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Transcrição:

5ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL 1 ª Vara Federal de Ponta Porã Ação Penal Processo nº0000951-45.2013.403.6005 Autora: Justiça Pública Ré: Sandra Pistorio Lima Sentença Tipo D REGISTRO Vistos etc. Livro n.º /2014 Registro n.º /2014 O MPF oferece denúncia contra Sandra Pistorio Lima, imputando a ela o cometimento da conduta descrita no artigo 331 do CP, porque, no dia 7.10.2012, data de eleição, por volta das 10h, teria desacatado a Juíza Eleitoral Liliana de Oliveira Monteiro, no exercício de sua função. Segundo a exordial, na data dos fatos, equipe composta pela juíza eleitoral e duas auxiliares teria abordado Sandra e outras duas pessoas, uma destas identificada como fiscal de partido político, as quais estavam sentadas no interior do Colégio Municipal Marcondes, neste município, local de votação, e informado a denunciada da impossibilidade de sua permanência no local. Diante disso, Sandra teria reagido rudemente e se dirigido até o local onde se encontrava a juíza eleitoral e iniciado com esta uma discussão verbal. Foi novamente solicitado a Sandra que se retirasse do local de votação. Não obstante, ela teria permanecido ainda por um curto período de tempo no interior do Colégio e teria afirmado não estar nem aí, para o fato de Liliana ser juíza. E, embora tenha se retirado do interior do Colégio, Sandra teria permanecido em suas imediações. Uma hora após ter sido abordada

pela equipe, ela teria sido novamente vista, momento em que teria adentrado em seu veículo. Tal circunstância resultou em que fosse abordada por policiais federais, os quais localizaram, no interior do carro, vários santinhos do candidato Eustáquio da Silva Lopes (marido de Sandra). E, ao ser conduzida para a Delegacia de Polícia Federal, Sandra teria desacatado a juíza eleitoral...ao darlhe a mão para supostamente cumprimentar-lhe, dizendo, em tom jocoso e ríspido, diante de todos os presentes: Parabéns, Juíza...A Sra. fez o seu trabalho. (fl.77). Termo circunstanciado de ocorrência às fls. 07/22. Auto de Apresentação e apreensão à fl. 23. Autos inicialmente distribuídos à Justiça Eleitoral com designação de audiência preliminar (fls. 26/27 e 39). Manifestação do Parquet estadual, às fls. 58/59, pugnando pelo declínio de competência à Justiça Federal, visto que a conduta típica descrita nos autos teria sido praticada contra magistrada estadual investida de jurisdição federal. Decisão às fls. 60/61 que acolheu a manifestação do Ministério Público e determinou a remessa dos autos a este Juízo. É o relatório. Fundamento e decido. O crime de desacato, descrito no artigo 331 do Código Penal, prevê sanção para quem desacata funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Ocorre que se tem entendido na América Latina, que a incriminação do desacato afronta o art. 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos (1969) (Pacto San Jose da Costa Rica), ao estabelecer relação vertical entre o indivíduo e o Estado. De acordo com o Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH, de 2000, a CIDH efetuou uma

análise da compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado em 1995. 1 Naquela oportunidade, a CIDH concluiu que tais leis não são compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso como um meio para silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas. relatório: Assunte-se para o que diz importante trecho do A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior nível de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em direta contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus poderes coercitivos. Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública. Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções fiduciárias. Inclusive aquelas leis que contemplam o direito de provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem indevidamente a livre expressão porque não contemplam o fato de que muitas críticas se baseiam em opiniões, e, portanto, não podem ser provadas. As leis sobre desacato não podem ser justificadas dizendo que seu propósito é defender a ordem pública (um propósito permissível para a regulamentação da expressão em virtude do artigo 13), já que isso contraria o princípio de que uma democracia, que funciona adequadamente, constitui a maior garantia da ordem pública. Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato, mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ataques infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou impetrando ações cíveis por difamação ou injúria. 1 Relatório Anual da CIDH, 2000, Volume III, Relatório da Relatoria para a Liberdade de Expressão, Capítulo II (OEA/Ser.L/V/II.111 Doc.20 rev. 16 abril 2001).

Por todas essas razões, a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou os Estados que as derrogassem. Alguns países da América Latina aboliram dos seus ordenamentos jurídicos o crime de desacato, como a Argentina, por exemplo, em decorrência do caso Verbitsky v. Argentina (Caso 11.012, Informe No. 22/94, Inter-Am. C.H.R., OEA/Ser.L/V/II.88 rev.1 Doc. 9 at 40 (1995)). O Brasil, todavia, ainda não atendeu à CIDH. Conquanto seja assim, a respeito do status jurídico dos tratados internacionais, deve-se reparar no pronunciamento do STF, no julgamento do RE 466343, nos seguintes termos: EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. (RE 466343, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-06 PP-01106 RTJ VOL-00210-02 PP-00745 RDECTRAB v. 17, n. 186, 2010, p. 29-165) Segundo entendimento externado no voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento acima referido, reiterando aquele manifestado no HC 90.172-SP, (2ª Turma, votação unânime, j. 05 de junho de 2007), os tratados vigentes no Brasil, firmados antes da entrada em vigor da EC nº 45, que incluiu o 3º no artigo 5º da Constituição da República, possuem valor supralegal, isto é, estão abaixo da Constituição, mas acima das Leis. Nesse contexto, porque o art. 331 do CP conflita com o art. 13 do Pacto San Jose da Costa Rica, tendo status jurídico inferior a ele, há de prevalecer o tratado, rejeitando-se, por conseguinte, a denúncia.

Isso posto, por se tratar de fato atípico, consoante fundamentação retro, rejeito a DENÚNCIA, nos termos do artigo 395, II, do CPP. Com o trânsito em julgado, cancelem-se os assentos policiais e judiciais, e arquivem-se, com baixa na distribuição. Ciência ao MPF. P.R.I.C. Ponta Porã/MS, 23 de junho de 2014. EDEVALDO DE MEDEIROS JUIZ FEDERAL