tradição aristotélica. Apesar de não poder mais aceitar o geocentrismo, Tycho Brahe não pôde também aceitar o heliocentrismo de Copérnico, pois mesmo com sua precisão não lhe foi possível observar a paralaxe das estrelas. Sendo assim, discutimos com os alunos, porque Tycho acabou optando por um sistema, digamos, híbrido, como uma tentativa de conciliar suas observações com um novo sistema planetário. Passamos, então, para a análise da importância que os resultados observacionais de Tycho tiveram para o trabalho posterior de Kepler e as mudanças que as suas leis trouxeram para a nova compreensão do movimento dos corpos celestes. Nesse momento, enfatizamos que as leis de Kepler quebraram uma longa tradição na Astronomia ao propor que as órbitas planetárias eram elípticas e que as velocidades dos planetas não eram constantes. Dessa forma, os alunos puderam compreender que estava sendo estabelecida uma nova cinemática celeste. Quanto a Galileu, foi discutido não só suas importantes contribuições para a superação do sistema geocêntrico, através de suas observações com a luneta, mas principalmente sua nova forma de interpretar o movimento dos corpos terrestres. Ao questionar a Física aristotélica, Galileu mostrou a necessidade de substituir as explicações sobre a queda dos corpos, passando a ter um novo posicionamento sobre a forma de construção do conhecimento científico. Com esse momento histórico, tornou-se necessário explicar a natureza a pa rtir do conhecimento de sua linguagem, a matemática. O próximo passo foi à análise da dinâmica do novo sistema explicativo que Kepler e Galileu inauguraram. Destacou-se que esses dois filósofos da natureza montaram uma cinemática eficiente para os corpos terrestres e celestes, mas não conseguiram elaborar uma dinâmica que lhe desse sustentação. Estavam lançadas as condições para os alunos entenderem as leis de Newton. A compreensão das leis de Newton é fundamental para que os alunos construam as bases das explicações que nortearam a ciência dos séculos XVIII e XIX. Para que o trabalho de Newton fosse estudado como um sistema que conseguiu unificar a física terrestre e celeste, ao construir leis únicas que explicavam os mundos sub e supra lunares, trabalhamos as quatro leis juntas, o que historicamente pode parecer óbvio, mas que não é comum na prática escolar. A obra de Newton foi abordada buscando dimensioná-la no contexto dos séculos XVIII e XIX. Isso significou discutir alguns dos impactos da obra newtoniana pa ra a compreensão mais ampla do Universo, passando, por exemplo, para a busca de explicações para a origem do sistema solar por Kant e Laplace. Fizemos, ainda, discussões sobre as críticas feitas pela Naturphilosophie ao racionalismo newtoniano, como uma forma dos alunos perceberem que o conhecimento não é construído apenas por meio de idéias vencedoras. Ponderou-se que as críticas, muitas vezes, ajudam no próprio desenvolvimento do conhecimento científico, bem como podem fazer surgir, em outros momentos históricos, novos caminhos que produzem frutos, muitas vezes inesperados. Sobre esse aspecto especifico aproveitamos para abordar alguns aspectos culturais da Física (ZANETIC, 2006). Apresentamos obras de arte, do final do século XVIII e início do XIX, construídas por pintores que estavam fortemente influenciados pelo Romantismo e que por isso estavam comprometidos com a crítica à racionalidade científica. Particularmente discutimos as obras: Fuzilamento de Goya, Newton de Blake e Experimento co m um pássaro numa Bomba de Vácuo de Wright de Derby. Nessas três obras, encontramos artistas engajados numa reflexão crítica dos impactos que a Ciência e a racionalidade científica trouxeram para a vida cotidiana (REIS, 2006). Esse tipo de abordagem nos pa rece fundamental para que a Ciência não fique

estereotipada como um conhecimento que pouco ou nada tem a falar sobre os aspectos mais profundos da vida. Os alunos expuseram suas impressões sobre os quadros e a partir daí passamos a discutir o momento histórico e as motivações dos artistas da época. Dessa forma, confrontamos os alunos com uma análise de obras de arte e de conhecimentos científicos como produtos/produtores da história. Trazer a Arte para as aulas de física permitiu aos alunos a reflexão de que a Física não se resume a um conjunto de fórmulas matemáticas capazes de descrever como certos fenômenos naturais funcionam, mas que se constitui num conhecimento construído historicamente, integrante de uma cultura (THUILLIER, 1996). Os alunos ficaram particularmente impactados com o fato de que artistas e cientistas pudessem estar refletindo sobre questões similares, como por exemplo, o impacto da racionalidade mecanicista para o entendimento do Universo. Isso os levou a ter um olhar para a Ciência, e provavelmente para a Arte, mais cultural e menos tecnicista. Passamos, então, à discussão sobre a Cosmologia atual. Esse tema desperta grande interesse nos estudantes. Eles leram, viram programas na TV ou simplesmente já ouviram falar sobre Big Bang, Super Novas, Buraco Negro, Relatividade e tantas outras coisas associadas à constituição do universo. Essa discussão permitiu aos alunos terem um entendimento global de como a humanidade chegou ao atual estágio de compreensão do Universo. Passaram a compreender como as teorias mais modernas de explicações para a origem do U niverso conseguem explicar muitos fatos, mas não todos e que mesmo havendo uma que é mais aceita ela não é única e sofrerá mudanças e mesmo transformações radicais com o passar do tempo. Além disso, eles passaram a perceber que a nova Cosmologia está sustentada pela Teoria da Relatividade Geral e mesmo Einstein, que a formulou, relutou em abandonar antigas crenças sobre a natureza do Universo. Esse aspecto foi importante, pois de stacou para os estudantes a humanidade dos cientistas, uma vez que eles não estão livres das influências do meio cultural em que estão inseridos. COMENTÁRIOS FINAIS O desenvolvimento do curso enfatizou uma abordagem histórico-filosófica que introduziu os alunos numa nova maneira de compreender a Ciência. Essa abordagem deve ser bastante enfatizada na medida em que ela apresenta a possibilidade de superação da abordagem meramente formalista da física. (BRAGA) Sem que se tenha feito uma pesquisa para esse fim, nossa prática cotidiana permite inferir que tal abordagem teve uma ótima aceitação pelos alunos. Tal inferência se ampara nas opiniões dos próprios alunos durante o ano, de que era uma grande novidade perceber como a Ciência se relacionava com outros campos do conhecimento que não fosse a tradicional relação com a Matemática ou a Química. O envolvimento dos alunos no curso foi muito grande, eles se dedicaram à leitura do material entregue pelo professor, assim como, à realização das atividades propostas. Os estudantes relataram que o contato com temas mais atuais, presente nas mídias, despertou-lhes interesse. Esse aspecto da novidade é importante, pois os conteúdos de Física que normalmente abordamos e que são cobrados na maioria dos vestibulares fora m desenvolvidos até a primeira metade do século XIX. Por que isso ocorre? Outras disciplinas tratam de temas muito mais atuais, de teorias que foram desenvolvidas ao longo do século XX. Dessa forma, devemos, urgentemente, rever não só nossa abordagem para o ensino de Física, como os próprios conteúdos que temos privilegiado.

A Física do século XX não é só importante pela motivação que desperta, mas principalmente porque poderemos discutir com os estudantes novas formas de abordar a natureza que foram introduzidas pela relatividade e pela mecânica quântica. Entendemos que esse olhar filosófico para a Física é um ponto de contato importante com outros campos do conhecimento, possibilitando trabalhos interdisciplinares que, de um modo geral, resultam em momentos de extrema riqueza para todos no cotidiano escolar. Dessa forma, sobre certos aspectos um círculo vai se fechando na medida em que percebemos como a abordagem de assuntos de física moderna é essencial para a compreensão histórico-filosófica do mundo. Isso justifica a necessidade de abordarmos a história e a filosofia da ciência como aspecto fundamental do ensino de Física. Caso insistamos em continuar com uma abordagem completamente desatualizada em relação às teorias mais modernas corremos o risco de vermos a Física banida do ensino escolar. Por que fazer os alunos estudarem um conteúdo morto? O Latim foi esquecido. Será a Física a próxima? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MÉDIA E TECNOLOGIA. PCN: Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias. Brasília: Brasil, 1999. BRAGA, Marco; GUERRA, Andréia e REIS, José Cláudio O papel dos livros didáticos franceses do século XIX na construção de uma concepção dogmático-instrumental do ensino de física. Artigo aceito para publicação no Caderno Brasileiro de Ensino de Física. MARTINS, Roberto de A.. A história das ciências e seus usos na educação. In SILVA, Cibelle Celestino (org.) Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para uma aplicação no ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006. NEVES, Marcos C. Danhoni. Do mundo fechado da astronomia à cosmologia do universo fechado do Big Bang: revisitando novos dogmas da ciência. In SILVA, Cibelle Celestino (or g.) Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para uma aplicação no ensino. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006. OLIVEIRA, F.F.; VIANNA, D.M.; GERBASSI, R.S. Física Moderna no Ensino Médio: o que dizem os professores. RBEF, v.29, n.3, p.447-454, 2007. REIS, José Cláudio; GUERRA, Andréia; BRAGA, Marco. Ciência e arte: relações improváveis? História, Ciências e Saúde: Manguinhos, Vol. 13, suplemento, Rio de Janeiro, 2006. THUILLIER, Pierre. De Arquimedes a Einstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1996. ZANETIC, João. Física e Arte: uma ponte entre duas culturas. Pro-Posições, v.17, n.1 (49), p. 39-57, jan./abr. 2006.