Rcl * Controle de constitucionalidade

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Transcrição:

Rcl. 3.014 * Trata-se de reclamação manejada pelo Município de Indaiatuba contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15 a Região, que mantivera a expedição de requisição de pequeno valor em patamar superior ao fixado pela Lei municipal nº 4.233/2002, por considerá-la inconstitucional, ante a ausência de fixação da quantia em número de salários mínimos. Alegou-se desrespeito à autoridade da decisão do Supremo na ADI 2.868/PI (DJ de 11.12.2004), na qual se teria reconhecido a possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT. Sustentou, ainda, o Município-reclamante que, ao julgar improcedente a ADI 2.868, este Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que 'o legislador infraconstitucional, ao legislar acerca da definição de pequeno valor para fins de pagamento de precatório judicial, tem ampla liberdade de compatibilizar o respectivo valor com a sua disponibilidade orçamentária, sem que, para tanto, haja qualquer limitação material dos valores fixados, razão pela qual, plenamente possível a fixação de pequeno valor no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme lei municipal deste ente Recorrente ' (fls 25)." O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente a reclamação, em sessão de 13.12.2006. Para ele, no julgamento da ADI 2.868/PI, o Tribunal examinara a constitucionalidade da Lei piauiense nº 5.250/2002, que fixou, no âmbito da Fazenda Estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Salientou que o acolhimento da pretensão deduzida nesta Reclamação passaria pelo exame da possibilidade de se atribuir efeitos transcendentes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Considerando o fato de que, no julgamento da Rcl 4.219 QO/SP em que retomada a discussão do tema da aplicabilidade da chamada transcendência dos fundamentos determinantes, quatro ministros já teriam votado em sentido contrário à respectiva adoção, votou, preliminarmente, pelo não-conhecimento da reclamação. O Ministro Gilmar Mendes votou pelo conhecimento e procedência da ação. Os Ministros Sepúlveda Pertence e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator 1. V O T O V I S T A O Ministro Carlos Britto submeteu à apreciação deste Plenário a Reclamação n 3.014/SP, proposta pelo Município de Indaiatuba-SP contra decisão proferida no Mandado de Segurança n 0300/2004-000-15-00-9, em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 15 a Região. Trata-se de reclamação proposta com base no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição, para assegurar a autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 2.868/PI, Rel. Min. Carlos Britto, Red. para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJ 12.11.2004, cuja ementa possui o seguinte teor: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.250/2002 DO ESTADO DO PIAUÍ. PRECATÓRIOS. OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR. CF, ART. 100, 3º. ADCT, ART. 87. Possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor * Em sessão de 10 de março de 2010, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou improcedente a reclamação, vencidos os Senhores Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello. 1 Informativo/STF 475.

referencial inferior ao do art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional 37/2002. Ação direta julgada improcedente. O Município reclamante possui legislação própria a Lei Municipal n 4.233/2002 que consigna como de pequeno valor, para fins afastamento do sistema de pagamento de precatório judicial, a quantia igual ou inferior a R$ 3.000,00 (três mil reais). O Tribunal Regional do Trabalho da 15 a Região, no entanto, afastou a aplicabilidade dessa lei municipal, determinando que o Município adotasse as providências necessárias para a quitação de débito no valor de R$ 4.847,54 (quatro mil, oitocentos e quarenta e sete reais e cinqüenta e quatro centavos), considerado como sendo de pequeno valor de acordo com o disposto no art. 87, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 (valor inferior ou igual a trinta salários mínimos). Iniciado o julgamento deste caso, o Relator, Ministro Carlos Britto, aventou a possibilidade de discussão sobre o tema da transcendência dos fundamentos determinantes da decisão em controle abstrato de constitucionalidade. Isso porque, nesta reclamação, alega-se que decisão judicial que afastou a aplicação de Lei do Município de Indaiatuba-SP afronta a decisão desta Corte que declarou a constitucionalidade de Lei do Estado do Piauí (Lei Estadual n 5.250/2002). No entanto, vislumbrando a ausência de identidade entre o caso dos autos e o objeto da ADI n 2.868, o Ministro Carlos Britto terminou proferindo seu voto no sentido da improcedência da reclamação. Eis o teor do referido voto: De saída, anoto que, no julgamento da precitada ADI 2.868, este Supremo Tribunal examinou a validade constitucional da Lei piauiense nº 5.250/02. Diploma legislativo, esse, que fixa, no âmbito da Fazenda Estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Logo, o acolhimento da pretensão aqui deduzida (e, porque não dizer, até o próprio cabimento desta reclamação) passa pelo exame da possibilidade de se atribuir efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. E o fato é que, recentemente (21.09.2006), no bojo da Rcl 4.219-QO, este colendo Tribunal retomou a discussão do tema da aplicabilidade da chamada "transcendência dos fundamentos determinantes" para externar, pelo voto de quatro dos seus ministros, entendimento contrário à respectiva adoção. 8. Esse o quadro, voto preliminarmente pelo nãoconhecimento da reclamação. Vencido que seja esse óbice processual, relembro que, no julgamento da ADI 2.868, esta nossa Corte Suprema deu pela constitucionalidade da fixação das obrigações de pequeno valor em patamar inferior àquele previsto no art. 87 da ADCT (com redação dada pela Emenda Constitucional nº 37/02). Deixou, porém, de debater a questão da obrigatoriedade, ou não, de referência a um determinado número de salários mínimos como critério de definição das obrigações de pequeno valor. 10. Pois bem, conforme anotou a Min. Ellen Gracie às fls. 302/303, a decisão reclamada reconheceu a inconstitucionalidade da Lei municipal nº 4.233/2002, "por ausência de vinculação da quantia considerada como de pequeno valor a um determinado número de salários mínimos, como fizera a norma constitucional provisória (art. 87 do ADCT)". Sendo que este Supremo Tribunal Federal, no referido julgamento da ADI 2.868, limitou-se "a proclamar a possibilidade de que o valor estabelecido na norma estadual fosse inferior ao parâmetro constitucional". Não mais que isso. 11. Assim divisada a falta de identidade entre o caso dos autos e o objeto da ADI 2.868, voto pela improcedência da reclamação. Pedi vista dos autos para melhor examinar o caso. Creio que a controvérsia reside não na concessão de efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões em controle

abstrato de constitucionalidade, mas na possibilidade de se analisar, em sede de reclamação, a constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já foi objeto da fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Após refletir sobre essa questão, e baseando-me em estudos doutrinários que elaborei sobre o tema, não tenho nenhuma dúvida de que, ainda que não se empreste eficácia transcendente (efeito vinculante dos fundamentos determinantes) à decisão 2, o Tribunal, em sede de reclamação contra aplicação de lei idêntica àquela declarada inconstitucional, poderá declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei ainda não atingida pelo juízo de inconstitucionalidade. Ressalto que essa tese não é estranha à Corte. No julgamento da Rcl nº 595 (Rel. Min. Sydney Sanches), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade de expressão contida na alínea c do inciso I do art. 106 da Constituição do Estado de Sergipe, que outorgava competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face da Constituição Federal. Esse entendimento segue a tendência da evolução da reclamação como ação constitucional voltada à garantia da autoridade das decisões e da competência do Supremo Tribunal Federal. Desde o seu advento, fruto de criação jurisprudencial 3, a reclamação tem-se firmado como importante mecanismo de tutela da ordem constitucional. Como é sabido, a reclamação, para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal ou garantir a autoridade de suas decisões, é fruto de criação pretoriana. Afirmava-se que ela decorreria da idéia dos implied powers deferidos ao Tribunal. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar essa doutrina para a solução de problemas operacionais diversos. A falta de contornos definidos sobre o instituto da reclamação fez, portanto, com que a sua constituição inicial repousasse sobre a teoria dos poderes implícitos 4. Em 1957, aprovou-se a incorporação da Reclamação no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal de 1967 5, que autorizou o STF a estabelecer a disciplina processual dos feitos sob sua competência, conferindo força de lei federal às disposições do Regimento Interno sobre seus processos, acabou por legitimar definitivamente o instituto da reclamação, agora fundamentada em dispositivo constitucional. Com o advento da Carta de 1988, o instituto adquiriu, finalmente, status de competência constitucional (art. 102, I, l). A Constituição consignou, ainda, o cabimento da reclamação perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, f), igualmente destinada à preservação da competência da Corte e à garantia da autoridade das decisões por ela exaradas. 2 Rcl nº 1.987, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 21.05.2004. 3 Cf. Rcl nº 141, Rel. Min. Rocha Lagoa, DJ de 25.01.1952. 4 Cf. Rcl nº 141, Rel. Min. Rocha Lagoa, DJ de 25.01.1952. 5 Cf. CF de 1967, art. 115, parágrafo único, c, e EC 1/69, art. 120, único, c. Posteriormente, a EC nº 7, de 13.04.77, em seu art. 119, I, o, sobre a avocatória, e no 3º, c, do mesmo dispositivo, que autorizou o RISTF estabelecer o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da argüição de relevância da questão federal.

Com o desenvolvimento dos processos de índole objetiva em sede de controle de constitucionalidade no plano federal e estadual (inicialmente representação de inconstitucionalidade e, posteriormente, ADI, ADIO, ADC e ADPF), a reclamação, na qualidade de ação especial, acabou por adquirir contornos diferenciados na garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal ou na preservação de sua competência. A jurisprudência do Supremo Tribunal, no tocante à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas, também deu sinais de grande evolução no julgamento da questão de ordem em agravo regimental na Rcl nº 1.880, em 23 de maio de 2002, quando no Tribunal restou assente o cabimento da reclamação para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. A análise do quadro abaixo transcrito, sobre o número de reclamações propostas nos anos de 1990 a 2007, parece indicar que o referido instituto ganhou significativo relevo no âmbito da competência do STF 6. Reclamações Constitucionais no Supremo Tribunal Federal Processos distribuídos no período de 1990 a 2007 Ano Nº de processos Ano Nº de processos 1990 20 1999 200 1991 30 2000 522 1992 44 2001 228 1993 36 2002 202 1994 45 2003 275 1995 49 2004 491 1996 49 2005 933 1997 62 2006 837 1998 275 2007 6* *atualizada até 31.1.2007 Fonte: BNDPJ/STF Ressalte-se, ainda, que a EC nº 45/2004 consagrou a súmula vinculante, no âmbito da competência do Supremo Tribunal, e previu que a sua observância seria assegurada pela reclamação (art. 103-A, 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso ). A tendência hodierna, portanto, é que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. Os vários óbices à aceitação da reclamação em sede de controle concentrado já foram superados, estando agora o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileira. 6 Quanto ao critério de numeração das Reclamações no STF, vale ressaltar que a Secretaria do Tribunal registrava, até a entrada em vigor do RISTF de 1970, em 15.10.1970, as Reclamações e as Representações em um mesmo Livro de Andamento Processual de Representações e Reclamações, e na mesma seqüência numérica (tal seqüência atingiu o nº 854, em processo distribuído em 02.10.1970). A partir do novo Regimento, a Secretaria passou a registrar somente as Representações no referido livro, iniciando novo registro para as Reclamações. Assim, em 04.11.1970, o novo Livro de Andamento Processual de Reclamações registrou, mais uma vez, a Reclamação de nº 1.

Nessa perspectiva, parece bastante lógica a possibilidade de que, em sede de reclamação, o Tribunal analise a constitucionalidade de leis cujo teor é idêntico, ou mesmo semelhante, a outras leis que já foram objeto do controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Como explicado, não se está a falar, nessa hipótese, de aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se, isso sim, de um poder ínsito à própria competência do Tribunal de fiscalizar incidentalmente a constitucionalidade das leis e dos atos normativos. E esse poder é realçado quando a Corte se depara com leis de teor idêntico àquelas já submetidas ao seu crivo no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade. Assim, em relação à lei de teor idêntico àquela que já foi objeto de controle de constitucionalidade no STF ainda que se afirme o não-cabimento de reclamação poder-seá impugnar a sua aplicação por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo-se a declaração incidental de sua inconstitucionalidade, ou de sua constitucionalidade, conforme o caso. Na hipótese em exame, como já acentuado, não estamos a falar em transcendência dos motivos determinantes da decisão na ADI n 2.868/PI. Não podemos olvidar, no entanto, que há uma controvérsia constitucional posta ao crivo do Tribunal: a compatibilidade ou não da Lei Municipal n 4.233/2002 com o art. 87 do ADCT. E, por se tratar de uma questão constitucional idêntica àquela que foi objeto da ADI n 2.868/PI, estou certo de que o Tribunal não pode se furtar à sua análise. Na ADI n 2.868/PI, relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, o Tribunal fixou o entendimento de que é constitucional a lei da entidade federativa que fixa valores diferenciados àquele estipulado, em caráter transitório, pelo art. 87, inciso II, do ADCT. Entendeuse, assim, que o art. 100, 5 o, da Constituição, permite que a lei fixe valores distintos como referencial de pequeno valor apto a afastar a incidência do sistema de pagamento, por meio de precatórios, dos débitos da Fazenda Pública. A teleologia das normas constitucionais é a de assegurar a autonomia das entidades federativas, de forma que Estados e Municípios possam adequar o sistema de pagamento de seus débitos às peculiaridades financeiras locais. O referencial de pequeno valor, para afastamento da aplicação do sistema de precatórios, deverá ser fixado conforme as especificidades orçamentárias de cada ente da Federação. Parece claro, da mesma forma, que essa autonomia do ente federativo deverá respeitar o princípio da proporcionalidade. É dizer: não poderá o Estado ou o Município estabelecer um valor demasiado além, ou aquém, do que seria o valor razoável de pequeno valor conforme as suas disponibilidades financeiras. Cada caso é um caso, cujo juízo de proporcionalidade pressupõe a análise dos orçamentos de cada ente federativo. A Lei do Município de Indaiatuba-SP, no entanto, fixou um valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), que me parece bastante razoável, mesmo se comparado com os parâmetros do art. 87 do ADCT. Recordo, neste ponto, que, no julgamento da ADI n 2.868/PI, o Tribunal considerou razoável valor inferior a esse, no montante de 5 (cinco) salários mínimos. Ademais, ainda que o Tribunal não tenha se pronunciado expressamente sobre este tópico, a autonomia conferida aos entes federativos pelo art. 100, 5 o, da Constituição, e pelo art. 87 do ADCT, abrange, inclusive, a possibilidade de que o referencial de pequeno valor

não seja necessariamente fixado em quantidade de salários mínimos. O art. 87 do ADCT deixa claro que os valores nele estabelecidos têm vigência até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação. A lei de cada ente da federação poderá fixar outros valores não vinculados ao salário mínimo. Entendo, portanto, que, diante do que já foi decidido pelo Tribunal na ADI n 2.868/PI, deve-se conhecer desta reclamação para afirmar a constitucionalidade da Lei Municipal n 4.233/2002, do Município de Indaiatuba-SP. Essa solução tem um inegável efeito prático, na medida em que dispensa a utilização da via específica do processo objetivo para (re)afirmar a constitucionalidade de norma de teor idêntico ou semelhante àquela que já foi objeto de controle por parte desta Corte. De fato, não faria muito sentido se o Tribunal tergiversasse, não conhecendo da reclamação por questões meramente formais, e exigisse do reclamante, dessa forma, a propositura da argüição de descumprimento de preceito fundamental para atestar a constitucionalidade de lei municipal ou estadual de teor idêntico a outra que, frise-se, já teve a legitimidade constitucional reconhecida pela própria Corte. A ordem constitucional necessita de proteção por mecanismos processuais céleres e eficazes. Esse é o mandamento constitucional, que fica bastante claro quando se observa o elenco de ações constitucionais voltadas a esse mister, como o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental. A reclamação constitucional sua própria evolução o demonstra não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, já adotada pelo Tribunal, confirma esse papel renovado da reclamação como ação destinada a resguardar não apenas a autoridade de uma dada decisão, com seus contornos específicos (objeto e parâmetro de controle), mas a própria interpretação da Constituição levada a efeito pela Corte. A ampla legitimação e o rito simples e célere, como características da reclamação, podem consagrá-la, portanto, como mecanismo processual de eficaz proteção da ordem constitucional, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. No presente caso, como já afirmado, entendo que o Tribunal deve conhecer da reclamação para declarar a constitucionalidade da Lei Municipal n 4.233/2002, do Município de Indaiatuba-SP, e, com isso, cassar a decisão reclamada. Com essas considerações, voto pelo conhecimento e procedência da reclamação, para, afirmando a constitucionalidade da Lei Municipal n 4.233/2002, do Município de Indaiatuba-SP, cassar a decisão reclamada proferida no Mandado de Segurança n 0300/2004-000-15-00-9, em trâmite no Tribunal Regional do Trabalho da 15 a Região.