VISCOSIDADE E DESEMPENHO DE MISTURAS DIESEL / BIODIESEL EM UM MOTOR MONOCILÍNDRICO



Documentos relacionados
Influência da Temperatura nas Propriedades Fluidodinâmicas das Misturas Biodiesel/Diesel de Óleo de Peixe , PB, Brasil.

MINISTÉRIO DA DEFESA EXÉRCITO BRASILEIRO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA INSTITUTO MILITAR DE ENGENHARIA CURSO DE MESTRADO EM ENGENHARIA MECÂNICA

Biocombustíveis. Também chamados de agrocombustíveis

5. Resultados e Análises

Incentivar o Etanol e o Biodiesel. (Promessa 13 da planilha 1) Entendimento:

BIODIESEL ENERGIA MÓVEL GARANTIDA 100% ECOLOGICA PARA COPA E PARA O MUNDO

Potencial dos Biocombustíveis

BIODIESEL. O NOVO COMBUSTÍVEL DO BRASIL.

Energia, tecnologia e política climática: perspectivas mundiais para 2030 MENSAGENS-CHAVE

COMBUSTÍVEIS BIOCOMBUSTÍVEIS: EVOLUÇÃO ENERGÉTICA, COMPOSIÇÃO E IMPACTOS AMBIENTAIS.

Variação da potência de saída de um gerador em função da utilização de biodiesel de crambe e soja

Disciplina: Fontes Alternativas de Energia

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

Controlador de Energia Eléctrica. Redutores de Caudal de Água. Supertech o Génio do Depósito do Combustível

Comentários sobre o. Plano Decenal de Expansão. de Energia (PDE )

JUSTIFICATIVAS PROPOSTA de LIMITES DE EMISSÕES FONTES EXISTENTES REFINARIAS

ETENE. Energias Renováveis

GT CONAMA Fontes Fixas limites emissões fontes existentes. Proposta Subgrupo INEA, ABRAGET, PETROBRAS

M ERCADO DE C A R. de captação de investimentos para os países em desenvolvimento.

A metodologia proposta pela WEG para realizar este tipo de ação será apresentada a seguir.

Resultados dos testes de Uso Experimental e Específico. Óleo diesel com teor de biodiesel superior ao disposto em lei

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS RESOLUÇÃO N 46, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2012 (*)

Sumário executivo. Em conjunto, as empresas que implementaram

BIOCOMBUSTÍVEIS AVIAÇÃO

ESTUDO DO IMPACTO DA ADIÇÃO DO BIODIESEL DE MAMONA AO ÓLEO DIESEL MINERAL SOBRE A PROPRIEDADE VISCOSIDADE CINEMÁTICA

SISTEMAS TÉRMICOS DE POTÊNCIA

AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES FÍSICOQUÍMICAS DO DIESEL APÓS ADIÇÃO DO BIODIESEL EM DIFERENTES PROPORÇÕES

Utilização do óleo vegetal em motores diesel

UTILIZAÇÃO DO SISTEMA HÍBRIDO HIDRÁULICO NOS VEÍCULOS COMERCIAIS RESUMO

Métodos Experimentais em Energia e Ambiente

Os Benefícios do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) para a sociedade e suas perspectivas para os próximos anos.

Novas Tecnologias para Ônibus 12/12/2012

Fração. Página 2 de 6

2. (Ifsc 2014) A reação abaixo representa este processo: CO 3H H COH H O ΔH 12 kcal/mol

OS BIOCOMBUSTÍVEIS E A

PRÊMIO ESTANDE SUSTENTÁVEL ABF EXPO 2014

Emissão Veicular de Gases de Efeito Estufa (GEE) Em Automotivos Movidos a Diesel

Política Energética Brasileira Panorama da Biomassa

Mercedes-Benz destaca na Rio+20 as vantagens ambientais do uso de diesel de cana e biodiesel em caminhões e ônibus

Título: Desempenho de um conjunto motor gerador ciclo diesel utilizando os principais tipos de biodiesel processados na Região Oeste do Paraná

Agricultura de Baixo Carbono e Bioenergia. Heitor Cantarella FAPESP: Programa BIOEN & Instituto Agronômico de Campinas(IAC)

I. INTRODUÇÃO III. MATERIAL E MÉTODOS. A. Amostras Utilizadas no Processo de Conversão a Baixa Temperatura

nome de Química do C1. De uma maneira geral é possível dividir estes produtos em três categorias:

Tecnologia de Tração Elétrica

Medida Provisória 532/2011

Os combustíveis fósseis e as energias alternativas

MF-0584.R-1 - MÉTODO DE MEDIÇÃO DOS GASES EMITIDOS PELO ESCAPAMENTO DOS VEÍCULOS AUTOMOTORES DO CICLO OTTO

Motor Diesel Vantagens na utilização do Biodiesel Vantagens do Eco Óleo Dúvidas mais freqüentes Óleos Vegetais Biodiesel Características do Biodiesel

Impactos Socioeconômicos da Indústria de Biodiesel no Brasil. Joaquim J.M. Guilhoto Marcelo P. Cunha

Fortaleza, junho de 2015

Elaborado pelos alunos do 8º A da Escola Secundária Infante D. Henrique:

ESCOLA SENAI CELSO CHARURI CFP 5.12 PROGRAMA DE CONTROLE DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA

Novo Marco Regulatório do Etanol Combustível no Brasil. Rita Capra Vieira Superintendência de Biocombustíveis e Qualidade de Produtos - ANP

Uma visão geral do sector das energias renováveis na Roménia

RELOP III Reunião Anual Rio de Janeiro, 04 de novembro de 2010

Revisão bibliográfica

Conceitos Básicos sobre Gestão da Energia e Sustentabilidade

Aspectos Tecnológicos das Fontes de Energia Renováveis (Biomassa)

PRÊMIO STAND SUSTENTÁVEL ABF FRANCHISING EXPO 2012

GE Energy. Motores a gás. America Latina

Fusões e Aquisições no Setor Sucroalcooleiro e a Promoção da Bioeletricidade

Biodiesel Uma Sinopse das Conjunturas Brasileira e Mundial.

Os Biocombustíveis na Indústria Aeronáutica Seminário - Fontes Renováveis de Energia na Aviação DCA-BR S. J. Campos, 09 / Junho / 2010

ORIENTAÇÕES BÁSICAS PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS

Maria Paula Martins Diretora Geral

Qualificação de Procedimentos

Figura 1-1. Entrada de ar tipo NACA. 1

PROJETO DE LEI Nº, DE 2008

3 Modelo Evolucionário para Sustentabilidade Inteligente

ENERGIAS RENOVÁVEIS NA AMAZÔNIA Como Conciliar Desenvolvimento e Sustentabilidade

PLANEJAMENTO URBANO E DE TRANSPORTES BASEADO EM CENÁRIO DE MOBILIDADE SUSTENTÁVEL O CASO DE UBERLÂNDIA, MG, BRASIL

DESENVOLVENDO HABILIDADES CIÊNCIAS DA NATUREZA I - EM

Produção e consumo de óleos vegetais no Brasil Sidemar Presotto Nunes

UNIÃO DOS PRODUTORES DE BIOENERGIA

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS <!ID > RESOLUÇÃO Nº 15, DE 17 DE JULHO DE 2006

DÚVIDAS FREQUENTES SOBRE O DIESEL S-50

Biocombustíveis da Amazônia. Primeira Iniciativa Comercial na Produção de Biodiesel no Estado do Amazonas

Logística e Sustentabilidade. Valter Luís de Souza Diretor Presidente Tora Transportes Industriais Ltda

PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS POR PEQUENOS PRODUTORES

Células de combustível

Consumo e geração de energia equilibrados

DÚVIDAS FREQUENTES SOBRE O DIESEL S-50. Fonte: Metalsinter

BIOCOMBUSTÍVEIS: UMA DISCUSSÃO A RESPEITO DAS VANTAGENS E DESVANTAGENS RESUMO

USO DE ÓLEO BRUTO DE GIRASSOL EM MOTOR DIESEL

USO DO GÁS NATURAL DE PETRÓLEO NA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Repensando a matriz brasileira de combustíveis

Arquitetura das Unidades de Controle Eletrônico

CAPÍTULO 3 PROTOCOLO DE KIOTO

Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Exatas e da Natureza Departamento de Química Disciplina: Físico-Química II Professora: Claudia

GNV. Combustível de baixo impacto ambiental para frotas de Táxis.

POTENCIAL DA BIOENERGIA FLORESTAL

Os Princípios do IDFC para Promover um Desenvolvimento Sustentável 1

Papel dos biocombustíveis na matriz energética brasileira

Aula 19 Conteúdo O homem e o meio ambiente. Principais problemas ambientais do mundo.

BIODIESEL PARA O CIB

Gestão do uso de óleo de cozinha para produção de biodiesel

ALEXANDRE UHLIG Instituto Acende Brasil. EXPANSÃO DA GERAÇÃO NA ERA PÓS- HIDRELÉTRICA Guia para debates

Transcrição:

VISCOSIDADE E DESEMPENHO DE MISTURAS DIESEL / BIODIESEL EM UM MOTOR MONOCILÍNDRICO Claudio Vidal Teixeira a, Marcelo José Colaço b e Aldélio Bueno Caldeira c a Centro Tecnológico do Exército, Seção de Blindados e Viaturas Militares Avenida das Américas, 28705, 23020-470, Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. claudiovidalteixeira@gmail.com b Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Engenharia Mecânica, COPPE - Avenida Horácio Macedo, 2030, 21945-970, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. colaco@poli.ufrj.br c Instituto Militar de Engenharia, Seção de Engenharia Mecânica e de Materiais Praça General Tibúrcio, 80, 22290-270, Praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. * aldelio@ime.eb.br RESUMO Este trabalho tem por objetivo medir a viscosidade e avaliar experimentalmente o desempenho de misturas diesel/biodiesel em um motor monocilíndrico. O motor foi acoplado a um gerador de energia elétrica, o qual fornecia 1500 W, 3000 W e 4500 W a um sistema elétrico. Misturas combustíveis com diferentes quantidades do diesel comercial (B4) e do biodiesel de palma esterificado (B100) foram testadas. A viscosidade cinemática, as emissões de NOx e o consumo específico de combustível das misturas de biodiesel foram medidas e analisadas por serem indicadores do desempenho motor. Ademais, as medidas de viscosidade cinemática dos combustíveis são de grande importância na caracterização do combustível e no projeto dos sistemas de bombeamento e injeção de combustível, bem como influencia o atraso da ignição. Os resultados revelam que o diesel comercial tem melhor desempenho tanto no aspecto de eficiência energética quanto de emissões de NOx, bem como apresenta menor viscosidade que o biodiesel, favorecendo o sistema de injeção de combustível. Palavras-chave: biodiesel, motor de combustão interna, viscosidade. ABSTRACT This study aims to measure the viscosity and evaluate experimentally the performance of diesel / biodiesel mixtures in a single cylinder engine. The engine was coupled to an electric generator, which provided 1500 W, 3000 W and 4500 W to an electric system. Fuel mixtures with varying amounts of commercial diesel (B4) and biodiesel esterified palm (B100) were tested. The kinematic viscosity, NOx emissions and the specific fuel consumption of the biodiesel mixtures were measured and analyzed as being indicators of motor performance. Moreover, measures of 1 o Trimestre de 2013 3

kinematic viscosity of fuels are of great importance in the characterization and design of the fuel pumping and fuel injection systems as well as influence the ignition delay. The results reveal that the commercial diesel is better both in terms of energy efficiency as well as NOx emissions, and has lower viscosity than biodiesel, which is better for the fuel injection system. Keywords: biodiesel, engine, viscosity. INTRODUÇÃO A substituição dos combustíveis de origem fóssil, considerados fontes não renováveis, por combustíveis de fontes renováveis, tornou-se um objetivo global, destacando-se em três áreas primordiais: a econômica, a política e a social. Entretanto, para que a inserção de biodiesel no mercado se torne uma realidade é necessário transpor alguns obstáculos. Estudos mostram que motores de ciclo diesel só estão aptos a trabalhar, sem modificação, com misturas contendo até 20% de biodiesel. Acima deste percentual há entraves técnicos que necessitam de avaliações mais elaboradas quanto ao desempenho, ao consumo específico de combustível e às emissões do motor. No Brasil, as investigações relativas à utilização de óleos vegetais, como combustível alternativo, ocorreram bem antes da crise do petróleo. As primeiras pesquisas foram desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Tecnologia nos anos de 1920. No ano de 1950, o Instituto de Tecnologia Industrial de Minas Gerais realizou ensaios, utilizando óleos combustíveis provenientes do ouricuri, da mamona e do algodão em motores 6 cilindros. Entretanto, somente nos anos 70 as pesquisas sobre a utilização de combustível de origem vegetal ganharam impulso. O objetivo principal era reduzir a dependência do petróleo, cujo preço e fornecimento estavam desestabilizados, devido às crises energéticas que assolaram o mundo naquela década (Osaki et al., 2008). O ano de 1980 ficou marcado por uma descoberta importante: o Probiodiesel. Este combustível de origem vegetal, que tinha como objetivo substituir o óleo diesel. Óleos vegetais derivados da soja, do babaçu, do amendoim, do caroço de algodão, da colza, do girassol e do dendê foram utilizados como combustível. Na mesma década, foi criado o querosene vegetal de aviação que recebeu o nome de Prosene. Estas descobertas deram origem ao registro, pelo INPI, da primeira patente mundial do biodiesel e do querosene vegetal de aviação que, com tempo, passou a ser de domínio público (Parente, 2003). Em 1982, o Governo Federal lançou o Programa de Óleos Vegetais (OVEG), em parceria com a indústria automobilística. O projeto estava voltado, especificamente, para a comprovação técnica da utilização do biodiesel em motores diesel. Mais uma vez, a motivação foi gerada pela alta nos preços do petróleo, reflexo da segunda crise que ocorreu em 1979. O OVEG contou com a participação de diversos institutos de pesquisa como IME, IPT e UFC, além do apoio das indústrias automobilísticas, dos fabricantes de peças e dos produtores de lubrificantes. Entretanto, em 1985, o declínio do preço 4 1 o Trimestre de 2013

do petróleo no mercado mundial fez com que os investimentos em estudos sobre combustíveis derivados de óleos vegetais desvanecessem, impedindo o desenvolvimento do programa (Hinrichs e Kleinbach, 2003). A valorização dos aspectos ambientais, aliada a sustentabilidade dos sistemas energéticos e ao receio da notória instabilidade no preço do petróleo, trouxe de volta o interesse nos de óleos vegetais combustíveis. Com isso, diversas instituições passaram a desenvolver atividades neste campo e algumas ações governamentais foram tomadas para impulsionar as pesquisas científicas. No ano de 2000, as universidades, centros de pesquisa e empresas brasileiras, foram incentivadas a realizar projetos de desenvolvimento de tecnologia e de produção de biodiesel. Mais tarde, através da Portaria MCT 702, de 30 de outubro de 2002, o Governo Federal lançou o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel PROBIODIESEL. Em 2004, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) foi instituído, fruto de estudos realizados pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que abordavam a viabilidade de utilização de biodiesel como fonte alternativa de energia. Finalmente, em 2005, o biodiesel foi introduzido na matriz energética brasileira, por força de lei. A mesma lei ampliou as funções da ANP, que desde então assumiu a atribuição de regular e fiscalizar as atividades relativas à produção, ao controle de qualidade, à distribuição, à revenda e à comercialização do biodiesel e da mistura óleo diesel-biodiesel. O Marco Regulatório foi editado neste mesmo ano, o que tornou possível organizar a cadeia produtiva, definir as linhas de financiamento e estruturar a base tecnológica do biodiesel. Além disso, estabeleceu as condições legais para a introdução do biodiesel no óleo diesel comercializado no Brasil na proporção de 2%, em 2008, e de 5%, até 2013. Entretanto, a Resolução nº 2 do CNPE publicada em março de 2008, alterou de 2% para 3% o percentual obrigatório de biodiesel ao óleo diesel, a partir de 1º de julho de 2008. Esta medida comprova que o Brasil pretende acelerar o processo de utilização de biodiesel, como fonte alternativa de energia. Motivos não faltam, uma vez que o consumo brasileiro de óleo diesel é da ordem de 36 bilhões de litros, dos quais cerca de 20% são obtidos por meio de importação de petróleo. A produção de biocombustível abre, portanto, possibilidades de modificar este cenário conferindo independência econômica e uma posição estratégica em relação ao combustível fóssil. O biodiesel é um éster de ácido graxo, obtido a partir da transesterificação, que é uma reação química de óleos ou gorduras de origem animal ou vegetal, com um álcool na presença de um catalisador (Meirelhes Filho, 2003). á Há várias espécies de vegetais no Brasil que podem ser utilizadas como matéria-prima do biodiesel: mamona, dendê (palma), girassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja. O biodiesel pode também ser obtido por outros processos tais como o craqueamento e a esterificação. A Resolução NR 7 de 19 de Março de 2008 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ANP, publicada no DOU de 20 de março de 2008, estabeleceu a definição de biodiesel para todos os efeitos legais e de controle de qualidade: Biodiesel B100: combustível composto de alqui-ésteres de ácidos graxos de cadeia longa, derivados de óleos vegetais ou de gorduras animais, conforme a especificação contida no Regulamento Técnico nº 1/2008.o A mesma resolução 1 o Trimestre de 2013 5

também estabeleceu a definição de misturas entre diesel e biodiesel: Mistura óleo diesel/biodiesel BX combustível comercial composto de (100-X)% em volume de óleo diesel, conforme especificação da ANP, e X% em volume do biodiesel. O biodiesel apresenta uma série de características que o coloca em vantagem em relação ao combustível de origem fóssil. A principal delas consiste no fato de ser fonte de energia renovável em curto prazo ao contrário dos combustíveis fósseis que levam milhões de anos para se formarem. O biodiesel tem alto ponto de fulgor e, portanto, baixo risco de explosão, facilitando assim o transporte e o armazenamento. Em relação ao efeito estufa, a queima de biodiesel gera índices de poluição menores se comparada à queima de óleo diesel, proporcionando ganho ambiental para todo o planeta. A produção de plantas que originam o biodiesel gera emprego e renda no campo, contribuindo para diminuição do êxodo rural. Apesar dos aspectos positivos, o biodiesel apresenta algumas desvantagens que podem comprometer a utilização dessa fonte de energia de maneira sustentável. Para suprir uma demanda mundial serão necessárias plantações em grandes áreas agrícolas. Isto pode ocasionar desmatamento indiscriminado de florestas em países que não fiscalizam adequadamente sua flora. Além disso, o uso de grãos para a produção do biodiesel pode acarretar aumento nos preços dos produtos derivados deste tipo de matéria-prima ou que os utilizam em alguma fase de produção. Kalam e Masjuki (2002) examinaram o desempenho e as emissões dos gases em um motor de 4 cilindros Isuzu 4FB1 e, para coletar os dados, empregaram um dinamômetro e um analisador de gases Bosch ETT 008.36. No estudo foram utilizados três combustíveis diferentes, cujas características estão expostas a seguir: (OD) óleo diesel comum; (A) 50 ppm aditivo + 7.5% biodiesel de palma (POD) + 92.5% OD; e (B) 50 ppm aditivo + 15% biodiesel de palma (POD) + 85% OD. Em relação à potência, os resultados mostram que, quanto maior a concentração de biodiesel de palma, melhor o desempenho do motor. Isto ocorreu devido ao aditivo IRGANOR NPA que influenciou a transformação de energia térmica em energia mecânica aumentando a eficiência no momento da combustão. Quanto às emissões de gases, foi observado que um aumento na concentração de biodiesel de palma no combustível utilizado acarretou diminuição de NOx, de CO e de HC, sendo que o óleo diesel apresentou os maiores índices desses produtos nas amostras de emissões coletadas. Kanok-On e Chinda (2004) utilizaram um motor diesel monocilíndrico Yanmar TF 85 LM para verificar seu desempenho, utilizando como combustível o óleo diesel comum; misturas B10, B50, B90 e B100 de biodiesel de palma e misturas B10, B50, B90 e B100 de óleo vegetal de coco in natura. Após vários experimentos, constataram que a potência diminuiu quando o motor foi abastecido com as misturas de biodiesel de palma e misturas de óleo vegetal de coco in natura. Em contrapartida, o consumo específico aumentou à medida que a porcentagem de óleo diesel na mistura diminuiu. Rakopoulos et al. (2006) conduziram um estudo experimental para avaliar o desempenho e a emissão de gases provenientes de um motor abastecido com vários combustíveis: misturas B10 e B20 de biodiesel de algodão, de soja, de girassol, de colza e de palma). Os testes foram executados utilizando um motor diesel 6 1 o Trimestre de 2013

monocilíndrico, trabalhando em velocidade angular de 2000 rpm e submetido a cargas média e alta. Os resultados mostram que as emissões de NO x tiveram suave redução utilizando misturas B10 e B20 de óleo vegetal e misturas B10 e B20 de biodiesel, se comparadas às emissões oriundas do diesel convencional. Quanto ao CO, foi observado o mesmo comportamento em relação às misturas B10 e B20 de biodiesel. Já as emissões de HC não apresentaram mudanças relevantes. Em relação ao consumo específico, os testes apontam um leve aumento tanto ao abastecer o motor com misturas B10 e B20 óleos de origem vegetal quanto com misturas B10 e B20 de biodiesel. Kalam e Masjuki (2008) estudaram o comportamento do motor de 4 cilindros Isuzu 4FB1, utilizando três combustíveis diferentes: 100% óleo diesel (B0); 20% biodiesel de palma e 80% diesel B0 (B20); e B20 com X% de aditivo (B20X), onde X é a porcentagem do aditivo 4-Nonyl phenoxy acetic acid (NPAA) no combustível B20. Os resultados mostram que o B20X apresentou potência maior que o B20 e o B0, o que pode ser atribuído à influência do aditivo. Em relação ao consumo específico, o comportamento do B20 e do B20X foram similares ao do B0 até atingir a velocidade angular de 2250 rpm, após este patamar, o consumo de combustível do B20 aumenta. O consumo do B20X continua semelhante ao do B0 até atingir a velocidade angular de 3500 rpm e depois aumenta. Quanto às emissões, a concentração de NO x, CO e de HC são menores no combustível B20X, seguida do B20 e, por último do B0. No presente trabalho, medidas de viscosidade cinemática dos combustíveis foram realizadas, pois são de grande importância na caracterização do combustível e na avaliação dos sistemas de bombeamento e injeção do combustível. Destaca- -se ainda o fato da viscosidade influenciar o atraso da ignição e, portanto a eficiência da combustão. As emissões de NOx foram priorizadas em relação a outros poluentes por questões ambientais e técnicas. Neste sentido, ressalta-se o fato da poluição do ar por NOx estar ligada a sérios problemas respiratórios. Além disso, as emissões de NOx permitem uma avaliação qualitativa do processo de combustão. Ademais, o consumo específico de combustível foi adotado como um indicador da eficiência energética do sistema, sendo de fácil medição. METODOLOGIA As medidas de viscosidade foram conduzidas em um viscosímetro SAYBOLT. Enquanto, um aparato experimental constituído por um motor AGRALE M90 acoplado a um gerador KOHLBACK ligado a uma instalação elétrica com nove lâmpadas, divididas em três bancos de lâmpadas distintos, cada um composto por três lâmpadas de 500 W de potência cada, foi monitorado operando em diferentes condições. Uma representação das partes integrantes do sistema experimental é mostrada na Figura 1. Neste sistema, as emissões de NOx e do consumo específico de combustível foram medidas. 1 o Trimestre de 2013 7

Figura 1 - Aparato experimental (Teixeira, 2010). As especificações do motor e do gerador são apresentadas nas Tabs. 1 e 2, respectivamente. Os testes foram executados com o motor trabalhando a uma velocidade angular de 1800 rpm, utilizando 6 tipos de combustível: óleo diesel comercial (B4); biodiesel de palma obtido através do processo de esterificação (B100) e misturas (B20), (B40), (B60) e (B80). Tabela 1. Especificação do Motor (Teixeira, 2010). MOTOR AGRALE M90 Potência NB - ISO 3046 13 cv / 9,6 kw / 2500 rpm NBR ISO 1585 Torque Máximo 3,9 mdan / 2350 rpm NBR ISO 1585 Número de cilindros 1 Taxa de compressão 20:1 Sistema de injeção Injeção direta Tabela 2. Especificação do Gerador (Teixeira, 2010). GERADOR KOHLBACK Potência kva 7,5 Voltagem Frequência 220/117 V 60 Hz Os instrumentos utilizados para realizar os testes foram: opacímetro NA-9000 8 1 o Trimestre de 2013

e analisador de gases MODAL 2010-AO. Ademais, para controlar o gerador, foi usado um sistema composto por: amperímetro HARTMANN e Braun com escala 5 a 20 A e sensibilidade de 0,5 A; voltímetro HARTMANN e BRAUN com escala 100 a 250 V e sensibilidade de 5. O acionamento parcial ou total das lâmpadas permitiu a variação da carga aplicada ao motor. Portanto, o aparato experimental utilizado constitui um experimento de baixo custo que, com as devidas limitações, pode substituir o uso de um dinamômetro. Este aparato também se destaca pelo fato do uso de um grupo gerador representar uma real necessidade de aplicação do biodiesel em sistemas isolados de geração elétrica. Estes sistemas têm crescido em importância, em especial na região Amazônica, em face das dificuldades de suprimento das comunidades mais afastadas. O experimento foi dividido em três etapas. Na primeira, os terminais do gerador foram ligados a um banco de lâmpada, totalizando uma demanda de 1500 W. Na segunda etapa os terminais do gerador foram ligados a dois bancos de lâmpadas, totalizando uma demanda de 3000 W. E, finalmente, na terceira etapa os terminais do gerador foram ligados a três bancos de lâmpadas, totalizando uma demanda de 4500 W. Após a estabilização do motor, os dados relativos ao consumo de combustível e às emissões foram coletados. RESULTADOS As viscosidades cinemáticas dos combustíveis utilizados nos ensaios estão apresentadas na Tab. 3. Estas medidas foram obtidas utilizando um viscosímetro SAYBOLT. A incerteza nestas medições é igual a ± 0,2 cst. Verifica-se que a viscosidade cinemática aumenta com o aumento da quantidade de biodiesel na mistura. Portanto, quanto maior a quantidade de biodiesel no combustível, mais energia será necessária para o bombeamento do combustível. Tabela 3. Viscosidade cinemática dos combustíveis a 40 o C (Teixeira, 2010). COMBUSTÍVEL n (cst) B4 3,4 B20 3,4 B40 3,6 B60 4,1 B80 4,7 B100 4,9 A viscosidade influencia diretamente a atomização, ou seja, quanto maior a viscosidade, maior o tamanho médio das gotas do spray combustível na câmara de combustão. Em consequencia, maiores gotas resultam em misturas piores e de queima mais lenta, prejudicanto a ignição e a eficiência da combustão. Logo, o aumento da viscosidade aumenta o atraso na ignição em motores ciclo diesel. A Figura 2 ilustra o comportamento do motor em relação às emissões de NOx. Pode-se perceber que quanto maior a carga a que o motor é submetido maior é a 1 o Trimestre de 2013 9

quantidade de NOx nos gases de exaustão. Observa-se também que o óleo diesel comercial (B4) apresentou os menores índices de emissão de NOx. Em contrapartida, foram registradas as maiores emissões de NOx quando o motor estava abastecido com biodiesel de palma (B100), um aumento médio de 8% nas emissões se comparada ao óleo diesel comercial (B4). Entretanto, considerando os erros experimentais, pode-se afirmar que os valores das emissões de NOx independem da quantidade de biodiesel na mistura combustível, salvo nas divergências das medidas realizadas para o B4 e o B100 com 4500 W. Figura 2. Emissão de NOx. O consumo específico de combustível (CEC) é um indicador da eficiência energética do sistema. Este parâmetro é calculado dividindo a vazão mássica do combustível pela potência produzida pelo motor. A vazão mássica é resultado do produto da vazão volumétrica pela massa específica do combustível. As massas específicas dos diversos tipos de combustível utilizados neste estudo estão expostas na Tabela 4. A incerteza destas medidas é igual a ± 0,005 g/cm 3. Observando as Tabelas 3 e 4, constata-se que como a massa específica aumenta com o a quantidade de biodiesel na mistura combustível, bem como a viscosidade cinemática. Portanto, a viscosidade dinâmica aumentará ainda mais com a quantidade de biodiesel na mistura combustível. Tabela 4. Massa específica dos combustíveis a 26 o C (Teixeira, 2010). COMBUSTÍVEL ρ(g/cm 3 ) B4 0,832 B20 0,835 B40 0,836 B60 0,847 B80 0,853 B100 0,856 Para calcular a vazão volumétrica do combustível foi utilizada uma bureta de 10 1 o Trimestre de 2013

100 ml de volume e observado o tempo que o combustível contido neste recipiente levava para ser consumido durante cada experimento. A Figura 3 apresenta o consumo de combustível referente aos testes de desempenho dos combustíveis. Pode ser observado que, considerando a demanda do banco de lâmpadas de 4500 W, o óleo diesel comercial apresentou consumo específico de combustível inferior comparado ao biodiesel de palma (B100) e suas misturas. Figura 3. Consumo específico de combustível (CEC). Não foi possível calcular o consumo de combustível para o banco de lâmpadas de 1500 W porque a corrente registrada no sistema de controle ficou abaixo de 5 A, portanto, fora da sensibilidade do equipamento. CONCLUSÕES As medidas de viscosidade realizadas revelaram que quanto maior a quantidade de biodiesel na mistura maior a viscosidade do combustível. Portanto, cuidados devem ser tomados com relação ao sistema de injeção de combustível ao se operar motores diesel com misturas diesel/ biodiesel. Combustíveis com viscosidade elevada podem provocar atrasos na ignição e comprometer o desempenho do motor. Consequentemente, o processo de combustão pode ser prejudicado a ponto de aumentar a emissão de poluentes e reduzir a eficiência energética do sistema. Em relação às emissões de NOx verifica-se que aumentando a carga a que o motor é submetido aumenta a quantidade de NOx nos gases de exaustão. Isto provavelmente acontece devido à elevação da temperatura no interior do cilindro quando a carga no motor aumenta. Como o NO x se forma, principalmente, na fase de pré-combustão quando a temperatura na câmara de combustão é mais alta, um maior tempo de exposição à altas temperaturas acaba produzindo maior quantidade de NO x. Ademais, a formação do NO x também está relacionada a outros dois fatores: ao nitrogênio (N 2 ) e ao oxigênio (O 2 ) presentes no ar da mistura ar-com- 1 o Trimestre de 2013 11

bustível no momento da combustão, ou ao nitrogênio presente na composição do próprio combustível. Como o combustível de origem vegetal utilizado neste trabalho apresenta baixos níveis de N 2 na sua composição, a maioria das emissões de NO x está associada ao primeiro caso. Contudo, considerando os erros experimentais, pode-se afirmar que as emissões de NOx independem da quantidade de biodiesel nas misturas combustíveis testadas. O óleo diesel comercial (B4) apresentou consumo específico de combustível inferior quando a solicitação de carga requerida foi de 4500 W. O mesmo foi observado quando a solicitação de carga requerida foi de 3000 W. Assim, uma menor quantidade de diesel é requerida pelo motor, em comparação com o biodiesel, para o fornecimento de uma mesma quantidade de energia ao gerador. Logo, levando-se apenas em consideração, a viscosidade cinemática e o consumo específico de combustível, foi constatado que, nas condições avaliadas, o diesel apresentou melhor desempenho que o biodiesel de palma. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao IME, a CAPES, ao CNPq e à FAPERJ por proporcionarem o financiamento e a infra-estrutura necessários ao desenvolvimento de suas atividades de pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Kalam, M. A., Masjuki, H. H. Biodiesel from Palm oil - An Analysis of its Properties and Potential. Biomass and Bioenergy, 23, p. 471-479, 2002. Kalam, M. A., Masjuki, H. H. Testing palm biodiesel and NPAA additives to control NOx and CO while improving efficiency in diesel engines. Biomass and Bioenergy, 32, p. 1116-1122, 2008. Kanok-On, R., Chinda, C. Performance of an Engine Using Biodiesel from Refined Palm Oil Stearin and Biodiesel from Crude Coconut Oil. In: The Joint International Conference on Sustainable Energy and Environment (SEE), Hua Hin, Thailand, p. 30-44, 2004. Hinrichs, R., Kleinbach, M. Energia e Meio Ambiente. Cengage Learning Editores, 2003. Meirelles Filho, J. O Livro de Ouro da Amazônia. Ediouro, 2003. Osaki, M., O., Batalha, M. Produção de Biodiesel e Óleo Vegetal no Brasil: Realidade e Desafio. In: XLVI Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Rio Branco-Acre, 2008. Parente, E. J. S., Biodiesel: Uma Aventura Tecnológica Num País Engraçado. Fortaleza: Tecbio, 2003. Rakopoulos, C. D., Antonopoulos, K. A., Rakopoulos, D. C., Hountalas, D. T., Giakoumis, E. G. Comparative performance and emissions study of a direct injection Diesel engine using blends of Diesel fuel with vegetable oils or bio-diesels for various origins. Energy Conversion and Management, 47, p. 3272 3287, 2006. Teixeira, C. V., Análise de Emissões e Desempenho de Motores Diesel Utilizando Óleo Diesel Comercial, Biodiesel de Palma (B100) e Misturas (Bx), dissertação de mestrado, Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, Brasil, 2010. 12 1 o Trimestre de 2013