ANAIS DO III CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE DIREITO

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Transcrição:

ANAIS DO III CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE DIREITO FACULDADE DE EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E TECNOLOGIA DE IBAITI ISSN 2179-1880 Nº 11 Julho - 2015 Esta edição contém produção científica produzida no Curso de Direito da FEATI Ibaiti. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 1

REVISTA ELETRÔNICA DA FEATI Faculdade de Educação Administração e Tecnologia de Ibaiti (FEATI), Mantida pela Associação de Ensino Superior de Ibaiti (AESI). Edição - Nº 11 julho de 2015 Av. Tertuliano de Moura Bueno, 1400 - Vila Flamenguinho 84.900-000 - Ibaiti - PR - Tel. (43) 3546-1263 CONSELHO EDITORIAL CURSO DE DIREITO Evaldo Gonçalves Leite Luciano Ferreira Rodrigues Filho Letícia Fátima Ribeiro Ronny Carvalho da Silva COORDENAÇÃO Ronny Carvalho da Silva Solicita-se permuta. Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores. Os trabalhos aqui publicados foram cedidos pelos autores em virtude de apresentação no III Congresso de Iniciação Científica promovido pelo Curso de Direito da FEATI entre os dias 01, 02 e 03 de Junho de 2015. Anais do III Congresso de Iniciação Científica : Curso de Direito. Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. -- n. 11 (2015) -. Ibaiti (PR) : a Instituição, 2015 - v. ISSN 2179-1880 1. Direito - periódico I. Simpósio Internacional de Direito. II. Congresso de Iniciação Científica. III. Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 2

ÍNDICE PRODUÇÃO DOCENTE E DISCENTE Educação política: pressuposto para o exercício pleno da cidadania no Estado Democrático de Direito. 06 A reforma agrária como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais 14 A sociologia de Pierre Bourdieu 30 As implicações da terceirização nas trabalhadoras da limpeza: o sofrimento em questão 45 Penhora on-line de ativos financeiros: análise crítica da importância do instituto na era da informatização. 56 O apedrejamento de Soraya M. e o caleidoscópio jurídico. 68 Análise da coesão e coerência nas produções textuais dos alunos: orientações aos professores de língua portuguesa que atuam nos anos finais do ensino fundamental e médio 90 No rastro dos imigrantes: a esperança de um mundo novo, o Brasil para os haitianos 114 O estado regional autonômico 123 O ônus da prova e o sistema acusatório no direito processual penal brasileiro 137 Reflexões sobre a cultura do capital: relações do trabalho e educação 143 TRABALHOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA Controle de constitucionalidade brasileiro e o direito comparado 157 A execução da pena e o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana 183 O fenômeno das sociedades anônimas 198 Aplicação da pena de morte no Brasil 208 Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 3

APRESENTAÇÃO Pelo terceiro ano consecutivo temos a grata satisfação de apresentar à comunidade acadêmica e ao público em geral o resultado dos esforços de professores e alunos no desenvolvimento da pesquisa e da iniciação científica no âmbito de nosso curso de Direito. Sabemos que o desenvolvimento de uma instituição de ensino não se mede estritamente e necessariamente pela sua dimensão de infraestrutura física, o qual, embora relevante, não merece maior prestígio do que a dimensão humana e das ideias que essa dimensão pode produzir, graças à participação ativa dos membros da comunidade acadêmica no desenvolvimento de uma criticidade construtiva, em que as reflexões e o pensamento possam encontrar livre espaço para sua construção. Assim é na FEATI, onde buscamos incentivar o Acadêmico, por diferentes modalidades, à manifestação de sua criticidade, partindo do universo da pesquisa para, em um segundo momento, construir suas próprias proposições para a busca de soluções adequadas aos diferentes desafios da vida contemporânea. Nesta edição vemos os trabalhos dos professores e dos alunos do curso de Direito, demonstrando, assim, o esforço e dedicação deles na pesquisa científica, no diagnóstico e discussão de temas relevantes na seara do Direito Constitucional e que impactam decididamente na realidade da vivência quotidiana dos direitos fundamentais em sociedade. Nosso objetivo é que as contribuições aqui reflexionadas possam se tornar conhecidas do grande público e que nosso curso cresça ainda mais na profundidade dos temas que tratar, valorizando cada dia mais a pesquisa científica, a fim de que haja uma manutenção adequada dos níveis de qualidade do ensino, mas, acima de tudo, para que tenhamos bons egressos que, ao voltarem para a sociedade depois de frequentarem os bancos desta instituição, possam perceber os graves problemas que ainda afetam a construção de uma Nação verdadeiramente democrática, pluralista e inclusiva, enfim, para Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 4

que encontrem criticamente o caminho da busca incessante da efetivação de nossa Constituição e dos Direitos Humanos em nosso País. A verdadeira educação que desejamos imprimir no curso de Direito da FEATI é aquela que possa transformar o oprimido, libertar o cativo, trazer luz às trevas da ignorância, renovar os hábitos, promover a pessoa humana e sua dignidade, enfim, uma educação como prática da liberdade (Paulo FREIRE), capaz de fazer de nossa Constituição uma força viva na sociedade e não mera folha de papel (LASSALE). É o que sonhamos... É o que buscamos... Todos os que nesta edição publicaram compartilham do mesmo sonho. Parabéns ao Curso de Direito da FEATI por possuir valorosos professores e dedicados alunos! Vamos avante! Ibaiti-PR; Julho de 2015. Prof. Me. Ronny Carvalho da Silva Coordenador do Curso de Direito da FEATI Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 5

EDUCAÇÃO POLÍTICA, PRESSUPOSTO PARA O EXERCÍCIO PLENO DA CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO. Prof. Ronny Carvalho da Silva Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. Procurador do Município de São José da Boa Vista. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Gilson Proença de Meira Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti 1 INTRODUÇÃO Todos são chamados a opinar na escolha dos representantes políticos a cada dois anos, votando e elegendo candidatos para a representação política nas três esferas de atuação política, quais sejam, as esferas municipal, estadual e federal, no entanto é cediço que a população brasileira ainda pode ser compreendida dentro de um contexto de analfabetismo político caracterizado pela falta de consciência política dos eleitores e da compreensão adequada do fenômeno político, da relevância do voto, da participação popular através dos mecanismos de democracia direta e outros temas ligados com o exercício pleno da cidadania. Diante das nefastas consequências de uma analfabetismo político para a condução política da Nação, e a partir dessa ótica, algumas reflexões devem ser realizadas com o objetivo de se tentar conhecer mecanismos aptos à uma mudança de panorama, vislumbrando uma busca por condições efetivas de consciência cidadã por parte dos cidadãos. Acredita-se que a problemática se assenta na inexistência de uma educação alicerçada em práticas libertadoras cunhadas sob o enfoque da política e sua importância social, partindo do pressuposto que as pessoas não são educadas politicamente de forma adequada para a participação ativa e consciente da vida em sociedade. Nesse contexto, o presente artigo aborda o tema da educação política como pressuposto para o exercício pleno da cidadania no estado democrático de direito brasileiro, tendo por referência essencial a obra do pedagogo Paulo Freire. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 6

2 EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA EXERCÍCIO PLENO DA CIDADANIA CONSTITUCIONAL: Tem-se percebido que a educação e o educador em diversos níveis de protagonismo educacional, seja do primário ao ensino superior, tem descuidado do papel político da educação, como instrumento de inclusão no exercício da cidadania. Sob a ótica de Paulo Freire, há um erro evidente no processo educacional atual que se preocupa tão somente com a transferência meramente de conteúdos técnicos, sem preocupação alguma com a formação e a transformação do indivíduo como ser consciente de seus deveres políticos e do exercício pleno da cidadania. Conforme leciona o educador (FREIRE, 2001, p. 51): Para finalizar, gostaria de sublinhar um equívoco: o de quem considera que a boa educação popular hoje é a que, despreocupada com o desvelamento dos fenômenos, com a razão de ser dos fatos, reduz a prática educativa ao ensino puro dos conteúdos, entendido este como o ato de esparadrapar a cognoscitividade dos educandos. Este equívoco é tão carente de dialética quanto o seu contrário: o que reduz a prática educativa a puro exercício ideológico. Inegável, pois, que a educação deve ser entendida como um ato político por si só, sendo descabido o pensar em educação de forma desvinculada da política, tratando da política e sua fenomenologia apenas como uma disciplina da grade educacional. Deve-se, portanto, privilegiar uma educação que possa conferir ao indivíduo uma capacitação para o exercício pleno de sua cidadania, através do surgimento de um reconhecimento de sua inserção no contexto democrático, assim como no conhecimento de quais instrumentos democráticos estão previstos constitucionalmente para a instrumentalização dessa participação efetiva. Nos dizeres de Freire (1999, p. 20), deve haver uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política, a fim de que o indivíduo possa primeiramente adquirir consciência de seu papel histórico, sua colocação historicamente estabelecida, a partir da qual possa adquirir a consciência de sua cidadania, dos seus direitos, dos seus deveres, por conseguinte sua organização e participação inclusiva na vida comum da sociedade. Inegavelmente em termos de educação política há uma falta generalizada de conhecimento e interesse popular, de uma visão mais aguçada da vida pública, há ausência de processos pedagógicos voltados à capacitação do indivíduo acerca dos processos que Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 7

direcionam a vida em sociedade, bem como sobre o Estado e a formação das estruturas de poder político. Vale dizer que há uma cultura institucionalizada para desestimular a participação popular na política diante da ausência de uma educação política que proporcione o entendimento massificado dos instrumentos jurídicos e políticos de participação popular, da compreensão do papel das instituições políticas, da exata noção do significado dos direitos e garantias fundamentais, assim como dos deveres fundamentais que tocam aos cidadãos. Ademais, o Estado burocratizado dificulta ainda mais o entendimento e a participação ativa dos cidadãos no processo político, vez que o modelo de Administração Pública, calcado no formalismo exagerado, dificulta sobremaneira o exercício da cidadania, seja porque o próprio servidor é vítima de uma educação não política, seja porque o cidadão que busca os serviços e as informações do Poder Público desconhece os caminhos e instrumentos adequados de efetivação de suas demandas. Por meio da educação política, é possível a superação de um modelo de fatalismo ontológico assumido pelas classes sociais inferiorizadas, de modo a que o discurso possa ser modificado e reproduzido de maneira diversa. Conforme Freire (2003, p. 49): Este fatalismo, às vezes, dá a impressão, em análises superficiais, de docilidade, como caráter nacional, o que é um engano. Este fatalismo, alongado em docilidade, é fruto de uma situação histórica e sociológica e não um traço essencial da forma de ser do povo. Com efeito, a suposta mansietude do povo brasileiro decorre mais de sua incapacidade de mobilização social e política, por desconhecimento de suas potencialidades constitucionalmente estabelecidas, do que uma característica antropológica do grupo formativo da população brasileira. É preciso romper com esse lastro de autoritarismo pedagógico, de modo a estabelecer na educação inclusiva o modelo de educação para a política, evidenciando os modelos, as práticas, os instrumentos e as prerrogativas do exercício pleno da cidadania, sem descuido com os deveres constitucionalmente estabelecidos. Assim, pois, é preciso assumir realmente a politicidade da educação, educando a todos para serem e se tornarem cidadãos plenos, conhecedores de seus direitos e deveres, e com consciência para lutar por uma transformação real da nossa realidade social na busca da efetivação do texto Constitucional. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 8

A omissão de educação política é a continuação da exclusão histórica das massas populares na participação política do estado. Isso acontece desde a Grécia antiga passando pela idade média até os dias atuais, apenas mudaram os critérios para permitir o exercício da cidadania, de voto censitário, ou seja, do grande proprietário de terras a alfabetizado (aquele que sabe ler e escrever), e isso é feito utilizando de vários instrumentos alienantes, em destaque a educação usada como instrumento de domesticação, para formar o homem objeto. Que a alfabetização tem que ver com a identidade individual e de classe, que ela tem que ver com a formação da cidadania, tem. É preciso, porém, sabermos, primeiro, que ela não é a alavanca de uma tal formação ler e escrever não são suficientes para perfilar a plenitude da cidadania, segundo, é necessário que a tornemos e a façamos como um ato político, jamais como um que fazer neutro. (FREIRE, 2001, p.30) Dessa forma, é possível entender que a educação política é um pressuposto para o exercício pleno da cidadania, de modo que se torna necessário e urgente que as pessoas tenham maior acesso a ela, a fim de conhecerem os mecanismos de participação popular, as garantias fundamentais e os postulados básicos e essenciais de uma vivência democrática plena. Inserido nesse contexto, deve ser dada primazia ao estudo e conhecimento da Constituição republicana, a constituição cidadã de 1988, como elemento primordial de aglutinação dos anseios políticos essenciais e fundamentais da sociedade politicamente organizada. Conforme destaca Canotilho (2003), há algumas questões fundamentais que devem ser pensadas e respondidas pelos cidadãos de modo a se tornar evidente um protagonismo político-constitucional adequado dos cidadãos. Segundo o mestre de Coimbra, todos os cidadãos deveriam ter condições de responder adequadamente às seguintes indagações: ( ) o que é uma constituição e porque é que a constituição assumiu centralidade política e jurídica nos modernos estados constitucionais; qual o direito posto numa lei fundamental?; qual a melhor constituição e quais os problemas políticos agitados pelo direito constitucional? (CANOTILHO, 2003, p. 29) Perguntas fundamentais que, uma vez respondidas pela maioria da população, resultaria na adequada compreensão do fenômeno político-constitucional e consequentemente aumentariam os níveis de entendimento e valorização dos processos Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 9

constitucionalmente estabelecidos para manifestação e participação popular nas decisões políticas fundamentais, notadamente no que se refere aos instrumentos de participação democrática direta. Conforme a máxima schmittiana (SCHMITT, 1996, p. 47): No fundo de toda normatização reside uma decisão política do titular do poder constituinte, ou seja, do povo ( ). Nesse sentido, Canotilho (2003, p. 1441) esclarece que: A organização do poder político pela constituição não se limita à criação de órgãos e definição das respectivas competências e funções. À constituição pertence definir os princípios estruturantes da organização do poder político ( ). Assim, plenamente perceptível que, de fato, a constituição é antes de mais nada um reflexo de decisões políticas fundamentais de um povo, e assim sendo, tais decisões políticas precisam ser bem compreendidas para serem vivenciadas em um contexto de aproximação e percepção dos seus objetivos fundamentais. Enquanto essa adequada compreensão do papel político da constituição e da vivência política do cidadão dos postulados fundamentais previstos constitucionalmente, nãos parece crível que haverá uma efetivação da cidadania plena e do princípio democrático. Com efeito, a cidadania implica no reconhecimento de que ao cidadão é reservado o direito e o dever de participação política, ou seja, influenciar decididamente nos destinos da coletividade agrupada sob o que ficticiamente restou denominado por Estado. Cabe à educação o papel de fornecer os cabedais de informação e competências a serem transferidas aos educandos, de modo a que esses, se apropriando desses conceitos constitucionalmente estabelecidos, possam efetivá-los na vivência prática do quotidiano. Não é sem razão que a própria Constituição estabeleceu que à educação compete preparar o indivíduo para o exercício pleno da cidadania (art. 205), de modo que não se pode compreender a educação, como visto alhures, como mera transferência de conteúdos profissionalizantes e técnicos, mas sim como um processo de formação política do indivíduo visando prepará-lo para bem exercer seus direitos e deveres perante a coletividade, bem compreendo seu papel como ser político (Aristóteles), apto a manejar os instrumentos de efetivação da democracia direta previstos constitucionalmente. Bem salienta Fachin (2012, p. 206): Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 10

O capítulo reservado à educação, à cultura e ao desporto revela preocupação com a cidadania. Estabelece que a educação, compreendida como direito fundamental, deve estar voltada ao pleno desenvolvimento da pessoa humana ( ). Portanto, a educação bem compreendida como um ato político de educar para preparar para a cidadania, deve ser oportunizada para todos, caso contrário estar-se-á mantendo as massas incultas nas trevas da ignorância, não permitindo que se assenhorem de seus direitos e deveres políticos em plenitude. Assevera Paulo Freira (2003, p. 128): Por que não fenecem as elites dominadoras ao não pensarem com as massas? Exatamente porque estas são o seu contrário antagônico, a sua razão, na afirmação de Hegel, já citada. Pensar com elas seria a superação de sua contradição. Pensar com elas significaria já não dominar. Por isto é que a única forma de pensar certo do ponto de vista da dominação é não deixar que as massas pensem, o que vale dizer: é não pensar com elas. Em todas as épocas os dominadores foram sempre assim jamais permitiram às massas que pensassem certo. Com efeito, a cidadania plena somente poderá ser alcançada com a participação ativa da sociedade, de todas as camadas que compõe o substrato social, notadamente as categorias que compõe a grande maioria e que integram os grupos mais vulneráveis dos trabalhadores assalariados, urbanos e rurais, e demais classes trabalhadoras que sempre tiveram seu direito à educação negligenciado pelo Estado, elitizado que sempre foi. A cidadania plena que se pretende atingir ultrapassa meros conceitos teóricos e se consubstancia em uma capacidade reativa da sociedade em se comportar politicamente dentro do quadro geral do constitucionalismo, sob o manto das inúmeras possibilidades de participação ativa. Nos dizeres de Silva (2004, p. 104-105): A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona- Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 11

se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrático. A educação é o principal instrumento para que alcance a cidadania plena, preparando o individuo para o exercício do seu status activae civitatis, ou seja, participar ativamente da condução política do país, influindo decididamente nas decisões que possam acarretar mudança de paradigmas e adoção de rumos e programas de Estado, com considerável influência sobre todos os integrantes da sociedade. 3 CONCLUSÕES A Constituição republicana de 1988 conferiu uma série de direitos e deveres aos cidadãos brasileiros sob uma perspectiva jamais vista anteriormente. Não é sem razão que a Constituição de 1988 é reconhecida como a Constituição-cidadã, dado seu avançado rol de prerrogativas políticas e de participação popular na vida política do país. Inobstante os avanços alcançados na conquista de direitos e prerrogativas que conferem aos cidadãos um estruturado arcabouço jurídico-constitucional de exercício pleno de cidadania, verifica-se que o status activae civitatis não encontrou ainda ressonância na vida prática quotidiana da sociedade. A percepção nítida dos descompasso entre a previsão jurídico-constitucional e sua efetivação, no que se refere aos instrumentos de participação popular previsto na Lei Maior, não deixa dúvidas quanto à baixa interação do povo com os referidos instrumentos constitucionais. Facilmente se pode constatar que a sociedade brasileira, de um modo geral, não compreende adequadamente as ferramentas de participação democrática previstos na constituição e que permitiria uma participação ativa nas decisões políticas fundamentais. De igual modo o exato reconhecimento da importância dos institutos de participação política, de democracia direta e as de democracia participativa, dos conselhos comunitários, da iniciativa popular, entre outros, não fazem parte da cultura popular e não há um interesse generalizado pelo conhecimento desses mecanismos. Mal se sabe votar e mal se sabe a relevância do saber votar, de modo que apenas se trata o direito ao voto como uma obrigação que se não se pode furtar sob pena de Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 12

penalizações, mas não se reflete criticamente sobre o instituto e seu papel fundamental na formação do corpo político que estará à frente do corpo político nas esferas de poder. Cumpre reconhecer, dessa forma, a importância da educação política como instrumento eficaz de formação cidadã, através da implantação de uma cultura para a formação de um corpo social consciente de seu papel na condução da vida política da Nação que integram. O desprezo por uma educação verdadeiramente inclusiva e que trate dos fenômenos políticos constitucionalmente estabelecidos, implica na baixa concretização de valores tão caros à Nação e conquistados às duras penas pelas gerações que antecederam a esta. Cumpre, assim, reconhecer a educação política como mecanismo de efetivação de uma cidadania plena, assim compreendida como a cidadania verdadeiramente vivenciada no quotidiano das pessoas. Enquanto a educação não libertar o homem e a mulher do jugo das elites dominantes, que dizem o que é bom e que dirigem as vidas das massas menos favorecidas como que desprovidas de uma capacidade de se autogovernarem, não se alcançará a efetivação da cidadania plena, concluindo que a democracia brasileira ainda precisa de concretização, não bastando seu enunciado formal no texto constitucional. Somente a educação política poderá transformar nossa democracia em força viva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. FREIRE, Paulo. Política e Educação: Ensaios. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 36ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 1996. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 13

A REFORMA AGRÁRIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Prof. Edson Luiz Zanetti Professor da Faculdade de Educação Administração e Tecnologia de Ibaiti FEATI/UNIESP. Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino ITE, Bauru. Paulo Fernando Zanetti Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal de Garça- FAEF. INTRODUÇÃO A atividade exercida pelo homem do campo é assunto que merece especial atenção dos governantes do nosso país, para a realização de uma política agrária eficaz conforme os ditames constitucionais e, as previsões legais estabelecidas, garantindo-se o fornecimento de alimentos e outros bens retirados da terra, para o consumo da população, a justa distribuição de terras, empregos no campo. A propriedade da terra é um direito fundamental, deve ser bem planejada e organizada a sua distribuição a fim de garantir vida digna àqueles que dela utilizam como fonte de sustento. A má distribuição de terras no Brasil tem razões históricas. Quando se implantou a adoção do regime das sesmarias implantado em nosso país há quase 500 anos, ficou demonstrado que, embora tenha sido importante para o povoamento das terras brasileiras, foi um dos principais responsáveis pelo processo de latifundização de nosso solo. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 14

Enfraquecido pelo autoritarismo político, o Brasil não aderiu aos movimentos sociais que, no século XVIII, democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a estrutura fundiária em toda Europa e nos Estados Unidos. (CARDOSO, 1997, p. 17) O Brasil é o quarto maior país do mundo em extensão territorial. Possui 8.547.403 quilômetros quadrados, atrás apenas da Rússia, da China e do Canadá. Para se ter uma ideia, tem extensão de terras equivalentes a toda Europa, excetuando-se a área pertencente à Rússia. Somos o país que tem a maior extensão de terra agricultável do mundo (VARELLA, 1998, p. 132). Além disso, reúne condições climáticas e a fertilidade do solo mais favoráveis que de outros países. Com todo o privilégio natural disponível, a estrutura do campo deveria estar melhor preparada para acolher as reivindicações dos trabalhadores rurais. No entanto, vivenciamos o cenário onde a maioria desses não tem um pedaço de terra para plantar, enquanto uma minoria da população é proprietária da maior parte das terras brasileiras. 1 ASPECTOS CONCEITUAIS O instituto da reforma agrária se compõe de um conjunto de medidas cujo objetivo é promover a distribuição de terras para a devida utilização e exploração da propriedade agrária, visando atender aos princípios da justiça social. A ideia central deste instituto é a desapropriação de áreas rurais improdutivas e a consequente transferência da posse e propriedade da terra a trabalhadores rurais que não possuem terras para plantar. A Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, no Art. 1º, 1º, cuidou de conceituar a reforma agrária nos seguintes termos: Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 15

Art. 1º, 1º Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. Raphael Augusto de Mendonça Lima em brilhante exposição, ao conceituar reforma agrária, acrescenta o aspecto da eficiência: A reforma agrária é a modificação da estrutura agrária deficiente de um país, ou de uma região, para torná-la eficiente, de acordo com uma política do Poder Público, a ser executada segundo as instituições jurídicas que foram especialmente elaboradas a sua execução, modificando, assim as até então existentes. (LIMA, 1997, p. 231) Pinto Ferreira afirma ser [...] a mudança dos traços essenciais e total da atual estrutura agrária em um sistema de distribuição, utilização e exploração da propriedade agrícola, tendente à democratização da propriedade rural. (FERREIRA, 1994, p. 458). Portanto, a melhor distribuição de terras é a base da reforma agrária. Contudo, como explica, Paulo Torminn Borges, [...] não se trata de distribuição de terras pura e simplesmente, mas envolve a ideia de corrigir o que estiver mal feito, atentando aos princípios da justiça social. (BORGES, 1991, p. 22) Concluímos que o conceito de reforma agrária é bastante amplo, não se prendendo apenas ao aspecto da melhor distribuição de terras, mas envolvem outras medidas que atendem o bem-estar social, a produtividade e incentivos ao homem do campo. 2 A RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 16

A relativização do direito de propriedade é um dos pilares do modelo de desapropriação que foi se construindo ao longo dos anos, principalmente, para fins de reforma agrária. Durante séculos, a propriedade privada se apresentou como um dos mais importantes direitos conquistados no decorrer da história. Era concebida como direito inviolável. A noção de propriedade como direito ilimitado, se contrapunha ao pensamento de alguns estudiosos desde a Grécia antiga. Aristóteles dizia que a terra teria de cumprir um papel na sociedade. (VARELLA, 1998, p. 202). Na medida em que o bem-estar social foi se transformando no maior valor a ser defendido pelos homens e pelos Estados, o direito de propriedade, aos poucos, foi perdendo o seu caráter absoluto, com muito mais intensidade no século passado (PAULSEN, 1998, p. 132), até se formar o convencimento de que a propriedade deve atender a sua função social. Um dos primeiros estímulos à relativização da inviolabilidade do direito de propriedade e, consequentemente, para a reforma agrária, provém do século XVIII, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que no Art. 17, fez ressalva à inviolabilidade do direito de propriedade nos seguintes termos: Art. 17: Ninguém poderá ser privado da propriedade, que é um direito inviolável e sagrado, senão quando a necessidade pública, legalmente verificada, evidentemente o exigir e sob condição de justa e prévia indenização. Mais de 100 anos depois, no dia 15 de maio de 1891, o Papa Leão XIII, publicou a encíclica Rerum Novarum. Esse documento reconheceu o caráter natural do direito de propriedade, ressalvando-se, todavia, o cumprimento de sua função social. É a partir desta Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 17

encíclica que a Igreja começou a destacar a importância da função social da propriedade. (ABINAGEM, 1996, p. 160). A Constituição do México, de 05 de fevereiro de 1917, também contribuiu para o assunto. Previu que as terras e águas compreendidas nos limites territoriais do país, pertenciam à nação mexicana. No seu Art. 27, como observa Olavo Acyr de Lima Rocha, [...] deixou assentado que a nação teria sempre o direito de impor à propriedade privada as modalidades de aproveitamento dos elementos naturais suscetível de apropriação. (ROCHA, 1992, p. 72). É bastante festejada a Constituição de Weimar de 1919, que no seu Art. 153, assegurou que o uso da propriedade constitui um serviço para o bem comum. Neste período ocorreram reformas agrárias em países como: Alemanha, Áustria, Checoslováquia, Estônia, Lugoslávia e Polônia. (ROCHA, 1992, p. 72 ). Enfim, aos poucos foi se concretizando a noção de que o absolutismo não é mais da propriedade em si mesma, mas sim, a sua função social, que constitui o seu perfil constitucional adotado na maioria dos Estados (SILVEIRA, 1998, p. 13). Com efeito, abriramse as portas para a concretização da reforma agrária nos Estados. 3 EVOLUÇÃO JURÍDICA DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL Importante anotar que são três as modalidades de desapropriação reconhecidas no direito brasileiro: desapropriação por necessidade ou utilidade pública; por interesse social e por interesse social para fins de reforma agrária. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 18

Nota-se que desde a Constituição do Império e a Primeira Republicana, a possibilidade de desapropriação da propriedade particular esteve prevista, no entanto, se limitava à modalidade necessidade ou utilidade pública. Na época de vigência dessas Constituições, surgiram alguns movimentos sociais lutando por melhores condições de vida. Marcelo Dias Varella informa que [...] tanto no período colonial quanto após a declaração da independência, é possível observar a ocorrência de diversas rebeliões de caráter nitidamente agrário (VARELLA, 1998, p. 132 ). No entanto, tais movimentos foram logo abafados pelo governo do país. Com a promulgação da Constituição de 1946, no Art. 141, 16, incluiu-se a modalidade de desapropriação por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. No entanto, essa modalidade de desapropriação somente foi regulamentada a partir da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, quase vinte anos depois. Nas palavras de Ismael Marinho Falcão: Infelizmente, a norma constitucional quanto à desapropriação por interesse social, ficou como letra morta até 1962, quando veio à luz a Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, definindo os casos de desapropriação por interesse social. (FALCÃO, 1995, p. 61). A lei acima mencionada tratou de assuntos como: a decretação da desapropriação por interesse social para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social e, a definição para se considerar o interesse social e o prazo para efetivar a aludida desapropriação. Mas, o passo decisivo para a implantação da reforma agrária no Brasil, ocorreu por meio da Emenda Constitucional nº 10, de 10 de novembro de 1964, que acrescentou seis parágrafos ao Art. 147 da Constituição de 1946. No parágrafo primeiro, previu-se a Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 19

desapropriação da propriedade rural mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, resgatáveis no prazo máximo de 20 anos. Nasceu assim, a modalidade de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Nelson Demétrio alvitra que [...] a Emenda Constitucional nº 10 rompeu o dique que opunha formal resistência ao instrumento jurídico para o processamento da reforma agrária brasileira. (DEMÉTRIO, 1988, p. 33) No mesmo sentido, Olavo Acyr de Lima Rocha (1992, p. 72) assevera que: Foi com as modificações de fundo inseridas na Carta Magna de 1946 pela Emenda nº 10, de 10/11/1964, que se tornou possível a efetiva execução em nosso país da reforma agrária com mais de 40 anos de atraso com relação àquelas levadas a efeito na Europa. Nos cofres públicos não havia recursos disponíveis para pagar os proprietários das áreas desapropriadas. Além disso, [...] pagar em dinheiro seria premiar quem não cumprisse sua função social (NASCIMENTO, 1997, p. 170). A indenização em títulos da dívida pública representa um grande marco para a justa divisão de terras. O risco de sofrer uma desapropriação, obrigou os proprietários a tornar suas terras produtivas, cultivando-as de acordo com suas capacidades. Entre outras alterações também implementadas pela Emenda nº 10, se destacam: a competência exclusiva da União para promover a desapropriação agrária, a obrigação de se indenizar em dinheiro as benfeitorias úteis e necessárias constantes na área desapropriada e, a isenção de imposto incidente sobre a transferência da propriedade expropriada. Ato contínuo, o Estatuto da Terra, que entrou em vigência no dia 30 de novembro de 1964, definitivamente, se propôs a resolver a questão. Nas palavras de Nelson Demétrio: [...] desencadeando a permissibilidade da reforma agrária em termos jurídicos, condizentes e adequados às necessidades que inspiram e informam a ordem econômica e social Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 20

(DEMETRIO,1988, p. 34). Os ideais almejados pela classe dos trabalhadores rurais sem-terra, enfim, se transformariam em realidade. 4 A REFORMA AGRÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais uma vez foi assegurada a hierarquia constitucional à reforma agrária. Além de se estabelecer o poder geral de desapropriação prevista no Art. 5º, inc. XXIV, trata da reforma agrária com especialidade, conforme dispõe o Art. 184: Art. 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei. Seguindo as disposições anteriores, o constituinte originário estabeleceu a competência privativa da União para desapropriar imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social para o fim de reforma agrária. Importante destacar a opinião de alguns autores, para quem, na disputa travada entre os ruralistas e os sem-terra, na época da feitura da Constituição, os primeiros tiveram vantagem, pois a Constituição teria abordado mais a política agrícola que a reforma agrária. Nesse sentido, cabe mencionar a observação de José Afonso da Silva que assim se expressa: [...] enquanto a esta se opuseram inúmeros obstáculos, àquela tudo ocorre liso e natural, porque aí é a classe dominante no campo. (SILVA, 2003, p. 803). Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 21

Discussões à parte, em nosso sentir, a Constituição abordou muito bem os dois institutos. É clara a vontade do constituinte em promover a política agrícola e a reforma agrária no Brasil. Para regulamentar o disposto na Constituição Federal, foi promulgada a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, Lei da Reforma Agrária, que dispõe do modelo de desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade rural que não cumpre com a sua função social. 1 4.1 Propriedades imunes à reforma agrária Estabelece a Constituição da República que não será objeto de desapropriação a propriedade rural produtiva e a pequena e média propriedade rural, se o proprietário não tiver outra, conforme a dicção do Art. 185, incs. I e II.0 A Lei nº 8.629/93, no Art. 4º, inc. II, considera a pequena propriedade rural, aquela cuja área estiver compreendida entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais. No inciso III, dispõe que média propriedade é a área superior a 04 (quatro), até 15 (quinze) módulos fiscais. Anota-se que além da pequena e média propriedade rural ressalvada, se a propriedade é produtiva e cumpre a sua função social, mesmo que seja de grande extensão, não poderá ser desapropriada. A propósito, o art. 6º da Lei nº 8.629/93, estabelece: 1 Art. 2º, 1º, da Lei nº 8.629/93: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 22

Art. 6º: Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. O exame do enunciado acima evidencia, desde logo, que são dois os elementos essenciais para a constatação de uma propriedade rural produtiva: grau de utilização da terra e grau de eficiência na exploração. É de grande relevância a norma estabelecida, pois o Brasil precisa de propriedades produtivas, que gerem renda para o país, além da produção de alimentos, biocombustíveis e outros produtos levados ao mercado de consumo. Se a propriedade rural, mesmo sendo de grande extensão, atender à função social, à luz de nossa realidade, não deve ser desapropriada. Por fim, cumpre também anotar que além de ser imune à desapropriação para o fim de reforma agrária, a pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes da atividade produtiva, conforme dispõe o Art. 5º, inc. XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegurando o princípio da dignidade da pessoa humana. 4.2 Uma melhor organização nos assentamentos de reforma agrária Hodiernamente, é compreensível a noção de que não basta promover a distribuição de terras, mas é fundamental que haja eficiência e organização nos projetos de reforma agrária no país. Necessariamente, os beneficiados devem ser aqueles que não têm terra e querem um pedaço de chão para plantar. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 23

Para esclarecer este ponto, citamos o noticiário do Jornal Nacional, 2 do dia 12 de novembro de 2007, que exibiu uma matéria que põe em dúvida a eficácia dos projetos de reforma agrária realizados no Brasil. Foram apontadas ilegalidades ocorridas em assentamentos rurais nas cidades de Uberlândia, Campo Florido e Ibiá, todas, no Estado de Minas Gerais. Constatou-se que áreas desapropriadas para o fim de reforma agrária estão sendo vendidas pelos colonos. No assentamento de Uberlândia, dos 87 lotes, 48 foram vendidos. Em Campo Florido, usineiros teriam demonstrado interesses pelas terras dos assentamentos. Na cidade de Ibiá, os lotes que deveriam atender aos fins da reforma agrária, acabaram virando chácaras. Se analisarmos os diversos assentamentos de reforma agrária, certamente constataremos que esse tipo de ilegalidade não acontece somente em Minas Gerais, mas também, em outros Estados da Federação. No dia 15 de fevereiro de 2013, o Jornal Estado de São Paulo 3 publicou matéria revelando a ousadia em alguns assentamentos, onde se chega a utilizar anúncios em jornais para venda de lotes. É, justamente, para corrigir este tipo de distorção, que se exigem maiores cuidados, não se admitindo a entrega de terras a pessoas que não sabem, ou não querem cultivá-las. Precisamos de reforma agrária, mas que os beneficiários, realmente, sejam os que realmente necessitam e querem trabalhar com a terra. Evidente que existem assentamentos rurais eficientes em nosso país, onde a reforma agrária tenha dado certo. Contudo, é necessário o aperfeiçoamento do sistema, para que a área objeto de reforma agrária seja adequadamente aproveitada pelos colonos. 2 Disponível em: <http://www.jornalnacional.globo.com/jornalismo>. Acesso em: 13 mar. 2008. 3 Disponível em: < http:// www.politica.estadao.com.br/noticias/geral,venda-de-lote-da-reformaagraria-e-anunciada-em-jornal,997428 >. Acesso em 25 jul.205. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 24

Importante também observar, que a disponibilizarão de recursos financeiros e o acompanhamento técnico a esses trabalhadores, são condições imprescindíveis para que possam se manter na posse terra e viver com dignidade. 5 O LATIFÚNDIO NO BRASIL No ensinamento de Eduardo Bratz, o [...] latifúndio é a nomenclatura atribuída a grandes extensões de terras que são cultivadas de forma precária, deficiente, com tecnologias arcaicas que proporcionam baixa produtividade. (BRATZ, 2007, p. 52). O Estatuto da Terra, no Art. 4º inc. V, alíneas a e b, dispõe que se considera latifúndio o imóvel rural que: Art. 4º, inc. V [...]. a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do Art. 46, 1º, alínea b, desta lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine; b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural. Desse modo, o latifúndio pode ser definido em duas modalidades: o de extensão incompatível com o previsto na lei, levando-se em conta as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine e o imóvel rural de área igual ou superior ao módulo rural que seja inexplorado, ou com incorreta utilização. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 25

Constata-se que na primeira modalidade, o latifúndio por extensão não se constitui apenas pelo tamanho da área nas mãos do proprietário ou possuidor. A impossibilidade de cultivar grandes áreas é um componente imprescindível para a configuração desta modalidade. Como assevera Cristiane Lisita Passos, [...] latifúndio hoje denota não o tamanho do imóvel, mas a sua inexploração ou exploração ineficiente. (PASSOS, 2004, p. 55). Na segunda modalidade, o possuidor ou proprietário considerando as características e a extensão do imóvel tem condições de explorar a terra e, mesmo assim, não o faz, ou a utiliza de forma inadequada. É importante frisar que o latifúndio é incutido à estrutura econômica do nosso país. Muitos grupos financeiros apesar de atuarem em diversas áreas da atividade econômica, se propõem a adquirir grandes quantidades de terras, e com elas fazem suas especulações e, na maioria das vezes, as mantêm intactas. Não tendo condições para explorar áreas de até 120 km², proprietários permanecem na posse da terra, não vendem, não arrendam e nem produzem. Consequentemente, no ano de 2003, constatou-se que apenas 25% da área territorial brasileira é ocupada para a exploração rural. (VILELA, s.d., p. 199). Em estudo ao assunto aqui abordado, Carlos Frederico Marés, lembra do pensamento de Lucke no século XVI, de que [...] a apropriação está limitada, porém, à possibilidade de uso, dizendo que a ninguém é lícito ter como propriedade mais do que pode usar. (MARÉS, 2003, p. 23). Justiça seja feita. O Brasil não precisa de gente que se apoie em suas terras com o objetivo de especulação ou de aparências, mas sim, de pessoas que trabalhem a terra. Por essa razão, dentro das condições constitucionalmente amparadas, deve o latifúndio ser desapropriado para o fim de reforma agrária. A propriedade privada é elevada à condição de direito fundamental, e sendo esta rural, desde que produtiva, propõe escopo para a consolidação da dignidade da pessoa humana. Encerramos esta parte com o pensamento de Júlio José Chiavenato, para quem Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 26

[...] nada no Brasil mudará enquanto não eliminarmos a fonte da miséria: o latifúndio. (CHIAVENATO, 1996, p. 06). 6 CONCLUSÕES É notória e complexa a situação dos trabalhadores sem-terra, compreendendo-se que muitos desses, há décadas, esperam por um pedaço de chão para produzir, quando, na verdade, observamos que a justa distribuição de terras no Brasil ainda está longe de se realizar. Enquanto isso, alguns privilegiados são proprietários da maior parte das terras brasileiras. Pessoas que não pretendem e não querem produzir, utilizam a terra com fins especulativos, na expectativa de que depois de alguns anos o valor comercial da terra nua seja bem superior ao de hoje, no mercado imobiliário. A desapropriação é medida necessária para resolver a questão, que na maioria dos casos, envolve latifúndios improdutivos que desconsideram completamente, a função social da propriedade. Só assim se tornará possível a tão esperada reforma agrária no Brasil, objetivando-se o acesso à terra a quem dela precisa e quer cultivá-la. O estado democrático de direito, a dignidade da pessoa humana não se coaduna com a precária política de reforma agrária no Brasil, é necessário incentivos políticos e econômicos para formar acampamentos rurais e após criar condições dignas para manter esta categoria de trabalhadores no cultivo da terra. Não restam dúvidas que o setor rural precisa de maior atenção por parte do Estado. Como todo cidadão urbano, os moradores e trabalhadores do campo também necessitam de condições de vida digna, principalmente, com a merecida valorização do trabalho que exercem. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 27

Por tudo se impõe uma reforma agrária como efetivação dos direitos fundamentais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. BRATZ, Eduardo. Direito agrário. In: GOYOS JÚNIOR, Durval de Noronha (org.). Direito agrário brasileiro e o agronegócio internacional. São Paulo: Observador Legal, 2007. CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma agrária: compromisso de todos. Brasília: Presidência da República Secretaria de Comunicação Social, 1997. DEMETRIO, Nelson. Doutrina e prática do direito agrário. 3ª ed. Campinas: Ago Juris, 1988. FALCÃO, Ismael Marinho. Direito agrário brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação e prática. Bauru: Edipro, 1995. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1994. 6 vol. LIMA, Raphael Augusto de Mendonça. Direito agrário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro da. Comentários à Constituição: ordem econômica e financeira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. PASSOS, Cristiane Lisita. A função social do imóvel rural. In: BARROSO, Lucas Abreu; PASSOS, Cristiane Lisita (orgs.). Direito agrário contemporâneo. Belo Horizonte. Del Rey, 2004. Revista Eletrônica da FEATI nº 11 Julho/2015 ISSN 2179-1880 28

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