INSUMOS EM AGROECOSSISTEMAS FAMILIARES COM PRODUÇÃO DE BASE ECOLÓGICA NA REGIÃO OESTE DE SANTA CATARINA

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Transcrição:

INSUMOS EM AGROECOSSISTEMAS FAMILIARES COM PRODUÇÃO DE BASE ECOLÓGICA NA REGIÃO OESTE DE SANTA CATARINA SOUZA,R.T.M. 1 ; VERONA,L.A.F. 2 ; FACHINELLO,M. 3 ; MARTINS,S.R. 4 1 UFSC, raqueltsouza@hotmail.com; 2 EPAGRI, luizverona@epagri.sc.gov.br; 3 UFFS, marciane1929@hotmail.com; 4 PVNS/CAPES/UFFS; PPGEA/UFSC, martinss@brturbo.com.br Introdução A utilização de insumos comerciais desempenha um papel importante na agricultura, com múltiplos vieses. Se por um lado, a oferta destes insumos favorece a execução das atividades agrícolas, disponibilizando produtos que auxiliam o agricultor no combate à pragas e doenças, melhoramento do solo e beneficiamento de produtos para agregação de valor, por exemplo, representa também altos custos para os produtores e, não raro, uma ameaça à sustentabilidade dos agroecossistemas. O uso intensivo de insumos externos foi um dos principais pilares da Revolução Verde que, visando o aumento da produtividade, gerou uma grande dependência pelos pacotes tecnológicos, compostos em grande escala pela utilização massiva de insumos químicos sintéticos (Almeida, 1997). Atualmente, entretanto, questões como a inserção da importância da sustentabilidade no escopo do desenvolvimento rural e o reconhecimento do potencial da agricultura familiar como modelo social, econômico e produtivo para o Brasil (Schneider, 2010), batem de frente com os impactos gerados por esse elevado nível de dependência dos agroecossistemas com relação a insumos externos que, antes eram desnecessários ou eram produzidos dentro da propriedade agrícola. Atrelado a evidente necessidade de buscar formas mais sustentáveis de produção agrícola, que favoreçam a inclusão social e o desempenho econômico e ambiental da agricultura familiar, está a emergência de uma revolução agroecológica que, conforme colocam Altieri & Toledo (2011), direciona agroecossistemas para a produção de alimentos saudáveis por meio do baixo uso de insumos e da conservação e regeneração da agrobiodiversidade. Como conseqüência, tem-se uma agricultura que se esforça para a redução contínua dos danos ambientais e que fortalece a segurança e soberania alimentar do país, além de restaurar a auto-suficiência dos agricultores (Altieri & Toledo, 2011; Caporal, 2009). Para a agricultura familiar, dentro do contexto brasileiro de forma geral, a diminuição da dependência por insumos externos adquire uma importância imensa, ao passo que diminui os custos do produtor, trazendo uma perspectiva real de aumento de renda. De acordo com Faulin & Azevedo (2005), a compra de insumos pode representar mais da metade do valor de venda dos produtos finais. Dessa forma, a Revolução Verde foi um processo de desenvolvimento que reduziu, ao longo do tempo, a renda de muitos agricultores, demonstrando também que globalmente ocorre um processo de engessamento da agricultura e, paralelamente, uma articulação com setores agroindustriais (Almeida, 1997). Portanto, a questão da utilização de insumos externos deve ser encarada sob a ótica de um redesenho do agroecossistema que favoreça a diminuição contínua dessa dependência e não a mera

substituição de insumos químicos por insumos alternativos. Essa ressalva é importante, pois com o advento de muitas agriculturas alternativas o que vêm ocorrendo é a substituição de insumos químicos por outros insumos biológicos/orgânicos, também comerciais. Essa simples troca de insumos não resolve a questão da dependência dos agricultores com relação aos fornecedores destes produtos, cooperativas, corporações etc. (Altieri & Toledo, 2011). Além disso, muitas vezes não atenua sequer os danos ambientais, pois são passíveis de gerar outros tipos de contaminação, devido ao uso inadequado dos materiais orgânicos,como aponta Lampkin (1998 apud Caporal, 2009). Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo a análise do nível de dependência de agricultores familiares que adotam a Agroecologia como base para seu processo de desenvolvimento, identificando e tecendo uma breve análise dos fatores que favorecem e que limitam a autonomia dos agricultores familiares com relação a esses insumos. O trabalho faz parte do projeto Avaliação de sustentabilidade de agroecossistemas hortícolas, com base de produção na Agroecologia e na agricultura familiar, no oeste da região Sul do Brasil, idealizado pela Rede CONSAGRO (Construção de Rede para Avaliação de Sustentabilidade) e apoiado pelo CNPq e FAPESC no âmbito doedital Redes Nacionais de Pesquisa em Agrobiodiversidade e Sustentabilidade Agropecuária (REPENSA). Material e Métodos Para o alcance dos objetivos propostos neste trabalho, foi realizado um estudo de caso em cinco agroecossistemasfamiliares e de base de produção agroecológica situados no município de Chapecó, Santa Catarina. O trabalho teve como base o método MESMIS (Marco para a Avaliação de Sistemas de Manejo de Recursos Naturais Incorporando Indicadores de Sustentabilidade) de avaliação de sustentabilidade (MASERA et al., 2000), sendo conduzido a partir de uma abordagem sistêmica e participativa. As informações obtidas são oriundas dos relatos das famílias agricultoras participantes do estudo, os quais foram coletados a partir de uma entrevista semiestruturada, realizada de forma individual com cada família entre abril e junho de 2011. Resultados e Discussão Todos os cinco agroecossistemassão certificados pela Rede Ecovidade Agroecologia, através do Sistema Participativo de Garantia, previsto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Adotando-se os níveis propostos por Hill (1985 apud Gliessman, 2009)para a categorização do processo de conversão rumo agroecossistemas sustentáveis, pode-se dizer que todos os cinco agroecossistemas enquadram-se no nível 3 o mais próximo da sustentabilidade. Isto significa que estes agroecossistemas já não fazem mais uso de nenhum insumo químico-sintético e têm um conhecimento bastante profundo das técnicas, premissas e reivindicações que estão inseridas no escopo da agroecologia. Os principais pontos defendidos pela Agroecologia estão internalizados na rotina das famílias, que adotam muitas das práticas recomendadas por este campo do conhecimento. Dessa forma, as famílias já conseguem atuar mais no campo da prevenção de problemas do que na remediação, sendo o exemplo mais claro a

preocupação com a saúde do solo e das plantas, evitando o ataque de pragas e doenças e reduzindo muito a necessidade de utilização de defensivos permitidos para a Agroecologia. No entanto, os agroecossistemas são também bastante heterogêneos, estando em diferentes situações deste denominado nível 3. Novamente utilizando-se do exemplo da prevenção de doenças e ataque por pragas, existem dois agroecossistemas que possuem uma capacidade bastante elevada de prevenção e de atuação adequada na fase inicial do problema. Por outro lado, existe um agroecossistema, que está há menos tempo no processo de transição (5 anos), que ainda apresenta bastante dificuldade na escolha do melhor método para prevenção e remediação dos problemas. Como a experiência ainda é mais incipiente para esta família, os próprios agricultores se consideraram dependentes de assistência técnica para apoiálos neste processo de transição. Já os dois outros agroecossistemas estão em uma situação intermediária, na qual dão conta de realizar práticas de prevenção e remediação com mais autonomia, mas ainda carecem de elementos que favoreçam o desenho sustentável do sistema de produção. De maneira geral, os principais insumos externosutilizados pelos agroecossistemas sãoenergia elétrica, combustível, sementes e mudas, esterco (para complementar o aporte de material orgânico vegetal nos processos de adubação orgânica) e itens para a prevenção e controle fitossanitário (os itens mais utilizados são caldas bordalesa e sulfocálcicae óleo de neem). As famílias que possuem agroindústria têm também algumas outras necessidades, como a aquisição de açúcar orgânico para a produção de compostas e de laranja orgânica para complementar a produção de sucos. Cabe frisar que apesar de apenas uma família ter apontado a assistência técnica como uma dependência, todas as outras famílias, em algum momento da entrevista, mencionaram de maneira indireta essa necessidade latente por assistência técnica regular e de qualidade para a viabilização de um processo de transição agroecológica mais amparado. Com relação a percepção das famílias frente ao seu nível de dependência por insumos externos, todas as famílias consideram que possuem um bom nível de autonomia. Por meio dos relatos das famílias percebese que elas enxergam essa autonomia como uma grande conquista possibilitada pela adoção da Agroecologia. É possível notar também que o processo de transição é repleto de estratégias para diminuir a necessidade de compra de insumos e que este é um fator importante para o aumento da lucratividade das famílias. A seguir são transcritas algumas falas das famílias que apontam para essas conclusões: Somos bastante auto-suficientes. Sempre tem algumas coisas que precisam vir de fora, mas se tivesse que produzir sem comprar nada, conseguiríamos. Se hoje parasse toda a entrada de insumos, algumas atividades seriam prejudicadas, principalmente as mais novas, que foram inseridas para aumentar a fonte de renda, mas não parariam. Não é exatamente uma dependência. Começamos do zero, e hoje conseguimos desenvolver as atividades. Como o escopo do projeto que deu origem a este trabalho envolve a avaliação da sustentabilidade dos agroecossistemas sob uma abordagem sistêmica, diversos outros assuntos foram conversados com as famílias durante as entrevistas, de forma que foi possível identificar os principais pontos que favorecem e que limitam a autonomia das famílias em função da necessidade de aquisição de insumos externos.

A Tabela1 sintetiza essas informações. Tabela 1.Identificação de fatores que favorecem e limitam a autonomia relativa a insumos externos Insumo Fatores que favorecem a autonomia Fatores que limitam a autonomia Energia elétrica Sementes e mudas Esterco - Utilização de alguns recursos genéticos crioulos pelas famílias; Realização de processos informais de trocas de sementes entre agricultores. Criação de alguns animais, em integração com os cultivos vegetais. Ausência de fontes alternativas ao abastecimento da rede elétrica municipal, como biodigestores. Ausência de mecanismos fortes e formalizados para a troca de sementes crioulas entre os agricultores; Concentração da produção de sementes em poucas corporações; Elevado custo de sementes orgânicas certificadas. Mão de obra familiar insuficiente e dificuldade de contratação de mão de obra adicional para a confecção de mudas. Mão de obra familiar insuficiente e dificuldade de contratação de mão de obra adicional para viabilizar o aumento da quantidade e diversidade de animais criados no agroecossistema; Manejo fitossanitário Adoção de diversas práticas recomendadas pela agroecologia para o manejo sustentável da saúde do solo*; Presença de vegetação nativa preservada nos agroecossistemas e boa diversidade de culturas, favorecendo dinâmicas benéficas de população entre herbívoros e seus predadores. Utilização de caldas alternativas com comprovada eficiência, adubos orgânicos diversos, todos estes podendo ser preparados em um ponto comum para várias famílias incentivando uma produção e comercialização coletiva. Mão de obra familiar insuficiente e dificuldade de contratação de mão de obra adicional para a realização de todas as práticas necessárias para a conservação da saúde do solo; Impossibilidade de controle total sobre ocorrência de doenças,ervas espontâneas e ataque por pragas. Os problemas são inerentes à atividade. *Práticas como rotação de culturas, adubação verde, compostagem e vermicompostagem, cobertura morta e associação de cultivos. Com base neste levantamento, pode-se perceber que a questão da mão de obra influencia diretamente na necessidade de compra de insumos externos. Isso se dá por diversos motivos complexos, porém é possível destacar algumas causas, entre elas a maior demanda por mão de obra inerente aos cultivos agroecológicos em relação aos convencionais, onde o uso de máquinas e insumos externos é massivo (Assis & Romeiro, 2007) e o êxodo rural, em especial a fuga dos jovens para os centros urbanos e o envelhecimento da população rural (Altmann, 2003). Em trabalho com avaliação de sustentabilidade em agroecossistemas familiares e orgânicos/ agroecológicos na região de Florianópolis (SC) e de Pelotas (RS), Matos Filho (2005) e Verona (2008) encontraram resultados bastante semelhantes, mostrando que a necessidade de aquisição de insumos

também se concentra em sementes, materiais para controle da fitossanidade e em materiais orgânicos para adubação, bem como uma grande limitação imposta pela escassez de mão de obra. No entanto, apesar das limitações destacadas, ficou bastante explícito que a diminuição da dependência por insumos externos é de fato inerente ao processo de transição agroecológica e que representa uma grande motivação para as famílias. Essas constatações vão de encontro à afirmação de Altieri & Toledo (2011), que apontam a promoção de técnicas economicamente viáveis, a partir do uso de conhecimentos tradicionais, agrobiodiversidade e utilização de recursos naturais, como um dos principais motivos para a adoção da Agroecologia por muitos movimentos sociais rurais, justamente por evitar a dependência por insumos externos. Conclusões A Agroecologia apresenta um potencial enorme para a transformação do meio rural brasileiro em busca de sistemas de produção mais sustentáveis. A priorização do uso de recursos naturais renováveis e disponíveis no agroecossistema devido, principalmente, a manutenção ou incremento da biodiversidade (tanto em termos agrícolas como em termos de preservação e conservação da vegetação nativa) favorece a diminuição da necessidade de aquisição de insumos externos. Esta autonomia é extremamente valorizada pelas famílias que compõe os agroecossistemas estudados, representando uma possibilidade de aumento de renda. Considerando o contexto brasileiro onde ocorre problemáticas com relação ao êxodo rural e à melhor qualidade de vida das famílias de agricultores, esta possibilidade de aumento de renda pode fazer a diferença em termos tanto de sobrevivência destas famílias no meio rural como em incremento da satisfação com o trabalho rural. Referências Bibliográficas ALMEIDA, J. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural)sustentável. In: ALMEIDA, J.; NAVARRO, Z. Reconstruindo a agricultura. PortoAlegre, Editora UFRGS, 1997. ALTIERI, M.A.; TOLEDO, V.M. The agroecological revolution in LatinAmerica: rescuing nature, ensuringfood sovereignty and empoweringpeasants. The Journal of Peasant Studies.v.38, n.3, p.587 612, 2011. ALTMANN, R. Perspectivasparaaagricultura familiar: horizonte 2010. Florianópolis: Instituto CEPA/SC, 2003. ASSIS, R.L.; ROMEIRO, A.R. O processo de conversão de sistemas deprodução de hortaliças convencionais para orgânicos. Revista de Administração Pública,v.41, p.863-85, 2007. CAPORAL, F.R. Agroecologia: uma nova ciência para apoiar a transição a agriculturas mais sustentáveis. Brasília: [s. n.], 2009. Disponível em: <http://www.fao.org/publications/sofi/en/>. Acesso em 20 jan. 2011.

FAULIN, E.J.; AZEVEDO, P.F. Administração da compra de insumos na produção familiar. In: SOUZA FILHO, HM; BATALHA, MO. Gestão integrada da agricultura familiar. São Carlos: EdUSCAR, 2005. GLIESSMAN, S.R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 2009. MASERA, O.; ASTIER, M.; LÓPEZ-RIDAURA, S. Sustentabilidad y manejo de recursos naturales: el marco de evaluación MESMIS. México: Mundi-Prensa, 2000. MATOS FILHO, A.M. Agricultura orgânica sob a perspectiva da sustentabilidade: uma análise da Região de Florianópolis SC, Brasil. Florianópolis, 2004. 172f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina. SCHNEIDER, S. Situando o desenvolvimento rural no Brasil: o contexto e as questões em debate. Revista de Economia Política, v. 30, p.511 531,2010. VERONA, L.A.F. Avaliação de sustentabilidade em agroecossistemas de base familiar e em transição agroecológica na região sul do Rio Grande do Sul. Pelotas, 2008. 193f.Tese Doutorado em Agronomia). Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel. Universidade Federal de Pelotas. Apoio: Projeto do Edital Repensa CNPq/FAPESC