Capítulo 3 O NEXO DE CAUSALIDADE EM PERITAGEM MÉDICA



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Transcrição:

www.mediperitus.com Capítulo 3 O NEXO DE CAUSALIDADE EM PERITAGEM MÉDICA Por Dr. DAVID FERNANDES LUÍS Diretor Clínico da Mediperitus, Centro de Peritagem e Diagnóstico PERITO MÉDICO CONTRATADO DO INML; COMPETENTE EM PERITAGEM MÉDICA DA SEGURANÇA SOCIAL; COMPETENTE EM AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL PÓS-TRAUMÁTICO; ESPECIALISTA EM MEDICINA DO TRABALHO; PÓS-GRADUADO EM MEDICINA LEGAL; PÓS-GRADUADO EM AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL; PÓS-GRADUADO EM MEDICINA LEGAL SOCIAL E DO TRABALHO; PÓS-GRADUADO EM MEDICINA DESPORTIVA. Desde há alguns anos a esta parte temos vindo a dedicar-nos à realização de perícias médicas no âmbito do direito do trabalho. Este é um trabalho muito entusiasmante onde se cruzam duas grandes áreas do conhecimento: a medicina e o direito. O início da nossa atividade profissional nesta área da medicina legal foi o culminar de um processo de amadurecimento profissional na especialidade de medicina do trabalho. De facto, sentimos que para compreender a doutrina subjacente à prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais (o objeto de estudo da medicina do trabalho) teríamos que compreender toda a problemática da reparação destes acontecimentos indesejáveis. Tivemos que entender as implicações médicolegais a jusante destes eventos para tornar claro a nossa intervenção médica a montante, na qualidade de médico do trabalho. Assim, viemos a adquirir competência nesta área, após aturado período de formação no Instituto Nacional de Medicina Legal. Nesta competência, o médico perito encontra terreno fértil para o exercício da sua arte: a de saber atender a vítima do infortúnio, a de saber entender o sinistrado e a de saber avaliar os danos corporais resultantes do evento traumático. Em particular, uma dúvida que nos invade a mente a todo o tempo é a problemática da imputabilidade médica ou do nexo de causalidade entre o evento traumático causador das lesões e as sequelas dele resultantes. Há nexo? Não há nexo? Havendo nexo, ele é total ou parcial? Ele é direto ou indireto? É certo ou hipotético? Sendo o nexo de causalidade o núcleo sobre o qual assenta um verdadeiro parecer de peritagem médica, muitas vezes analisa-lo e estabelecê-lo com segurança é uma tarefa complicada, senão fonte de litigância e até de conflitualidade aberta entre as partes intervenientes o sinistrado, o empregador, a seguradora, o médico, o advogado e o juiz de direito. O problema começa logo no momento em que é contratado o seguro por acidentes de trabalho. Quando um trabalhador é contratado, a entidade empregadora, seguindo os trâmites legais, contrata um seguro para o seu novo funcionário cujo prémio a pagar será em função da massa salarial mensal auferida por ele. A seguradora assume a responsabilidade por danos emergentes dos acidentes de trabalho mas nem sequer fez um exame médico ao trabalhador para avaliar o seu estado geral de saúde e conhecer o risco de este ter alguma predisposição patológica que possa ser a causa de acidente e por conseguinte da (s) lesão (ões) ou da (s) doença (as) daí resultantes. Não deveria ser esquecido que o estado de saúde anterior do trabalhador agora contratado e segurado, pode ser um fator de agravamento de algum eventual infortúnio de trabalho de que ele venha a ser vítima. Seria, portanto, prudente por parte da seguradora realizar um exame médico prévio a cada trabalhador por quem se responsabiliza por eventuais danos emergentes dos desastres de trabalho. Não se pode esquecer que Portugal é o líder da União Europeia em eventos desta natureza 231 1 MPMC03

casos mortais e 239 787 casos de acidentes de trabalho não mortais (Ano: 2008. Fonte: GEP). Nesta fase crucial do processo de contratação do novo colaborador para a empresa também falha o patrão que contrata o seu novo elemento porque o admite ao seu posto de trabalho sem o submeter ao Exame Médico de Admissão, obrigatório por lei no âmbito do normativo de segurança, higiene e saúde do trabalho em vigor no País. Isto passa-se na generalidade dos casos que conhecemos e é da nossa longa experiência profissional em diversas empresas em que tivemos a oportunidade de colaborar na qualidade de médico do trabalho. Em particular temos observado, em grandes empresas com Serviço de Medicina do Trabalho Interno, problemas quando um trabalhador que é vítima de algum evento traumático no local e tempo de trabalho vai fazer a participação do acidente de trabalho de que foi vítima. A primeira pessoa a quem o trabalhador relata o evento é ao colega de trabalho ou ao seu superior hierárquico, logo a seguir ao chefe de pessoal e finalmente ao responsável pelo Serviço de Medicina do Trabalho da empresa [o médico do trabalho] mas aonde pode estar apenas presente um enfermeiro de serviço já que o médico apenas vai à empresa uma ou duas vezes por semana, no período da manhã ou da tarde (e a razão é meramente economicista: ter o enfermeiro all-time fica mais barato do que ter o médico que cobra pesados honorários). Aqui temos, como dizia, um grande embaraço. A sequência do relato do acidente que indicamos só é seguida quando o evento traumático é de grande monta ou causa a morte da sua vítima. Se a lesão for de pequena a média gravidade pode nem sequer ser participada porque o chefe, o capataz ou o dito enfermeiro podem achar que é coisa pouca e não participam. O trabalhador, habitualmente pouco ou nada esclarecido sobre os seus direitos, lá encolhe os ombros, convindo com as suas mazelas sem receber nada (leia-se, receber indemnização). Já vimos, numa dessas empresas ser o citado profissional de enfermagem a «seleccionar» os casos de acidente que são participados à seguradora e a ser ele a tratar e a atribuir os períodos de incapacidades temporárias e a dar a alta clínica, claro está, curado sem desvalorização. Sequelas desvalorizáveis a título permanente nunca havia a registar Eu protestava, avisava que não era assim, indignava-me mesmo, mas como não era o médico do trabalho daquela empresa - tinha sido contratado para a clínica geral - nada podia fazer porque a gestão da sinistralidade laboral não estava na minha mão. Ora, nesta situação, o capataz agradece porque o trabalhador continua a trabalhar, o patrão também esfrega as mãos de contentamento pois recebe da seguradora a indemnização correspondente ao percentual de incapacidade temporária (que não entrega ao seu funcionário), continuando este a completar as 8 horas diárias de trabalho, acrescidas agora por mais ½ hora imposta pelos nossos amigos` da troika`. A seguradora igualmente rejubila pois assim poupa mais algumas centenas ou milhares de euros porque «o caso morreu ali». Deduzo mas não posso afirmar com certeza de fato que o cenário aqui exposto tenha contornos mais impróprios nas Pequenas e Médias Empresas, afinal de contas, o tipo de empresas que emprega mais gente em Portugal. Os mais prejudicados, nesta matéria, são sempre os mesmos os trabalhadores! O terceiro estorvo que se põe é que o acidente que é participado à seguradora, salvo raras excepções, é logo admitido como Acidente de trabalho. O sinistrado é recebido pelos seus serviços clínicos e são-lhe administrados tratamentos médicos e cirúrgicos tendentes à recuperação e cura das lesões. Só depois da alta clínica por cura com consolidação das lesões é que aparece alguém a escrever no Boletim da Alta Clínica que «Não há nexo». Se fosse para chegar a esta conclusão deviam tê-lo logo dito no momento da admissão aos seus serviços, poupando assim recursos humanos e pecuniários que podem ser avultados. Por outro lado, se a seguradora admite alguém aos seus cuidados de saúde prestando-lhe tratamentos (não recusando o nexo de causalidade) com que autoridade poderá depois essa mesma seguradora vir a alegar perante a vítima e o tribunal do trabalho que «Não há nexo»? Aqui os responsáveis, na nossa opinião, são os profissionais de saúde das seguradoras que deveriam ter sido capazes de proceder a uma triagem médica adequada, que é como quem diz «separar o trigo do joio». Proceder a esta selecção pode não ser fácil pelo que terá que ser realizada por um corpo clínico especializado e competente em peritagem médica. Esta triagem deverá ser realizada no sentido de distinguir apropriadamente as seguintes situações, com implicações médico-legais diferentes: 2 MPMC03

João Camocho, 2012 Figura 4 Infiltração de Síndrome de túnel cárpico (pode ser uma doença profissional, dependendo da profissão exercida). Acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima; o acidente que se verifique no trajeto normalmente utilizado e durante o período ininterrupto habitualmente gasto ou quando haja desvios ou interrupções motivados por necessidades atendíveis, força maior ou fortuito. «O acidente [de trabalho] é um acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade psico-física ou à saúde do corpo humano. A ideia de desastre pressupõe a subitaneidade do facto com os seus dois elementos: a imprevisão e a limitação de tempo» (CARVALHO, 1983: 25) (Exemplo: queda com fratura da extremidade distal do rádio). Doença profissional são a consequência directa da exposição de um trabalhador a um fator de risco de natureza física, química ou biológica mais ou menos prolongada durante o exercício da sua profissão. São as doenças que constam da Lista de Doenças Profissionais em vigor (Decreto Regulamentar nº 76/2007 de 17 de Julho); é ainda doença profissional a lesão corporal ou perturbação funcional que, não estando incluída na lista anteriormente referida, seja considerada como consequência necessária e direta da atividade exercida pelo trabalhador e não represente normal desgaste do organismo (doenças do trabalho) (Exemplo: surdez de percepção causada pelo ruído). Doença relacionada com o trabalho «tradução literal do termo, consagrada pelo uso, da expressão workrelated disease doenças multifatoriais em cuja etiopatogenia a influência do(s) fator(es) profissional(ais) não tem caráter decisivo, podendo contribuir com um ou mais fatores causais em presença» (UVA, 2010: 45) (Exemplo hipertensão arterial essencial). Doença agravada pelo trabalho «doença pré-existente ao início da actividade profissional e que é agravada pelo trabalho. A influência do(s) fator(es) profissional(ais) não dizendo respeito à génese ou etiopatogenia da doença incide(em) apenas na sua evolução ou história natural e no correspondente resultado final» (Op. cit.) (Exemplo: asma atópica). Doença natural doença em cuja etiopatogenia, habitualmente multifatorial, de acordo com a evidência clínica atual, nenhuma influência do(s) fator(es) profissional(ais) é considerada (Exemplo: pancreatite aguda). 3 MPMC03

Ora, neste diagnóstico diferencial só deverão ser aceites para tratamento e seguimento pelos Serviços Clínicos da Seguradora os acidentes de trabalho. As doença profissionais e doenças relacionadas com o trabalho suspeitas deverão ser participadas e referenciadas para o Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais DPRP - Núcleo de Certificação e Reparação (DPRP@seg-social.pt). As doenças agravadas pelo trabalho e as doenças naturais deverão ser referenciadas para o Sistema Nacional de Saúde (Centros de Saúde e S. de Urgência Hospitalares do SNS), para Sub-Sistemas de Saúde (Exo: ADSE e SAMS) ou para o Médico Assistente, consoante cada caso. João Camocho, 2012 Figura 6 Medindo o perímetro do braço de uma vitima de um acidente (uso da fita métrica como instrumento de medida) Na fase conciliatória do ciclo de gestão de um acidente de trabalho mas não na fase contenciosa, a questão do nexo de causalidade/imputabilidade médica deve ser sempre equacionada. No espírito do perito as seguintes questões [que configuram os clássicos critérios de SIMONIN] têm que ser sempre formuladas: - a natureza do traumatismo é adequada para produzir as lesões evidenciadas? - a natureza das lesões é adequada a uma etiologia traumática? - há adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão? - de acordo com o conhecimento médico, é plausível um encadeamento anátomo patológico e clínico, igualmente temporal, entre o evento traumático, as lesões e as sequelas que observamos? - finalmente, poderemos excluir uma causa estranha ao traumatismo? Para poder responder a estas questões, o perito médico avaliador vai proceder a uma entrevista clínica detalhada, irá procurar dados clínicos complementares, vai realizar um exame objectivo completo e direccionado (usando instrumentos de medida, evitando as medidas aproximadas «a olho»), irá solicitar exames complementares de diagnóstico se assim o entender e, sendo necessário, solicitará pareceres de outros especialistas das áreas médicas e cirúrgicas. O perito terá que estar atento à simulação e à dissimulação, respeitando a ética e a deontologia médicas. A questão do nexo de causalidade na fase conciliatória tem que ficar clara para nós médicos e para quem nos solicita os pareceres médico-legais. No relatório médico legal deverá ser realizada uma discussão aberta, lógica, coerente e sistemática porque «Peritar é estudar. Compreender, descrever e depois explicar para fazer compreender» (PIERRE LUCAS). A linguagem a utilizar na escrita terá que ser acessível à leitura por quem não é profissional de saúde. Deverão 4 MPMC03

ser evitados termos estritamente médicos, herméticos e de difícil compreensão por quem desconhece a ciência médico-cirúrgica. O nosso relatório é um documento com valor pericial e outros profissionais de outras áreas do conhecimento com especial relevância da área do direito (advogados, magistrados ) e do ramo segurador irão ler e analisar o que escrevemos. Farão, eventualmente, quesitos aos peritos médicos para esclarecerem as suas dúvidas e tomar decisões. Após este trabalho de investigação, o perito estará em condições de se pronunciar e explicar o tipo de nexo de causalidade em presença: 1 Nexo de causalidade certo «o evento foi seguramente a causa das lesões e/ou das sequelas observadas» (VIEIRA et al., 2008); 2 Nexo de causalidade directo «as lesões e/ou sequelas resultaram diretamente do evento» (Op. cit.); 3 Nexo de causalidade total «nenhuma outra causa para além do evento em apreço teve responsabilidade na afetação da integridade psico-física» (Op. cit.); 4 Nexo de causalidade hipotético «a análise dos critérios relativos ao nexo de causalidade não consente o seu estabelecimento com segurança, sucedendo todavia que o perito médico não o pode afastar formalmente» (Op. cit.). Segundo estes autores, não resta ao perito senão a de consignar no relatório pericial as suas dúvidas. Ou, como diz CHAUSSIER «A opinião do perito não deve ser estabelecida em suspeitas, presunções, probabilidades. Se após o exame pericial ficar na dúvida, na incerteza, é preciso exprimi-la de maneira formal». 5 Nexo de causalidade indireto a relação entre o evento traumático e as lesões ou sequelas observadas é indireta. É, por exemplo, o caso citado pelos autores acima referenciados, em que após um traumatismo abdominal grave o sinistrado necessitou de uma transfusão sanguínea e veio a sofrer contágio pelo vírus HIV ou outro vírus como o VHC. 6 Nexo de causalidade parcial «há outra (s) causa (s) susceptível de ter contribuído para a situação que observamos, ou seja, outra causa concorreu com o evento em apreço para a realização do efeito» (Op. cit.). Nesta situação haverá um estado intercorrente, uma predisposição patológica ou um estado anterior que concorreram junto com o evento traumático para as consequências finais deste. O que é que poderá ocorrer neste caso? o evento traumático não agravou o estado anterior; o evento traumático agravou o estado anterior; o evento traumático exteriorizou/desencadeou uma patologia latente; o estado anterior não teve uma influência negativa sobre as consequências do evento traumático; o estado anterior teve uma influência negativa sobre as consequências do evento traumático. Se, como temos vindo a considerar, a discussão do nexo de causalidade ou de imputabilidade médica é a pedra basilar de toda e qualquer perícia médica, a importância relativa desta análise não é a mesma nos vários ramos do direito em que se realiza. Se ela é indispensável no âmbito do direito civil, o mesmo não se pode dizer no âmbito do direito do trabalho. Porque a lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, é, nesta matéria, bastante redutora. De acordo com Corte Real, o esforço do médico perito em ser exato nesta questão pode não ser necessário porque o normativo referido na dita lei é que manda. Na alínea nº 1 do ARTIGO 11º está escrito: «A predisposição patológica do sinistrado [estado anterior] num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada» e na alínea nº 2 do mesmo artigo é reforçado: «Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior [estado anterior], ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á [pelos peritos médicos] como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remissão» e na alínea nº 3 «No caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente». 5 MPMC03