MONOTONGAÇÃO E DITONGAÇÃO EM TEXTOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA COM ÊNFASE NO LETRAMENTO

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Transcrição:

1 MONOTONGAÇÃO E DITONGAÇÃO EM TEXTOS ESCOLARES: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA COM ÊNFASE NO LETRAMENTO ALVES NETO, V M - CUBM Ribeirão Preto SP; BACK, A C P - UNESC, Criciúma SC 1 INTRODUÇÃO A inquietação que resultou na escrita do trabalho foi a seguinte: Como explicar fenômenos ligados à representação escrita que migram da oralidade? e, consequentemente: as diferenças sociolinguísticas do aluno podem influenciar no desenvolvimento de competências que promovam o letramento, em específico que visam a minimizar a transferência de unidades linguísticas da oralidade para a escrita? O objeto de investigação desta pesquisa foi a relação quantitativa e qualitativa das ocorrências de transferências de unidades linguísticas da oralidade para a escrita, especialmente os fenômenos monotongação e ditongação, com a classe socioeconômica dos alunos em produções textuais do sexto ano do Ensino Fundamental. Com o propósito, então, de subsidiar esta investigação, mobilizaram-se as discussões no entorno da sociolinguística educacional que abriga resultados obtidos em nível nacional da sociolinguística variacionista. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O fato de a língua escrita e falada não serem dois sistemas opostos, como historicamente se costumou tratar como dicotômicos (MARCUSCHI, 2001), permite tratar com mais naturalidade as unidades linguísticas que, caracteristicamente, pertencentes à fala migram para a escrita, formando o que Bortoni-Ricardo (2004 e 2005) chama de contínuo de oralidade e letramento. Nesse contexto, nascem os fenômenos monotongação 1 e ditongação 2. 1 Monotongação é a mudança fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples como do latim para o português a passagem de au para o (pauper > poper > pobre) (CAMARA JÚNIOR, 2002).

2 A monotongação ocorre, principalmente, nos seguintes contextos: (i) ditongo ou (BAGNO, 2003 e 2010; SILVA, 2006), exemplo louco > loco ; (ii) ditongo ei seguido de r, n, j, e x (BAGNO, 2010; BORTONI-RICARDO, 2004), exemplo: deixei > dexei ; (iii) ditongo ai : a redução do /ai/ para /a/ é condicionada pelo segmento consonântico seguinte, geralmente x, (BORTONI-RICARDO, 2004). Exemplo: caixa > caxa. Silva (2007) adverte que assim como o ditongo ei, o ditongo ai não se reduz em sílaba final, diferentemente do ditongo ou que pode monotongar-se em qualquer contexto. Quanto ao processo de ditongação, acontece principalmente em três situações: (i) em final de sílaba cujo último som é vocálico e seguido pelo arquifonema 3 /S/ (Monteiro 2010); (ii) quando o ditongo é nasal, neste caso, pode-se considerar a variação associando-a à história da língua (TEYSSIER, 2007); (iii) hipercorreção: como se tem o fenômeno de redução de ei para e, de ou para o, muitos acabam revertendo o processo, ou seja, pronunciado e escrevendo ei e ou em palavras que na ortografia oficial escrevem-se com e e o. Exemplo, bandeja > bandeija, sobre > soubre. Entende-se, então, que os processos de monotongação e ditongação são frutos de assimilações sonoras, esse processo é contínuo e enquanto a língua existir haverá variação e assimilação. O fator secundário seria a hipercorreção, pois indivíduos que percebem fenômenos linguísticos em determinados vocábulos tentam aplicá-los a outras palavras semelhantes como se fosse uma regra. 3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Os dados para esta pesquisa de campo, que é de cunho qualitativo e quantitativo, foram colhidos em três turmas do sexto ano do Ensino Fundamental (antiga quinta série) no município de Criciúma, de três diferentes escolas. Para análise foram ministradas aulas nas escolas especificamente para a constituição do corpus, de modo que as turmas tiveram acesso aos mesmos comandos e informações prévias antes da escritura dos textos. Foram selecionadas, aleatoriamente entre as que possuíam mais de oitenta vocábulos, vinte produções textuais de cada turma. 2 Segundo Dubois et al (2001, p. 202), ditongação é a mudança fônica resultante da alternância sincrônica ou de evolução diacrônica; essa mudança se deve à segmentação de uma vogal em duas partes, formando uma única sílaba, ou à redução de uma hiato a um ditongo. 3 [...] perda do contraste fonêmico, ou seja, a neutralização de um ou mais fonemas em um contexto específico (SILVA, 2007. p. 158).

3 O fenômeno pesquisado e quantificado nas produções foram os processos de monotongação e ditongação e o objetivo que se estabeleceu foi o de investigá-los com base na hipótese de que seria um dos fenômenos da oralidade que poderia migrar para escrita, haja vista estar presente tanto nas variedades não padrão quanto na padrão. Dos sessenta textos investigados, encontram-se 25 ocorrências de monotongação e 22 de ditongação, distribuídas entre as escolas A, B e C, como mostra a Figura 1 : Figura 1 Ocorrência dos fenômenos monotongação e ditongação 16 14 12 10 8 6 4 2 0 9 8 8 Monotongação 14 7 Ditongação 1 Escola A Escola B Escola C É possível notar, com base nos dados coletados, que não houve diferença de quantidade significativa nos fenômenos de monotongação entre os alunos das diferentes escolas. Já em se tratando do fenômeno de ditongação, houve uma queda contínua de A (entre as escolas pesquisadas esta é cujo público é menos favorecido socialmente) para C (escola cujo o público é, entre as estudadas, mais favorecido socialmente). Os dados gerais, como se vê, principalmente se forem considerados somente os dados de ditongação, confirmam a hipótese de que os alunos provenientes de classes desfavorecidas têm maior dificuldade na apropriação das regras da variedade padrão. Verificou-se que, de A a C, é decrescente o número de textos que contêm os fenômenos estudados: dez em A, nove em B e cinco em C, ou seja, enquanto 50% (cinquenta por cento) dos alunos da escola A manifestaram dificuldade de representar os fonemas vocálicos na escrita, apenas 25% (vinte e cinco por cento) dos alunos da escola C manifestaram essa dificuldade, caindo exatamente pela metade o número de textos com ocorrências de monotongação e ditongação envolvendo as palavras constantes no corpus em C com relação a A. A título de ilustração de como se materializou junto aos textos dos alunos as ocorrências de monotongação, seguem algumas para melhor discussão:

4 Monotongação da sequência ou : apesar de ser um fenômeno muito comum, a monotongação do ou em o que pode ocorrer em todos os ditongos ou (BAGNO, 2003 e 2010; BORTONI-RICARDO, 2004; SILVA, 2006), só ocorreu duas vezes com a palavra estoron (estouram), o que se esperava que ocorresse em maior proporção em virtude de que, entre os casos de monotongação, ser este o único que ocorre em todos os contextos independentemente de classe socioeconômica, posição silábica e contexto fonológico seguinte. Apesar de ser um fenômeno esperado, nota-se no fragmento a seguir que, nas dez palavras utilizadas para contextualizar os fenômenos, foi possível encontrar, ao todo, oito ocorrências de marcas da oralidade na escrita ( estoron (duplamente): monotongação do ou, troca de am por on ; bueros : monotongação de ei ; pinel : inserção da vogal de apoio i, troca do u final por l e falta de concordância em número com o artigo precedente. Entende-se, então, que mesmo sendo a monotongação do ou frequente na fala, a sua transposição para a escrita apenas deuse em contexto em que o indivíduo apresentou vários outros desvios da norma pressuposta para as práticas de escrita. Eis as duas ocorrências: Fragmento 01 Escola B, texto 32 [...] os buracos estoron os bueros estoron os pinel dos carros [...] Monotongação do sufixo eiro : ocorreu em duas palavras: buero e dinhero. Tratase de monotongação por neutralização causada pela proximidade com a letra seguinte, r (BAGNO, 2010; BORTONI-RICARDO, 2004). Eis as ocorrências encontradas: Fragmento 02 Escola B, texto 32 [...] os puliticos tão desviando dinhero a corrupiçao es un arbirsurdo [...] os buracos estoran todos os bueros estoron os pinel [...] análise feita: Igualmente, seguem algumas ocorrências de ditongação para explanação da Ditongação frente ao arquifonema /S/: Quanto às ocorrências fais, fais, nois e vocêis, as três primeiras no texto 01 (escola A) e a última no texto 32 (escola B) correspondentes às palavras faz, faz, nós e vocês, respectivamente, seguem a

5 regra que diz que quando uma oxítona ou monossílaba termina em s e z essa vogal pode ditongar-se com a inserção do glide /i/ antes da fricativa alveolar. Eis as ocorrências: Fragmento 03 Escola A, texto 01 [...] A nosa profeitura não fais nada no tira itulhos e não fais nada por nois povvo brasileiro. Fragmento 04 Escola B, texto 22 [...] isso graça a vocêis que lutaram para um mundo melhor. Ditongação do o : alguns falantes, com intenção de adequar-se à variante prestigiada, hipercorrigem-se ditongando o o que não era, até então, ditongo (Bortoni-Ricardo, 2004). As grafias, todas encontradas na escola A, são as seguintes: bouas, pessouas e novou, correspondendo às palavras boas, pessoas e novo. Seguem as ocorrências: Fragmento 05 Escola A, texto 13 Mas antigamente as pessouas não saio de casa por drogas [...] Fragmento 06 Escola A, texto 16 Eu quero saber se você é novou ou mais velho [...] Fragmento 07 Escola A, texto 20 Mais vamos falar mais sobre coisas bouas. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise de dados comprovou, principalmente se considerar-se somente os fenômenos de ditongação, que há diferença na adequação da escrita à ortografia oficial quando se diz respeito à diferença entre classes sociais. O fato de o aluno ser menos favorecido economicamente, por si só, não justifica seu menor aproveitamento escolar se considerado única e exclusivamente como fator preponderante. A causa estaria, principalmente, em se tratando do ensino de língua materna, na valorização, por parte da escola, que atua como um dos agentes institucionais, na preservação da variedade que detém prestígio social pelas classes mais favorecidas.

6 Finaliza-se, sugerindo como futuros desdobramentos deste trabalho: (i) verticalizar as discussões acerca do fenômeno de ditongação, pois se crê que a razão da diferença observada entre as escolas quanto à ocorrência do fenômeno deve-se ao fato de este ser estigmatizado socialmente, sendo assim, repugnado pela sociedade. (ii) refletir quando são ou não realmente fenômenos de ditongação ou monotongação a inserção e apagamento de segmentos vocálicos representativos dos fenômenos estudados. Palavras-chave: Monotongação. Ditongação. Variação Linguística. BIBLIOGRAFIA BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 16. ed. São Paulo: Contexto, 2010. 219 p.. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 21. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 186 p. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.108 p.. Nós cheguemu na escola, e agora? sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 263 p. CAMARA JÚNIOR, J. Mattoso. Dicionário de linguística e gramática: referente à língua portuguesa. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 262 p. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. 8.ed. São Paulo: Cultrix, 2001. 653 p. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. 133 p. MONTEIRO, Priscila de Sá. Influências da oralidade na escrita: um estudo no e pelos textos dos alunos do ensino fundamental. 2010. 75 p. Monografia (Licenciatura em Letras habilitação em Português e Inglês e suas respectivas literaturas) Universidade do Extremo Sul Catarinese, Criciúma. SILVA, Rosa Virgínia Mattos e. O português arcaico: fonologia, morfologia e sintaxe. São Paulo: Contexto, 2006. 203p. SILVA, Taïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 9. ed. São Paulo. Contexto, 2007. 275p. TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. Tradução de Celso Cunha. 3. ed. Martins Fontes. São Paulo, 2007. 142p.