REFLEXO DO CULTIVO CONSORCIADO E EXCLUSIVO DO ALGODÃO Gossypium hirsutum L. NA DENSIDADE DE INSETOS FITÓFAGOS, DE INIMIGOS NATURAIS E NAS CARACTERÍSTICAS DAS PLANTAS. Tadeu Barbosa Martins Silva (Universidade Estadual da Paraíba / tadeucb@yahoo.com.br), Francisco Figueiredo Alexandria Júnior (Universidade Estadual da Paraíba), Cristina Schetino Bastos (Embrapa Algodão), Melchior Naelson Batista da Silva (Embrapa Algodão), Sebastião Lemos de Souza (Embrapa Algodão), Maria Gorete de Macedo Almeida (Embrapa Algodão) RESUMO - O policultivo possibilita melhor utilização da área através do cultivo concomitante de culturas alimentares e geradoras de renda. Muitos herbívoros, especialmente aqueles com uma estreita faixa de hospedeiros, são mais encontrados e permanecem por mais tempo em hospedeiros que ocorrem em faixas de cultivos largas, densas ou puras. O presente trabalho objetivou analisar a influência do sistema de cultivo do algodoeiro sobre a ocorrência de insetos fitófagos e predadores e sobre características das plantas de algodão. As densidades de insetos fitófagos, de inimigos naturais e as variáveis associadas às plantas foram avaliadas em 20 plantas de algodoeiro solteiro e consorciado com feijão quando estas se encontravam na fase vegetativa, de emissão de botões e flores e de emissão de flores e maçãs. Apesar de alguns insetos fitófagos que preferem atacar feijoeiro (Empoasca kraemeri) terem ocorrido em maior densidade no algodoeiro cultivado exclusivamente em algumas fases de seu ciclo de crescimento, este sistema também proporcionou maior diversidade de inimigos naturais (Chrysoperla externa e Diptera: Syrphidae). Todavia, maiores densidades de insetos fitófagos que preferem atacar o algodoeiro (Aphis gossypii) ocorreram associadas ao cultivo exclusivo, sendo o mesmo verificado em relação à altura de plantas, o número de ramos e o número de folhas. Palavras-chave: Policultivo, Phaseolus vulgaris, pragas. INTRODUÇÃO O policultivo caracteriza-se pelo cultivo de mais de uma variedade na mesma área, sendo esta prática geralmente empregada por pequenos agricultores (KAREL, 1993) que o adotam como alternativa à redução de custos, diversificação da dieta, estabilidade de produção, diminuição dos riscos, eficiência no uso da mão-de-obra, intensificação da produção com recursos limitados, aumento de retorno com adoção de baixos níveis de tecnologia e melhor aproveitamento de área (uso eficiente da terra) (ALTIERI, 1989). Vandermeer (1989) relata que dentre as vantagens do policultivo destaca-se a redução do número de pragas, tendo-se em vista que maiores densidades são alcançadas em monocultivo que em cultivo consorciado. A redução do número de pragas terá com conseqüência diminuição no uso de inseticidas o que resulta em menores custos de produção (QUINDERE e SANTOS, 1986). Em muitos policultivos a tendência é que a densidade populacional de pragas especializadas em se alimentar de uma das culturas reduza, sendo que o mesmo não é verificado em relação a herbívoros generalistas. Esse comportamento foi observado por BASTOS et al. (2003) ao cultivar o milho e o feijão em consórcio.
Existem várias teorias relacionadas ao policultivo e, dentre estas, a de aparência da planta considera que a efetividade das defesas naturais das plantas são reduzidas pelos métodos agrícolas, isto é, o monocultivo faz com que as plantas fiquem mais visíveis para os herbívoros. Uma cultura pode se tornar mais ou menos aparente de acordo com a diversidade do cultivo ou através de cultivos de alta densidade (ALTIERI, 1993). Além disso, durante a procura por seu hospedeiro, o herbívoro perde tempo procurando em plantas não hospedeiras e, como conseqüência, emigra do policultivo mais rapidamente do que do monocultivo (ANDOW, 1991). Poucos estudos consideraram os efeitos de cultivos consorciados sobre a diversidade de artrópodes associada ao algodoeiro em condições brasileiras, a despeito do potencial que este sistema possui de atuar reduzindo as perdas decorrentes do ataque de herbívoros. O presente trabalho objetivou analisar a influência do sistema de cultivo do algodoeiro sobre a ocorrência de insetos fitófagos e predadores e sobre características das plantas de algodão. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido em lavouras localizadas no assentamento de Queimadas pertencente ao Município de Remígio-PB. Foram selecionadas duas áreas que haviam sido plantadas no mesmo dia sendo que em uma das áreas o algodão foi cultivado exclusivamente e na outra o algodão foi consorciado com o feijão. O espaçamento adotado para o algodoeiro em ambas as áreas foi de 1,10 x 0,40 m e a cultivar plantada foi a BRS 8H. O feijão da variedade Carioquinha foi cultivado nas entrelinhas do algodoeiro. As áreas avaliadas não foram fertilizadas e tão pouco receberam tratamento para controle de pragas. As densidades de insetos fitófagos e de inimigos naturais foram avaliadas no algodoeiro solteiro e consorciado com feijão quando as plantas se encontravam nas fases vegetativa, de emissão de botões e flores e de emissão de flores e maçãs. Os insetos foram contabilizados em 20 plantas selecionadas ao acaso por área agitando-se as plantas a partir da base sobre bandejas brancas. As variáveis relacionadas às plantas foram estimadas nas mesmas plantas utilizadas para avaliação dos artrópodes, utilizando-se a técnica de contagem direta. A variável porcentagem de folhas atacadas por Empoasca kraemeri foi calculada através da seguinte fórmula: n o. de folhas exibindo sintomas de ataque por E. kraemeri/n o. de folhas totais x 100. O delineamento utilizado foi o de blocos ao acaso com 20 repetições. Antes da análise os dados de densidade de artrópodes foram transformados para x+0,5, sendo analisados como fatorial de três (épocas de avaliação) x dois (sistemas de cultivo). Os efeitos principais e da interação foram testados através da análise de variância, sendo as médias comparadas pelo teste F e Tukey a p<0,05. RESULTADOS E DISCUSSÃO Verificou-se maior intensidade de ataque de adultos de Empoasca kraemeri no algodão cultivado exclusivamente quando este se encontrava na fase de flor/maçã, o mesmo ocorrendo em relação ao número de botões e número de folhas exibindo sintomas de ataque de E. kraemeri. Similarmente, maiores densidades de ninfas de E. kraemeri e de adultos de C. externa foram associadas ao algodão cultivado exclusivamente nas fases de botão/flor e flor/maçã e de Diptera: Syrphidae na fase vegetativa (Tab. 1). Apesar da cigarrinha E. kraemeri ser considerada praga preferencial do feijão (PICANÇO et al., 2001), sua maior ocorrência no algodoeiro cultivado exclusivamente na fase de flor/maçã pode ser justificada pelo fato de que nesta fase o feijão já havia sido colhido e, na ausência do hospedeiro preferencial, a praga passou a atacar o hospedeiro alternativo.
Maiores densidades de adultos de E. kraemeri ocorreram na fase de botão/flor tanto no algodoeiro cultivado em sistema exclusivo quanto no consórcio. Todavia, esta não diferiu estatisticamente da fase de flor/maçã no cultivo exclusivo que foi também a fase menos sujeita ao ataque do inseto no cultivo consorciado (Tab. 1). Este resultado se justifica pela mesma razão levantada anteriormente, ou seja, na ausência do hospedeiro preferencial a praga passou a colonizar o algodoeiro. Houve maior ocorrência de ninfas de E. kraemeri nas fases de botão/flor e flor/maçã do algodoeiro cultivado em sistema exclusivo, o mesmo ocorrendo em relação ao número de botões. O número e a porcentagem de folhas exibindo sintomas de ataque de E. kraemeri foram maiores na fase de flor/maçã do algodoeiro cultivado exclusivamente (Tab. 1). O número de botões e o número de folhas exibindo sintoma de ataque de E. kraemeri foram estatisticamente superiores na fase de flor/maçã do algodão cultivado em consórcio quando comparados à fase vegetativa, apesar de não terem diferido estatisticamente da fase de botão/flor (Tab. 1). De uma maneira geral, todas as variáveis relacionadas às plantas (altura de plantas, número de ramos, e número de folhas) alcançaram maiores valores na fase de flor/maçã (Tab. 2), o que é justificado pelo fato desta fase ser mais adiantada no seu ciclo de crescimento. No caso dos artrópodes, maior abundância foi verificada na fase vegetativa (Tab. 2), provavelmente em decorrência da espécie-praga (Aphis gossypii) concentrar seu ataque nas folhas das plantas (PEREIRA et al., 2006), enquanto a ocorrência de espécies como Chysoperla externa e Cicloneda sanguinea é condicionada pela ocorrência de presas e, dentre elas A. gossypii (BASTOS e TORRES, 2006). A altura de plantas, o número de ramos, o número de folhas e a densidade de A. gossypii foi maior no algodoeiro cultivado exclusivamente em comparação ao consorciado. No cultivo consorciado as plantas sofrem maior competição, algo que normalmente resulta na redução de produtividade. Todavia, este fato não deve ser analisado de maneira isolada, uma vez que a eficiência de uso da área advinda do policultivo deve ser considerada. Segundo Tahvanainen e Root (1972), as razões para que alguns insetos-praga apresentem menores populações em cultivos consorciados incluem a maior diversidade destes agroecossistemas, mudanças no microclima da cultura e incremento das populações de inimigos naturais (ALTIERI, 1993). Estes fatores podem justificar a menor ocorrência de A. gossypii no algodoeiro cultivado em sistema consorciado (Tab. 3), uma vez que A. gossypii constitui-se em uma praga preferencial do algodão (PEREIRA et al., 2006).
Tabela 1. Variação na densidade de insetos-praga e benéficos e nas características das plantas de algodoeiro em função da fase do ciclo fenológico das plantas e do sistema de cultivo. Fase Sistemas de Cultivo Algodão Solteiro Algodão Consorciado Densidade de adultos de E. kraemeri 1 Vegetativa 1,71 ± 0,18 ab 2,17 ± 0,22 ab Botão/Flor 3,19 ±0,29 aa 3,76 ± 0,29 aa Flor/Maçã 2,58 ±0,20 aa 1,34 ± 0,16 bc Densidade de ninfas de E. kraemeri 1 Vegetativa 1,92 ± 0,25 ab 1,31 ± 0,17 aa Botão/Flor 2,87 ± 0,28 aa 1,81 ± 0,23 ba Flor/Maçã 2,87 ± 0,27 aa 1,14 ± 0,13 ba Densidade de adultos de C. externa 1 Vegetativa 0,73 ± 0, 02 aab 0,70 ± 0,00 aa Botão/Flor 0,81 ± 0,04 aa 0,70 ± 0,00 ba Flor/Maçã 0,73 ± 0,00 ab 0,70 ± 0,02 ba Número de Botões Vegetativa 4,25 ± 0,67 ab 4,15 ± 0,43 ab Botão/Flor 14,40 ± 1,20 aa 6,70 ± 0,45 aab Flor/Maçã 12,45 ± 1,09 aa 9,40 ± 1,25 ba Número de folhas exibindo sintoma de ataque de E. kraemeri Vegetativa 5,75 ± 0,72 ab 4,90 ± 0,98 ab Botão/Flor 3,70 ± 0,34 ab 5,45 ± 0,36 aab Flor/Maçã 9,65 ± 0,74 aa 7,50 ± 0,68 ba Densidade de Diptera: Syrphidae 1 Vegetativa 0,80 ± 0,05 aa 0,70 ± 0 ba Botão/Flor 0,70 ± 0 ab 0,70 ± 0 aa Flor/Maçã 0,70 ± 0 ab 0,70 ± 0 aa Porcentagem de folhas exibindo sintoma de ataque de E. kraemeri Botão/Flor 17,22 ± bb 34,90 ± aa Flor/Maçã 30,42 ± aa 30,13 ± aa 1 Dados transformados para x+0,5 **As médias seguidas pela mesma letra minúscula na linha e maiúscula na coluna não diferem estatisticamente entre si pelo Teste F e Tukey a p<0,05.
Tabela 2. Variação na densidade de ovos, larvas e adultos de insetos-praga e de benéficos e nas características das plantas de algodoeiro em função da fase do ciclo fenológico das plantas. Variáveis Fases de Cultivo Vegetativa Botão/Flor Flor/Maçã Altura das plantas (cm) 32,00 ± 0,96 C 38,97 ± 1,64B 46,02 ± 0,00 A Número de ramos 7,87 ± 0,31 B 7,10 ± 0,28 B 8,92 ± 0,00 A Número de folhas - 20,12 ± 1,65 B 30,85 ± 1,93 A Densidade de larvas 0,81 ± 0,03 A 0,72 ± 0,01 B 0,70 ± 0 B de C. externa 1 Densidade de A. 2,63 ± 0,63 AB 1,51 ± 0,36 B 3,09 ± 0,30 A gossypii 1 Densidade de Diptera: 0,77 ± 0,03 A 0,70 ± 0,00 B 0,70 ± 0 B Dolichopididae 1 Densidade de C. sanguinea1 0,77 ± 0,02 A 0,70 ± 0,00 B 0,70 ± 0 B 1 Dados transformados para x+0,5 **As médias seguidas pela mesma letra maiúscula na linha não diferem estatisticamente entre si pelo Teste Tukey a p<0,05. Tabela 3. Variação na densidade de A. gossypii e nas características das plantas de algodoeiro em função do sistema de cultivo das plantas. Variável Tratamento Algodão Solteiro Algodão Consorciado Altura das plantas (cm) 41,53 ± 1,61 A 36,46 ± 1,07 B Número de ramos 8,60 ± 0,25 A 7,33 ± 0,24 B Número de folhas 29,25 ± 2,11 A 21,72 ± 1,65 B Densidade de A. 3,01 ± 0,44 A 1,81 ± 0,28 B gossypii 1 1Dados transformados para x+0,5 **As médias seguidas pela mesma letra maiúscula na linha não diferem estatisticamente entre si pelo Teste F a p<0,05. CONCLUSÕES Apesar de alguns insetos fitófagos que preferem atacar o feijoeiro (E. kraemeri) terem ocorrido em maior densidade no algodoeiro cultivado exclusivamente em algumas fases de seu ciclo de crescimento, este sistema também proporcionou maior diversidade de inimigos naturais (C. externa e Diptera: Syrphidae). Todavia, maiores densidades de insetos fitófagos que preferem atacar o algodoeiro (A. gossypii) ocorreram associadas ao cultivo exclusivo, sendo o mesmo verificado em relação à altura de plantas, o número de ramos e o número de folhas.
CONTRIBUIÇÃO PRÁTICA E CIENTÍFICA DO TRABALHO O trabalho trata de um tema sobre o qual existem demandas prementes e, mesmo assim, não é objeto de estudo intenso. A contribuição prática se relaciona ao fato do trabalho atentar para a importância da diversidade de cultivo no manejo de pragas do algodoeiro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTIERI, M.A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: Projeto Tecnologias Alternativas-Fase, 1989. 237p. ALTIERI, M.A. Biodiversity and pest management in agroecosystems. New York: Food Products, 1993. 185p. ANDOW, D.A. Vegetational diversity and arthropod population response. Annual Review of Entomology, v.35, p. 561-586, 1991. BASTOS, C.S.; GALVÃO, J.C.C.; PICANÇO, M.C.; CECON, P.R.; PEREIRA, P.R.G. Incidência de insetos fitófagos e de predadores no milho e no feijão cultivados em sistema exclusivo e consorciado. Ciência Rural, v.33, p. 391-397, 2003. BASTOS, C.S.; TORRES, J.B. Controle biológico e o manejo integrado de pragas do algodoeiro. 2.ed. Campina Grande: Embrapa Algodão, 2006. 63p. (Embrapa Algodão: Circular Técnica, 72.). KAREL, A.K. Effects of intercropping with maize on the incidence and damage caused by pod borers common beans. Environmental Entomology, v.22, p.1076-1083, 1993. PEREIRA, M.J.B.; ALBUQUERQUE, F.A. de; BASTOS, C.S. Pragas do algodão: identificação, biologia e sintomas de ataque. Revista Brasileira de Oleaginosas e Fibrosas, v.10, p.1073-1117, 2006. PICANÇO, M.C.; MARQUINI, F.; GALVAN, T.L., Manejo de pragas em cultivos irrigados sob pivô central. In: Zambolim, L (Ed.). Manejo integrado, fitossanidade, cultivo protegido, pivô central e plantio direto. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 722p. 2001 QUINDERÉ, M.A.W., SANTOS, J.H.R. Efeito da época relativa de plantio no consórcio milho x caupi sobre a presença de insetos úteis e o manejo econômico das pragas. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.21, p.355-368, 1986. TAHVANAINEN, J.O., ROOT, R.B. The influence ofvegetational diversity on the population ecology of a specialized herbivore, Phyllotreta crucifeare (Coleoptera: Chrysomelidae). Oecologia, v.10, p.321-346, 1972. VANDERMEER, J. The ecology of intercropping. New York: Cambridge, 1989. 247p.