TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Sindical A INAPLICABILIDADE DO EFEITO RETROATIVO DA SÚMULA 277 DO TST NAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO Roberto Lopes Advogado Logo após a divulgação da nova redação da Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mediante a publicação da Resolução nº 185/2012 no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho entre os dias 25, 26 e 27/09/2012, alterando seu entendimento pela aplicação, nas convenções e acordos coletivos de trabalho, da ultra-atividade, a Divisão Sindical desta Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) elaborou, em novembro de 2012, trabalho técnico analisando a dita questão e os eventuais impactos nas negociações coletivas. Vejamos o teor do verbete em referência: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. Após diversas críticas manifestadas nos meios jurídico e sindical, os ministros do TST Augusto César Leite, Kátia Magalhães Arruda e Maurício Godinho Delgado lançaram, em setembro de 2012, o artigo A Súmula nº 277 e a Defesa da Constituição, defendendo a nova redação da Súmula nº 277. O referido artigo está disponível na Biblioteca Digital do TST. 1 Em síntese, após defenderem e ratificarem o novo entendimento acerca da ultratividade nas convenções e acordos coletivos, concluíram que: A ultra-atividade da norma coletiva, agora retratada na Súmula nº 277 do TST, concilia a jurisprudência com os princípios regentes do Direito do Trabalho, com o pressuposto legal da continuidade normativa e em especial com a regra textualmente consagrada no art. 114, 2º, da Constituição. Os precedentes do STF referidos pela jurisprudência que serviu à elaboração da Súmula nº 277 do TST, bem assim aqueles mencionados em julgamentos recentes do http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/28036. Acesso em 08/01/2013. Abril de 2013
2 próprio STF, remetem, em última análise, ao texto da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que estabelecia apenas uma regra de competência. A base jurídica de tais precedentes não foi, portanto, a Constituição Federal em vigor. A jurisprudência que emana da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho já sinalizava um claro dissenso com a orientação predominante nos órgãos fracionários que, inspirados na antiga redação da Súmula nº 277, afastavam a eficácia da norma coletiva após seu prazo de vigência, ainda que outra norma coletiva não houvesse surgido a reger as relações coletivas de trabalho correspondentes. A nova redação da Súmula nº 277 do TST não cria direitos e benefícios. Permite, ao invés, que as regras coletivas se desenvolvam sobre os pontos relevantes, ou seja, a propósito dos direitos não regidos pela norma coletiva de trabalho precedente, salvo se há a intenção de modificá-los ou suprimi-los. Além disso, atende à lógica prevista no art. 7º da CF quando trata da preservação dos direitos que visem à melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Leva, enfim, ao equilíbrio de forças, absolutamente essencial à negociação coletiva no contexto de um estado democrático (princípio da equivalência entre os contratantes coletivos). A ultra-atividade condicional, ou seja, aquela que faz a norma coletiva prevalecer até que a cláusula de interesse seja eventualmente derrogada por norma coletiva posterior, promove a harmonia entre os atores coletivos da relação laboral, impondo a negociação coletiva de trabalho como um modo necessário de rever conquistas obreiras, sem o artifício de tê-las suprimidas pela mera passagem do tempo. Independentemente disso, o fato é que existe outra discussão resultante da nova Súmula, que seria a retroatividade ou não dos efeitos da ultratividade. Vale dizer que a ultratividade poderia ser aplicada nos contratos de trabalho em vigor, para normas coletivas já expiradas e que não foram validadas ou revalidadas em novos instrumentos coletivos de trabalho. Como se observa, esse posicionamento traz, em seu bojo, notória insegurança jurídica e, por que não dizer, induz ao engessamento do instituto da negociação coletiva, o que se lamenta, principalmente quando verificamos a inexistência de unanimidade no meio jurídico quanto à aplicação do referido verbete sumular. Vale destacar que a CNC promoveu a ação de reclamação nº 15.065 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, objetivando suspender, Trabalhos Técnicos Abril de 2013
3 entre outras súmulas do TST, a de nº 277, exatamente porque esta teria legislado acerca do tema ultratividade inobservando a tripartição dos poderes e, consequentemente, usurpando a competência do Poder Legislativo. Além disso, registre-se que o texto da Súmula foi aprovado sem precedentes necessários e favoráveis à tese da aplicabilidade da ultratividade, requisito necessário para tanto, dentro da ótica constitucional estabelecida pela Constituição da República (CR) de 1988 e conforme determina o Regimento Interno do TST, 2 tendo se valido de precedentes cuja base jurídica foi a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, conforme afirmaram os ilustres ministros subscritores do artigo jurídico anteriormente citado. Trataremos, neste momento, de dois exemplos de insegurança jurídica que a Súmula trouxe no âmbito das relações do trabalho. O primeiro diz respeito a caso de trabalhadores da extinta Brasil Telecom, hoje Oi, que conseguiram garantir o pagamento de participação nos lucros para aposentados, previsto em cláusula da convenção coletiva de 1969, que não teria sido expressamente revogada em negociações posteriores. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST aplicou ao caso a nova redação da Súmula nº 277, alterada em setembro. A decisão declara que os benefícios concedidos aos trabalhadores passariam a integrar os contratos individuais, sendo automaticamente renovados e só revogados se houver uma nova negociação. Segue trecho do acórdão: A reclamada insiste ser indevido o benefício em tela nos anos de 2003 e 2004, eis que o ACT de 1969 assegura a percepção da participação nos lucros aos aposentados somente do exercício em que se aposentaram. Indica violação dos arts. 613, IV, e 614, 2 Regimento Interno do STF. Art. 165. O projeto de edição de Súmula deverá atender a um dos seguintes pressupostos: I - três acórdãos da Subseção Especializada em Dissídios Individuais, reveladores de unanimidade sobre a tese, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos do órgão; II - cinco acórdãos da Subseção Especializada em Dissídios Individuais, prolatados por maioria simples, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos do órgão; III - quinze acórdãos de cinco Turmas do Tribunal, sendo três de cada, prolatados por unanimidade; ou IV - dois acórdãos de cada uma das Turmas do Tribunal, prolatados por maioria simples. 1º. Os acórdãos catalogados para fim de edição de Súmula deverão ser de relatores diversos, proferidos em sessões distintas. 2º. Na hipótese de matéria revestida de relevante interesse público e já decidida por Colegiado do Tribunal, poderá qualquer dos órgãos judicantes, a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, a Procuradoria- Geral do Trabalho, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou Confederação Sindical, de âmbito nacional, suscitar ou requerer ao Presidente do Tribunal apreciação, pelo Tribunal Pleno, de proposta de edição de Súmula. Nesse caso, serão dispensados os pressupostos dos incisos I a IV deste artigo, e deliberada, preliminarmente, por dois terços dos votos, a existência de relevante interesse público. Abril de 2013 Trabalhos Técnicos
4 2.º, da CLT e contrariedade à Súmula 277 do TST. Transcreve arestos para confronto de teses. Inicialmente, se revela imprópria a alegação de afronta aos arts. 613, IV, e 614, 2.º, da CLT, em decorrência da redação do art. 894, II, da CLT conferida pela Lei 11.496/2007, que excluiu das hipóteses de cabimento dos embargos à violação de preceito de lei. Na atual sistemática, essa modalidade recursal apenas se viabiliza por divergência jurisprudencial. Por outro lado, conforme revelado pelo acórdão da Turma, o caso é de celebração de um termo aditivo ao acordo coletivo de trabalho de 1969 que assegurou o recebimento do benefício participação nos lucros para os aposentados, se incorporando ao patrimônio jurídico dos reclamantes. Nesse cenário, a decisão embargada está em sintonia com a nova redação da Súmula 277 do TST, a qual prevê que "as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. (TST-E-ED-RR-1884800-47.2004.5.09.0016, SDI-1, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, julgado em 29.11.2012, DJET de 07.12.2012). (Grifamos.) Já a 4ª Turma, do TST, em decisão unânime, rechaçou a pretensão de um ajudante de maquinista que pedia a manutenção de parcela, suprimida em 1999, pela então Rede Ferroviária Federal (RFFSA), hoje Ferrovia Centro Atlântica, relativa a horas de viagem, previstas em uma antiga norma regulamentar que não teria sido cancelada. O relator do processo, ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, foi categórico ao afirmar que a alteração da jurisprudência deve ser sopesada com o princípio da segurança jurídica, principalmente se levarmos em consideração o fato de que o TST alterou significativamente seu entendimento ao revisar a Súmula. Aduziu, ainda, que, nos últimos 24 anos, o entendimento do próprio TST foi o de que as vantagens negociadas entre empresas e trabalhadores valeriam enquanto vigorasse o acordo, no prazo máximo de um ou dois anos, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Daí porque, para mantê-los em uma próxima convenção, era necessária nova rodada de negociação, maneira salutar e segura de resolver questões afetas às relações de trabalho: RECURSO DE REVISTA - FERROVIÁRIO - HORAS DE JANELA - CONDIÇÃO ESTABELECIDA EM NORMA COLETIVA - SÚMULA Nº 277 DO TST - SOPESAMENTO - PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. A evolução do Trabalhos Técnicos Abril de 2013
5 entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 277 do TST, quanto à aderência das normas coletivas aos contratos de trabalho, deve ser sopesada com o princípio da segurança jurídica, motivo pelo qual a alteração do entendimento deve ter seus efeitos aplicados às situações ocorridas a partir de sua publicação, e não retroativamente às situações já consolidadas sob o entendimento anterior. Dessa forma, uma vez que a pretensão tem origem em norma estabelecida no regulamento da empresa, Plano de Cargos e Salários, posteriormente suprimida, por meio de acordo coletivo, cuja cláusula foi posteriormente submetida à apreciação em dissídio coletivo, não se há de falar em alteração deste, restando intacto o art. 468 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (TST-RR-37500-76.2005.5.15.0004, 4ª Turma, Rel. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, julgado em 28.11.2012, publicado DJE de 07.12.2012) (Grifamos.) Na verdade, a nova redação da Súmula nº 277 não pode retroagir para alcançar situações pretéritas e já consolidadas no tempo. Há que se modular seus efeitos, principalmente para evitar ou diminuir o impacto econômico que ela carrega em seu bojo, devendo ser aplicada apenas para os instrumentos coletivos de trabalho estabelecidos a partir de setembro de 2012. Do contrário, passivos trabalhistas seriam criados, na medida em que trabalhadores estariam autorizados a ingressar com inúmeras ações postulando valores referentes a benefícios antigos, não expressamente cancelados. Seria o caos nas relações de trabalho. Lembramos, por oportuno, que a CLT não preconiza a eternização das cláusulas dos instrumentos coletivos de trabalho. O 3º do artigo 614 3 da norma consolidada é expresso ao estabelecer a validade máxima de dois anos para tais instrumentos, razão pela qual não poderia uma súmula dar efeito retroativo para repristinar cláusulas de antigos instrumentos coletivos de trabalho, mormente quando manifestamente ultrapassado o lapso temporal que lhes dotava de validade jurídica. Esse lapso temporal de validade dos instrumentos coletivos de trabalho foi estabelecido pelo legislador objetivando preservar o princípio da proteção do ato jurídico perfeito, que, no caso, restaria vulnerado pelo verbete sumular, sem contar a notória ofensa a outro princípio, o da razoabilidade, pois não seria razoável retroagir seus efeitos para alcançar verdadeiros atos jurídicos perfeitos, e acabados consubstanciados nas normas coletivas destituídas de vigência legal. 3 CLT. Art. 614. Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos. 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a 2 (dois) anos. Abril de 2013 Trabalhos Técnicos
6 A propósito da necessidade de preservar situações jurídicas já consolidadas no tempo, lembramos que a Lei nº 9.868/1999, que regulamenta o processo e o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF, em seu artigo 27 determina que: Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (Grifamos.) Os valores sociais e a livre iniciativa são fundamentos do Estado democrático de direito (art. 1º, IV, CR), daí porque é de suma importância observar a modulação (impor limites na aplicação) dos efeitos da atual Súmula nº 277, propiciando a preservação dos direitos dos trabalhadores, da atividade empresarial, do ambiente de trabalho, da manutenção e da geração de empregos, elementos que compõem valores constitucionais inseridos na ordem econômica e social (art. 170; 193, da CR) e que, por isso mesmo, prescindem da necessária segurança jurídica. Finalmente, verificamos que essa divergência inicial certamente influenciará as demais turmas do TST, motivo pelo qual devemos aguardar um pocisionamento em definitivo sobre a questão da retroatividade na aplicação da Súmula 277 nas convenções ou acordos coletivos antigos, situação que poderá ensejar nova manifestação da SDI-1, responsável por uniformizar o entendimento sobre o tema. Trabalhos Técnicos Abril de 2013