A ATUAÇÃO DAS DELEGACIAS DA MULHER COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

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Transcrição:

A ATUAÇÃO DAS DELEGACIAS DA MULHER COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO Tatianne Bandeira de Vasconcelos 1 Inez Sampaio Nery RESUMO A violência de gênero representa um grave problema social vivenciado por mulheres no mundo inteiro. Diante desta situação, objetivou-se discutir a atuação das Delegacias da Mulher como política pública de enfrentamento à violência de gênero, mediante um estudo de revisão bibliográfica. Os resultados desta pesquisa revelaram que as Delegacias da Mulher apresentam dificuldades, como falta de investimentos, insuficiência de recursos humanos devidamente treinados e fragmentação dos serviços entre essas Delegacias e os demais órgãos públicos. Concluiu-se que as Delegacias da Mulher, apesar de suas fragilidades, constituem uma resposta eficaz à violência de gênero, contribuindo na consolidação da cidadania feminina. Palavras-chave: Violência de gênero. Políticas públicas. Delegacia da mulher. ABSTRACT Gender violence is a serious social problem experienced by women worldwide. Given this situation, it was aimed to discuss the role of the Women's Police Station as a public policy to confront genderbased violence through a literature review. The results of this survey revealed that the Women's Police Station have difficulties such as lack of investment, lack of staff trained and fragmentation of services between those police stations and other public agencies. It was concluded that the Women's Police Station, despite theirs weaknesses, constitute an effective response to gender violence, contributing to the consolidation of women's citizenship. Keywords: Gender violence. Public policy. Women's Police Station. 1 Pós-Graduanda da Universidade Federal do Piauí/UFPI, tatiannebv@bol.com.br

1 INTRODUÇÃO No decorrer da história, as mulheres foram colocadas numa situação de desigualdade nas relações sociais, culturais, políticas e econômicas. Esta desigualdade sempre foi tida como natural, sendo uma forma de manter a subordinação da mulher perante o homem. Neste contexto, destaca-se a violência como sendo um grave problema vivenciado por um grande número de mulheres no mundo inteiro, independentemente da classe social, etnia, cor, faixa etária, grau de instrução, opção sexual, o que provoca sérias sequelas para as vítimas, como dano físico e/ou moral, insegurança, medo, perda da auto-estima e depressão. É necessário a implantação de políticas públicas como estratégias de enfrentamento à violência contra a mulher, no sentido de extinguir, ou pelo menos, diminuir essa cultura da força e da violência de gênero. Dentre essas políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero, encontram-se as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher. Desta forma, realizou-se um estudo de revisão bibliográfica, objetivando discutir a atuação das Delegacias da Mulher como política pública que visa coibir a violência de gênero, tendo como problema de pesquisa os seguintes questionamentos: Qual a importância das Delegacias da Mulher no enfrentamento à violência de gênero? Quais as principais dificuldades encontradas por essas Delegacias? Quais as principais contribuições da Lei Maria da Penha na atuação dessas Delegacias? 2 A ATUAÇÃO DAS DELEGACIAS DA MULHER COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher é uma das políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. Assim, procurou-se, mediante uma revisão bibliográfica, abordar alguns aspectos relacionados a esta temática, apresentados a seguir.

2.1 Violência de gênero Na definição da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), a violência contra a mulher é tida como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994). Gênero não diz respeito às diferenças sexuais que atribui status diferente ao homem e mulher, mas representa um conceito cultural, referindo-se à forma social da sexualidade humana. Segundo Scott (1995, p. 86), gênero é entendido como elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e uma forma primária de dar significado as relações de poder. Nesse sentido, Saffioti (1999) entende que as relações sociais são baseadas em relações hierárquicas relacionadas às formas de dominação e exploração das mulheres pelos homens. Essa autora destaca o patriarcado como um sistema masculino de opressão às mulheres que se expressa na forma de poder enraizado fundamentalmente nas relações sociais de gênero. Ao falar sobre esta temática, Butler (2003) destaca que a divisão sexo/gênero representa a base da política feminista, tendo o sexo como natural e o gênero como socialmente construído. Assim, o conceito de gênero como culturalmente construído e o de sexo como naturalmente adquirido, formam o par no qual as teorias feministas se fundamentam para tentar eliminar a associação do feminino com fragilidade ou submissão. Para Bourdieu (1999), as diferenças de sexo e gênero são produto de um longo trabalho coletivo de socialização do biológico, o que vem confirmar com o pensamento de Saffioti (1987, p.10), ao dizer que a identidade social é, portanto, socialmente construída. Desta forma, a violência de gênero representa uma questão complexa, cujas origens encontram-se na organização social, nas estruturas econômicas e nas relações de poder, sendo necessárias políticas públicas voltadas para o respeito e a igualdade nas relações de gênero.

2.2 Políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero No Brasil, a criação de políticas públicas de enfrentamento à violência possui trajetória recente. Apenas na década de 80 as políticas públicas foram implementadas no ponto de vista do gênero, devido ao movimento feminista e as conferências internacionais sobre as mulheres. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, vinculada a Presidência da República, criou o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, dedicando um capítulo sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres que estabeleceu conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência de gênero, assim como de assistência e garantia de direitos às mulheres em situação de violência (BRASIL, 2008). Este Plano ressalta ainda a necessidade de desenvolvimento de uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência, articulando os serviços dos diferentes setores de governo (centros de referências, casas de abrigo, defensorias, juizados e delegacias especializadas), a sociedade civil e os movimentos sociais de mulheres (BRASIL, 2008). Nesse sentido, Guzmán (2000) defende a implantação de políticas públicas para inclusão da equidade de gênero. Assim, enfoca-se a formulação dessas políticas como resposta à violência de gênero, com ações capazes de assegurar um espaço de atendimento, denúncia, proteção e apoio à mulher vitima de violência, dentre elas, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. 2.3 As delegacias da mulher Para Pasinato e Santos (2008, p.34), as Delegacias da Mulher constituem ainda a principal política pública de enfrentamento à violência doméstica contra mulheres. Assim, a implantação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher representa o reconhecimento, por parte do Estado, que a violência contra a mulher não é um problema a ser abordado na esfera privada ou nas relações interpessoais, mas trata-se de uma questão social que requer um enfretamento com ações públicas na área da segurança, como também da saúde devido às sequelas que ela provoca.

Segundo Massuno (2002), a Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher representa um órgão eminentemente voltado para reprimir a violência contra a mulher. A criação da primeira Delegacia da Mulher no Brasil ocorreu na cidade de São Paulo em 6 de agosto de 1985, sob o Decreto nº 23.769, com base na idéia de que policiais mulheres seriam mais preparadas do que os homens para lidarem com a violência contra a mulher e que o ambiente das Delegacias comuns, geralmente compostas por homens, não era apropriado para que as mulheres denunciassem a violência. As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher enfrentam problemas estruturais. Neste ponto, Pasinato e Santos (2008), ao comentar sobre as condições de funcionamento das Delegacias da Mulher, ressaltam a carência de recursos humanos, material e financeiro. Debert, Gregori e Piscitelli (2006) alertam para o despreparo dos agentes que trabalham nas Delegacias da Mulher. Na maior parte dos casos, não é oferecida a estes profissionais uma qualificação específica para desempenhar suas funções numa Delegacia que recebe mulheres violentadas. Assim, percebe-se a existência de deficiências e precariedades nas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, sendo necessário, dentre outras medidas, uma maior capacitação das pessoas que atuam nessas Delegacias, como também maiores investimentos financeiros por parte do Estado. 2.4 A lei Maria da Penha Em 7 de agosto de 2006, foi promulgada a Lei nº 11.340, que representou um marco muito importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Esta lei ficou conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma das vítimas de violência masculina contra a mulher no Brasil, a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que se encontra paraplégica devido à tentativa de homicídio por seu exmarido. A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, estabelecendo uma série de dispositivos protetivos e de assistência à mulher. Essa Lei relaciona as medidas integradas de prevenção à violência doméstica e prevê a forma de prestação da assistência à mulher em situação de

violência doméstica e familiar. Dispõe também sobre a obrigatoriedade de atendimento prioritário pela autoridade policial que tomar conhecimento de violência doméstica contra a mulher e a possibilidade de adoção de medidas protetivas de urgência, tais como o afastamento do agressor do lar, proibição de contato com a ofendida e seus familiares, dentre outras. Com base no artigo 7º desta Lei, há cinco formas de violência doméstica e familiar contra mulher: Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição de auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões [...]; III a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada [...]; IV a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos, bens ou valores e direitos ou recursos econômicos [...]; V a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006, p.1). De acordo com a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, a Lei Maria da Penha: Cria mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, reconhecendo as diferenças, sociais entre homens e mulheres, às quais tem-se traduzido cotidianamente em situações de vulnerabilidade e risco, expondo as mulheres a violações dos seus direitos fundamentais como o direito à dignidade, a não ser discriminada pela questão do sexo e até mesmo o direito à vida, comprometendo ainda a efetividade da determinação constitucional da igualdade, tendo em vista o desequilíbrio muitas vezes presente nas relações de gênero. (BRASIL, 2010, p.33). Na Norma Técnica de Padronização consta ainda que se deve observar os princípios básicos que regem a Lei Maria da Penha, os quais orientam a atuação das Delegacias da Mulher, requerendo delas uma profissionalização e formação cada vez mais específica, devido as novas atribuições e desafios que lhes foram concedidos com o advento desta Lei (BRASIL, 2010). Portanto, essa Lei direciona o trabalho das Delegacias da Mulher, em virtude do seu alto grau de especialização no combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. O grande desafio da Lei Maria da Penha, além de discutir sobre a questão da

violência de gênero, é fazer-se valer como mecanismo válido de repressão a esse tipo de violência. 3 CONCLUSÃO É indiscutível que a violência contra a mulher representa um grave problema mundial, enraizado na cultura, na organização social, nas estruturas econômicas e nas relações de poder. Assim, são necessárias políticas públicas no sentido de respeitar a igualdade nas relações de gênero e consolidar a cidadania feminina, com ações que assegurem um espaço de atendimento, denúncia, proteção e apoio à mulher vítima de violência doméstico e familiar. Dentre essas políticas públicas, destaca-se a criação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, pois significa um grande avanço na luta do movimento feminista numa sociedade patriarcal e representa um importante papel no processo de fortalecimento e ampliação dos direitos da mulher. Entretanto, as Delegacias da Mulher apresentam problemas estruturais, como a falta de recursos financeiros, a insuficiência de recursos humanos devidamente treinados e a fragmentação dos serviços entre essas Delegacias e os demais órgãos públicos. Dessa forma, é preciso maiores investimentos para a criação e manutenção dessas Delegacias, além de capacitação dos profissionais que trabalham nesta área e uma maior articulação entre os setores que promovem a assistência à mulher vítima de violência. Neste contexto, é imprescindível ressaltar a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que representa um marco na luta contra a violência de gênero, estabelecendo dispositivos protetivos de urgência e de assistência à mulher e punindo com maior severidade o agressor. As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, embora com suas fragilidades, constituem uma resposta eficaz à violência de gênero, contribuindo na consolidação da cidadania feminina. REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, 2006. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Norma técnica de padronização das delegacias especializadas de atendimento às mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2010. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. DEBERT, Guita Grin G.; GREGORI, Maria Filomena; PISCITELLI, Adriana Garcia. (Orgs.). Gênero e distribuição da justiça: as delegacias de defesa da mulher e a construção das diferenças. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 2006. GUZMÁN, Virginia. A equidade de gênero como tema de debate e de políticas públicas. In: FARIA, Nalu; SILVEIRA, Maria Lúcia; NOBRE, Miriam (Orgs.). Gênero nas políticas públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo: SOF, 2000. p. 63-86. (Coleção Cadernos Sempreviva). MASSUNO, Elizabeth. Delegacia de defesa da mulher: uma resposta a violência de gênero. In: BLAY, Eva Alterman (Org.). Igualdade de oportunidades para as mulheres. São Paulo: Humanitas, 2002, p. 25-55. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Belém-PA, 1994. PASINATO, Wânia; SANTOS, Cecília MacDowell. Mapeamento das delegacias da mulher no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 2008. SAFFIOTI, Heleieth. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. SAFFIOTI, Heleieth. Gênero e patriarcado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1999. SÃO PAULO. Decreto nº 23.769, de 6 de agosto de 1985. Cria a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher. São Paulo, 1985. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 20 n. 2, p. 71-99, jul/dez 1995.