Patrimonialização dos direitos da personalidade Patrimonialization of personal rights

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Artigo Discente texto original Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported Patrimonialização dos direitos da personalidade Patrimonialization of personal rights Leônidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira Resumo O presente trabalho consiste em uma análise crítica e doutrinária a respeito da relativização dos direitos da personalidade. Essa relativização é dada pela atribuição de valor econômico a uma classe de direitos ditos extrapatrimoniais. Será analisado, também, o instituto dos danos morais como forma punitiva da lesão dos direitos personalíssimos e como mecanismo de banalização dos referidos direitos. A análise aqui proposta não busca criticar o instituto dos danos morais e sua razão, pelo contrário, terá como objetivo a apresentação de uma reflexão sobre os atuais paradigmas dos direitos da personalidade e seus meios de proteção. Palavras Chave: Direitos da personalidade. Danos morais. Extrapatrimonialidade. Abstract This study is a critical analysis and doctrinal relativism about the rights of personality. This relativization is given by assigning economic value to a class of off-balance-sheet rigths. We Will look also, in the present article, at the institute of moral damages as a punitive form of injury to personal rights and a mechanism for trivialization of these rigths. Its aim is not to criticize the institute of moral damages and its reaosn, however, it will aim to provide a reflection on the current paradgms of personal rigths and their means of protection. Keywords: Personality rights. Moral damage. Extrapatrimoniality. Introdução Vivemos em uma ordem social em que predomina a tendência da atribuição de valores econômicos a praticamente tudo que nos cerca e nos pertence. Essa desmedida valoração tende a banalizar algo que nos é supremo e indispensável. É nesse contexto social que se insere os direitos da personalidade, direitos estes que possuem como característica fundamental a extrapatrimonialidade, ou seja, os direitos que dizem respeito à dignidade do homem estão longe de todo e qualquer valor econômico. Para serem consagrados tais direitos, ocorreu um longo processo histórico, que teve como motivação para a criação dos mesmos, as barbáries cometidas pelo homem contra o próprio Discente do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez.2011 347

Leônidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira homem. Consagrados no Brasil à luz da Carta Magna de 1988, os direitos personalíssimos são tidos como fundamentais, possuindo em sua essência legal características que os tornam diferenciados dos demais direitos do nosso ordenamento. Esse diferencial não permite o seu desmembramento, uma vez que integra tais direitos a estrutura do ser humano. No intuito de proteger a não violação de magnânimos direitos, tem-se como forma de medida punitiva o denominado dano moral. Esse instituto visa compensar toda lesão praticada contra a dignidade da pessoa humana. O uso de tão importante instituto vem se consolidando na perspectiva de conquistar vantagem econômica perante o Judiciário, o que agrega a um direito extrapatrimonial um valor econômico. É necessária a reflexão sobre essa banalização e exposição de direitos tão fundamentais da pessoa humana, sob pena de que perca tais direitos sua primordial função tornando-se meros princípios representativos. Os Direitos da Personalidade e a Origem Econômica O ser humano é dotado de características físicas e psicológicas, as quais determinam a classificação do mesmo na espécie humana. De posse desse conjunto o homem é visto como um ser psicossocial, ou seja, desenvolve em sociedade suas características psicológicas de acordo com suas atribuições físicas. Tais atribuições são inerentes, sem exceção, a todos aqueles que compõem a denominada espécie humana. Esses elementos caracterizadores nascem com o ser humano e o acompanha em todo o seu curso biológico da vida. Desde a antiguidade surge a preocupação por parte do Direito de regulamentar tais atribuições. Essa regulamentação possui o escopo de proteger, ou seja, de permitir que o homem enquanto ser biológico e psicológico possa no âmbito social exercer suas características naturais. Essa essência humana é denominada pela ciência do direito como personalidade, ou seja, é tudo aquilo que está ligado ao ser humano de forma fundamental para que, assim, o mesmo seja classificado. A personalidade está ligada diretamente à pessoa humana, sendo vista como a manifestação física, psicológica e moral do ser denominado pessoa. É importante ressaltar que a personalidade que está sendo conceituada é dita personalidade jurídica, ou seja, é um reconhecimento do direito aos atributos humanos. Esse reconhecimento legal faz com que a personalidade jurídica seja exigida e ao mesmo tempo exercida por todo aquele que se enquadre na característica de pessoa humana. 348 Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez.2011

Artigo: Patrimonialização dos direitos da personalidade A personalidade jurídica consagra o homem perante a ordem normativa, concedendo a ele o reconhecimento de características cruciais ao status de ser humano. O reconhecimento desse conjunto humano de características faz inserir na ordem normativa os direitos da personalidade. É importante ressaltar que foi o reconhecimento da personalidade jurídica quem impulsionou a consagração dos direitos da personalidade, assim a personalidade em si não é um direito. Nesse sentido, leciona Venoza (2007), em sua obra Direito Civil Parte geral: A personalidade não é exatamente um direito; é um conceito básico sobre o qual se baseia os direitos. Sobre a fala de Venoza (2007) percebe-se que antes de serem consagrados tais direitos existiu todo um processo de reconhecimento desses atributos, que teve como primeira vista a personalidade e sua tutela. Tal tutela visava a proteger a pessoa humana de ofensas físicas e morais, proteção essa que era dada através da actio injuriarium, em Roma, e através da Dike Kategorias, na Grécia. Após um longo processo surge a Declaração de Direitos de 1789 que vislumbra o ser humano e sua liberdade. Nesse processo foi reconhecido o homem e seus atributos essenciais, porém foi com o surgimento da concepção da dignidade da pessoa humana que se consagrou a importância da existência dos direitos personalíssimos. A dignidade da pessoa humana tem sua origem após a Segunda Guerra Mundial, período de violação de todo e qualquer direito do homem pelos governos totalitários. Diante das barbáries cometidas, nesse período de guerra, sentiu o ordenamento jurídico a necessidade de criar um rol protetor dos direitos que assegurariam ao homem de forma definitiva o status de pessoa humana. A Declaração da Organização.das Nações Unidas (ONU) e a Convenção Europeia foram as consagradoras dos direitos da personalidade a partir da Dignidade da Pessoa Humana. No ordenamento jurídico brasileiro, com o advento da Carta Magna de 1988, é reconhecida a dignidade da pessoa humana em seu art. 1º, inciso III. É colocada a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado, devendo o mesmo fazer com que todos sejam vistos pelo ordenamento jurídico brasileiro de forma digna. A dignidade da pessoa humana torna-se um princípio constitucional que irá nortear todo o conjunto normativo do país. Nesse diapasão, toda e qualquer lei brasileira deverá ter como fundamento esse princípio, assim o ordenamento jurídico brasileiro adquire um sentido axiológico fundado na Dignidade da Pessoa Humana. Leciona Morais (2004) Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez. 2011 349

Leônidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira em sua obra Constituição Federal comentada: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autoderminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAIS, 2004, p.129). Com o reconhecimento desse princípio o ordenamento jurídico brasileiro enumera os direitos fundamentais que possuem como escopo a garantia primordial e a efetivação da dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais são encadeados no art. 5º do texto constitucional. Com a consagração desses direitos percebe-se que a pessoa humana está à frente de qualquer bem tutelado pelo ordenamento devendo ser protegida em sua integralidade. Essa disposição, assim interpretada, serve como o divisor de águas para o Código Civil Brasileiro (CCB) de 2002. O diploma anterior, o Código Civil (CC) de 1916, visava de forma primordial questões patrimoniais deixando em segundo plano o ser humano e sua subjetividade. Ao ser promulgado o Diploma CC de 2002, a esfera privada do ordenamento jurídico se viu dividida em duas distintas esferas de aplicação: a esfera patrimonial e a esfera extrapatrimonial. O referido código consagra os direitos da personalidade na esfera extrapatrimonial no Capítulo II, artigos 11 a 21. Percebe-se que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana força ao legislador civil reconhecer a necessidade de respeito aos atributos físicos, psicológicos e morais do ser humano. Esse reconhecimento torna a ordem civil compatível com a ordem constitucional, uma vez que reconhece de forma determinada os direitos fundamentais. O artigo 11 do diploma legal concede aos direitos personalíssimos características fundamentais as quais estão diretamente relacionadas com a classificação destes direitos dentro do sistema normativo brasileiro. Porém, a classificação dos referidos direitos vai além da prevista no diploma legal, pois se trata de um conjunto de direitos que possuem tratamento diferenciado, ou seja, a classificação dos direitos da personalidade tem como escopo individualizar de forma sistemática os mesmos. Devemos optar pela sistemática seguida pela Constituição Federal (CF) de 1988, classificando os direitos personalíssimos de acordo com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Nesse diapasão, podemos classificar os direitos supracitados em inatos, absolutos, 350 Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez.2011

Artigo: Patrimonialização dos direitos da personalidade não patrimoniais, indisponíveis, imprescritíveis, intransmissíveis e extrapatrimoniais. São designados de inatos por iniciarem sua incidência sobre o ser humano a partir do nascimento com vida do mesmo. O art. 2º do CCB dispõe esse entendimento no seu texto legal. Nascem com o ser humano e morrem com o mesmo, ou seja, são determinados vitalícios por cessarem com a morte. A vitaliciedade dos direitos personalíssimos se estende de acordo com o disposto no artigo 12, parágrafo 2º do CCB. Ultrapassa a figura do indivíduo morto para a família, somente se necessário, para resguardar a mesma de agressões que refletem na integridade familiar. Depois de classificados de acordo com o início e o fim da pessoa natural deve se determinar a quem é imposto tais direitos. Essa imposição ocorre de forma erga omnis sendo oponível contra todos. De acordo com essa imposição dizemos ter os direitos personalíssimos a característica de serem absolutos. Essa característica deve ser analisada em face ao texto constitucional que determina sua relatividade em caso de preponderância do interesse público sobre o privado. Esse poder absoluto contra todos é considerado irrenunciável por parte de seu titular. Logo, o ser humano que não optar por não gozar de um direito personalíssimo estará realizando um ato nulo perante o ordenamento. Nesse mesmo sentido é disposto a impossibilidade de transmissão desses direitos a outrem. Se são indisponíveis para o seu titular, logicamente são indisponíveis para o mercado, sendo chamados nesse caso de extra comercium. A alienabilidade vedada no comércio é também, vedada judicialmente, ou seja, não podem ser os direitos personalíssimos utilizados como forma de garantia de adimplemento. Essa vedação concede a esse rol de direitos a característica de impenhorabilidade. No que diz respeito a sua violação é designado de imprescritível, pois uma vez violado, essa violação não se perderá com o tempo. Porém, do ponto de vista do direito subjetivo terá o agente possuidor do direito violado um lapso temporal para reclamar sua proteção, não sendo feito no tempo certo perderá o direito de reparação. Por fim, são classificados, os direitos da personalidade, em extrapatrimoniais. Essa classificação demonstra que não é possível agregar a tais direitos valor econômico ou pecuniário, sob pena de transforma-lós em direitos patrimoniais. É na relativização dessa característica que se funda a presente análise. Os aspectos descritos são tidos como geradores da necessidade de proteção dos Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez. 2011 351

Leônidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira seguintes direitos: direito à vida e integridade física, direito à integridade psíquica e criações intelectuais e direito à integridade moral. Poderá essa classificação possuir outros elementos de caracterizadores, pois se trata de classificação de direitos de ordem axiológica que admitem ampla interpretação e classificação. São reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro todas as características atribuídas aos direitos em comento, porém muito se discute na doutrina, uma característica em específico. O caráter extrapatrimonial é bem questionado por conta da compensação no caso de violação a qualquer dos direitos personalíssimos e Diz-se que os direitos da personalidade são extrapatrimoniais porque inadmitem avaliação pecuniária, estando fora do patrimônio econômico. As indenizações que ataques a eles podem motivar, de índole moral, são substitutivos de um desconforto, mas não se equiparam à remuneração. Apenas no sentido metafórico e poético podemos afirmar que pertencem ao patrimônio moral de uma pessoa. (VENOSA, 2003, p.151). Pela colocação desse autor, nota-se a relativização da característica que confere aos direitos personalíssimos a não inserção na esfera patrimonial. A partir do momento que se atribui a um direito uma compensação de cunho patrimonial está dando ao mesmo valor, ou seja, o mesmo é inserido dentro da esfera material ou patrimonial do direito civil brasileiro. É de se questionar que se não for feita essa inserção, ficarão desprotegidos os direitos da personalidade, uma vez que, muitos consideram essa forma de compensação não como uma indenização que irá se incorporar ao patrimônio do ofendido e sim como uma forma de fazer com que o ofensor nunca mais pratique o ato ofensivo. É nesse sentido protetivo que se pleiteia perante o Judiciário o chamado danos morais. Os danos morais têm como escopo a proteção à dignidade da pessoa humana, ou seja, qualquer ato que viole a integridade dessa dignidade será passível de uma compensação. Não devemos confundir a dor, o trauma, a vergonha como alvo dos danos morais. Esses são apenas conseqüências de uma conduta que fere a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, pedem-se danos morais não para se reparar a dor, o trauma e etc. Pedem-se os danos morais para que o autor da agressão não o cometa novamente e para que a vítima tenha suavizado os efeitos da agressão. O dano moral ou extrapatrimonial é uma lesão aos subprincípios decorrentes da dignidade da pessoa humana, ou seja, ocorre em sua plenitude o dano moral quando se tem uma ofensa à liberdade, à igualdade e à integridade psicofísica. Assim, ofendido um dos subprincípios mencionados, possui a vítima o direito legítimo de ter a ofensa 352 Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez.2011

Artigo: Patrimonialização dos direitos da personalidade compensada. A compensação do ato lesivo é arbitrada pelo magistrado que fixa o quantum que deverá o agressor repassar ao ofendido. Para que seja fixada a compensação deve o magistrado analisar de forma atenta cada caso e suas particularidades. Deve, também, se atentar o magistrado para que não fixe um valor extremamente oneroso para a parte ofensiva e totalmente vantajoso para parte ofendida. Deve lembrar sempre, o magistrado, que o bem jurídico tutelado ofendido é um bem de valor inestimável. Com o direito fundamental de acesso à justiça e com o conhecimento do instituto dos danos morais, surge no Judiciário brasileiro uma grande problemática. O número de pedidos de compensação por danos morais aumentaram em grande número. O aumento nem sempre é o mais assustador, o que nos leva a refletir sobre o assunto são os motivos banais levados ao Judiciário com o intuito de se obter vantagem econômica. O trecho transcrito abaixo é da revista eletrônica consultor jurídico do ano de 2007. Foi retirado de um artigo científico escrito por Tônia de Oliveira Barouche publicado no site Âmbito Jurídico: Cidadãos inundam a Justiça com processos por danos morais. O resultado já se vê nos tribunais. Hoje, há no Brasil cerca de 420 mil processos por danos morais tramitando na Justiça. É a modalidade judicial que mais cresce no país. Nos últimos 8 anos, enquanto o número global de processos avançou nove vezes, a quantidade de ações por danos morais foi multiplicada por 51(...) O dano moral caiu no gosto do povo, como aconteceu com os exames de DNA. Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, à frente de mais de 4 mil processos do gênero, conta que a maioria de seus clientes são vítimas de erros médicos e acidentes em ônibus urbanos. A classe média baixa já sabe que têm direitos a reclamar, diz Gomes. Também são comuns processos relacionados a problemas com instituições financeiras, estabelecimentos comerciais e de serviços (BAROUCHE, 2007).. Como é de se perceber no ano de 2007 já se tinha, por parte dos estudiosos do direito, uma preocupação referente ao crescente número de ações no Judiciário com pedidos indevidos de danos morais. Com o passar do tempo, pode se afirmar que houve uma banalização desse instituto e que o mesmo vem sendo usado como forma de acarretar vantagem econômica. A partir do momento em que dispõe o indivíduo de um direito personalíssimo como meio de se adquirir vantagem de cunho patrimonial temos uma patrimonialização Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez. 2011 353

Leônidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira dos direitos da personalidade. Ao discutir o Judiciário a hipótese de fixar valores certos para determinadas causas, é clara a existência de relativização da característica fundamental dessa categoria de direitos, a extrapatrimonialidade. Nota-se um mau uso e má interpretação do instituto dos danos morais pelos operadores do direito em si. Esse mau uso, além de banalizar uma classe consagrada de direitos, torna vulnerável direitos fundamentais, o que gera no ordenamento jurídico a tão temida insegurança jurídica. Assim, deve-se pensar na não violação dos direitos da personalidade e não na punição a essa violação. Parte Geral: Nesse sentido, nos ensina Gomes (2006) em sua obra Direito Civil Introdução e Diferentemente dos direitos patrimoniais, os direitos da personalidade integram uma categoria em que é difícil senão impossível a restituição do status anterior. Isso significa que a lesão efetiva desses bens jurídicos não terá outra solução senão a reparação do dano por meio da compensação pecuniária, já que não seria possível retroagir o curso da História e desfazer o ato consumado. Nem sempre, porém, o interesse principal da vítima concentra-se nessa compensação; prova disso são as diversas demandas judiciais em que vítimas de dano a direito da personalidade não têm em vista perceber uma compensação de natureza pecuniária, se não principalmente uma reparação de ordem moral ou mesmo uma condenação meramente simbólica, de forma a expor à opinião pública o ofensor. Certo é que, se não houver um eficiente sistema de proteção da personalidade, a lesão poderá ocorrer e, então, as únicas alternativas restantes serão a indenização ou o desagravo (GOMES, 2006, Pg 176). Conclusão Os direitos da personalidade devem ter do ordenamento jurídico um olhar especial por conta de sua difícil, ou até mesmo, impossível reparação. Não devem ser banalizados direitos fundamentais ao ser humano, principalmente por se tratar o Brasil de um país que possui como base a proteção e a efetivação desses direitos. Agregar valores patrimoniais aos direitos personalíssimos é uma forma de ferir a ordem normativa brasileira, tornando os princípios do nosso ordenamento um conjunto irrelevante de ideais. Devemos refletir bem sobre o assunto e tentar compreender se realmente a compensação pecuniária é a melhor forma de se proteger um direito que não se mede aos olhos do valor monetário. O dano moral deve ser encarado pelo Poder Judiciário como a última ratio, buscando o ordenamento jurídico maneiras mais eficazes de proteger e se exercer tais direitos. Essa nova busca garantirá soluções efetivas aos 354 Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez.2011

Artigo: Patrimonialização dos direitos da personalidade direitos mencionados além de tornar ausente de valor patrimonial um bem supremo existente dentro de um contexto social onde tudo é valorado de forma monetária. Essa nova visão protetiva dos direitos personalíssimos não permitirá que esse rol fundamental de direitos se torne algo banal e disponível no comércio legal. REFERÊNCIAS BAROUCHE, Tônia de Oliveira. Os danos morais e o judiciário A problemática do quantum indenizatório. Revista Eletrônica Âmbito Jurídico. Rio Grande, out/2007. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=9563>. Acesso em: 05.jul.2011. DINIZ, Maria Helena. CURSO DE DIREITO CIVIL BRASILEIRO TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL: Editora Saraiva, 18ª Edição, 2002. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil Parte Geral, 9 Edição, ano de 2007, v.1. GOMES, José Jairo. Direito Civil Introdução e Parte Geral. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006. GOMES, José Jairo. DIREITO CIVIL INTRODUÇÃO E PARTE GERAL. Belo Horizonte: Editora Del Rey 2006. MORAIS, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Editora Atlas, 2004. 4ª Edição. VALLE, Christiano Almeida. Dano Moral. São Paulo: Editora Aide. 1999. 1ª Edição. VENOSA, Sílvio. Direito Civil Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2003. 3 Edição, p. 151. Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 347-355, jul/dez. 2011 355