ARTIGO ORIGINAL RESUMO. UNITERMOS Violência; vítimas; agressores; infância; adolescência ABSTRACT

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ARTIGO ORIGINAL 15 Maria C. O. Costa 1 Marc Bigras 2 Karine E. P. de Souza 3 Rosely C. de Carvalho 4 Carlos A. S. T. Santos 5 Violência e abuso contra crianças e adolescentes, segundo os conselhos tutelares, o Programa Sentinela de Feira de Santana (BA) e o Centre Jeunesse de Montreal Violence and abuse against children and adolescents, according the child protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana (BA) and Centre Jeunesse de Montréal RESUMO Objetivo: Analisar as características dos tipos de violência contra crianças e adolescentes e as associações entre variáveis, segundo dados dos conselhos tutelares (CT) e do Programa Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA) bem como a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de Montréal Institut Universitaire (CJM-IU). Método: Estudo epidemiológico, de corte transversal, com todas as ocorrências dos CTs (2003-2004) e da violência sexual do PS e do CJM-IU (2003-2005). Realizaram-se a coleta de dados de violências, vítimas e agressores, e as análises univariadas e bivariadas para associação de dados. Resultados: Em Feira de Santana, as maiores proporções de vitimização ocorreram nas faixas de 2 a 13 anos, em ambos os sexos, sendo mais freqüentes negligência (727), por omissão de cuidados e abandono; violência física (455), por espancamento; violência psicológica (374), por amedrontamento. Os principais agressores foram os pais. A violência sexual nos dois países ocorreu no domicílio e os agressores foram pai, padrasto e familiares. Em Feira de Santana foram registrados 72 casos de exploração. Conclusões: As violências se deram em todas as idades, em ambos os sexos, sendo os pais os principais agressores, e a violência sexual acometeu adolescentes do sexo feminino violentadas por membros da família. Há necessidade de divulgação do Disque-Denúncia para a diminuição do sub-registro e o fortalecimento da rede de proteção. UNITERMOS Violência; vítimas; agressores; infância; adolescência ABSTRACT Objective: To analyze the characteristics of violence against children and adolescents and the associations between variables, according to the child protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana, as well as the sexual violence registered in Centre Jeunesse de Montréal Institut Universitaire (CJM-IU), Montréal. Method: Epidemiologic transversal study with all the data of the child protection service (2003-2004) and the data on sexual violence of Programa Sentinela and CJM-IU (2003-2005). Data on violence, victims and aggressors were collected, as well as unvaried and bivaried associations were accomplished. Results: In Feira de Santana, the biggest ratios of victims were in the group aged 2 to 13 years in both sexes. Negligence (727) by omission of basic cares and abandonment was the most frequent type of violence; physical violence (455), by beating; psychological violence (374), by frightening. In Feira de Santana and Montréal, most sexual violence occurred at home and the aggressors were father, stepfather and other relatives. In Feira de Santana 72 occurrences of sexual exploration were registered. Conclusions: Violence occurred to all ages and both sexes, parents being the main aggressors; adolescent girls were victims of sexual violence by members of the family. It is necessary to spread information on Dial-Denounce number for increase of the records and encouragement of the protection systems. KEY WORDS Violence; victims; aggressors; childhood; adolescence 1 Médica; professora-titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP); pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Núcleo de Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência (PPGSC/ NNEPA) da UEFS. 2 Professor da Université du Québec à Montréal (UQAM); diretor geral do Institut de Recherche pour le Développement Social des Jeunes (IRDS), Canadá. 3 Enfermeira; mestra em Saúde Coletiva; pesquisadora do NNEPA/UEFS. 4 Enfermeira; professora-adjunta da UEFS; doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP); pesquisadora do PPGSC/NNEPA/UEFS. 5 Estatístico; professor da UEFS; doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Pesquisa apoiada pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008

16 Costa et al. INTRODUÇÃO No Brasil, o fenômeno da violência tem mobilizado múltiplas áreas do conhecimento na busca por fortalecer parcerias que podem agilizar estratégias de prevenção e intervenção no enfrentamento do problema. Essa prática visa assegurar o cumprimento de princípios fundamentais, legalmente assegurados (Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]), que na realidade não são cumpridos (13, 16). No nosso meio, a violência estrutural (desigualdade social) tem contribuído para a violência interpessoal nos diferentes segmentos sociais, em especial na dinâmica e no modelo familiar. Estudos apontam que a violência familiar, integrante do contexto socioeconômico, pode influenciar a agressividade dos familiares, perpetuando a violência e contribuindo para os inadequados desenvolvimento e integração social de crianças. Esse comportamento é freqüentemente justificado como forma de educar transgressões de comportamento (14, 17). No que diz respeito à violência interpessoal, há cerca de três décadas a violência doméstica (intradomiciliar) vem sendo estudada, tanto pela magnitude, como pelas repercussões (2). A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (MS) considera a violência um problema de saúde pública que deve ser avaliado e notificado. Nesse contexto, as leis e instrumentos legais que garantem à infância e à adolescência seus direitos necessitam ser mobilizados pelos segmentos e grupos sociais, com vistas a viabilizar a prática desses direitos ante a sociedade e a família (17). No panorama de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, conclui-se que a realização de pesquisas nessa área do conhecimento pode contribuir para a articulação entre as diferentes instâncias envolvidas na implementação de ações voltadas à saúde, ao bem-estar e à integração social de crianças e adolescentes, possibilitando-lhes completar seu desenvolvimento de forma saudável. O objetivo deste estudo foi analisar as características dos tipos de violência contra crianças e adolescentes e as associações entre variáveis segundo os conselhos tutelares (CT) e o Programa Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA), bem como a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de Montreal Institut Universitaire (CJM-IU), instituições reconhecidas como referência para denúncia e encaminhamentos dessa problemática no Brasil e no Canadá. MÉTODO Estudo epidemiológico, de corte transversal, realizado nos municípios de Feira de Santana, BA, e Montreal, Canadá. Foram coletados dados do total de ocorrências registradas nos CTs no período de 1 o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004. Para a violência sexual, além dos dados dos CTs, foram coletadas as ocorrências do PS, além de registros do banco de dados do CJM-IU, no período de 1 o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2005. Os CTs são instâncias autônomas das prefeituras (Brasil), sendo responsáveis por atendimentos e encaminhamentos das denúncias, investigação dos casos e solicitação de medidas de proteção judicial e serviços públicos para vítimas de violência. O PS pertence à Secretaria do Desenvolvimento Social, sendo referência para atendimento da violência sexual em municípios do Brasil. O CJM-IU, no estado de Quebec e em Montreal, é a instância de referência para registros, acompanhamento e abrigo às vítimas de violência. As variáveis estão relacionadas com tipos de violência, vítimas e agressores. Os dados foram processados no programa SPSS 9.0 for Windows. Para os dados de Feira de Santana foi realizado o linkage (confrontamento de dados) entre os bancos dos CTs e do PS, tendo em vista evitar a duplicidade de registro. Foram calculadas freqüências simples e proporcionais das variáveis, em acordo com as instâncias, bem como realizadas associações entre dados sociodemográficos das vítimas e agressores com manifestações da violência. Para coleta foram solicitados autorização institucional e alvará do Juizado da Infância e Adolescência do município. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (CEP/UEFS), protocolo 04/2005 volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde

Costa et al. 17 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] 0006.0.059.000-05), Resolução 196/96. RESULTADOS Os resultados são apresentados em tabelas e gráficos, segundo dados de tipos de violência, vítimas e agressores registrados nos CTs de Feira de Santana no período 2003-2004, com exceção da violência sexual, cujos resultados são mostrados em gráficos, de acordo com as instâncias estudadas no Brasil (CT e PS) e no Canadá (CJM-IU) no período 2003-2005. Em Feira de Santana, no período entre 2003 e 2004, segundo registros dos CTs, foram denunciados 1.293 casos de violência contra crianças e adolescentes, 583 do sexo masculino e 573 do feminino, destacando-se a perda de 137 casos por falta de registro de sexo ou faixa etária. A maioria (78,1%) das ocorrências aconteceu no domicílio, sendo 398 denúncias anônimas (30,8%), 277 (21,2%) pela mãe e 192 (14,9%) pelo pai. Os dados de etnia não se encontravam registrados em 977 prontuários, o que impossibilitou a análise dessa variável (dados não apresentados em tabelas). A distribuição dos tipos e subtipos de violência (Tabela 1) por faixa etária das vítimas (com exceção da violência sexual, apresentada em gráficos) mostrou que, em alguns boletins de ocorrência, foi registrado mais de um tipo de violência, totalizando 1.702 registros múltiplos. No geral, verificou-se o acometimento em todas as idades, com maior freqüência entre 2 e 13 anos e proporções diferenciadas, de acordo com o tipo de violência: a negligência (727) foi mais freqüente, por omissão de cuidados (304), seguida de abandono (259), acometendo, principalmente, crianças menores de 5 anos e de 2 a 13 anos. A expulsão do domicílio foi mais freqüente na faixa de 14 a 16 anos. A violência física (455) registrada em maioria absoluta foi o espancamento (392), principalmente na faixa de 2 a 13 anos, embora presente em todas as outras faixas, além de supressão alimentar, queimaduras e fraturas. Entre os casos de violência psicológica (374) destacou-se a tortura por amedrontamento (219), mais freqüente entre 2 e 9 anos, além dos registros de ameaça de morte (28), humilhação pública (52) e exposição indevida (63). No que diz respeito à violência por identidade do agressor (Tabela 2), verificou-se que, com exceção da violência sexual (mostrada em gráficos), a mãe e o pai foram identificados como principais agressores nas variáveis negligência e violências física e psicológica, entre outras. Em relação aos agressores por faixa etária das vítimas, mãe, pai, padrasto e madrasta mostraram as maiores proporções nas faixas entre 2 e 13 anos; outros familiares, nas faixas de 2 a 16 anos; e outros agressores, de 6 a 16 anos. Quanto à violência sexual, nas instituições dos dois países, no período 2003-2005 (Figuras 1 e 2), a maioria dos registros foi de abuso sexual. Em Feira de Santana, do total de 274 casos identificados nos CTs e no PS, 202 foram de abuso sexual, sendo verificados apenas 74 registros de exploração sexual. Em Montreal, no mesmo período, foram notificados 159 casos, todos por abuso. Em ambos os países, a faixa etária mais atingida foi de 10 a 16 anos, sendo registrada em todas as faixas da infância e da adolescência. Os agressores identificados foram pai, irmãos, familiares, mãe e avô, entre outros; entretanto, em Montreal, as maiores proporções ficaram com pai, outros e irmãos; enquanto em Feira de Santana, com outros agressores, pai, padrasto e familiares. O domicílio foi o local mais freqüente da ocorrência. DISCUSSÃO De acordo com os resultados da presente pesquisa (janeiro de 2003 a dezembro de 2004), e com base no total das ocorrências dos CTs (1.293 casos), verificou-se uma média de 54 denúncias/mês, correspondendo a cerca de 640 ocorrências/ano, mas 78% dos casos aconteceram nos domicílios, caracterizando um acontecimento familiar. Esses achados corroboram estudos, em diferentes municípios, que apontam a violência doméstica como a maioria dos casos registrados de violência (7). Os baixos índices de denúncia verificados no presente estudo estão de acordo com dados de pesquisas que indicam a subnotificação da violência domés- Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008

18 Costa et al. Tabela 1 TIPOS E SUBTIPOS DE VIOLÊNCIA POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004) Tipo de violência 1 Violência física 2 Faixa etária (anos) 2-5 6-9 10-13 14-16 17-19 Ignorado Total n % n % n % n % n % n % n % Espancamento 123 31,4 98 25 80 20,4 50 12,7 18 4,6 23 5,9 392 100 Queimadura 6 50 1 8,3 2 16,7 2 16,7 1 8,3 12 100 Fratura 2 40 1 20 2 40 5 100 Tortura física 4 66,6 1 16,7 1 16,7 6 100 Supressão alimentar 5 45,5 2 18,2 3 27,2 1 9,1 11 100 Outro tipo 3 10 34,5 6 20,7 8 27,6 1 3,4 4 13,8 29 100 Total 150 33 108 23,7 96 21,1 53 11,6 20 4,4 28 6,2 455 100 Violência psicológica 4 Ameaça de morte 5 17,9 6 21,4 5 17,8 9 32,2 3 10,7 28 100 Humilhação pública/privada 12 23 15 28,9 9 17,3 7 13,5 6 11,5 3 5,8 52 100 Tortura psicológica 80 36,5 62 28,3 37 16,9 26 11,9 8 3,7 6 2,7 219 100 Exposição indevida 22 35 10 15,9 17 27 4 6,3 4 6,3 6 9,5 63 100 Outro tipo 5 8 66,7 1 8,3 1 8,3 2 16,7 12 100 Total 127 34 94 25,1 68 18,2 46 12,3 19 5,1 20 5,3 374 100 Negligência familiar 6 Abandono 83 32 60 23,3 47 18,1 40 15,4 5 1,9 24 9,3 259 100 Expulsão 2 6,2 4 12,5 5 15,7 16 50 3 9,4 2 6,2 32 100 Omissão de cuidados básicos 7 139 45,7 69 22,7 56 18,4 16 5,3 4 1,3 20 6,6 304 100 Outro tipo 8 57 43,2 40 30,4 21 15,9 7 5,3 1 0,7 6 4,5 132 100 Total 281 38,7 173 23,8 129 17,7 79 10,9 13 1,8 52 7,1 727 100 Outras formas 9 55 37,7 31 21,2 28 19,2 16 11 5 3,4 11 7,5 146 100 1 Respostas múltiplas; 2 455 respostas múltiplas; 3 corte, afogamento, beliscões, empurrão, envenenamento, ferimento por arma branca, outros; 4 374 respostas múltiplas; 5 ameaça, ameaça de abandono, mendicância, discriminação racial, impedimento de acesso a genitor/genitora; 6 727 respostas múltiplas; 7 negação de atendimento de saúde, criança sem registro de nascimento, mendicância, criança sozinha em casa, supressão alimentar, evasão escolar/hospitalar, desnutrição, negação de paternidade; 8 impedimento de acesso a documento da criança, cárcere privado; criança/adolescente preso no domicílio, falta de acesso a genitor/familiares; 9 trabalho infantil. tica contra crianças e adolescentes, uma vez que, majoritariamente, costuma ser praticada por pais e familiares (13, 20). Cabe ressaltar que a subnotificação da violência contra crianças e adolescentes, que costuma estar relacionada com fatores da dinâmica familiar, pode ser agravada por determinantes globais, de responsabilidade social, que podem ser viabilizados por políticas públicas e medidas administrativas. Entre as estratégias destacam-se a sensibilização da população e funcionamento do Disque-Denúncia, em tempo integral e caráter sigiloso, bem como a sensibilização das autoridades para reavaliação do funcionamento dos conselhos nos municípios. Resultados de estudos apontam a necessidade de mudanças político-administrativas, em nível municipal, quanto aos recursos necessários para viabilizar o adequado funcionamento dos conselhos e a atenção à população em horário integral (3). Essas medidas podem possibilitar maior participa- volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde

Costa et al. O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, E O CENTRE JEUNESSE DE MONTRÉAL 19 Tabela 2 IDENTIDADE DO AGRESSOR POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS E TIPOS DE VIOLÊNCIA, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004) Identidade do agressor(a) Faixa etária Mãe Pai Padrasto Madrasta Outros familiares* Outros agressores** Sem registro n % n % n % n % n % n % n % 1 ano 91 14,1 50 12,1 1 2,2 1 4 6 6,8 1 0,9 2 6,2 2-5 anos 198 30,7 112 27,4 10 21,7 5 20 23 26,2 4 3,7 7 21,9 6-9 anos 163 25,3 102 24,9 14 30,5 11 44 15 17 29 26,8 7 21,9 10-13 anos 127 19,6 82 20 12 26,1 5 20 18 20,4 36 33,4 5 15,6 14-16 anos 55 8,5 55 13,4 6 13 1 4 20 22,8 30 27,8 7 21,9 17-19 anos 12 1,8 9 2,2 3 6,5 2 8 6 6,8 8 7,4 4 12,5 Total 646 100 410 100 46 100 25 100 88 100 108 100 32 100 Tipos de violência* Violência física 195 28,9 124 15,8 25 36,8 14 40 22 22,7 55 52,9 6 22,2 Violência psicológica 138 20,4 131 16,8 16 23,5 10 28,6 28 28,9 34 32,7 5 18,5 Negligência familiar 257 38 481 61,6 19 27,9 6 17,1 28 28,9 8 7,7 11 40,7 Outras formas** 86 12,7 45 5,8 8 11,8 5 14,3 19 19,5 7 6,7 5 18,6 Total 676 100 781 100 68 100 35 100 97 100 104 100 27 100 *Respostas múltiplas; **trabalho infantil. 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 26 (12,9%) 32 (20,2%) 28 (13,9%) 30 (18,9%) 84 (41,8%) 39 (24,5%) 46 (22,9%) 49 (30,8%) 12 (6%) 9 (5,7%) 5 (2,5:%) 0 (0%) 5 anos 6-9 anos 10-13 anos 14-16 anos 17-19 anos Ignorado 140 120 100 80 60 40 20 0 22 (7,7%) 5 (3,1%) 34 (11,9%) 61 (38,4%) 31 (10,9%) 0 (0%) 0 (0%) 19 (11,9%) 0 (0%) 4 (2,5%) 35 (12,3%) 23 (14,5%) 133 (46,7%) 31 (19,5%) 30 (10,5%) 16 (10,1%) Mãe Pai Padrasto Irmão Avô Outros familiares agressores Outros Ignorado Feira de Santana Montreal Feira de Santana Montreal Figura 1 Violência sexual* (abuso e exploração **) sofrida por crianças e adolescentes, segundo instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela) e de Montreal, 2003-2005 *Em Montreal foram verificados apenas casos de abuso sexual (159). **Em Feira de Santana o abuso sexual totalizou 202 casos e a exploração, apenas 74 casos, na faixa de 10 a 19 anos Figura 2 Identidade do agressor da violência sexual (abuso e exploração) contra crianças e adolescentes, segundo instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela) e Montreal, 2003-2005 Outros agressores: desconhecidos, funcionários das instituições, colegas de escola cafetões etc. ção popular no enfrentamento e na prevenção da violência contra crianças e adolescentes, importante problema social e de saúde no nosso meio. No Canadá, estudo realizado nas províncias de Ontário, Quebec e Alberta, com amostragem de 51 instituições de atendimento às vítimas, totalizando Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008

20 Costa et al. 7.672 investigações, apontou 25% de abuso físico, contudo 23% do total de casos apresentaram-se como forma primária de violência, 10% de violência sexual e 46% de negligência entre todas as investigações (desde falta de supervisão familiar e exposição indevida a riscos ambientais até violência sexual) (11, 19). De acordo com dados do CT de Feira de Santana, as faixas mais acometidas foram de 2 a 5, 6 a 9 e 10 a 13 anos, embora com acometimento também de lactentes (< 1 ano). Quanto à violência sexual, as maiores proporções foram entre adolescentes (10 a 16 anos) nas instituições dos dois países. Foi observada equivalência entre os sexos das vítimas, porém, nas faixas tardias da adolescência, as meninas foram mais violentadas (10). Alguns estudos indicam que a violência sexual recai sobre o sexo feminino em quase 80% dos casos (7, 10). A realidade é que muitas adolescentes encontram-se expostas, sendo violentadas principalmente por pessoas conhecidas e/ou da família. Em Feira de Santana, a principal forma de denúncia da violência foi anônima (30,8% do total dos registros), o que sugere alguma participação popular como possível resultado da mobilização da Rede de Atendimento, Defesa e Responsabilização do município. Compreende-se que o anonimato constitui importante estratégia de estímulo à denúncia, bem como a sensibilização da comunidade pela mídia e a capacitação continuada dos conselheiros e profissionais da rede. A baixa notificação em escolas e serviços de saúde pode ser conseqüência do despreparo dos profissionais em lidar com situações de violência e encaminhamentos, da falta de conhecimento das leis (ECA) e da obrigatoriedade de denúncia de casos suspeitos (3, 12, 16). Segundo dados dos CTs de Feira de Santana, a negligência familiar foi responsável pela maior parte das denúncias, por omissão de cuidados e abandono. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a negligência familiar acontece quando os responsáveis falham na provisão de cuidados adequados para o desenvolvimento físico, emocional e social (20), sendo o abandono considerado o tipo mais grave de negligência, além de grave problema social (17). Sabe-se que crianças e adolescentes são vulneráveis para enfrentar sozinhos as exigências do ambiente, tendo em vista a imaturidade inerente ao desenvolvimento biopsicossocial, apesar de toda a resiliência de que são capazes nas diferentes circunstâncias (8). Nos EUA e no Canadá, estudos apontam que a maioria das agressões contra crianças tem como causa a negligência familiar (1, 11, 19). Ainda em relação às manifestações do fenômeno, a violência física é identificada como a forma mais visível. Nesta pesquisa foi observado acometimento de todas as faixas etárias, intensificado a partir dos dois anos. Esses dados concordam com resultados de estudos em diferentes instituições (Polícia, Justiça da Infância e da Juventude, Justiça Criminal) da cidade de São Paulo (1981), na qual foi constatada maior freqüência de casos notificados de crianças de 7 a 13 anos (1, 2). Outro aspecto mostrado neste estudo é o acometimento significativo de crianças pequenas, corroborando pesquisas que associam achados clínicos a histórias acidentais expressas pelos pais (9, 20). Sabe-se que as síndromes do bebê sacudido e da criança espancada geram problemas orgânicos graves, que podem ter como conseqüências fraturas, hematomas, lesões cerebrais, queimaduras, entre outros (5). Na adolescência, a violência física costuma estar relacionada com a necessidade de conter mudanças de comportamento, características dessa fase, o que pode estar associado à mútua rejeição entre pais e filhos, além de sentimentos contraditórios, reconhecimento pela família e rompimento (1, 8). Cabe ressaltar que punições físicas severas, como espancamentos, constituem um problema de abrangência mundial, atingindo crianças e adolescentes de diferentes culturas. O espancamento pode ser causa de óbito, incapacidades física, bem como ser desencadeante de comportamentos violentos nos quais as vítimas se transformam em agressores, transmitindo a violência para as gerações posteriores (20). Segundo a OMS, pesquisa realizada em 1995 apontou que, nos EUA, os pais utilizavam diversas formas de punições corporais contra os filhos. Na República da Coréia, 45% dos pais confirmaram alguma forma de espancamento (20). Entre as manifestações da violência, a psicológica é uma das mais difíceis de ser identificada, por não produzir evidências imediatas. Conseqüentemente, costuma ser pouco notificada, fazendo parte do cor- volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde

Costa et al. 21 tejo dos outros tipos de violência (2, 5, 8). Segundo estudiosos, de modo geral todas as formas de violência psicológica convergem para o abuso emocional, caracterizado por ameaças verbais com conteúdo violento, provocando reações de medo, frustração e temor pela integridade física (1, 8). Em Feira de Santana, a violência psicológica foi registrada em todas as faixas etárias até 16 anos. No Rio de Janeiro, em 1991, pesquisa em escolas públicas e particulares de Duque de Caxias demonstrou que mais de 50% sofreram agressões verbais, por meio de insultos, por parte de seus pais (1). Quanto à caracterização dos agressores, os resultados do presente estudo apontaram que mãe e pai lideraram as proporções das violências, em geral, com exceção da violência sexual, na qual pai, padrasto e outros familiares se destacaram. Pesquisas realizadas em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, nos Centros Regionais de Atenção a Maus Tratos na Infância (CRAMIs) (7) verificaram a mãe como principal agressora, o que pode ser explicado pela maior permanência no lar e pelo contexto de adversidade socioeconômica (desemprego, falta de assistência social etc.). No que diz respeito à violência sexual, estudiosos apontam que a maior parte das famílias e vítimas não registrou a queixa por constrangimento, receio de humilhação, medo da falta de compreensão ou interpretação equivocada de familiares, amigos, vizinhos e autoridades. Sabe-se que o índice de subnotificação é muito alto (15, 20). Em relação aos achados desta pesquisa, cabe destacar as altas proporções na adolescência precoce nos dois países, bem como os baixos índices de registro de violência sexual em relação aos outros tipos de violência, principalmente a subnotificação quanto aos casos de exploração sexual. Feira de Santana é considerada município de alto risco para exploração sexual de crianças e adolescentes por estar localizada em importante entroncamento rodoviário de interlocução entre as regiões Norte-Nordeste e o Sudeste do país (cinco rodovias, tanto estaduais quanto federais). É o portal da região do semi-árido da Bahia, a exemplo dos municípios de fronteira identificados de risco para a exploração sexual, como Corumbá, Manaus, Rio Branco, entre outros. Em atendimento a essa demanda social, em 2003 foi implantado no município a comissão municipal do Programa de Ações Integradas e Referenciais (PAIR) para enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, contando com a participação de instâncias de atendimento, direitos e responsabilização, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social, tendo como parceiros os CTs, PS e segmentos sociais (Organização Internacional do Trabalho [OIT], universidades, sistemas de saúde, educação, justiça e trabalho, ação social, organizações não-governamentais [ONGs] etc.) (5, 6). CONCLUSÃO Os tipos de violência mais freqüentes foram negligência, por omissão de cuidados básicos e abandono; violência física, por espancamento; violência psicológica, por amedrontamento e humilhação e violência sexual, por abuso de origem familiar. Com exceção da violência sexual, as idades mais acometidas foram entre 2 e 13 anos, em ambos os sexos, sendo os principais agressores a mãe e o pai, e a ocorrência deu-se no domicílio. Nos municípios de Feira de Santana e Montreal, a violência sexual foi registrada em todas as faixas etárias da infância e da adolescência, com maior freqüência entre 10 e 16 anos, e os principais agressores identificados foram pai, padrasto, familiares e irmãos, entre outros. A exploração sexual foi notificada, apenas em Feira de Santana, entre adolescentes de 10 a 19 anos. Os resultados desta e de outras pesquisas indicam subnotificação em todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, em particular a sexual, considerando-se a situação de vulnerabilidade e exposição em que vivem, bem como de impunidade no cumprimento das leis. A impunidade e a exposição de nossas crianças a prejuízos severos comprometem a dignidade de todos, considerando que os adultos são responsáveis pela elaboração e pelo cumprimento das leis, bem como são reconhecidos como referenciais de formação social e proteção dos jovens na condição de sujeitos para o exercício da cidadania plena. Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008

22 Costa et al. REFERÊNCIAS 1. Assis SG, Deslandes SF. Abuso físico em diferentes contextos de sociabilização infanto-juvenil. In: Brasil, Ministério da Saúde. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; p. 47-57. 2. Azevedo MA. Contribuições brasileiras à prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescentes. In: Westphal MF. Violência e criança. São Paulo: Editora USP. 2002; 125-35. 3. Bezerra SC. Estatuto da Criança e do Adolescente: marco da proteção integral. In: Brasil, Mistério da Saúde. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; 17-22. 4. Brasil. Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (POMAR/USAID). Programas de ações integradas e referenciais de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil no território brasileiro. Brasília: Ministério da Justiça; 2000. 5. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 6. Brasil, Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes Norma Técnica. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2005. 7. Deslandes SF. Atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica: análise de um serviço. Cad Saúde Pública. 1994; 10(supl. 1): 177-87. 8. Fortin L, Bigras M. La résilience des enfants: facteurs de risque, de protection et les modèles théoriques. Pratiques Psychologiques. 2000; 1: 49-63. 9. Gomes R, Silva CMF, Njaine K. Prevenção à violência contra a criança e o adolescente sob a ótica da saúde: um estudo bibliográfico. Rev Ciência Saúde Coletiva. 1999; 4(1): 171-81. 10. Guimarães I. Violência de gênero. In: Brasil, Mistério da Saúde. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; 105-9. 11. Lavergne C, Tourigny M. Incidence de l abus et la négligence envers les enfants: recension des écrits. Criminologie. 2000; 33(1): 47-72. 12. Lavoratti C. O enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes do município de Ponta Grossa, Paraná. In: I Seminário sobre Violência contra a Criança e o Adolescente, 2002, Londrina. I Simpósio sobre violência contra a criança e o adolescente. Londrina: Editora UEL. 2002; 223-31. 13. Minayo MCS. A violência dramatiza causas. In: Minayo MCS, Souza ER, organizadores. Violência sob o olhar da saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2003; 23-47. 14. Minayo MCS. Contextualização do debate sobre violência contra crianças e adolescentes. In: Brasil, Mistério da Saúde. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; 13-16. 15. Ribeiro MA, Ferriani MGC, Reis JN. Violência sexual contra crianças e adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2): 456-64. 16. Sanchez RN, Minayo MCS. Violência contra crianças e adolescentes. In: Lima CA. et al. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; 29-39. 17. Silva LMP et al. Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 18. Ferreira KMM. Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: nossa realidade. In: Silva LPM et al. Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. 2002; 19-39. 19. Trocmé NM, Tourigny M, MacLaurin B, Fallon B. Major findings from the Canadian incidence study of reported child abuse and neglect. Child Abuse & Neglect. 2003; 27: 1427-39. 20. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Genebra: OMS; 2002. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde