Uso do SIG para o estudo da leishmaniose em Santarém, Pará, Brasil

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Transcrição:

Uso do SIG para o estudo da leishmaniose em Santarém, Pará, Brasil Ricardo José de Paula Souza e Guimarães 1 Raquel Gonçalves 1,2 Nelson Veiga Gonçalves 1 Daniela Cristina Soares 2 Walter Souza Santos 1 Lourdes Maria Garcez 2 1 Instituto Evandro Chagas - IEC/SVS/MS Rodovia BR-316 km 7 s/n - 67030-000 - Ananindeua - Pará, Brasil {ricardoguimaraes, waltersantos, nelsonveiga}@iec.pa.gov.br 2 Universidade do Estado do Pará - UEPA Rua Perebebuí, 2623-66087-670 - Belém/PA, Brasil {raquelgoncalves, lourdesgarcez, danielasoares}@iec.pa.gov.br Abstract. The cutaneous leishmaniasis (CL) is a chronic infectious disease with worldwide distribution, characterized by the manifestation of lesions in the skin. The etiologic agents are protozoa of the genus Leishmania. The epidemiology of CL has its own characteristics in each area, resulting in variables related to parasites, vectors and processes for use and occupation of soil. The aim of this study was to visualize, identify and determine the locations to capture and study of phlebotomine fauna in the municipality of Santarém / PA by using a GIS. The kernel was used to select study areas and thus realize a survey the sandfly fauna using CDC traps in intra (IH) and outside homes (OH) and Shannon traps in wild environment (WE). The kernel has identified the two major circuits spatial production of CL cases, Jatoba and Corta-Corda. The total of 222 sandflies of 15 species was captured in the two circuits. Jatoba had the largest number of specimens captured in IH/OH and the specimen Lutzomyia longipalpis was more abundant. In WE, the largest number was captured in Corta-Corda and Psychodopygus davisi predominated in this environment. The presence of B. flaviscutellata in IH/OH indicates greater exposure to the domestic Le. amazonensis. The presence of Lu. longipalpis in IH/OH suggests that these environments are providing adequate conditions for the establishment of this species. The kernel was a useful strategy to guide the surveillance and prevention of disease. The generated data supports decision making to define priority areas for interventions. Palavras-chave: GIS, kernel, leishmaniose, epidemiologia, vigilância. 1. Introdução O espaço é a dimensão integradora entre as pessoas e o tempo e, portanto, um importante aspecto nos estudos epidemiológicos (Gond 2008). Os processos de transformação e uso do espaço, essencialmente dinâmico, podem levar à degradação do ambiente e favorecer a ocorrência de doenças, especialmente daquelas transmitidas por vetores (Monken et al. 2008). A leishmaniose tegumentar (LT) é uma doença infecciosa crônica, com ampla distribuição mundial, caracterizada pela manifestação de lesões na pele e/ou mucosas. Os agentes etiológicos, protozoários do gênero Leishmania (Kinetoplastida: Trypanosomatidae), completam seu ciclo de vida com a participação de dois hospedeiros: um inseto vetor (Psychodidae: Phlebotominae) e um hospedeiro mamífero (Lainson & Shaw 1978). A epidemiologia da LT apresenta características próprias em cada área, resultante de variáveis relacionadas aos parasitos, vetores e processos de uso e ocupação do espaço (Dias- Lima et al. 2003). As alterações ambientais afetam a dinâmica das populações de flebotomíneos, alteram sua composição, hábitos e o comportamento das diferentes espécies (Arias & Freitas 1982), além de promover a sua ocorrência em ambientes antropizados (Azevedo et al. 2002). Dada a complexidade dos ciclos de transmissão, as estratégias de vigilância precisam elaboradas e adequadas a cada contexto (Souza et al. 2004). Em áreas de endemia, informações sobre a diversidade, distribuição e comportamento antropofílico dos 8599

vetores, fornecem parâmetros para o delineamento de intervenções. Assim, a diversidade de vetores, associada às múltiplas interações entre o ser humano e o ambiente, são fatores que contribuem não apenas para um incremento no número de casos da doença, como também para expansão geográfica da LT, que aumenta a cada ano (Azevedo et al. 2002). No Brasil, a maior parte dos casos da doença ocorre na Região Norte e o estado do Pará responde pela maioria das ocorrências da região. Em apenas quatro, dos 143 municípios do estado do Pará (144 a partir de 2012), não há registro de ocorrência autóctone da LT (SINAN/SESPA 2010). No município de Santarém, diferentes pressões ambientais têm influenciado a epidemiologia da doença. Entre 2007 e 2010, o coeficiente de detecção de LT foi 32 casos/100.000 habitantes) (SINAN/SESPA 2010), o que caracteriza o município como área de alto risco de transmissão. Em Santarém, dada a impossibilidade de atuação do serviço de vigilância em toda extensão territorial do município (22 887,080 km 2 ), é imperativo o uso o uso de tecnologias em geoprocessamento para identificar circuitos espaciais de produção de casos, equivalentes às áreas com maior risco de transmissão, definindo-se aquelas prioritárias para ações de vigilância. A descrição da fauna de flebotomíneos nestas áreas proporciona a atualização do conhecimento acerca das espécies possivelmente envolvidas na transmissão. Uma das tecnologias de geoprocessamento úteis para orientar os serviços de vigilância é a estimativa de intensidade de Kernel. Um método estatístico não paramétrico, de interpolação, que identifica uma superfície contínua (aglomerado) de densidade, calculada em todas as localizações que compreendem o objeto de estudo. O resultado permite a identificação visual de áreas quentes (hotspots) (Bailey & Gatrell 1995). A vantagem da utilização dessa técnica é a rápida visualização do comportamento dos padrões de pontos na área de estudo sem ser afetada por divisões político-administrativas, além de fornecer uma visão geral da distribuição dos eventos (Carvalho & Câmara 2002). O objetivo desse estudo foi visualizar, identificar e determinar os locais para a captura e estudo da fauna de flebotomíneos em duas localidades no município de Santarém/PA por meio de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). 2. Metodologia Área de estudo A área de estudo foi o município de Santarém (Figura 1), na Mesorregião do Baixo Amazonas. Santarém é o principal centro financeiro e econômico do oeste do estado e o terceiro maior município do Pará com 299.419 habitantes em uma área de 22.887,080 km² (IBGE 2012). Análise de intensidade de kernel A definição dos aglomerados foi realizada por meio da análise de intensidade de kernel e baseou-se no local de infecção e residência de 28 pacientes primoinfectados (2010-2011) em áreas de planalto, que tiveram etiologia esclarecida (PCR ITS1 e RAPD Mob I/Hae III), revelando diversidade de agentes circulantes na região (Gonçalves et al. 2012). A intensidade do kernel foi estimada pela equação abaixo (Santos et al. 2001): n 1 ( s si ) () s 2 i 1 Na equação, () s é o valor estimado em uma região; k() é a função de estimação kernel e s 1,...,s n são localizações de n eventos observados (amostras) em um raio de influência τ com centro em s. O arquivo gerado pelo kernel foi uma grade regular com resolução espacial (x, y) de 250 metros e com τ = 10 km, aplicado aos dados de localização da infecção e residência. O 8600

objetivo da utilização do kernel foi identificar visualmente quais as localidades que apresentavam aglomerados, de infecção e de residência, para investigação entomológica. Figura 1: Localização geográfica de Santarém/PA e o mapa de uso do solo baseado nas classificações dos Projetos PRODES e TerraClass (BRASIL 2012). Investigação entomológica Para o levantamento da fauna de flebotomíneos, foram utilizadas armadilhas CDC (Center Disease Control) no intra e peridomicílio e armadilhas Shannon em ambiente silvestre (BRASIL 2007). As armadilhas CDC (Alexander 2000) foram colocadas em três domicílios e em três galinheiros no peridomicílio, durante três noites consecutivas, nos dias 18, 19 e 20/03/2012 no período das 18:00 as 06:00 horas (Fig 2a). A armadilha do tipo Shannon, também de atração luminosa, tem sido utilizada para captura da fauna entomológica em ambiente silvestre (Alexander 2000). As armadilhas foram colocadas em ambiente silvestre no dia 21/03/2012 no período das 19:00 as 21:00 horas (Figura 2b). 3. Resultados e Discussão Foram identificados dois grandes circuitos espaciais de produção de casos de LT (Fig. 3), sendo os locais de infecção (Figura 3a), residência de pacientes (Figura 3b) e em ambos os locais (Figura 3c). Em cada circuito foi selecionada uma localidade (Jatobá: -2,569-54,861 e Corta-Corda: - 2,848-54,302), considerando o uso e ocupação do espaço. As localidades selecionadas também deram nome também aos circuitos. O primeiro é próximo ao rio Tapajós, onde há áreas de recreação como praias e grande fluxo populacional devido às atividades de ecoturismo. O segundo é um assentamento rural, próximo do reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) Silvio Braga à margem do rio Curuá-Una. A Figura 4 mostra a localização espacial dos domicílios utilizados no estudo nas localidades de Jatobá e Corta-Corda. 8601

Figura 3: Aplicação do kernel no município de Santarém/PA nos dados de local de infecção (a), residência do paciente (b) e infecção/paciente (c). Figura 4: Localização espacial das casas utilizadas nesse estudo nas localidades de Jatobá (a) e Corta-Corda (b). 8602

O total de 222 flebotomíneos de 15 espécies foi capturado nos dois circuitos de produção de casos de LT (Tabela 1). O circuito Jatobá apresentou o maior número de espécimes capturados no peri (n=80) e intradomicílio (n=25). Em ambiente silvestre, o maior número de espécimes foi capturado no circuito Corta-Corda (n=44). Lutzomyia longipalpis foi a espécie mais abundante nas capturas (intra e peridomicílio) no circuito Jatobá e Psychodopygus davisi predominou em ambiente silvestre no circuito Corta-Corda. Tabela 1. Flebotomíneos capturados em diferentes datas no mês de março de 2012 nos circuitos espaciais de produção de casos de LT identificados em Santarém/PA. Os circuitos foram gerados pelo estimador de intensidade de kernel. Circuitos Jatobá Corta-Corda Ambientes Peri Intradomicílio Silvestre Peri Intradomicílio Silvestre Espécies/dia 18 19 20 18 19 20 21 18 19 20 18 19 20 21 Evandromyia carmelinoi 2 3 5 5 1 1 Nyssomyia castenheirai 4 2 12 10 2 1 4 Bichromomyia flaviscutellata 1 1 1 Lutzomyia gomezi 1 Lutzomyia longipalpis 31 20 12 Sciopemyia microps 1 6 Evandromyia monstruosa 1 Micropygomyia pilosa 1 1 1 Micropygomyia rorotaensis 2 3 Sciopemyia sordellii 3 9 2 3 Psychodopygus complexa 18 2 Psychodopygus corossoniensis 4 Psychodopygus davisi 2 38 Lutzomyia sherlocki 1 NI 1 1 1 1 1 NI = não identificados Total 11 35 34 22 1 2 21 15 9 18 6 4 44 4. Conclusões A proximidade da mata e as precárias condições de moradias favorecem o contato dos humanos com o ciclo do vetor. A presença de B. flaviscutellata no peri e intradomicílio indica uma maior exposição doméstica à Le. amazonensis. A presença de Lu. longipalpis no intra e peridomícilio sugere que esses ambientes estão proporcionando condições adequadas para o estabelecimento (e dominância) dessa espécie, ressaltando a necessidade de medidas preventivas dirigidas também à leishmaniose visceral. Adicionalmente, P. complexa é reconhecida como vetora de Le. braziliensis e sua presença no circuito Jatobá, área de ecoturismo, deve ser considerada nas ações de vigilância vetorial a fim de evitar surtos relacionados a esta atividade. Recentemente, foi descrita nosso grupo identificou a localidade Jatobá a transmissão ocorrência de casos humanos de LT causada por diferentes espécies de Leishmania: Le. (L.) amazonensis, Le. (V.) braziliensis e Le. (V.) naiffi (Soares, et al. 2012, Gonçalves et al. 2012). Na investigação entomológica orientada pelo estimador de intensidade de kernel, as espécies de flebotomíneos vetores desses três agentes foram também identificadas no circuito Jatobá. Considerando que a identificação da espécie de Leishmania não é um procedimento adotado na rotina do serviço público de saúde, torna-se difícil a compreensão da possível 8603

diversidade de agentes e vetores de LT e, consequentemente, a vigilância entomológica e prevenção da transmissão são efetivas. A aplicação do estimador de intensidade de kernel, que identifica os circuitos de produção de casos de LT, é, portanto, uma estratégia útil para orientar a vigilância e prevenção da doença. Os dados gerados apoia a tomada de decisão para definir áreas prioritárias às intervenções. 5. Agradecimentos À Universidade do Estado do Pará (UEPA), à equipe do Laboratório de Geoprocessamento do Instituto Evandro Chagas - IEC), aos técnicos Gilberto César Sousa e Rosângela Barros do Laboratório de Imunologia - IEC. Ao técnico Manoel Djalma Costa e à equipe do controle de endemias (9 Centro Regional de Saúde SESPA). Ao apoio financeiro da FAPESPA e CNPq. 6. Referências Bibliográficas Alexander, B. Sampling methods for phlebotomine sandflies. Medical and Veterinary Entomology, 14: 109-122, 2000. Arias, J.R. & Freitas, R.A.de On the vectors of cutaneous leishmaniasis in the Central Amazon of Brasil. 3. Phlebotomine sand fly stratification in a terra firme forest. Acta Amazonica. 12(3): 599-608, 1982. Azevedo, A.C R.; Souza, N.A.; Meneses, C.R.V.; Costa, W.A.; Costa, S.M.; Lima, J. B. & Rangel, E. F. Ecology of Sand Flies (Diptera : Psychodidae : Phlebotominae) in the North of the State of Mato Grosso, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 97 (4): 459-464, 2002. Bailey TC, Gatrell AC 1995. Interactive spatial data analysis, 1 ed. Longman Group Limited, Essex, p. 413. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana. Brasília: MS, 2007. 180 p. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Projeto Prodes - Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira Por Satélite. Disponível em: http://www.obt.inpe.br/prodes/index.html. Acessado em: 01 de out. de 2012. Carvalho M.S.; Câmara G. 2002. Análise de eventos pontuais. In Análise espacial de dados geográficos (eds. Dias-Lima, A.G.; Lenise, M.; Guedes, S.; Sherlock, I.A. Horizontal stratification of the sand fly fauna (Diptera : Psychodidae) in a transitional vegetation between caatinga and tropical rain forest, State of Bahia, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 98(6): 733-37, 2003. Drunck, S., Carvalho, M. S., Câmara, G. & Monteiro, A. M. V.), 15 pp. Disponível em: http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/analise/. Acessado em 15 de março de 2010. Santos SM, Barcellos C, Carvalho MS, Flôres R 2001. Detecção de aglomerados espaciais de óbitos por causas violentas em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, 1996. Cadernos de Saúde Pública 17: 1141-1151. Gonçalves, R.; Sousa, G.C.R.; Costa, M.D.P.; Nascimento, R.B.; Barreiros, G.V.N.; Santos W.S.; Guimarães, R.J.P.S.; Veiga, N. garcez, L.M. Phlebotomine sandfly fauna of a tegumentary leishmaniasis transmission area in Santarém, Brazil. Anais XVIII International Congress for Tropical Medicine and Malaria. Rio de Janeiro, Setembro, 2012. Gondim, G.M.M. Espaço e saúde - uma [inter]ação provável nos processos de adoecimento e morte em populações. In: Território, ambiente e saúde. Org. Miranda, A.C. de; Barcellos, C.; Moreira, J.C.; Monken, M.. Rio de Janeiro, Editora FIOCRUZ, 2008. 272 p. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=137&z=t&o=7&i=p>. Acessado em: 03 out. de 2012. Lainson, R. & Shaw, J.J. Epidemiology and ecology of leishmaniasis in Latin-America. Nature. 273 (5664): 595-600, 1978. Monken, M.; Peiter, P.; Barcellos, C.; Rojas, L.I.; Navarro, M.B.M. de A.; Gondim, M.M.; Gracie, R. 2008. O território na saúde- construindo referências para análises em saúde e ambiente. In: Território, ambiente e saúde. Org. Miranda, A.C. de;barcellos, C.; Moreira, J.C.; Monken, M. Rio de Janeiro, Editora FIOCRUZ, 2008. 272 p. Nasser, J.T.; Donalisio, M.R.; Vasconcelos, C.H. Distribuição espacial dos casos de leishmaniose tegumentar americana no município de Campinas, Estado de São Paulo, no período de 1992 a 2003. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 42, n. 3, p. 309-314, 2009. Oliveira, C.L.; Assunção, R.M.; Reis, I.A.; Proietti, F.A. Spatial distribution of human and canine visceral leishmaniasis in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brasil, 1994-1997. Cad. Saúde Pública, v. 17, n. 5, p. 1231-1239, 2001. Portal da Saúde. Sala de Situação em Saúde/ Situação em Saúde/Indicadores de morbidade/leishmaniose Tegumentar/Norte (2009). Disponível em: 8604

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