2º ENCONTRO NACIONAL DE BIOMECÂNICA H. Rodrigues et al. (Eds.) Évora, Portugal, 8 e 9 de Fevereiro, 2007 AVALIAÇÃO DA CARGA BIOMECÂNICA NO MEMBRO INFERIOR. MODELO BIOMECÂNICO DO EXERCÍCIO DE STEP Rita Santos-Rocha*,** ; António Veloso*; Maria João Valamatos* e Carlos Ferreira* *Escola Superior de Desporto de Rio Maior / Instituto Politécnico de Santarém e-mail: rsantos@esdrm.pt; rita.rocha@mail.telepac.pt **Laboratório de Biomecânica / Faculdade de Motricidade Humana / Universidade Técnica de Lisboa e-mail: apveloso@fmh.utl.pt Palavras-Chave: Step, Exercício e Saúde, Carga Biomecânica, Forças de Reacção do Apoio, Forças de Reacção Articular, Momentos de Força. Resumo. O principal objectivo foi construir um modelo biomecânico do membro inferior por dinâmica inversa, durante a realização de movimentos de Step realizados com diferentes cadências. Foram determinados pârametros cinemáticos e forças de reacção do apoio (GRF), e calculadas as forças de reacção articular (JRF) no tornozelo, joelho e coxo-femural, e dos momentos resultantes nas três articulações, num grupo de 18 instrutoras. No que diz respeito à magnitude da carga, assumindo que marcha e a corrida são seguras para serem incluídas nos programas de Exercício e de reabilitação, os exercícios de Step bem orientados e adaptados parecem ser igualmente seguros. 1 INTRODUÇÃO A Biomecânica aplicada no contexto da Saúde e Condição Física possibilita a utilização de metodologias tradicionalmente desenvolvidas nos âmbitos da avaliação clínica, da reabilitação e do rendimento desportivo, que enriquecerão o conhecimento nesta área que envolve a participação de inúmeras pessoas com diferentes capacidades e objectivos. Através do desenvolvimento de modelos biomecânicos é possível avaliar a sobrecarga proporcionada pelo Exercício, bem como a simulação de condições de prática, contribuindo para a Prescrição do Exercício mais adequada. Deste modo, torna-se essencial caracterizar e quantificar o potencial do Exercício no que se refere aos estímulos mecânicos uma vez que a sobrecarga biomecânica produzida poderá ser importante ou prejudicial para a saúde, tornando-se essencial desenvolver o conhecimento relativo aos seus limites, quer no que se refere à sua magnitude, quer no que respeita à frequência de aplicação de estímulos [1,2]. O Step foi caracterizado num estudo anterior, sendo 119
uma das actividades físicas recreativas mais populares, e que pode ser praticada por pessoas com diferentes níveis de condição física e saúde [3]. O principal objectivo deste trabalho foi construir um modelo biomecânico do membro inferior por dinâmica inversa, durante a realização de quatro movimentos de Step com liderança à direita e à esquerda (passo básico=basic step, passo corrida=run step, elevação de joelho=knee lift e elevação de joelho hop=knee hop) incluídos numa sequência (resultando em 8 movimentos), realizada com as cadências de 125, 130, 135 e 140 batidas por minuto (bpm). Outro objectivo foi investigar as diferenças que existem entre as quatro cadências de música e entre os quatro passos de Step, executados com liderança direita, em termos dos valores máximos dessas variáveis durante as fases de recepção na subida e na descida dos movimentos. 2 METODOLOGIA Foram determinadas as forças de reacção do apoio (GRF) e a cinemática do membro inferior, e calculadas as forças de reacção articular (JRF) no tornozelo, joelho e coxo-femural, e dos momentos resultantes nas três articulações, num grupo de 18 mulheres experientes em Step (instrutoras de Step, média (±sd) de idade igual a 29,1±6,8 anos, massa corporal igual a 58,9±6,4 kg, altura de 1,66±0,06 m, sem história de trauma ou lesão músculo-esquelética ou neuromuscular nos membros inferiores), Os principais equipamentos utilizados foram: 2 plataformas de forças AMTI e KISTLER (figura 1); amplificador; software BIOPAC ACQKNOWLEDGE para recolha dos dados de força; marcas reflectoras (figura 2); câmara de filmagem digital de vídeo JVC; software ARIEL PERFORMANCE ANALISYS SYSTEM (APAS). O membro inferior direito foi modelado por meio de um sistema multicorpos (pé, perna, coxa e tronco) e foi desenvolvido um modelo biomecânico em MATLAB, que permitiu o cálculo das JRF e dos momentos por dinâmica inversa [4]. Os valores máximos dos parâmetros biomecânicos seleccionados foram obtidos no programa BIOPAC ACQKNOWLEDGE (figura 3). A análise estatística sobre a influência da velocidade da música e dos passos, nas variáveis cinemáticas e cinéticas foi realizada no programa STATISTICAL PACKAGE FOR SOCIAL SCIENCES (SPSS) tendo-se utilizado uma ANOVA para medidas repetidas a dois factores [5]. Figura 1 Plataformas de forças e cubo de calibração 120
N Rita Santos Rocha et al. Figura 2 Colocação das marcas reflectoras N N N Básico Elevação Básico Elevação Corrida Hop Corrida Hop 434.91 AMTI_Fx 289.94 144.97 1308.01 AMTI_Fz 872.01 436.00 157.59 FX -157.59-315.19 1487.42 FZ 991.61 495.81.00000 3.33525 6.67050 1575 seconds Figura 3 Variáveis obtidas com referência aos picos das forças de reacção do apoio (GRF): componentes anterior-posterior (AMTI_Fx e FX) e vertical (AMTI_Fz e FZ) das GRF de um dos sujeitos. As linhas verticais identificam os passos. As setas identificam as fases durante as quais os picos foram lidos em relação à sequência de 8 movimentos, tendo-se utilizado as curvas verticais nas fases de subida (AMTI Fz) e descida (FZ) 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram calculadas por dinâmica inversa as componentes vertical e anterior-posterior das forças de reacção articular (JRF) e foram calculados os momentos de força resultantes nas três articulações analisadas. Foram analisadas as magnitudes dos primeiros picos da fase de recepção da subida e da descida, de cada componente das JRF relativamente a cada passo executado com liderança direita, nos períodos de suporte com um apoio. Relativamente aos quatro movimentos analisados, a magnitude da componente vertical da GRF é similar ou superior à JRF no tornozelo, sendo esta inferior às JRF no joelho e coxofemural. Pelo contrário, as componentes anteriores-posteriores das forças, são superiores na 121
coxo-femural em relação ao joelho, tornozelo e solo (GRF). Em relação à componente vertical da GRF, a JRF no tornozelo diminuiu 1 a 9% ou aumentou 1% na fase de subida do knee lift. A JRF vertical no joelho diminuiu 3 a 12%. A JRF na coxo-femural diminuiu 9 a 12% e diminuiu 16 a 25% na fase de descida do knee hop. Estas relações mostraram os ajustes realizados no padrão de absorção de forças das articulações distais para as proximais. A coxofemural apresentou as JRF de menor magnitude. A componente horizontal da JRF é bastante inferior à componente vertical mas aumentou significativamente quando aumentou a cadência da música, além de que aumentou das articulações distais para as proximais. A componente vertical diminuiu das articulações distais para as proximais e sofreu ligeiro efeito com o aumento da cadência da música, embora sem significado estatístico. Ambas as componentes se apresentaram diferentes em termos de perfil nos 4 movimentos estudados de acordo com a existência ou não de propulsão. Tal como se verificou nas GRF, as forças internas são mais elevadas na fase de subida dos passos com propulsão (run e hop), e pelo contrário, são mais elevadas na fase de descida dos passos sem propulsão (basic step e knee lift), além de que os passos com propulsão apresentaram forças de magnitude mais elevada comparativamente aos outros. Estes resultados indicam que a carga interna pode ser controlada pela variação da cadência da música e pela selecção de movimentos mecanicamente semelhantes aos analisados no presente estudo. Como exemplo, o run step claramente induz forças de maior magnitude e maiores taxas de carga, o que poderá associar este tipo de movimento a um risco mais elevado de ocorrência de lesão. A manutenção de picos de força semelhantes, particularmente da componente vertical nas diferentes condições de cadência da música foi explicada pelos ajustes cinemáticos observados, particularmente na articulação do joelho. Também os valores dos picos dos momentos de força resultantes no joelho foram afectados pela cadência da música, o que igualmente poderá estar associado a maior risco de lesão. No que se refere aos picos obtidos durante a recepção dos movimentos executados com liderança à direita, foram obtidos os seguintes valores: 1.º pico vertical da GRF na subida: 1.71-1.72 BW basic step; 1.30-1.35 BW knee lift; 1.92-2.07 BW run step; 1.78-1.84 BW knee hop; 1.º pico vertical da GRF na descida: 1.71-1.74 BW basic step; 1.45-1.55 BW knee lift; 1.70-1.78 BW run step; 1.07-1.15 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF no tornozelo na subida: 1.66-1.70 BW basic step; 1.29-1.36 BW knee lift; 1.91-2.04 BW run step; 1.76-1.82 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF no tornozelo na descida: 1.64-1.67 BW basic step; 1.40-1.51 BW knee lift; 1.69-1.76 BW run step; 0.99-1.05 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF no joelho na subida: 1.65-1.66 BW basic step; 1.26-1.29 BW knee lift; 1.86-2.00 BW run step; 1.72-1.78 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF no joelho na descida: 1.65-1.68 BW basic step; 1.36-1.46 BW knee lift; 1.64-1.71 BW run step; 0.94-1.01 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF na coxo-femural na subida: 1.52-1.55 BW basic step; 1.18-1.21 BW knee lift; 1.74-1.87 BW run step; 1.60-1.66 BW knee hop; 1.º pico vertical da JRF na coxo-femural na descida: 1.52-1.56 BW basic step; 1.30-1.37 BW knee lift; 1.52-1.60 BW run step; 0.80-0.94 BW knee hop. 122
1.º pico anterior da GRF na subida: 0.31 a 0.36 BW basic step; 0.37 a 0.41 BW knee lift; 0.45 a 0.57 BW run step; 0.49 a 0.52 BW knee hop; 1.º pico posterior da GRF na descida: -0.34 a -0.36 BW basic step; -0.27 a -0.32 BW knee lift; -0.37 a -0.40 BW run step; -0.27 a -0.34 BW knee hop; 1.º pico anterior da JRF no tornozelo na subida: 0.32 a 0.36 BW basic step; 0.37 a 0.41 BW knee lift; 0.45 a 0.57 BW run step; 0.50 a 0.53 BW knee hop; 1.º pico posterior da JRF no tornozelo na descida: -0.35 a -0.36 BW basic step; - 0.27 a -0.34 BW knee lift, -0.37 a -0.40 BW run step; -0.27 a -0.33 BW knee hop; 1.º pico anterior da JRF no joelho na subida: 0.33 a 0.37 BW basic step, 0.39 a 0.44 BW knee lift, 0.47 a 0.60 BW run step; 0.51 a 0.55 BW knee hop; 1.º pico posterior da JRF no joelho na descida: -0.37 a -0.39 BW basic step, -0.29 a -0.33 BW knee lift, -0.40 a -0.43 BW run step; -0.22 a -0.27 BW knee hop; 1.º pico anterior da JRF na coxo-femural na subida: 0.38 a 0.43 BW basic step, 0.46 a 0.51 BW knee lift, 0.51 a 0.60 BW run step; 0.58 a 0.62 BW knee hop; 1.º pico posterior da JRF na coxo-femural na descida: -0.44 a -0.47 BW basic step, -0.31 a -0.37 BW knee lift, -0.47 a -0.52 BW run step; -0.17 a -0.24 BW knee hop. A cadência da música não influenciou o pico vertical das GRF nem o pico vertical das JRF nas 3 articulações analisadas. O pico anterior-posterior GRF aumentou por efeito do aumento da cadência da música, bem como o pico das JRF nas três articulações (excepto pico posterior na coxo-femural na descida). Os momentos de força positivos reflectem dorsiflexão do tornozelo durante a subida e descida. Momentos negativos reflectem flexão do joelho. No que se refere aos picos obtidos durante a recepção dos movimentos executados com liderança à direita, foram obtidos os seguintes valores: Pico do momento de força resultante no tornozelo na recepção da fase de subida: 0.099 a 0.103 Nm/BW basic step, 0.04 a 0.05 Nm/BW knee lift, 0.10 a 0.11 Nm/BW run step, 0.05 a 0.06 Nm/BW in knee hop; Pico do momento de força resultante no tornozelo na recepção da fase de descida: 0.10 a 0.11 Nm/BW basic step, 0.08 a 0.09 Nm/BW knee lift, 0.10 a 0.11 Nm/BW run step, 0.04 a 0.05 Nm/BW knee hop; Pico do momento de força resultante no joelho na recepção da fase de subida: - 0.14 a -0.17 Nm/BW basic step, -0.17 a -0.18 Nm/BW knee lift, -0.33 a -0.38 Nm/BW run step, -0.26 a -0.29 Nm/BW knee hop; Pico do momento de força resultante no joelho na recepção da fase de descida: - 0.10 a -0.11 Nm/BW basic step, -0.11 a -0.12 Nm/BW knee lift, -0.08 a -0.11 Nm/BW run step, -0.09 a -0.10 Nm/BW knee hop; Pico do momento de força resultante na coxo-femural na recepção da fase de subida: -0.44 a -0.49 Nm/BW basic step, -0.56 a -0.60 Nm/BW knee lift, -0.88 a - 1.02 Nm/BW run step, -0.81 a -0.84 Nm/BW knee hop; 123
Pico do momento de força resultante na coxo-femural na recepção da fase de descida: 0.14 a 0.16 Nm/BW basic step, 0.115 a 0.123 Nm/BW knee lift, 0.14 a 0.16 Nm/BW run step, 0.10 a 0.11 Nm/BW knee hop. Nas três articulações estudadas os momentos de força resultantes na fase de subida aumentaram a sua magnitude por efeito do aumento da cadência da música, sendo diferenciados entre os 4 movimentos analisados. Este factor poderá igualmente estar associado a um risco mais elevado de ocorrência de lesão. No tornozelo e joelho não foram encontradas diferenças significativas entre condições de cadência na fase de descida. Os resultados contribuem para o conhecimento desta actividade física, essencialmente no que se refere à Prescrição do Exercício e à prevenção de lesões, ao mesmo tempo que permitem conhecer a forma como praticantes experientes gerem a carga mecânica produzida. Os resultados são igualmente relevantes para a definição de quais os movimentos e cadências que poderão ser recomendados para os programas de reabilitação em que a marcha e a corrida são prescritas. 4 CONCLUSÕES O Step proporciona a repetição de movimentos que induzem forças de reacção do apoio de baixa (menos de 2 BW) a moderada intensidade (2-3 BW), considerando os passos sem e com propulsão, respectivamente. Poderá contribuir para a frequência diária de ciclos de carga experimentados pelas estruturas músculo-esqueléticas dos membros inferiores, importante para a saúde óssea. No que diz respeito à magnitude da carga, assumindo que marcha e a corrida são seguras para serem incluídas nos programas de Exercício e de reabilitação, os exercícios de Step bem orientados e adaptados parecem ser igualmente seguros. Os dados podem também ser analisados do ponto de vista ergonómico, atendendo às características da amostra. REFERÊNCIAS [1] Veloso, Espanha, Pascoal & Pezarat-Correia. Efeitos da Actividade Física nos Tecidos Não Contrácteis. In Espanha (Ed), Anatomofisiologia - Tomo I Sistema Osteo-Articular. Lisboa: Edições FMH, 1999. [2] Turner & Robling. Designing Exercise Regimens to Increase Bone Strength. Exercise and Sport Science Review, Jan, 31(1): 45-50, 2003. [3] R. Santos-Rocha, C. Oliveira & A. Veloso. Osteogenic index of Step-Exercise depending on choreographic movements, session duration and stepping-rate. Br J Sports Med, Oct 2006; 40: 860-866 (published online 18 Aug 2006; DOI: 10.1136/bjsm.2006.029413). [4] D.A. Winter. Biomechanics and Motor Control of Human Movement (3 rd ed). New Jersey: John Wiley & Sons, Ltd, 2004. [5] W. J. Vincent. Statistics in Kinesiology (3 rd ed). Champaign, IL: Human Kinetics, 2005. 124