Doença de Von Recklinghausen - relato de caso e revisão da literatura

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Transcrição:

Doença de Von Recklinghausen - relato de caso e revisão da literatura Von Recklinghausen disease - case report and literature review Cláudio Affonso Lermen * Gabriela Salatino Liedke ** Heraldo Luis Dias da Silveira *** Reni Raymundo Dalla-Bona **** Lauro Nunes da Rosa ***** Heloísa Emília Dias da Silveira ****** Os autores apresentam uma revisão da literatura sobre a doença de Von Recklinghausen (neurofibromatose tipo 1) e relatam o caso clínico de uma paciente com comprometimento estomatológico abrangente, evidenciando as características clínicas e radiográficas desta enfermidade. A neurofibromatose é uma doença neurocutânea que apresenta, pelo menos, oito formas reconhecidas, sendo a neurofibromatose tipo 1 (NF1) a mais comum. Embora considerada uma desordem dermatológica, a presença de sinais na cavidade bucal de pacientes com neurobibromatose é bastante referenciada. Paciente de 22 anos, do gênero feminino, procurou o Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre referenciando aumento de volume na face que lhe comprometia a visão. O exame intrabucal revelou aumento de volume de consistência amolecida nos rebordos alveolares superior e inferior do lado esquerdo e, radiograficamente, constatou-se amplo comprometimento ósseo. Após criterioso exame, o quadro clínico observado foi sugestivo de NF1, diagnóstico confirmado pelo exame histopatológico. A extensão do dano, tanto funcional como estético, que pode ser causado pela NF1 e o potencial de transformação maligna da lesão tornam o diagnóstico precoce da enfermidade fundamental para o prognóstico do caso. Além disso, a possibilidade de envolvimento do sistema estomatológico insere o cirurgião-dentista entre os profissionais responsáveis pela identificação dessa doença. Palavras-chave: Neurofibromatose. Neurofibromas. Manifestações bucais. Introdução A neurofibromatose é uma doença neurocutânea que apresenta, pelo menos, oito formas reconhecidas, duas das quais são mais comuns, definidas como neurofibromatose tipo 1 (NF1 ou periférica), descrita como doença de Von Recklinghausen, e neurofibromatose tipo 2 (NF2 ou central), que afeta preferencialmente o sistema nervoso central 1. A NF1 é uma síndrome relativamente comum, representando de 85 a 90% dos casos de neurofibomatose 2 ; não tendo preferência por gênero ou raça, ocorre com a frequência de um caso para cada três mil nascimentos. Já a NF2 ocorre na proporção de um caso para cada cinquenta mil nascimentos; é herdada como caráter autossômico dominante simples, com penetrância variável e, frequentemente (50% dos casos), surge após mutação espontânea. A NF1 está diretamente relacionada ao cromossoma 17, ao passo que a NF2 está associada ao cromossoma 22 3-5. O cromossoma 17 é o responsável pela produção de neurofibromina, cuja função é regular a Ras, uma proteína envolvida no crescimento e na diferenciação celular. A NF1 determina a perda de atividade normal da neurofibromina, que se torna incapaz de inativar a Ras, a qual permanece ativa e, assim, desregula o crescimento celular e favorece a formação de um possível tumor. Após, alguns tumores, como o neurofibroma, necessitam de uma segunda mutação no gene da NF1, demonstrando que a função do gene NF1 é de supressão tumoral 5. * Mestre em Radiologia (UFRGS). ** Aluna do curso de mestrado em Radiologia (UFRGS). *** Doutor em Radiologia, professor substituto das disciplinas de Diagnóstico por Imagem (UFRGS). **** Doutor em Gerontologia Biomédica, professor Associado das disciplinas de Diagnóstico por Imagem (UFRGS). ***** Doutor em Estomatologia, professor Adjunto do Departamento de Odontologia Conservadora (UFRGS). ****** Doutora em Estomatologia, professora Associada das disciplinas de Diagnóstico por Imagem (UFRGS). 158

Em 1988, na Consensus Development Conference 6, foram definidos os critérios para diagnóstico da NF1 pelo Instituto Americano de Saúde, dos quais a presença de pelo menos dois itens caracteriza a doença: mais de seis manchas café-com-leite com mais de 5 mm de diâmetro em pacientes prépuberais e com mais de 15 mm de diâmetro em pacientes pós-puberais (de acordo com alguns autores este é um sinal patognomônico da NF1); mais de dois neurofibromas de qualquer tipo, ou um neurofibroma plexiforme; sardas axilares (sinal de Crowe) e inguinais; glioma óptico; mais de dois nódulos de Lisch, que são pigmentações, frequentemente bilaterais, que aparecem como elevações sobre as ranhuras da superfície da íris ao exame oftalmológico; uma lesão óssea distinta, como a displasia do esfenoide ou pseudoartrose; uma relação de parentesco de primeiro grau com um afetado encaixando-se perfeitamente no diagnóstico de certeza de NF1. A NF é uma condição geralmente assintomática, mas o paciente pode apresentar dor ou parestesia quando estiver associada ao nervo dentário inferior. De evolução lenta, a condição pode ser acelerada pela puberdade, gravidez e crescimento. Ainda, a NF pode apresentar neurofibromas múltiplos, manchas café-com-leite na pele, anormalidades ósseas, alterações do sistema nervoso central, entre outras características. Clinicamente, os neurofibromas variam de nódulos superficiais isolados a massas difusas profundas; em até 25% dos pacientes com neurofibromatose podem ser encontrados neurofibromas intrabucais, na maioria dos casos do tipo isolado. Quando puderem ser vistos outros sinais na cavidade bucal, como papilas fungiformes aumentadas e anormalidades ósseas, as manifestações bucais podem ser encontradas em até 70% dos pacientes 2,7. Os locais de maior incidência na cavidade bucal são língua, mucosa jugal e vestíbulo 1,8,9. Friedrich et al. 10 (2003), analisando alterações de posição dentária, deformidades dos maxilares e maloclusões em pacientes portadores de NF1, verificaram que esses sinais estão fortemente associados à presença de neurofibroma plexiforme originado do nervo trigêmeo, como alterações no número de dentes, retenções de molares e aplasia de segundos molares inferiores. A região orbitopalpebral é eletiva para a localização cefálica da NF1, com neurofibromas orbitais e neurinomas plexiformes da pálpebra, que podem gerar danos estéticos severos 3. Radiograficamente, pode-se notar radiolucidez na região afetada, resultante dos defeitos intraósseos causados pelo neurofibroma 11, assim como assimetria óssea. O espessamento bilateral do canal mandibular é outra evidência radiográfica da NF, bem como o alargamento em boca de sino do forame mandibular, o chamado forame em bacamarte 4,8. Maiores detalhes da extensão dos tumores podem ser obtidos por meio da tomografia computadorizada e ressonância magnética; para fins cirúrgicos, tem-se dado preferência à segunda 9. Microscopicamente, os neurofibromas solitários e múltiplos apresentam as mesmas características: contêm células fusiformes, com núcleos fusiformes ou ondulados, numa matriz de tecido conjuntivo delicado, que pode ter caráter bastante mixoide; as lesões podem ser bem circunscritas ou misturar-se com o tecido conjuntivo circunjacente, observandose mastócitos em toda lesão 8. Os neurofibromas nodulares solitários ou múltiplos devem ser diferenciados do fibroma traumático, do tumor de células granulares e do lipoma; para isso, o exame histopatológico é o meio mais seguro de diagnosticar definitivamente tais lesões 2. O grande significado clínico da neurofibromatose está no fato de que os neurofibromas de portadores de NF1 apresentam grande risco de transformação maligna. Em aproximadamente 15% dos casos ocorre transformação maligna neurossarcomatosa (sarcoma neurogênico), tendo o paciente um prognóstico de reservado a sombrio 2,5,12. O diagnóstico baseia-se, preferencialmente, em critérios clínicos, ou seja, na presença de duas das sete manifestações preestabelecidas. Apesar dos avanços no diagnóstico mole cular, este é reservado para casos de diagnóstico pré-natal ou confirmação do diagnóstico em pacientes jovens que apresentam somente as manchas café-com-leite 5. O tratamento da enfermidade é a excisão cirúrgica das lesões, tanto na forma solitária quanto na múltipla. Cirurgias plásticas podem ser realizadas, uma vez que em diversos casos o comprometimento estético é bastante severo. Radio e quimioterapia não são recomendadas 2,8. Relato do caso clínico Paciente do gênero feminino, 22 anos, que consentiu por escrito com a divulgação do caso, procurou o Serviço de Estomatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - RS queixando-se de um inchaço na face que lhe comprometia a visão, o qual apresentava um tempo de evolução de cinco anos. Ao exame clínico extrabucal, observou-se aumento de volume no lado esquerdo da face, que envolvia as pálpebras superior e inferior, de consistência mole, e a presença de várias manchas café-com-leite na pele (Fig. 1). Ao exame intrabucal detectou-se aumento de volume no rebordo alveolar da maxila do lado esquerdo e também na mandibula, na região dos molares do mesmo lado, com consistência amolecida (Fig. 2). Os molares superiores e inferiores das regiões envolvidas estavam ausentes. O exame radiográfico convencional e a tomografia computa- 159

dorizada mostraram a presença de uma deformação óssea que comprometia os ossos mandibular, maxilar, zigomático, temporal, frontal e parietal do lado esquerdo (Fig. 3 a 5). Os molares inferiores que estavam clinicamente ausentes encontravam-se retidos no sentido da basilar e ramo na mandíbula, tendo suas coroas envoltas por uma imagem radiolúcida; os superiores estavam deslocados na direção do seio maxilar, cujos limites não apresentavam definição. Figura 3 - Radiografia panorâmica mostrando os dentes posteriores esquerdos inclusos e deslocados em razão do crescimento da lesão Figura 1 - Aspecto extrabucal da paciente, evidenciando as manchas café-com-leite características da doença e o aumento de volume do lado esquerdo da face Figura 4 - Cortes axiais do exame tomográfico computadorizado, evidenciando destruição óssea da maxila e da mandíbula do lado esquerdo Figura 5 - Exame tomográfico em reconstrução 3D, mostrando amplo comprometimento envolvendo os ossos mandibular, maxilar, zigomático, temporal, frontal e parietal do lado esquerdo Figura 2 - Aspecto intrabucal da paciente evidenciando o aumento de volume nos rebordos alveolares superior e inferior do lado esquerdo Após a biópsia incisional, o exame histopatológico confirmou a hipótese clínica de neurofibromatose. A paciente, então, foi encaminhada para remoção cirúrgica dos neurofibromas que estavam causando comprometimento funcional e estético. De acordo com a avaliação da equipe cirúrgica, a remoção completa dos neurofibromas não seria aconselhada, pois poderia causar danos estéticos importantes e perda de sensibilidade ou parestesia em diversos graus por um período indeterminado. Apesar de ter concordado em realizar a cirurgia num primeiro momento, a paciente desistiu posteriormente, passando a ter acompanhamento pela equipe de psiquiatria do hospital. 160

Discussão A frequência de manifestações bucais entre os pacientes com NF1 varia de 7% 13 a 72% 14, de acordo com a literatura. O caso apresentado neste estudo é um exemplo significativo de como o sistema estomatognático pode ser afetado pela NF1. As características clínicas extrabucais apresentadas pela paciente compreendiam as já bem documentadas manchas café-com-leite na pele, além de um aumento de volume de consistência mole no lado esquerdo da face, que envolvia as pálpebras superior e inferior. Sigillo et al. 15 (2002), analisando seis pacientes pediátricos, encontraram hiperplasia facial em apenas um caso, considerando esta uma condição rara e, provavelmente, ligada a diversos fatores, incluindo a neurofibromatose tipo 1. Friedrich et al. 10 (2003) relataram a presença de alterações de posição dentária, deformidades dos maxilares, maloclusões, retenções dentárias ectópicas e aplasia dos segundos molares inferiores em pacientes portadores de NF1, sinais fortemente associados à presença de neurofibromas plexiformes originados do nervo trigêmeo. No caso apresentado, todas essas alterações se faziam presentes, embora a aplasia de molar tenha ocorrido na maxila, evidenciada pela ausência do dente 27. A deformidade óssea comprometendo os ossos mandibular, maxilar, zigomático, temporal, frontal e parietal do lado esquerdo da paciente, observada por meio da tomografia computadorizada, demonstra caráter abrangente da lesão, neste caso classificada como neurofibroma plexiforme, apresentando as características relatadas na literatura 10,14. Outros achados radiográficos que podem ser encontrados são imagens radiolúcidas no ângulo da mandíbula, aumento da espessura do canal mandibular e hipoplasia dos processos condilar e coronoide 15. O tratamento da NF1 consiste na remoção cirúrgica das lesões e posterior correção das maloclusões, se presentes, por cirurgia ortognática e/ou tratamento ortodôntico 15. No caso relatado, embora a excisão completa dos neurofibromas não fosse possível, sua remoção parcial estava indicada por questões funcionais e estéticas. Entretanto, a paciente não aderiu ao tratamento. Considerações finais O conhecimento das manifestações clínicas de doenças sistêmicas como a NF1 pelos cirurgiõesdentistas é de suma importância, visto que às vezes existe envolvimento do sistema estomatognático nessa enfermidade. Dessa forma, o diagnóstico precoce realizado pelo profissional contribui de forma efetiva para o melhor desfecho do caso, por meio de uma abordagem multidisciplinar. No caso relatado, embora a paciente tenha apresentado resistência ao tratamento, profissionais da área médica e odontológica trabalharam em conjunto no estabelecimento do diagnóstico e conduta terapêutica. Abstract The authors present a Von Recklinghausen Disease (neurofibromatosis type 1) literature review and report a clinical case of a patient with massive stomatologic injuries, focusing on its clinical and radiographic aspects. Neurofibromatosis is a neurodermal disease, which might appear in at least eight different forms, being the neurofibromatosis type 1 (NF1) the most common. While typically considered a dermatologic disorder, intraoral signs occur quite commonly. A 22-year-old female patient attended at the HCPA Estomatologic Service referring a swelling in the face, which was compromising her vision. Physical examination has revealed swelling in both upper and lower alveolar ridges on the left side, and, radiographically, it showed high bone injury. After a careful examination, signs and symptoms suggested NF1, later confirmed by histological examination. The functional and aesthetic damage that NF1 may cause to the patient and the increased risk of malignancy transformation make the early diagnosis fundamental to case prognosis. The presence of oral manifestations makes the dentist, amongst other professionals, responsible for the disease identification. Key words: Neurofibromatosis. Neurofibromas. Oral manifestations. Referências 1. Holtzman L. Radiographic manifestation and treatment considerations in a case of multiple neurofibromatosis. J Endod 1998; 24(6):442-3. 2. Neville BW, Allen CM, Damm DD. Tumores dos tecidos moles. In: Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral & Maxilofacial. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. p. 371-4. 3. Bekisz O, Darimont F, Rompen EH. Diffuse but unilateral gingival enlargement associated with von Recklinghausen neurofibromatosis: a case report. 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