AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E SUSTAÇAÕ DE PROTESTO. A LIMINAR QUE DETERMINOU A SUSTAÇÃO DO PROTESTO EVITOU A OCORRÊNCIA DE DANO MORAL, NÃO HAVENDO ENSEJO PARA A CONDENAÇÃO DA RÉ À REPARAÇÃO CIVIL A ESTE TÍTULO. APELAÇÃO IMPROVIDA, POR MAIORIA. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL PORTO ALEGRE MARCOS MELLO PACHECO CHC ATLÂNTICA LTDA. APELANTE APELADA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento ao apelo, vencida a Relatora que o provia. Custas na forma da lei. Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor Desembargador Voltaire de Lima Moraes. Porto Alegre, 20 de novembro de 2002. DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA, Relatora. DES. MANOEL VELOCINO PEREIRA DUTRA, 1
Presidente. RELATÓRIO DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA (RELATORA) Tem-se ação de anulação de título, com pedido liminar de sustação de protesto, aforada por MARCOS MELLO PACHECO contra CHC ATLÂNTICA LTDA. O autor alegou, em síntese, que no dia 28.3.2001 foi surpreendido com a intimação do protesto de uma letra de câmbio, sem aceite, constituindo-se em um abuso de direito, posto que compelido a pagar quantia que não deve à demandada. Sustentou, ainda, a ocorrência de dano moral em face do ato vexatório imposto ao autor. Por fim, postulou a anulabilidade do título, bem como a sustação do protesto e a indenização pelos danos morais sofridos em decorrência do abuso praticado pela ré. Também pleiteou o benefício da AJG. Por decisão de fl.10, foi deferida a liminar e a AJG. CENTRO DE HABILITAÇÃO DE CONDUTORES CHC ATLÂNTICA LTDA. contestou, aduzindo preliminar de inépcia da inicial e, no mérito, que o autor financiou ao Sr. Luiz Afonso Kelbousca aulas práticas de habilitação, de acordo com o contrato de prestação de serviços, em anexo. Alegou, ainda, que o pagamento, realizado através de cheques emitidos pelo autor, no valor de R$ 80,00, cada um, foi frustrado com devolução das cártulas pelo Banco, razão pela qual emitiu a letra de câmbio no valor de R$ 232,00, com atualização até o dia 23 de março. Refutou o pedido de dano moral e, ao final, postulou a improcedência da demanda. O autor replicou e a demandada respondeu. 2
Logo após, sobreveio a sentença de fls.40 a 42 pela parcial procedência da ação, declarada a nulidade da letra de câmbio e tornada definitiva a sustação do protesto, condenada cada parte ao pagamento de metade das custas processuais e da verba honorária, fixada em R$ 400,00, ao patrono da parte adversa, suspensa a exigibilidade do autor em face da concessão da AJG. O autor apelou, postulando a reforma da decisão. Sustentou a configuração do dano moral face à emissão e saque da letra de câmbio sem autorização e aceite do sacado. Argumentou que o protesto indevido causoulhe coação, desgosto e aflições, de modo que deve ser provido o recurso para a condenação da ré em danos morais. Por fim, aduziu pela integralidade dos ônus sucumbenciais ao encargo da apelada. O recurso foi recebido (fl.47v) e respondido (fls.49 a 54). VOTO DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA (RELATORA) Eminentes Colegas. A questão versa sobre o apontamento para protesto de letra de câmbio sacada pela recorrida contra o autor em face da prestação de serviços de aulas teóricas e práticas para condução de veículo automotor. O contrato foi acostado por cópia à fl.26. No referido instrumento contratual, observo inexistir cláusula autorizadora de saque de letra de câmbio. Por outro lado, as cópias dos cheques de fls.27 a 29 dão conta de que o autor pagou a quantia de R$ 80,00, correspondentes a dois cheques devolvidos pela casa bancária. 3
Por conseguinte, os documentos de fls.7 e 8 demonstram o saque da letra de câmbio no valor de R$ 232,00, em 23.3.2001 e o respectivo apontamento do título no 2º Tabelionato de Protesto desta Capital. A sentença, fls.40 a 42, de parcial procedência da ação declarou a nulidade da letra de câmbio e tornou definitiva a sustação do protesto. Estas as nuanças do caso concreto. O autor recorreu objetivando alcançar provimento sobre o pedido de dano moral. Aduziu que a conduta da ré configurou-se abusiva e ilícita, na medida que sacou a letra de câmbio, sem aceite, bem como procedeu ao apontamento do título para protesto com intuito de coagir o pagamento. Também postulou a integralidade dos ônus sucumbenciais ao encargo da demandada. Sobre o tema, manifestei-me em oportunidade de julgamento da APC nº 70003477817, conforme ementa a seguir: AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL CUMULADA COM PEDIDO DE DANOS MORAIS E DE CANCELAMENTO DE PROTESTO. LETRA DE CÂMBIO. SAQUE ABUSIVO. NULIDADE. O SAQUE DA LETRA DE CÂMBIO CONSTITUI-SE EM OUTRO NEGÓCIO JURDICO AUTÔNOMO EM RELAÇÃO AO SUBJACENTE. FALTA DE ACEITE. NÃO-VINCULAÇÃO DO SACADO CAMBIARIAMENTE. DANO MORAL. O QUANTUM FIXADO PARA O DANO MORAL DEVE CONTEMPLAR AS CIRCUNSTÂNCIAS AFERIDAS PELA CONDUTA ILÍCITA E A GRAVIDADE DOS DANOS, EM CONFORMIDADE COM O PORTE ECONÔMICO DO OFENSOR, DE FORMA A SURTIR O NECESSÁRIO EFEITO PEDAGÓGICO-PUNITIVO, PARA EVITAR PRÁTICAS FUTURAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003477817, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, DO RS, RELATOR: DES. NAELE OCHOA PIAZZETA, JULGADO EM 27/02/02). 4
Cumpre destacar que, no caso concreto, a letra de câmbio emitida pela recorrida se constituiu em outro negócio jurídico, posto que a relação ao subjacente encontrava suporte jurídico no contrato de prestação de serviços antes referido. Por isso, ineficaz o título em relação ao sacado que não aceitou a letra e, por conseqüência, não se vinculou cambiariamente. Em face disso, o protesto configurou-se em ato ilícito, pois o objetivo da apelada visava compelir o autor a pagar o valor lançado na cártula mediante o protesto do título, através de saque abusivo e ilegal. Por outro lado, não prospera o argumento de ausência de prova do prejuízo do apelante como alegado pela recorrida. O dano moral, como prática atentatória aos direitos da personalidade, traduz-se num sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar-lhe alterações psíquicas ou prejuízos a parte social ou afetiva do seu patrimônio moral. Assim tem entendido o STJ: RESPONSABILIDADE CIVIL. Banco. SPC. Dano moral e dano material. Prova. O Banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extra-patrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular (REsp.58.151.-ES, 4ª T, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). Como bem acentua Antônio Chaves (Tratado de Direito Civil, vol. III, 3ª ed, SP, RT, 1985, p.637) não será todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio, pretensamente ferido, que merecerá ressarcimento. 5
Nesse sentido, mostra-se necessária para o acolhimento do pedido apenas à prova da ilicitude da conduta da recorrida, o que, no caso dos autos, restou configurado ante o protesto abusivo com ofensa à dignidade humana do autor. E a dignidade nada mais é do que a base de todos os valores morais, a síntese de todos os direitos do homem, cuja previsão encontra sede no art. 5ª, incisos V e X, a ensejar a plena reparação do dano moral. Nesse contexto, considerando-se a conduta ilícita praticada pela demandada e a pequena potencialidade do dano gerado ao autor, tenho por fixar o quantum, a título de dano moral, no equivalente a três vezes o valor do título apontado para protesto, correspondendo a quantia de R$ 696,00, que deverá sofrer correção monetária pelo IGP-M, a partir da data do aponte, mais juros legais, a contar da citação. Por tais fundamentos, dou provimento ao apelo, determinado a integralidade dos ônus sucumbenciais ao encargo da demandada, mantidos os parâmetros fixados no decisum, haja vista contemplar os critérios dispostos no 3º do art. 20 do CPC. DES. MANOEL VELOCINO PEREIRA DUTRA (PRESIDENTE) - Estou em improver o apelo. A liminar de fls. 10 impediu o protesto e, conseqüentemente, a concretização do dano moral. A conduta ilícita não gera o dever de indenizar se dela não decorrer um prejuízo (ao menos quantificável). DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES De acordo com o Revisor. 6
Julgadora de 1º Grau: Elisabete Correa Hoeveler. 7