O autor: Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, Rio, 1852).

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Livro Analisado: Lira dos Vinte Anos Preparação: Prof. Menalton Braff O autor: Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo,1831 - Rio, 1852). De família paulista, fez humanidades no Colégio Pedro II, e cursou Direito em sua terra natal. Revelou talento precoce e grande capacidade de estudo, não obstante as tentações do byronismo e de satanismo a que teria cedido integrando-se nos grupos boêmios do tempo, ou tomando parte nos desmandos da Sociedade Epicuréia. Morreu tuberculoso aos vinte anos de idade, não vendo reunida em livro a sua obra que consta de um núcleo básico, Lira dos Vinte Anos, mais alguns poemetos (O Conde Lopo, Poema do Frade, Pedro Ivo) da prosa narrativa de A Noite na Taverna e diarística do Livro de Fra Gondicario, além de uma composição livre, meio diálogo, meio narração, Macário. (Alfredo Bosi. História Concisa da Literatura Brasileira) A Obra O rompimento definitivo com os resíduos clássicos, em nossas letras, só se daria com a poesia de Álvares de Azevedo. Ele foi a primeira manifestação realmente notável do individualismo romântico no Brasil. Avesso aos "encantos" de nossa natureza, que, segundo seu Macário, "... na floresta há insetos repulsivos, répteis imundos, que a pele furtacor do tigre não tem o perfume das flores - que tudo isto é sublime nos livros, mas é soberanamente desagradável na realidade.", pouco propenso às manifestações do instituto da nacionalidade, restava-lhe apenas o caminho do subjetivismo lírico, do satanismo e do deboche. "Sua poesia não revela nenhuma impregnação afetiva e enfática da realidade nacional ou do momento histórico em que viveu. (...) A natureza hostil encheu, em suma, de algum terror a imaginação desse sôfrego adolescente, a quem as leitura estrangeiras apontaram tantas direções, sem que pudesse encontrar estabilidade em nenhuma delas." (Afrânio Coutinho. A Literatura no Brasil) À luminosidade e exuberância da paisagem sedutora e agreste, o jovem opõe o culto do Sonho, o pensamento da morte, o lado noturno, como as sombras, o crepúsculo, a noite, os túmulos. Nesse aspecto, pode-se dizer que Àlvares de Azevedo foi um precursor do Simbolismo. Lira dos vinte anos estrutura-se em três partes. Na primeira parte, o poeta é o jovem talento que encanta com a facilidade de composição de seus versos sentimentais, de um lirismo doce em versos de melodia espontânea. Seu erotismo, além de tímido, não o liberta do sofrimento, pois sua visão da mulher é sempre de um ser imaginário, vago, uma

sombra pregada na parede. (...) O painel luminoso do horizonte Como as cândidas sombras alumia Dos fantasmas de amor que nós amamos Na ventura de um dia! Como diz Alfredo Bosi, em sua História Concisa, "... melodias lânguidas e fáceis que se prestam antes à sugestão de atmosferas que ao recorte nítido de ambientes: A praia é tão longa! E a onda bravia As roupas de gaza te molha de escuma: De noite - aos serenos - a areia é tão fria, Tão úmido o vento que os ares perfuma! (Sonhando). E estas cadências lamartineanas: Além serpeia o dorso pardacento Da longa serrania, Rubro flameia o véu sanguinolento Da tarde na agonia. (Crepúsculo nas montanhas) Pode-se dizer que, sob variações diversas, o tema permanente de Álvares de Azevedo é a evasão. E na fuga que empreende da rotina enleia-se nos aspectos mórbidos e depressivos da existência, o que se evidencia por um levantamento das ocorrências vocabulares mais freqüentes: "pálpebra demente", "matéria impura", "noite lutulenta", "longo pesadelo", "pálidas crenças", "desespero pálido", "enganosas melodias", "fúnebre clarão", "tênebras impuras", "astro nublado", "água impura", "boca maldita", "negros devaneios", "deserto lodaçal", "tremedal sem fundo", "tábuas imundas", "leito pavoroso", "face macilenta", "anjo macilento", etc. O eu-lírico está em geral em estado de sofrimento. O amor que não se realiza, a vida que é efêmera e se aproxima do fim, a frustração dos desejos não realizados. Observe-se o soneto abaixo, e a grande quantidade de sub-temas característicos do autor que nele são encontrados: SONETO Pálida, à luz da lâmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! Na escuma fria Pela maré das águas embalada... - Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos, as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! A palidez, recorrência romântica, por expressar estado mórbido e de não aceitação da sociedade em que viviam, comparece já no primeiro verso. A sombra, um dos símbolos da evasão, ainda neste mesmo verso. O perfume e a flor, em Álvares de Azevedo temas constantes, são tomados como símbolo de pureza, de beleza, de embriaguês. O leito da virgem é de flores, como encontramos no segundo verso. Ainda a evasão, e o sub-tema é a noite, propícia esta às elucubrações subjetivistas, à negação da luminosidade e dos aspectos positivos da existência. A noite é encontrada no terceiro verso. Observe-se ainda a alta condensação romântica do poeta que, em apenas uma estrofe concentra palidez, sombra, flor e noite. A mulher (virgem) é sempre um anjo, jamais acessível, ela é pura, e neste momento deve-se filiar o poeta à sua principal vertente que é o trovadorismo, principalmente aquele das cantigas de amor. Outro tema constante do Romantismo, a valorização do sonho, também aparece na segunda estrofe, depois repete-se no último verso, em que

aparece ao lado de outra recorrência: a morte. Flores, perfumes, embriaguês encontram-se a cada passo: (...) Sinto na fronte pétalas de flores, Sinto-as nos lábios e de amor suspiro... Mas flores e perfumes embriagam... E no fogo da febre e em meu delírio Embebem na minh'alma enamorada Delicioso veneno. (A T...) Note-se o oxímoro do verso final de gosto claramente barroco. E mais adiante: Ah! Feliz quem dormiu no colo ardente Da huri dos amores, Que sôfrego bebeu o orvalho santo Das perfumadas flores... (Desalento) As ruínas podem ser encontradas neste outro fragmento: Onde as nuvens do céu voam dormindo, Que doirada mansão de aves divinas Num véu purpúreo se enlutou rolando Ao vento das ruínas? (Crepúsculo do mar) Aliás, as ruínas não aparecem aqui sós, mas acompanhadas ainda de véus e luto, dois apelos constantes da evasão romântica. Pois bem, esse poeta do sofrimento, da dor, da certeza da brevidade da vida, do amor irrealizado, dos desejos frustrados, dá lugar, na segunda parte, ao deboche, ao satanismo, à ironia. Parece que, arrependido de tanto sofrimento, o poeta pára e reage salutarmente ao modelo de vida anterior. Ainda byroniano, ainda utilizando as mesmas expressões de gosto mórbido, agora em um sentido diferente. Valendo-nos ainda de Alfredo Bosi, "...a fuga tem por nomes dispersão, auto-ironia, confidência: uma espécie de cultivado spleen que lembra o último Musset ao dirigir seu sarcasmo contra os ultra-românticos." Como se, cansado de chorar, o

poeta se pusesse a rir: dos outros, da vida, de si mesmo. São poemas narrativos, longos, alguns divididos em cantos, com predomínio de estrofes irregulares, extensas, com versos decassílabos brancos. Um cadáver de poeta, encontram-se jóias de ironia, como: "Morreu um trovador! morreu de fome..." E ainda neste poema: "E quem era Camões?Por ter perdido/um olho na batalha e ser valente,/às esmolas valeu. Mas quanto ao resto,/por fazer umas trovas de vadio,/deveriam lhe dar, além da glória,/- E essa deram-lhe à farta! - algum bispado?/alguma dessas gordas sinecuras/que davam a idiotas fidalguias?" Idéias íntimas, continua nesta mesma linha do deboche: (...Parece-me que vou perdendo o gosto,/vou ficando blasé: passeio os dias/ Pelo meu corredor, sem companheiro,/sem ler, nem poetar... Vivo fumando. Em lugar da pureza d'outrora, quando sofria, o vício, muito mais próximo de certa comunidade estudantil do Largo de São Francisco, onde ele estudou. E já próximo do fim do poema: "...Eia! bebamos!/és o sangue do gênio, o puro néctar/que as almas do poeta diviniza,/o condão que abre o mundo das magias!/vem, fogoso Cognac! É só contigo/ Que sinto-me viver." Boêmios - Ato de uma comédia não escrita, Spleen e charutos, É ela! É ela são os outros três títulos da Segunda parte que mantêm o tom dos dois poemas anteriores. Em geral, a terceira parte confirma a primeira, mas com algumas exceções. O poema Terzza rima, por exemplo, termina: "Porém o que há mais doce nesta vida,/o que das mágoas desvanece o luto/e dá som a uma alma empobrecida,/palavra d'honra, és tu, ó meu charuto!". E ainda como exceção, Namoro a cavalo, deboche puro do ultra-romantismo, mostrado em seus aspectos ridículos. Do platonismo ao patético, do sofrimento amoroso à maneira medieval ao deboche, das lágrimas sofridas ao riso sarcástico, eis a viagem que se oferece neste Lira dos vinte anos, livro de um adolescente genial, que, mais não fez, por ter-lhe sido breve, muito breve, a vida. O maior talento poético de sua época, um dos maiores de todos os tempos.