Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville: Artifícios para a. preservação do patrimônio in situ

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Transcrição:

Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville: Artifícios para a preservação do patrimônio in situ Flávia Cristina Antunes de Souza 1 - PPG-UFPR As coleções arqueológicas estão na gênese da criação dos museus, essas coleções eram utilizadas na maioria das vezes para demonstrar o desenvolvimento linear da humanidade e os progressos realizados pela espécie humana. Nesse período os museus estavam vinculados a idéia de gabinetes de curiosidades. A partir da década de 1920, com o movimento modernista, inserem-se no cenário brasileiro discussões acerca das reais características da nação. A partir daí a diversidade cultural do país começa a fazer parte dos debates no campo patrimonial. É nesse cenário 2 que as discussões em torno da função social dos museus começam a tomar espaço nos debates museológicos e conforme Horta, a necessidade de derrubar as convenções para preencher o espaço entre o que os museus estavam fazendo e o que o mundo esperava deles passou a ser reclamada 3. É durante as décadas de 1950 e 1960, que estrutura-se a museologia como disciplina e incorpora-se o conceito de museu dinâmico. Nesse contexto os museus passam a exercitar o papel de canal de comunicação através de uma maior inserção na comunidade 4. Na década de 1970 Varine Bohan trás a seguinte reflexão, os museus do futuro, deveriam ser feitos da e pela coletividade, na perspectiva de que todo membro da comunidade ocupe o lugar que lhe é correspondente. 1 Mestranda do curso de pós-graduação em História linha Espaço e Sociabilidades pela UFPR e Educadora do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville. 2 Em 1946 constitui-se uma entidade ligada a UNESCO, o ICOM que é o Conselho Internacional de Museus, com sede em Paris, para discutir os rumos da Museologia no Mundo. 3 HORTA, Maria de Lurdes Parreiras. Educação Patrimonial. Comunicação apresentada na Conferência Latino- Americana sobre preservação do patrimônio cultural. 1991 4 A chamada Nova Museologia manifesta fortemente essas tendências. 1

Em 1972 o Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville MASJ abre suas portas à sociedade, e uma de suas características foi a de estabelecer-se, como uma instituição museológica atenta aos debates do seu tempo, adequada às novas estruturas mentais e culturais que se formam com a incorporação de valores externos ao oficial. As atividades educativas promovidas por essa instituição privilegiavam desde o início a relação entre público e patrimônio. Nesse sentido, era necessário pensar o outro e dar a ele a possibilidade de reconhecimento e identidade 5. Propomos que esse debate possibilite uma análise mais aprofundada de nosso objeto de preservação (os sambaquis), de forma a percebê-los para além de sua materialidade e de sua função enquanto documento do passado, compreendendo-os como um testemunho do presente, como também, a dinâmica do MASJ enquanto um lugar de memória. Considerando o acima exposto, é importante frisar que: a trajetória das ações educativas do MASJ, no que concerne ao diálogo com a sociedade, nos revela uma instituição, preocupada acima de tudo com a inclusão dos mais diversos segmentos que compõe a sociedade. A partir dessa postura inclusivista, o MASJ, procura mapear os usos e sentidos do patrimônio em Joinville, para que, a partir dessa compreensão, promova atitudes preservacionistas, pautadas no entendimento da utilidade contemporânea desses espaços. Um dos saltos mais significativos na busca da desconstrução de antigos (pré)conceitos, em relação as instituições museológicas, foi a passagem da atenção, antes fixa no objeto, para o contexto cultural, alargando o espaço do museu para múltiplas 5 BOTTALLO, Marilúcia. Os Museus tradicionais na sociedade contemporânea: uma revisão. Rev. Do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 5: 283-287, 1995. 2

linguagens de apoio, fomentanto dessa maneira, as mais diversas formas de divulgação e apropriação dos patrimônios. Com o MASJ, não será diferente, pois, uma de suas principais características, é que além de um acervo estimado em aproximadamente, vinte mil peças, salvaguardado, nas suas dependências, essa instituição também é responsável pela fiscalização e conseqüente preservação de quarenta sítios arqueológicos de tipologia sambaqui localizados no município de Joinville, este acervo denominamos in situ. O que ocorre, é que pelo menos dez desses sítios arqueológicos encontram-se, em áreas altamente urbanizadas, onde diversos problemas de falta de infraestrutura se apresentam muitos deles em função dessas áreas estarem inseridas no ecossistema de manguezal, pouco valorizadas e em alguns casos ocupadas irregularmente. Em função desse cenário, o MASJ, sai de seus muros e passa a desenvolver ações de cunho preservacionista, pautadas na metodologia da Educação Patrimonial 6. Nessas ações são contemplados o atendimento e formação de professores e escolares, que vivem próximos a esses sítios, bem como as populações locais. Uma das premissas do Programa de Comunicação Museológica do MASJ é promover a relação entre acervos e sociedade 7, para tanto, existem dois projetos que envolvem o público do ensino formal: Projeto de Atendimento ao Público de Educação Infantil e Projeto de Atendimento ao Ensino Formal 2, 3 e 4 ciclos. Nessa comunicação faremos uma reflexão sobre as discussões propostas pelo Projeto de Atendimento ao Ensino Formal: 2, 3 e 4 ciclos cujos objetivos são discutir questões relativas a alimentação e moradia, tecnologia e pluralidade cultural com alunos de 3, 5 e 7 séries. 6 Para aprofundar esse conceito consultar HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Educação Patrimonial. Palestra proferida no encontro de avaliação do I e II Seminários sobre o Uso Educacional dos Museus e Monumentos. Petrópolis: Museu Imperial. 1993 7 Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville. Plano Diretor: Joinville, 1998. 3

É importante pensarmos que promover a preservação de Sambaquis não é tarefa fácil, uma vez que, os laços afetivos tradicionais, que ligam as pessoas aos patrimônios, muitas vezes, laços temporais de proximidade, que através dos objetos expostos nos museus são rememorados, não são ativados instantaneamente, pelos objetos arqueológicos. Dito de outra forma é preciso lançar mão de alternativas ou artifícios, que estabeleçam esse fio de ligação entre a sociedade atual e aquela de cinco mil anos atrás. Entretanto, não é necessário inventar relações, elas já existem, só resta aos museus enquanto lugares de memória 8 promover a externalização dos múltiplos usos e significados que a sociedade atribui aos sítios, que por sua vez, também são lugares de memória. Nesse sentido, uma das formas de promover a aproximação entre as crianças e o patrimônio foi a escolha das temáticas anteriormente citadas. Os debates relativos a alimentação e moradia, provocam a reflexão sobre a ocupação do espaço, a dinâmica social e urbana da cidade, a partir da compreensão de que o espaço que ocupamos e transformamos hoje, é resultado de um processo que iniciou-se muito antes da chegada dos imigrantes europeus em Joinville. Em relação a temática que envolve o conceito de tecnologia, destacamos a relação que é feita, entre desenvolvimento tecnológico e qualidade de vida, por outro lado, tenta-se desmistificar a idéia de que sociedades précoloniais são desprovidas de qualquer tecnologia, bem como a idéia de que todos na sociedade atual tem acesso ao desenvolvimento e as benesses advindas do uso da mesma. Outro ponto de discussão é a questão da qualidade de vida, que permeia tanto os debates relativos a alimentação e moradia, quanto aqueles referentes a tecnologia. As reflexões se dão no sentido de perceber o que é ter qualidade de vida na nossa sociedade, como se caracteriza e porque muitos não têm. 8 Na definição de Pierre Nora a razão fundamental de ser de um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial. NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. Proj. História. São Paulo. 1993. 4

Já os debates relacionados a pluralidade cultural se dão no sentido de perceber o outro. Através da provocação feita no espaço museológico e nos sítios, podemos identificar quem somos como também quem não somos. A possibilidade de reconhecimento do outro, do diferente é o que nos desperta o sentido de alteridade. Tendemos a afirmar que o diferente é sempre o outro, o sentimento de descoberta que se descortina a partir do contato com o espaço museal, permite refletir que nem tudo é o que eu sou e tampouco todos são como eu sou. Nesse sentido, a experiência proporcionada pelos lugares de memória, está vinculada a uma importante busca do ser humano, o entendimento de si mesmo. O universo dos objetos e da imaterialidade que os torna o que são, podem e devem possibilitar a emergência de como lidar com a diferença e a diversidade no processo de construção de identidade. Assim, o objetivo do MASJ com essas ações educativas, é abrir espaços para a participação da sociedade no processo de construção e de apropriação de seu patrimônio cultural, respeitando e incluindo, suas práticas cotidianas nos sítios arqueológicos da cidade. Entendemos os museus enquanto espaços de diálogo com as diferentes áreas do conhecimento, e comprometidas com a produção de reflexões que percebam essas instituições como espaços de estranhamento e alteridade, que permitam às populações locais, o alargamento da compreensão do lugar que ocupam na sociedade atual na construção de identidades e memórias, através dos patrimônios que preservam. Para Gonçalves, O patrimônio é usado não apenas para simbolizar, representar ou comunicar: é bom para agir 9. Essa categoria de pensamento, de acordo com esse autor, faz a mediação sensível entre os seres humanos e o mundo místico, 9 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O patrimônio como categoria de pensamento. In: ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.27 5

entre o passado e o presente, entre o céu e a terra e tantas outras oposições. Não existe só para ser contemplado, existe de certa forma para a construção de cada um nós. Nesse sentido, a preservação do patrimônio, dos documentos e monumentos e a conseqüente difusão das memórias a eles atreladas faz parte de uma política de memória posta em curso pelas instituições museológicas 10. A idéia ou a efetivação da apropriação de um bem patrimonial, relaciona-se intimamente com o trabalho de seletividade realizado pelos museus enquanto lugares de memória e pelo processo mnemônico de cada um que por ali passa. Em relação ao museu como espaço de exercício de poder, Mário Chagas instiga-nos dizendo: Memória e poder exigem-se 11, é na ação política de seleção expositiva, no cenário museal, que se faz coincidirem, memória, identidade e representação. A noção fundamental é de que, sem transmissão, a memória não se constitui. Nesse sentido Chagas faz a seguinte alusão, memória e preservação aproximam-se. Preservar é ver antes o perigo da destruição, valorizar o que está em perigo e tentar evitar que ele se manifeste como acontecimento fatal. Assim, a preservação participa de um jogo permanente com a destruição, um jogo que se assemelha, totalmente, ao da memória com o esquecimento 12. O patrimônio enquanto documento constituído de memória necessita, para o prolongamento de sua existência de um constante refazer-se de suas referências, reinterpretando e conferindo atualidade, articulando aspectos do passado, com leituras só tornadas possíveis a partir do olhar do presente. Essa possibilidade se viabiliza por meio dos debates promovidos no espaço do museu. 10 Essa discussão pode ser aprofundada em CHAGAS, Mário. Memória política e política de memória. In: ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 11 CHAGAS, Mário. Memória política e política de memória. In: ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. São Paulo: DP&A. 2003. p. 141 12 Idem p. 165 6

É importante não esquecer, que a memória não está aprisionada nas coisas, nos monumentos, nos bens patrimoniáveis, mas está na relação que nós através de nossos sentidos e de nossa historicidade estabelecemos com estes, segundo Santos voltar no tempo é um exercício que necessita de um constante ir e voltar, pois cada lembrança ancora-se a um momento do presente. 13 Dessa forma, as causas que levam as pessoas a agirem de forma preservacionista para com um sambaqui, podem advir de inúmeros motivos, nem sempre relacionados aos oficiais. Para além da importância científica dos sítios existem valores, sentimentos e lembranças ligados, a infância, as brincadeiras, aos namoros, ao lazer e a práticas cotidianas, como por exemplo, o uso medicinal de algumas ervas que existem no espaço dos sítios. A necessidade da memória em se ancorar no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e no objeto, faz dos museus e dos sítios arqueológicos seus lugares de representação por excelência. A necessidade da existência desses lugares, segundo Pierre Nora, deve-se justamente a escassez cada vez maior em nossa sociedade massificada, de meios de memória. Nesse aspecto, o problema da memória e consequentemente do tempo, encontram-se no cerne da problemática dos museus atualmente. As lembranças e reminiscências despertadas nos lugares de memória referemse, aos cheiros, as cores e aos sabores de nossa história vivida ou desejada. A experiência afetiva vivenciada através dos patrimônios, institucionalizados ou não, permite o reencontro com o universo sensível, de significação e resignificação das experiências em todos os tempos. 13 SANTOS, Antonio César de Almeida. Fontes orais: testemunhos, trajetórias de vida e história. Comunicação apresentada na Semana Comemorativa ao Sesquicentenário do Arquivo Público do Paraná. Curirtiba, 2005. 7

Os museus enquanto lugares de contestação de identidades apontam para a possibilidade de nos defrontarmos com a diferença, de negociar, de experimentar. Tanto os museus como os sítios, permitem a reflexão sobre o processo histórico, questionando suas mudanças e permanências, rupturas e descontinuidades. Não promovem a preservação ou o resgate de uma possível identidade cultural una, mas antes, pressupõe o direito a multiplicidade das memórias, pois, perceber as marcas de outros tempos a partir da significação que damos aos objetos do mundo ao nosso redor, desenvolve em nós a consciência de que somos construídos historicamente. Dito de outra forma, o processo de percepção da historicidade da qual os homens se apropriam, dia-a-dia, também é fruto das mudanças promovidas pelas concepções inauguradas ainda na década de 1970 no âmbito da museologia, da antropologia e da história. Entretanto, esse processo de releitura da questão museológica e patrimonial exige a contribuição de diversos segmentos da sociedade, no sentido de implementarem cada vez mais, ações e artifícios que fortaleçam os laços entre a sociedade e seus bens culturais. 8