PROPRIEDADES FUNCIONAIS DO CORAÇÃO

Documentos relacionados
Sistema Cardiovascular. Dra. Christie Ramos Andrade Leite-Panissi

FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

Universidade Estadual de Santa Cruz (DCB)

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Fisiologia Humana I

FISIOLOGIA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Ms. Carolina Vicentini

Faculdade Maurício de Nassau Disciplina: Anatomia Humana. Natália Guimarães Barbosa

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Potencial de membrana e potencial de ação

Sistema Cardiovascular

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM

Prof. Ms. SANDRO de SOUZA

FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR DISCIPLINA: FISIOLOGIA I

Estudo dos Reflexos Medulares

ELECTROFISIOLOGIA CARDÍACA

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM

PROPRIEDADES DO MÚSCULO CARDÍACO Aula com filmes: CARDIOGRAMA DE TRAÇÃO NO CORAÇÃO DE SAPO Prof. Dr. Benedito H. Machado Prof. Dr. Rubens Fazan Jr.

Coração Vasos sanguíneos: artérias veias capilares Sangue: plasma elementos figurados: Hemácias Leucócitos plaquetas

Ciclo cardíaco. Biomorfofuncional I Problema 3 Módulo I Sistemas Cardiovascular e Respiratório. Profa. Dra. Juliana Vasconcelos

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Cardiologia do Esporte Aula 1 Sistema circulatório. Prof a. Dr a Bruna Oneda

Introdução ao Sistema Cardiovascular Propriedades da Fibra cardíaca Regulação da FC: Efeitos do Exercício. Lisete C. Michelini

AULA-10 FISIOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Fisiologia do Sistema Cardiovascular. Profa. Deise Maria Furtado de Mendonça

Cardiologia do Esporte Aula 1 Sistema. Prof a. Dr a Bruna Oneda 2013

POTENCIAL DE MEMBRANA E POTENCIAL DE AÇÃO

Comparação entre dois métodos de retirada do suporte ventilatório em pacientes no pós-operatório de cirurgia cardíaca 1

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca

Resposta fisiológica do Sistema Cardiovascular Durante o Exercício Físico


Ciclo cardíaco e anatomia dos vasos sanguíneos

Sistema Cardiovascular. Aula 4 Fisiologia do Esforço Prof. Dra. Bruna Oneda 2016

Sistema Nervoso Central Quem é o nosso SNC?

Gabarito da lista de revisão sobre Sistema Circulatório Prof: Marcus Ferrassoli

BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA FUNÇÃO CARDIO-VASCULAR E EXERCÍCIO

CURSO DE EXTENSÃO. Neurofisiologia I. Giana Blume Corssac

Exercícios de Circulação Comparada

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca. Forças e mecanismos físicos relacionados à circulação sanguínea

Ciclo cardíaco. 1. Estrutura e Fisiologia Geral do Coração

ELETROCARDIOGRAFIA. Profª Enfª Luzia Bonfim

Sistema Nervoso e Potencial de ação

Problemas Cardiovasculares. Aspectos anatômicos e fisiológicos na UTI

Bacharelado em Educação Física. Função Cardio-vascular e Exercício

Sistema Cardiovascular. Prof. Dr. Leonardo Crema

Biofísica da circulação

PROBLEMAS CARDIOVASCULARES. Prof. Enf. Esp. Diógenes Trevizan

Prof. Adjunto Paulo do Nascimento Junior Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu

d) Aumento da atividade da bomba hidrogênio-potássio e) Aumento da atividade da fosfatase miosínica

Biofísica da circulação. Hemodinâmica cardíaca

SISTEMA CIRCULATÓRIO PROF.ª LETICIA PEDROSO

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Prof. Victor Uchôa

Fisiologia. Iniciando a conversa. O sistema circulatório

Cardiograma de Tração do Anfíbio. - extrassístoles acopladas: despolarizações prematuras que seguem uma contração normal e que podem ser abolidas;

SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Dr. Rodolfo C. Araujo Berber Universidade Federal de Mato Grosso

O sistema circulatório. Autores: Inês Salvador e Tiago Cardoso Adaptação: Profa. Conceição Leal Fonte: Slide Share

O coração como bomba Ciclo e Débito Cardíaco Efeitos do Exercício. Lisete C. Michelini

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

TECIDO NERVOSO (parte 2)

Pergunta de desenvolvimento

13/08/2016. Movimento. 1. Receptores sensoriais 2. Engrama motor

Anatomia e Fisiologia Sistema Nervoso Profª Andrelisa V. Parra

Tecido e Sistema Nervoso

Ergonomia Fisiologia do Trabalho. Fisiologia do Trabalho. Coração. Módulo: Fisiologia do trabalho. Sistema circulatório > 03 componentes

Regulação nervosa e hormonal nos animais

Semiologia Cardiovascular. Ciclo Cardíaco. por Cássio Martins

Uma Proposta de um Sistema de Apoio ao Diagnóstico de Patologias Cardíacas Utilizando Wavelets

Respostas cardiovasculares ao esforço físico

21/9/2010. distribuição do O2 e dos nutrientes; remoção do CO2 e de outros resíduos metabólicos; transporte de hormônios; termorregulação;

FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

RIO SISTEMA CIRCULATÓRIO RIO OBJETIVOS DESCREVER AS FUNÇÕES DO SIST CIRCULATÓRIO RIO

Fisiologia Comparativa da. Circulação de Invertebrados

PROGRAMA DA DISCIPLINA DE BIOFÍSICA PARA O CONCURSO PÚBLICO DE TÍTULOS E PROVAS PARA PROFESSOR ASSISTENTE DA DISCIPLINA DE BIOFÍSICA

SISTEMA CARDIOVASCULAR I

Sistema Cardiovascular. Prof. Dr. Leonardo Crema

Programa Analítico de Disciplina BAN232 Fisiologia Humana

FISIOLOGIA HUMANA UNIDADE II: SISTEMA NERVOSO

REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL. Sistema Cardiovascular

FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR DISCIPLINA: FISIOLOGIA I

Eletrofisiologia 13/03/2012. Canais Iônicos. Proteínas Integrais: abertas permitem a passagem de íons

- CAPÍTULO 3 - O SISTEMA CIRCULATÓRIO

GÊNESE E PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO

Biologia. Móds. 41 e 42 Setor Prof. Rafa

Cardiologia do Esporte Aula 2. Profa. Dra. Bruna Oneda

Sistema Cardiovascular

Aulas Multimídias Santa Cecília. Profª Ana Gardênia

Potencial de Repouso

SISTEMA CIRCULATÓRIO PROF.ª ENFª. LETICIA PEDROSO ESPECIALISTA EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Prof. Me. Renata de Freitas Ferreira Mohallem

U N I T XI. Chapter 60: SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO. Organização do Sistema Nervoso Autônomo. Organização do sistema nervoso autônomo

Origens do potencial de membrana Excitabilidade celular

RESUMO APARELHO CARDIOVASCULAR

Biologia. (5168) Tecido Muscular / (5169) Tecido Nervoso. Professor Enrico Blota.

Sistema Nervoso Central - SNC Sistema Nervoso Central Quem é o nosso SNC?

inadequada ou muito lenta.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, SAÚDE E TECNOLOGIA - IMPERATRIZ. CURSO DE ENFERMAGEM PLANO DE ENSINO

Funções das glicoproteínas e proteínas da membrana :

PROGRAMA DE DISCIPLINA

Tema 07: Propriedades Elétricas das Membranas

Fisiologia da motilidade

O POTENCIAL DE AÇÃO 21/03/2017. Por serem muito evidentes nos neurônios, os potenciais de ação são também denominados IMPULSOS NERVOSOS.

Fisiologia Animal. Sistema Circulatório. Professor: Fernando Stuchi

Transcrição:

Universidade Federal do Rio Grande Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas Fisiologia Animal Comparada PROPRIEDADES FUNCIONAIS DO CORAÇÃO O sistema circulatório-sanguíneo de vertebrados tem como funções básicas a distribuição de oxigênio, nutrientes e moléculas sinalizadoras, assim como, a remoção de produtos do nosso metabolismo. Podemos dizer que a organização básica desse sistema consiste de uma bomba (o coração), uma série de tubos (os vasos) e um fluído que preenche estes tubos (o sangue). A função do coração é manter a circulação adequada de sangue para os tecidos do organismo. Sua eficiência, como bomba muscular, depende do padrão sequencial de excitação e contração coordenadas dos átrios e dos ventrículos (nos vertebrados o número de câmaras é variável). Esse processo se dá devido às propriedades funcionais das células cardíacas: automatismo, excitação, condutibilidade e contratilidade. O coração dos vertebrados está sob controle de regulação nervosa, apresentando inervações do sistema neurovegetativo, simpáticas e parassimpáticas (Figura 1), com ação modulatória, uma vez que a atividade elétrica é inerente ao coração (automatismo). Figura 1 Regulação nervosa do coração de mamíferos com terminações simpáticas (cardioaceleradoras) e parassimpáticas (cardioinibidoras). (Adaptado de Guyton e Hall, 2006)

A atividade elétrica intrínseca das células especializadas ou automatismo é denominada de atividade ou potencial marcapasso, sendo que o centro gerador da atividade marcapasso é o nódulo sino atrial (células organizadas na parede posterior do átrio direito em répteis, aves e mamíferos ou no seio venoso em peixes e anfíbios), entretanto, outras células cardíacas do sistema especializado de condução também possuem automatismo e podem assumir a função de marcapasso cardíaco; por exemplo, nodo atrioventricular e fibras de Purkinje. Na atividade das células marcapasso, não se observa potencial de repouso porque estas células estão sempre se despolarizando, graças à entrada lenta de Na + através de um canal catiônico. Esta fase conhecida como pré-potencial, eleva o potencial de membrana lentamente até ao limiar de excitabilidade que acarreta na abertura de canais de Ca 2+, responsáveis pela fase despolarizante do potencial marcapasso. Estes canais fecham-se e a célula marcapasso se repolariza pela saída de K + (Figura 2). Figura 2 Movimento de íons durante um potencial marcapasso. (Adaptado de Silverthorn, 2003) Na parede do miocárdio, principalmente na parede ventricular, a atividade elétrica é mais rápida, com despolarização rápida dependente da entrada de Na +. A figura 3 mostra os dois extremos de tipos de potenciais de ação observados no coração: o do nódulo sino atrial (potencial marcapasso) e o das células da parede do miocárdio. O coração apresenta outros tipos de potenciais, os quais variam entre essas duas formas. A

B Figura 3 (A) Representação gráfica de potencial marcapasso no nódulo sinoatrial (NSA) e de potencial de ação no músculo do ventrículo. (Adaptado de Guyton e Hall, 2006) (B) Condução elétrica de células cardíacas - formas de potencial marcapasso no nódulo sinoatrial e no potencial de ação nas células do ventrículo. (Adaptado de Silverthorn, 2003) Na despolarização ocorre a contração muscular, caracterizando a capacidade contrátil do coração, ou contratilidade. Entretanto, para que as fibras cardíacas possam responder ao potencial de ação gerado nas células marcapasso, são necessárias mais duas propriedades fundamentais: a condutibilidade e a excitabilidade. A condutibilidade é realizada por células cardíacas do sistema especializado de condução que conduzem o potencial de ação gerado nas células marcapasso para todas as fibras do miocárdio. No sistema de condução elétrica do coração, as fibras interatriais e internodais, que conectam ambos átrios, levam o potencial elétrico até o nodo átrio-ventricular, o feixe de His, que com sua porção penetrante e os ramos direito e esquerdo conduzem o potencial elétrico pelo septo interventricular em direção ao ápice do coração e, a partir daí, ramificam-se em miofibrilas denominadas fibras de Purkinje que propagam o potencial para todo músculo ventricular. As fibras cardíacas são excitáveis, ou seja, elas são capazes responder à estímulos elétricos, químicos, térmicos ou mecânicos, assim, uma vez que o potencial da ação chega numa célula muscular cardíaca, esta reponde a este estímulo contraindo-se. A atividade do sistema neurovegetativo (simpático e parassimpático) sobre o automatismo cardíaco pode levar a um aumento na frequência cardíaca ou a uma diminuição dependendo do neurotransmissor liberado.

Figura 5 Frequência de potencial marcapasso (A) com e sem estimulação simpática e (B) com e sem estimulação parassimpática. (Adaptado de Silverthorn, 2003) Na essência, a ativação simpática por ação da noradrenalina sobre todo o miocárdio, leva à maior abertura de canais de Ca 2+, aumentando a frequência de potenciais marcapasso e a força de contração, podendo provocar taquicardia; enquanto que o aumento da atividade parassimpática, através da liberação de acetilcolina diretamente nos nodos sinoatrial e átrioventricular, aumenta a saída de K + e ainda diminui a corrente através de canais de Ca 2+ o que leva à uma redução da frequência de potenciais. REFERENCIAS DAS FIGURAS: Guyton, A.C. & Hall, J.E. 2006. Tratado de Fisiologia Médica. 11 a edição, Elsevier - Pensilvania, E.U.A. 116 p. Silverthorn, D.U. 2003. Fisiologia Humana. Uma Abordagem Integrada. 2ª edição, Editora Manole - São Paulo, Brasil. BIBLIOGRAFIA INDICADA: Aires, M.M. 2008. Fisiologia. 3a Edição, Guanabara Koogan - Rio de Jnaeiro, Brasil, 1232 p. Berne, R.M.; Levy, M.N. Kolppen, B.M. & Stanton, B.A. 2009. Fisiologia, 6 a Edição, Editora Elsevier - São Paulo, Brasil. Curi, R.; Procópio, J. Fisiologia Básica. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 2009 Guyton, A.C. & Hall, J.E. 2006. Tratado de Fisiologia Médica. 11 a edição, Elsevier - Pensilvania, E.U.A. 116 p. Silverthorn, D.U. 2003. Fisiologia Humana. Uma Abordagem Integrada. 2ª edição, Editora Manole - São Paulo, Brasil.

QUESTÕES PARA REVISÃO 1 - Descreva o caminho da propagação do impulso elétrico no coração a partir da sua geração gerado no coração. 2 - Em relação ao experimento exibido no vídeo, explique porque o ventrículo da rã parou depois da ligadura entre os átrios e o ventrículo. E por que o ventrículo contraiu após a estimulação elétrica? 3 - Explique os mecanismos de ação da adrenalina e acetilcolina sobre o funcionamento do coração. 4 - Qual foi o resultado observado no vídeo após a adição de atropina? Explique este resultado. 5 - Quando o nervo vago é estimulado, o que se observa no coração de vertebrados tetrápodes? Explique. 6 - Ainda no coração da rã, o que aconteceria se gotejássemos solução salina com o dobro da concentração de Ca 2+? Por quê? 7 - O que aconteceria com a atividade cardíaca se o coração fosse retirado da rã e mantido em uma solução salina? Por quê?

SOLUÇÃO DAS QUESTÕES 1 A atividade elétrica inicia no nódulo sinoatrial, se propaga pelo músculo atrial e então alcança o nódulo átrio-ventricular, seguindo pelo feixe de His, fibras de Purkinge e músculo ventricular. 2 Com a ligadura houve a interrupção da condução elétrica entre os átrios e o ventrículo (nodo átrio-ventricular). Estímulos elétricos locais, assim como mecânicos, podem excitar eletricamente o músculo cardíaco que responde com uma contração. 3 A adrenalina, como neurotransmissor simpático, leva à maior abertura de canais de Ca 2+ e assim favorece a maior frequência de potenciais marcapassos e maior força de contração, enquanto a acetilcolina, neurotransmissor parassimpático, leva ao fechamento de canais de Ca 2+ e abertura de canais de K +, hiperpolarizando as células o que promove a diminuição da frequência cardíaca. 4 A aplicação da atropina removeu o efeito gerado pela acetilcolina. A atropina é um antagonista da acetilcolina. Ao se ligar no receptor de acetilcolina, a atropina impede a ação deste neurotransmissor de caráter inibitório para o músculo cardíaco. Logo, não observa-se a redução da atividade cardíaca. 5 Quando o nervo vago é estimulado observa-se uma diminuição da frequência cardíaca, isso porque na estimulação do vago ocorre liberação de acetilcolina diretamente nos nodos sinoatrial e átrio-ventricular e, consequente, menor entrada de Ca 2+ e maior saída de K +, hiperpolarizando as células especializadas. 6 Aumentando-se a concentração extracelular de Ca 2+, maior seria o gradiente de Ca 2+ e, portanto, maior sua entrada através dos canais de Ca 2+ ; com isso a frequência cardíaca aumentaria. Atenção, no caso de um aumento excessivo de Ca 2+ (hipercalcemia), pode-se observar contrações espasmódicas e parada cardíaca em sístole. 7 O coração manteria o ritmo de contração porque sua excitabilidade é intrínseca às células marcapasso (automatismo). Dessa forma, mesmo fora do corpo do animal, continuaríamos a ver o coração bater. Esta é a propriedade funcional do coração que permitiu que a Medicina evoluísse a área de transplante cardíaco.