A CONTRATRANSFERÊNCIA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA E COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: DUAS PERSPECTIVAS, UMA SÓ IMPORTÂNCIA

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Transcrição:

A CONTRATRANSFERÊNCIA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA E COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: DUAS PERSPECTIVAS, UMA SÓ IMPORTÂNCIA Revisão de literatura 2009 Letícia Leite Gilce Plá Peres Acadêmicas da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil Email: leticia.leite@acad.pucrs.br RESUMO A relação entre paciente e psicoterapeuta é de fundamental importância para adesão ao tratamento e conseqüente melhora do indivíduo. A Contratransferência é um fenômeno presente nesta relação denominada Terapêutica. Apesar de seu conceito ser de origem psicanalítica, apresenta-se em qualquer processo psicoterápico, independente da abordagem utilizada. Autores psicanalíticos alegam que este é um fenômeno que abrange um conjunto de reações (sentimentos e comportamentos) que o profissional apresenta diante do paciente, a partir de sua transferência, não havendo um consenso sobre ser ou não inconsciente. O referencial teórico Cognitivo- Comportamental defende que a Contratransferência deve-se à reação dos esquemas (estruturas cognitivas) do terapeuta diante do funcionamento do paciente. O fato de os diferentes referencias teóricos apresentarem concepções distintas a respeito do tema não altera a relevância de estudos referentes. Cabe ao terapeuta estar alerta à suas próprias respostas emocionais e comportamentais na Relação Terapêutica, pois muitas vezes ele acaba, junto ao paciente, sendo responsável por sabotar o tratamento. Palavras-chave: Contratransferência, psicanálise, terapia cognitivo-comportamental Letícia Leite, Gilce Plá Peres 1/7

INTRODUÇÃO Para que um tratamento psicoterápico possa efetivamente auxiliar o indivíduo que busca por este tipo de atendimento é fundamental que paciente e psicólogo apresentem uma relação terapêutica favorável. Este envolvimento muitas vezes pode ocasionar reações psicológicas e comportamentais no terapeuta diante da demanda do indivíduo, fenômeno denominado contratransferência. O profissional deve estar alerta a estas características que muitas vezes são as responsáveis pela não adesão do paciente ao tratamento, podendo resultar em abando e desistência, independente do referencial teórico utilizado para a dinâmica da psicoterapia. O presente artigo propõe uma revisão da literatura sobre o conceito de contratransferência, inicialmente situando-o dentro da relação terapêutica e após analisando-o sob a perspectiva Psicanalítica e abordagem Cognitivo-Comportamental, instigando o leitor a uma reflexão sobre sua relevância para prática clínica em psicologia, independente do referencial teórico empregado. A Relação Terapêutica e sua importância A relação terapêutica pode ser vista como uma interação de recíproca influência entre terapeuta e paciente, onde a pessoa que procurou ajuda beneficia-se pelo trabalho de um profissional habilitado a utilizar técnicas e procedimentos específicos, ao mesmo tempo em que utiliza importantes habilidades sociais, como a empatia (Rangé, 2001). Cordioli (2007) salienta que a relação terapêutica aponta para a capacidade do paciente em estabelecer uma relação de trabalho com o profissional, em oposição a resistência e reações transferenciais regressivas. Lembra que, embora Freud não tenha utilizado esta definição, salientou que o objetivo inicial da terapia é ligar o paciente ao terapeuta. O mesmo autor menciona que o trabalho interpretativo do profissional é um elemento que contribui para esta relação. Através dele o ego do paciente se divide: uma parte liga-se ao terapeuta na luta contra e a outra se opõe ao progresso do tratamento, contendo as forças do instinto e da repressão. A parte do ego que alia-se ao profissional ocorre por identificação, que reage com observação e reflexão a partir dos conflitos do paciente, fazendo com que este torne-se capaz de observar e criticar seu próprio funcionamento. Apesar da origem dos conceitos de relação terapêutica ser psicanalítica, não é um fator presente apenas na análise, mas sim em qualquer forma de psicoterapia. Por muito tempo a abordagem cognitivo-comportamental negligenciou o estudo da relação terapêutica, mas isto não significa dizer que estes profissionais são pouco calorosos e empáticos com seus pacientes, já que Letícia Leite, Gilce Plá Peres 2/7

o modelo de intervenção proposto por Beck e colaboradores destaca a importância da colaboração mútua, incluindo a empatia e o calor humano, além da solicitação freqüente de feedback por parte do profissional, que contribui para a formação de um bom vínculo na terapia, facilitando a mudança. Todavia, esta maneira empática e calorosa pode ser suficiente para alguns pacientes aderirem ao tratamento, mas não para aqueles mais difíceis, como os que apresentam transtornos da personalidade (Knapp, 2004). Ocorre que este sucesso está diretamente ligado à qualidade da relação terapêutica (Rangé, 2001), daí a relevância de estudos sobre conceitos centrais desta relação, como a Contratransferência. A Contratransferênca e a Psicanálise De acordo com Laplanche e Pontalis (2004), a contratransferência, na psicanálise freudiana, é compreendida como o conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste, sendo um obstáculo à análise, que deve ser neutralizado e superado. A transferência, é um conjunto de sentimentos positivos ou negativos que o paciente dirige ao profissional, fundamentados nas experiências que teve em sua vida com seus pais ou cuidadores, tendo como característica a repetição de padrões infantis num processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam na pessoa do analista (Laplanche & Pontalis, 2001). Assim, a relação terapêutica é construída em um nível mais primitivo de comunicação, dando ênfase à experiência do encontro emocional, privilegiando os aspectos pré-verbais; ao analista cabe sentir e pensar a experiência emocional (Zaslavsky & Santos, 2006). Neste contexto, na relação que se estabelece analiticamente haverá uma resposta do analista a respeito da transferência do paciente. Freud, em 1910, no Congresso de Psicanálise de Nuremberg, onde apresentou "As perspectivas futuras da terapêutica Psicanalítica", tornou público o primeiro conceito de contratransferência como sendo o resultado da influência do paciente sobre os sentimentos inconscientes do analista. Tal conceito foi traduzido como transferência recíproca (Freud, 1969). Assim compreendida a contratransferência, torna-se um obstáculo para o desenvolvimento da análise: "nenhum psicanalista avança além do quanto permitem seus próprios complexos e resistências internas" (Freud, 1969). Daí a necessidade do analista, reconhecendo a contratransferência, sanar os impedimentos psíquicos, com a análise de si mesmo. Ao conceito clássico de contratransferência foram surgindo contribuições. Segundo Zimerman (2004), foi um tema esquecido por 40 anos, visto que causava constrangimento ao analista, por receio de ser interpretado ou precisar de análise, atingindo seu narcisismo. O mesmo autor menciona que, historicamente, o tema foi tratado por Winnicott que fez Letícia Leite, Gilce Plá Peres 3/7

referência aos efeitos recíprocos do par analítico na obra "O ódio na Contratransferência", em 1947. Na obra Psiquiatria Psicodinâmica, Gabbard (1992) refere que em relação aos pacientes psicóticos e com graves transtornos de personalidade, Winnicott denominou a contratransferência como ódio objetivo, considerando uma reação natural ao comportamento violento ou provocativo do paciente, a reação seria a mesma em quase todas as pessoas, portanto não se tratava de conflito inconsciente do analista. Em 1950 e 1952 surgem novas abordagens sobre contratransferência, na Inglaterra, com Heimann e na Argentina com Racker, respectivamente. A contratransferência passa a ser vista como um excelente recurso para compreensão e manejo, uma resposta emocional para ao paciente. Racker chegou a postular a existência de uma neurose de contratransferência, aprofundando-se nos estudos (Zimerman, 2004). Não há unanimidade entre os autores quanto ao fato de ser ou não inconsciente. Gabbard (1992) denomina contratransferência um mecanismo psicológico idêntico à transferência, evidenciado, desta vez, pelo analista. Partindo do pressuposto que para o analista também a relação atual com o paciente constitui um acréscimo aos relacionamentos antigos, o processo é essencialmente o mesmo. São experiências inconscientes de cada um com figuras importantes do passado. A diferença é que o analista pode monitorizar os sentimentos positivos ou negativos em relação ao paciente, evitando a repetição de uma relação objetal antiga. O mesmo autor afirma que, entendida como reação emocional consciente e apropriada do analista, fica atenuada a conotação pejorativa da contratransferência a de problemas não resolvidos do analista. Zimerman (2004) ressalta que atualmente a contratransferência não tem a conotação de obstáculo e sim de contrapartida, acreditando que possa ser consciente e produtiva. O medo, a raiva, a dúvida, a excitação e o tédio seriam "perigosas malhas da contratransferência que devem ser transformadas em empatia. Concebida como obstáculo, como instrumento técnico ou como campo onde o paciente pode reviver as experiências emocionais, a contratransferência é diferentemente entendida entre autores psicanalistas, sem perder, entretanto, sua importância na relação terapêutica, como frisam Zaslavsky e Santos (2006): O terapeuta que, em seu trabalho, não consultar suas emoções ou isolálas estará abrindo mão de um instrumento técnico da mais alta relevância e empobrecerá sua compressão da mente, tanto a do paciente quanto a da sua própria. Letícia Leite, Gilce Plá Peres 4/7

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a nova concepção da Contratransferência Para a TCC a transferência e contratransferência são esquemas de pacientes e terapeutas em relação a uns e outros. Neste contexto, esquemas são descritos como espécies de automatismos no processamento das informações que representam como esse processamento se desenvolve nos pacientes e nos terapeutas (Rangé, 2006). De acordo com Beck (1967): Um esquema é uma estrutura cognitiva que filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o organismo é submetido. Com base na matriz de esquemas, o indivíduo consegue orientar-se em relação ao tempo e espaço e categorizar e interpretar experiências de maneira significativa. Young (2003) dá ênfase aos esquemas que vão aparecendo na infância e que foram chamados por ele de Esquemas Inicias Desadaptativos (EIDs). Estes esquemas resultam de necessidades emocionais centrais da criança que de alguma forma não foram atendidas durante seu desenvolvimento, como as necessidades de afeto, segurança, espontaneidade, brincar e limites adequados. Nesta perspectiva, os esquemas disfuncionais dos pacientes podem fazer com que estes se comportem na terapia de maneira hostil, manipuladora, dependente, exigente ou exploradora. Tais comportamentos podem ativar os esquemas do terapeuta e este, quando consegue identificar as próprias emoções e vulnerabilidades a partir dos comportamentos do paciente, é capaz de entender como estas atitudes afetam os outros e como se desenvolveu este modo de interagir do indivíduo. Isso possibilitará que o terapeuta seja mais efetivo na relação, promovendo um modelo de papel para o paciente, sem desvalorizá-lo, ajudando-o a desenvolver modos mais apropriados de comunicação. Em contrapartida, a negligência ou desconsideração do terapeuta aos próprios esquemas e vulnerabilidades, ativados a partir da sua interação com o paciente, podem fazer com que seus comportamentos sabotem o processo terapêutico (Knapp, 2004). De acordo com Rangé (2001), as características do terapeuta são fundamentais sobre o estabelecimento e a manutenção da relação terapêutica. Sendo assim, este profissional deve estar apto não só à aplicação de técnicas, mas também para assumir a responsabilidade de construir um relacionamento que seja terapêutico. Leahy (2001 como citado em Knapp, 2004, p. 492) sugere que nenhum de nós está livre da contratransferência e nem deveria estar, já que entender as nossas próprias limitações, nossa própria resistência à mudança é descobrir mais sobre o paciente e sobre nós mesmos: quando nós aprendemos como o comportamento do paciente afeta a nossa contratransferência, nós também aprendemos como o paciente afeta os outros. As características pessoas do terapeuta são, em Letícia Leite, Gilce Plá Peres 5/7

parte, responsáveis pelo resultado terapêutico satisfatório, já que alguns de seus comportamentos e características podem dificultar o estabelecimento e a manutenção da relação terapêutica (Rangé, 2001) prejudicando o trabalho. Leahy (2001 citado por Knapp, 2004, pp. 492-493) descreve alguns esquemas comuns dos profissionais, os quais afetam a contratransferência. Terapeutas com (1) forte senso de autonomia, por exemplo, costumam ficar impacientes quando a pessoa se lamenta ou busca ajuda telefônica seguidamente; já os que possuem (2) padrões elevados de exigência costumam rotular seus pacientes como irresponsáveis e preguiçosos, resultando em dificuldade para manifestar empatia, podendo haver o sentimento de incompreensão do paciente; a (3) preocupação com o abandono também é um esquema que pode prejudicar o processo terapêutico. Profissionais com sentimentos não resolvidos de abandono podem evitar assuntos difíceis nas sessões, fornecer terapia gratuita e/ou estender o tempo das sessões. De uma maneira geral, não conseguem aplicar os procedimentos que focalizam a mudança do paciente, pelo medo de que este o abandone. Em contrapartida, profissionais (4) narcisistas têm na terapia uma oportunidade de demonstrar os próprios talentos. Este esquema de ser superior e especial geralmente faz com que o terapeuta, ao perceber a não adesão do paciente ao tratamento, desvalorize-o e se distancie. Estes comportamentos normalmente são vistos pelo paciente como uma prova de que ninguém o entende, resultando no abandono do tratamento e confirmando o esquema do terapeuta de que o paciente não queira mudar. Outro esquema que o terapeuta pode apresentar refere-se à (5) necessidade de aprovação. É comum a este profissional evitar falar sobre assuntos perturbadores com seus pacientes, para que estes não se sintam frustrados ou irritados. Embora tenha alta capacidade empática, este terapeuta amigol acaba levando o paciente a perceber que não está melhorando e abandonando o tratamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo constituiu-se de pesquisas realizadas para a compreensão do conceito de Contratransferência na literatura Psicanalítica e Cognitivo-Comportamental. Dentro de uma relação terapêutica o profissional muitas vezes percebe-se invadido por sentimentos que se apresentam em reação ao funcionamento do paciente. Estes sentimentos podem acarretar em comportamentos facilitadores ou prejudiciais ao tratamento. Apesar dos referencias teóricos possuírem diferentes concepções sobre seu conceito, ambos concordam com a postura a respeito da relevância do fenômeno, seja por respostas do terapeuta à esquemas cognitivos desadaptativos da pessoa, seja em resposta à transferência desta. Psicanalistas e Cognitivistas são, antes de qualquer concepção teórica, seres humanos vulneráveis às suas relações com os outros, porém cabe à este profissional estar atento à sua Letícia Leite, Gilce Plá Peres 6/7

vulnerabilidade, através da própria psicoterapia e/ou supervisão. Só assim poderá oferecer ao indivíduo um ambiente favorável e seguro ao atendimento. REFERÊNCIAS BECK, A.T. (1967). Depression: Causes and Treatment. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. CORDIOLI, A. V. (2007). Psicoterapias: Abordagens Atuais (3a ed.). Porto Alegre: Artmed. FREUD, S. (1969). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. GABBARD, G. O. (1992). Psiquiatria Psicodinâmica na Prática Clínica. Porto alegre: Artes Médicas. KNAPP, P. (2004). Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed. LAPLANCHE, J., & PONTALIS, J.-B. (2004). Vocabulário da Psicanálise (4a ed.). São Paulo: Martins Fontes. RANGÉ, B. (2001). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed. YOUNG, J. E. (2003). Terapia Cognitiva para Transtornos da Personalidade: uma abordagem focada em esquemas. Porto Alegre: Artmed. ZASLAVSKY, J., & SANTOS, M. J.P. (2006). Contratransferência teoria e prática. Porto Alegre: Artmed. ZIMERMAN, D.(2004). Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed. Letícia Leite, Gilce Plá Peres 7/7