MANUAL DE PREVENÇÃO E GESTÃO DE MAUS-TRATOS

Documentos relacionados
VICTORIA POLÍTICA ANTI-FRAUDE

Política Antifraude POLÍTICA ANTIFRAUDE

CÓDIGO DE ÉTICA INTRODUÇÃO. A Cerci-Lamas garante o acesso ao Código de Ética a todas as partes interessadas.

POLÍTICA DE ANTI-FRAUDE. VICTORIA Seguros de Vida, SA

Direitos das Crianças

CÓDIGO DE CONDUTA DA FUNDAÇÃO VISABEIRA INSTITUIÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL CÓDIGO DE CONDUTA

CÓDIGO DE CONDUTA Janeiro de

CÓDIGO DE CONDUTA 1/6

1. Avaliação e diagnóstico de situações de negligência, abuso, maus-tratos em pessoas com deficiência intelectual e/ou multideficiência

PROJETO DE CÓDIGO DE BOA CONDUTA PARA A PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO NO TRABALHO NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

VI - Política de Conflitos de Interesses

REGULAMENTO DE COMUNICAÇÃO INTERNA DE IRREGULARIDADES Aprovação: Aprovado em CA, 17/09/2015, Ata nº37 Data: 03 de setembro de 2015

Adoptado pela Direcção 26 de Setembro de 2011 e aprovado pela Assembleia Geral 24 de Setembro de 2011

PROCEDIMENTO INTERNO

ÍNDICE. 1. Objectivos do Código de Ética Âmbito de aplicação Definições Valores/Promessas... 4

MANUAL DE PREVENÇÃO DE ABUSOS E MAUS TRATOS

LEGISLAÇÃO IMPORTANTE

PLANIFICAÇÃO DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA 6º ANO Aulas Previstas por Período 2º Período: 3º Período: 13

CONFERÊNCIA. Segurança nos cuidados de saúde pilar essencial da qualidade

Código de Boa Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho

IV. Conclusões. Conclusões

ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE

Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Código de Ética e Conduta Profissional da CCDR-LVT

Preâmbulo. Na Piriquita - Antiga Fábrica de Queijadas, Lda (adiante também referida por

DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) Paulo Sérgio Lauretto titular da DEPCA Campo Grande/MS

(Certificado NP 4427 nº 2012/GRH.009, desde 19/01/2012) CÓDIGO DE ÉTICA

PROCEDIMENTO DE COMUNICAÇÃO DE IRREGULARIDADES

SEJUDH SUMÁRIO. Noções Básicas de Direito Constitucional. Direitos e deveres fundamentais Direitos e deveres individuais e coletivos...

ELABORADO VERIFICADO APROVADO

Manual de Prevenção e Tratamento de Situações de Maus-tratos 1

CÓDIGO DE CONDUTA DA AGÊNCIA PARA O INVESTIMENTO E COMÉRCIO EXTERNO DE PORTUGAL, E.P.E. (AICEP) CAPÍTULO I - Âmbito e Objectivo. Artigo 1º (Âmbito)

CÓDIGO DE ÉTICA E DE CONDUTA MUNICÍPIO DA POVOAÇÃO

CÓDIGO DE CONDUTA DA CAIXA AGRICOLA DE TORRES VEDRAS

Critérios de Avaliação de Português 7.º ano de escolaridade 2018/2019. Domínio cognitivo/ procedimental 80%

REGULAMENTO DISCIPLINAR. CAPÍTULO I Princípios fundamentais. Artigo 1º Âmbito de aplicação

Módulo ABORDAGEM EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA. Unidade: 3 Violência contra o idoso

Política de Gestão do Risco de Compliance do Banco BIC Português, S.A.

Política de Gestão do Risco de Compliance

PERFIL PROFISSIONAL TÉCNICO/A AUXILIAR DE SAÚDE

Regulamento Interno Campo de Iniciação à Canoagem C.F.C.

Agrupamento de Escolas General Humberto Delgado Sede na Escola Secundária/3 José Cardoso Pires Santo António dos Cavaleiros

ANTÓNIO MANUEL DOS SANTOS PEREIRA NOVOS DESAFIOS À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

P E D R O E A N E S L O B A T O

Art 1º RDPMERJ tem por finalidade: Classificar as transgressões disciplinares, Estabelecer normas relativas à amplitude e à aplicação das punições

11/03/2011. Elaboração de Alimentos. Ministério da Agricultura

aptidões profissionais a todos exigidas.

É DEVER DE TODOS PREVENIR A AMEAÇA OU VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DO IDOSO! DENUNCIE! VOCÊ TAMBÉM É RESPONSÁVEL.

Regulamento da CMVM n.º /2017

1. CARTA DA DIRETORIA

Metropolitano de Lisboa Discriminação e Assédio no local de trabalho conhecer, prevenir e combater. Índice

CÓDIGO DE CONDUTA EMPRESARIAL

MANUAL DO VOLUNTÁRIO

Relação com empregados: Ambiente de trabalho: A empresa trata com dignidade seus empregados, diretos ou indiretos, observando e respeitando os

ESBOÇO PARA UM CÓDIGO DE NORMAS DE CONDUTA DOS TRABALHADORES

VIOLÊNCIA SEXUAL. Capacitação Coordenadores municipais

REGULAMENTO DE LABORATÓRIOS DO ISPAJ

CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA, E.P"+ Código de Ética./t'.l./j L~ Preâmbulo ~ t~ ; C>

Parte I - Introdução. Capítulo 1 - Objectivos do Estudo. 1.1 Metodologia

Relatório de Conformidade 2013

Agrupamento de Escolas da Sé

Unidade de Recursos Humanos

EVOLUÇÃO DO QUADRO LEGAL PORTUGUÊS PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DA CORRUPÇÃO

Código de Conduta do Comercializador de Último Recurso de Gás Natural

CÓDIGO DE CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DE MARKETING

Gestão de Lares e Centros de Dia. Santarém Maio 2007

esse instrumento tem que ser formal, já que a via administrativa, por onde terá tramitação, se sujeita ao princípio da publicidade e do formalismo, em

CHECKLIST ETAPAS DO EXAME FÍSICO, RECOLHA DE VESTÍGIOS E FOTODOCUMENTAÇÃO

Violência de Género: Violência sobre os idosos e as idosas

CÓDIGO DE ÉTICA DA UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática. Professor: Rodrigo J. Capobianco

Código de Ética e de Conduta

861 Proteção de Pessoas e Bens

Agrupamento de Escolas General Humberto Delgado Sede na Escola Secundária/3 José Cardoso Pires Santo António dos Cavaleiros

Código de Conduta para colaboradores

REFERENCIAL TÉCNICO BRC

CÓDIGO DE CONDUTA DA CRUZ VERMELHA PORTUGUESA

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ARCOZELO

CÓDIGO DE ÉTICA E CONDUTA

CÓDIGO de CONDUTA. Operador da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica. Edição: 1 Data:

CÓDIGO DE BOA CONDUTA PARA A PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO NO TRABALHO

Regulamento SurfChamp 2011

PROJETO DE LEI Nº DE 2015.

Unidade de Cuidados na Comunidade Saúde Mais Perto de Ponte de Lima, Dezembro 2010

FICHA DE SINALIZAÇÃO

PROJETO CURRICULAR DO ENSINO SECUNDÁRIO PLANIFICAÇÃO A LONGO PRAZO 2015/2016

Para uma Educação e Formação Social, Humana e Profissional dos alunos da Escola Secundária Almeida Garrett

SESSÃO DA TARDE PENAL E PROCESSO PENAL Lei Maria da Penha. Professor: Rodrigo J. Capobianco

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Direitos da Criança e Meio Familiar Medidas de Promoção e Proteção

Conferência TRÁFICO DE SERES HUMANOS - Prevenção, Protecção e Punição

Direito Penal. Lei nº /2006. Violência doméstica e Familiar contra a Mulher. Parte 1. Prof.ª Maria Cristina

Transcrição:

MANUAL DE PREVENÇÃO E GESTÃO DE MAUS-TRATOS 1. Introdução Tradicionalmente as preocupações com abusos e maus-tratos, plasmadas na prática social e no direito positivo, focavam-se exaustivamente nas interacções entre estranhos. O círculo familiar e os seus sucedâneos institucionais (escolas, internatos ou asilos) eram à partida tomados por espaços auto-regulados pelo bom senso do respectivo chefe de família, a quem incumbia a autoridade e a disciplina, com os meios coercivos que entendesse apropriados. O senso comum do povo consagrou esse paradigma em provérbios como: entre marido e mulher não metas a colher ; quem dá o pão dá o pau ; de pequenino se torce o pepino ; quem bem ama bem castiga ; a golpes se fazem os homens. Assim se acumulou no passado a perniciosa crença de que a violência intragrupal e a punição mais ou menos arbitrária têm uma função formativa do carácter da pessoa, e de que a coesão social radica mais no rigor hierárquico das instituições do que na consciência da cidadania. A crescente sensibilidade acerca dos direitos humanos e da responsabilidade solidária dos cidadãos na defesa dos membros mais vulneráveis da comunidade veio pôr em questão a arbitrariedade do poder parental e dos seus equivalentes nas instituições de protecção social. Onde há uma pessoa dependente ou em desigualdade de poder, está hoje consensualmente aceite o direito e o dever de os demais cidadãos e as instituições públicas escrutinarem a situação e agirem em conformidade. A Cerci-Lamas, no cumprimento da missão de inclusão social e do desenvolvimento pessoal das pessoas vulneráveis, está atenta à prevenção e controlo da negligência,

abusos, maus-tratos e discriminação, os quais constituiriam uma violação flagrante dos seus valores. Com o presente Manual sintetizamos as orientações preventivas sobre a matéria dispersas noutros documentos institucionais e instituímos os procedimentos de controlo a adoptar. 2. Políticas de prevenção 2.1. Empowerment dos clientes Reportando-nos à missão e ao Modelo de Qualidade de Vida, importa reafirmar que recusamos limitar a satisfação dos nossos clientes ao usufruto passivo de comodidades e amenidades. O empowerment é um conceito adequado para exprimir o investimento dinâmico no desenvolvimento pessoal e na cidadania. Definimos o empowerment como um processo social multidimensional através do qual as pessoas ganham controlo sobre as suas próprias vidas. Tal controlo pode ser visto em três perspectivas: a) Influenciar o pensamento dos outros (poder sobre); b) Tomar decisões e fazer escolhas (poder para); c) Resistir ao poder ilegítimo de outros (poder de). Entendemos que o empowerment dos clientes é a estratégia mais eficaz contra a ocorrência de abusos. Estar consciente dos seus direitos e estar capacitado para os exercer, em benefício próprio e dos seus pares, é um poderoso antídoto contra atitudes negligentes dos cuidadores ou dos familiares, bem como contra situações de violência ou desrespeito da integridade física e psicológica das pessoas vulneráveis. O empowerment é prosseguido transversalmente em diversas áreas dos PI e ainda nas assembleias de clientes, no grupo de autorrepresentastes e no estímulo à participação na gestão com sugestões de melhoria.

2.2. Carta dos Direitos do Cliente A Carta dos Direitos do Cliente da Cerci-Lamas faz um enunciado exaustivo dos direitos dos clientes quanto à: a) Acessibilidade aos serviços; b) Acessibilidade ao uso dos espaços; c) Fruição de serviços de qualidade; d) Participação na gestão; e) Formação e informação para a qualidade. Sendo um documento extenso e pouco acessível aos clientes com limitações cognitivas, os técnicos têm o compromisso de o explicitar em linguagem fácil nas assembleias e grupos de autorrepresentastes. 2.3. Código de ética O Código de Ética da Cerci-Lamas enuncia as normas de conduta da instituição (gestão e colaboradores), clientes e familiares, relacionando-as com os valores e princípios da instituição. Doze das cinquenta normas do código referem deveres dos clientes, na medida em que não são beneficiários passivos dos serviços mas actores do seu próprio desenvolvimento e corresponsáveis pela melhoria contínua da instituição, da família e da comunidade. Neste sentido o Código de Ética assume expressamente a participação e o empowerment como um dever dos clientes e não uma mera oportunidade que lhes é oferecida. As restantes normas de conduta focalizam a instituição e as famílias na missão e valores da instituição, constituindo assim uma poderosa ferramenta de prevenção de abusos. 2.4. Regulamentos internos Os regulamentos internos das respostas sociais não são exaustivos no enunciado dos direitos e deveres dos clientes porque estão subordinados ao código de ética e à carta de direitos do cliente. O seu objectivo é adaptarem à especificidade da resposta social as normas gerais da instituição. Mesmo assim, encontramos nos Regulamentos Internos os seguintes traços comuns dos direitos dos clientes: a) O direito a ser tratado com respeito e atenção; b) O direito à informação;

c) O direito de participação na elaboração do PI; d) O direito de apresentar sugestões e reclamações e a obter resposta às mesmas; e) O livre acesso aos técnicos e responsáveis dos serviços. 3. Procedimentos de controlo A instituição não pode apenas repousar sobre a existência duma estratégia diversificada de prevenção de abusos e de empowerment dos clientes. Importa igualmente adoptar uma estratégia pró-activa de controlo dos riscos e de resposta pronta a condutas ou suspeita de condutas inaceitáveis. 3.1. Controlo dos riscos O anexo 1 apresenta uma grelha de 59 indicadores de violência institucional, repartidos pelas seguintes áreas e dimensões: Áreas Dimensões Nº de indicadores Ambiente físico Ambiente social Gestão 1. Conforto 5 2. Segurança 3 3. Confinamento 3 4. Restrição sensorial 5 5. Recursos humanos 5 6. Gestão patrimonial 5 7. Privacidade 4 Interacção pessoal 8. Sexualidade 3 9. Interacção física 4 10. Comunicação verbal 5 11. Alimentação 5 Cuidados pessoais 12. Higiene pessoal 3 13. Saúde 5 14. Medicação 4 O director técnico deve preencher anualmente, no mês de Julho, esta lista de controlo, com o apoio dos restantes coordenadores. Cada indicador recebe uma das cotações: Não (não se verifica), Lig (indícios ligeiros), Sim (indícios claros).

No seguimento deste controlo, o director técnico apresenta obrigatoriamente à direcção uma proposta de medidas imediatas para a eliminação das disfunções assinaladas com sim, e recomendações de melhoria para os indicadores com indícios ligeiros. 3.2. Sinalização de suspeitas de abuso Certos abusos são por sua natureza susceptíveis de tentativas de dissimulação por parte dos seus autores, e a dissimulação é facilitada pelas limitações funcionais das vítimas. O anexo 2 é uma ficha de participação de suspeitas de abusos no domínio dos maus-tratos físicos. O anexo 3 é uma ficha de participação de suspeitas de abusos no domínio do abuso sexual. Ao director técnico cabe dar a devida atenção a estas participações e propor à Direcção as diligências adequadas ao melhor esclarecimento destas suspeitas, nomeadamente, quanto à consistência dos indícios e aos autores dos alegados abusos, sejam eles familiares, clientes, colaboradores ou outros. Se os indícios de crime o justificarem, deve considerar-se prontamente a participação à autoridade policial ou judicial e a promoção do exame médico da vítima. 3.3. Participação de incidente de violência O anexo 4 é uma ficha de participação de incidente de violência ocorrido no âmbito da responsabilidade da instituição. A participação deve ser feita por qualquer dos intervenientes ou testemunhas presenciais. A participação deve igualmente ser feita se a testemunha encontrou a vítima ou foi por ela abordada já depois de terminado o incidente. O director técnico dará à participação o tratamento que ao caso couber, procedendo a mais averiguações ou propondo à direcção um inquérito disciplinar e/ou a participação às autoridades públicas. No que toca ao incidente de abuso sexual, importa ter em conta os seguintes procedimentos para a preservação de vestígios biológicos: a) Não comer ou beber; b) Não lavar a boca, nem os dentes; c) Não tomar banho, nem lavar os órgãos genitais;

d) Não mudar de roupa ou, se já tiver mudado, preservar a que usava até à data da ocorrência (incluindo absorventes como salva slips, pensos higiénicos ou tampões) se possível seca e em sacos de papel; e) Não lavar as mãos, não limpar nem cortar as unhas; f) Não se pentear; g) Não urinar ou defecar e, caso o tenha de fazer, conservar esses produtos numa embalagem adequada (ex: contentor para exame bacteriológico de urina); h) Não tocar no local onde decorreu o abuso, não limpar ou arrumar esse local; i) Não esvaziar baldes do lixo, nem descarregar o autoclismo da sanita. As vítimas de abuso sexual devem ser encaminhadas para os serviços médicolegais, no período de 72 horas, a fim de se realizar imediatamente a exploração física, com colheita de amostras biológicas e avaliação psicológica da vítima. 3.4. Relatório anual Anualmente, de Janeiro a Março, o director técnico elabora e submete á direcção um relatório de balanço de todos os registos arquivados na execução deste Manual de Prevenção e Controlo de Negligências, Abusos e Maus-Tratos, propondo as medidas de melhoria que entender adequadas. Deste Manual fazem parte os seguintes anexos: 1) Grelha de indicadores de violência institucional 2) Participação de suspeitas de abuso 1. Maus-tratos físicos 3) Participação de suspeitas de abuso 2. Abuso sexual 4) Participação de incidente de violência