Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff para redução do tamanho do átrio esquerdo gigante

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ARTIGO ORIGINAL Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff para redução do tamanho do átrio esquerdo gigante Initial experience with Pomerantzeff s technique for reduction of the size of giant left atrium Jocerlano Santos de Sousa 1, Pablo Maria Alberto Pomerantzeff 2, Carlos Manuel de Almeida Brandão 3, Lisandro Azeredo Gonçalves 4, Marcos Gradim Tiveron 5, Marcelo Luiz Campos Vieira 6, Flavio Tarasoutchi 7, Noedir Antônio Groppo Stolf 8 DOI: 10.5935/1678-9741.20120046 Resumo Introdução: A mais comum indicação de correção cirúrgica de átrio esquerdo gigante está associada à insuficiência da valva mitral, com ou sem fibrilação atrial. Diversas técnicas para este fim já estão descritas com resultados variáveis. Objetivo: Apresentar a experiência inicial com a técnica da ressecção triangular tangencial (Pomerantzeff). Métodos: De 2002 a 2010, quatro pacientes foram submetidos a operação da valva mitral com redução do volume do átrio esquerdo pela técnica da ressecção triangular tangencial em nosso serviço. Três pacientes eram do sexo feminino. A idade variou de 21 a 51 anos. Os quatro pacientes encontravam-se com fibrilação atrial. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no pré-operatório variava de 38% a 62%. O diâmetro do átrio esquerdo variou de 78 a 140 mm. Após o tratamento da disfunção mitral, o átrio esquerdo foi reduzido por meio de ressecção triangular tangencial da sua parede RBCCV 44205-1383 posterior, entre as veias pulmonares, para evitar distorções anatômicas do anel mitral ou veias pulmonares, reduzindo a tensão na linha de sutura. Resultados: Tempo médio de internação hospitalar foi de 21,5 ± 6,5 dias. O tempo de circulação extracorpórea médio foi de 130 ± 30 minutos. Não houve sangramento cirúrgico ou mortalidade no período pós-operatório. Todos os pacientes tiveram o ritmo sinusal restabelecido na saída de circulação extracorpórea, mantendo esse ritmo no pós-operatório. O diâmetro médio do átrio esquerdo foi reduzido em 50,5 ± 19,5%. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo melhorou em todas as pacientes. Conclusão: Os resultados iniciais com essa técnica têm demonstrado redução efetiva do átrio esquerdo. Descritores: Valva mitral/cirurgia. Fibrilação atrial. Doenças das valvas cardíacas. 1. Residência médica em cirurgia geral; Residente de cirurgia cardiovascular do no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor- HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. 2. Professor associado da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Diretor da Unidade de Cirúrgica de Cardiopatias Valvares do InCor- HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil. 3. Doutor em Medicina pela FMUSP; Médico Assistente da Unidade de Cirúrgica de Cardiopatias Valvares do InCor-HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil. 4. Médico Preceptor do programa de residência em cirurgia cardiovascular da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil. 5. Cirurgião cardiovascular, São Paulo, SP, Brasil. 6. Pós-Doutorado na Tufts University NEMC Boston, Massachusetts, Estados Unidos; Médico Assistente do Serviço de Ecocardiografia do InCor-HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil. 7. Livre-docência,Médico Assistente da Divisão de Clínica do InCor- HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil. 8. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da FMUSP; Diretor da Divisão Cirúrgica do InCor-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil. Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC- FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Jocerlano Santos de Sousa. Alameda Franca, 1645/23 Jardim Paulista São Paulo, SP, Brasil CEP 01422-001 E-mail: jocerlanosousa@hotmail.com Artigo recebido em 25 de outubro de 2011 Artigo aprovado em 15 de janeiro de 2012 290

Sousa JS, et al. - Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff Abreviaturas, acrônimos & símbolos AE Átrio esquerdo AEG Átrio esquerdo gigante CEC Circulação extracorpórea Disf. ImpPBio Ao Disfunção importante de prótese biológica aórtica Fibrilação atrial FEVE Fração de ejeção do ventrículo esquerdo Insuf. Insuficiência Ressett do AE Ressecção triangular tangencial do átrio esquerdo ReTVAo Retroca de valva aórtica RetVMi Retroca de valva mitral Rot. PBioMi Rotura de prótese biológica mitral Abstract Introduction: The most common indication for surgical correction of giant left atrium is associated with mitral valve insufficiency with or without atrial fibrillation. Several techniques for this purpose are already described with varying results. Objective: To present the initial experience with the tangential triangular resection technique (Pomerantzeff). Methods: From 2002 to 2010, four patients underwent mitral valve operation with reduction of left atrial volume by the technique of triangular resection tangential in our service. Three patients were female. The age ranged from 21 to 51 years old. The four patients presented with atrial fibrillation. Ejection fraction of left ventricle preoperatively ranged from 38% to 62%. The left atrial diameter ranged from 78mm to 140mm. After treatment of mitral dysfunction, the left atrium was reduced by resecting triangular tangential posterior wall between the pulmonary veins to avoid anatomic distortion of the mitral valve or pulmonary veins, reducing tension in the suture line. Results: Average hospital stay was 21.5 ± 6.5 days. The mean cardiopulmonary bypass time was 130 ± 30 minutes. There was no surgical bleeding or mortality in the postoperative period. All patients had sinus rhythm restored in the output of cardiopulmonary bypass, maintaining this rate postoperatively. The average diameter of the left atrium was reduced by 50.5% ± 19.5%. The left ventricular ejection fraction improved in all patients. Conclusion: Initial results with this technique have shown effective reduction of the left atrium. Descriptors: Mitral valve/surgery. Atrial fibrillation. Heart valve diseases. INTRODUÇÃO Átrio esquerdo gigante (AEG) é definido pela maioria dos autores pelo diâmetro dessa cavidade acima de 6,5 c, apesar de ainda não existir um consenso, com alguns considerando um diâmetro que varia de 6 a 10 cm [1]. Para Kawazoe et al. [2], a definição dessa patologia é dependente de dois achados ecocardiográficos: 1) átrio esquerdo (AE) maior que 65 mm e 2) sinal de compressão da parede pósterobasal do ventrículo esquerdo entre a cavidade atrial esquerda aumentada e a cavidade ventricular esquerda. O aumento do volume atrial associado à consequente possível compressão de brônquios, pulmões ou ventrículo esquerdo leva a uma disfunção cardiopulmonar importante, aumentando o risco de morte súbita, justificando a necessidade de melhor avaliação e intervenção cirúrgica [1]. De acordo com a literatura, a mais comum indicação cirúrgica em casos de AEG é aquela associada à insuficiência da valva mitral, com ou sem fibrilação atrial (). Diversas técnicas para esse fim já estão descritas, como a plicatura do AE, variando a técnica de acordo com a parede atrial abordada, o autotransplante parcial do coração, a ressecção em espiral e a associação com o procedimento de Maze para qualquer técnica com o intuito de tratar a. Neste trabalho, apresentamos a experiência inicial com a ressecção triangular tangencial descrita por Pomerantzeff e colaboradores. MÉTODOS Entre os anos de 2002 e 2010, quatro pacientes foram submetidos a operação da valva mitral em associação com redução do volume do AE pela técnica da ressecção triangular tangencial no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Três pacientes eram do sexo feminino e um do sexo masculino. A idade variou de 21 a 51 anos, com média de 37,25 anos. Em uma paciente a etiologia era congênita com insuficiência das valvas mitral e tricúspide e com AEG. Nos outros três, a etiologia da doença mitral era reumática, sendo que um caso foi reoperação para troca de prótese mitral biológica e outro caso para segunda reoperação para trocas de próteses aórtica e mitral. Em um paciente, realizou-se plástica da valva mitral (anuloplastia posterior) e, nos outros três, trocou-se a valva mitral por prótese biológica. Os quatro pacientes encontravam-se em ritmo de, em uso de anticoagulante oral. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no préoperatório variava de 38 a 62%. O diâmetro do AE variou de 78 a 140 mm, medidos por ecocardiografia transtorácica (Tabela 1). Em todas as pacientes, o acesso ao AE se deu pela abordagem convencional, porém em uma o crescimento atrial anormal tornou o acesso mais difícil, ocasião em que o AE tomava grande parte da cavidade, deslocando todas as outras estruturas. 291

Sousa JS, et al. - Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff Tabela 1. Dados cirúrgicos. Caso Sexo Idade (anos) Diagnóstico Etiologia Cirurgia Tempo de internação hospitalar N Cirurgia Ritmo pré-operatório Ritmo pós-operatório FEVE pré-operatória FEVE pós-operatória Diâmetro pré-operatório do AE Diâmetro pós-operatório do AE Taxa de redução do AE 1 F 21 Insuf. tricúspide; Insuf mitral; AEG Congênita Plástica da valva mitral; plástica de valva tricúspide; Ressett do AE 15 dias 1ª 40% 61% (2009) 140 mm 60 mm 57% 2 F 51 Insuf. mitral; AEG; Insuf. trisúspide Reumática Troca de valva mitral; plástica de De Vega em valva tricúspide; Ressett do AE 28 dias 1ª 62% 66% 134 mm 40 mm 70% 3 F 36 Insuf. mitral; AEG Reumática Troca de valva mitral; plástica de De Vega em valva tricúspide; Ressett do AE 15 2ª 45% 60% 78 mm 55 mm 30% 4 M 41 Rot.PBioMi; AEG Disf.ImpPBio Ao Reumática 3a ReTVAo (Pbio Nº23) + RetVMi (Prótese biológica Nº27); Ressett do AE 20 dias 3ª 38% 46% 85 mm 60 mm 30% AE = átrio esquerdo; AEG = átrio esquerdo gigante; = fibrilação atrial; FEVE = fração de ejeção do ventrículo esquerdo; Insuf. = insuficiência; Ressett do AE = ressecção triangular tangencial do átrio esquerdo. Rot. PBioMi = rotura de prótese biológica mitral; Disf. ImpPBio Ao = disfunção importante de prótese biológica aórtica; ReTVAo = retroca de valva aórtica; RetVMi = retroca de valva mitral Todos os pacientes foram submetidos a cirurgia com circulação extracorpórea (CEC) e hipotermia moderada (28 C). A CEC foi realizada convencionalmente com canulação da aorta e veias cavas superior e inferior. A proteção miocárdica foi obtida com solução cardioplégica sanguínea hipotérmica. O AE foi aberto por atriotomia convencional (Figura 1). Seguiu-se com exploração da valva mitral (Figura 2) e tratamento da disfunção da mesma (plástica ou troca). Em seguida, o AE foi reduzido por meio de ressecção triangular tangencial da sua parede posterior, entre as veias pulmonares, para evitar distorções anatômicas do anel mitral ou veias pulmonares e, assim, reduzir a tensão na linha de sutura (Figuras 3 a 6). Fig. 2 - Exploração da valva mitral Fig. 1 - Atriotomia esquerda exibindo o aumento da cavidade 292 Fig. 3 - Ressecção triangular tangencial do átrio esquerdo

Sousa JS, et al. - Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff Fig. 4 - Tecido atrial ressecado R Fig. 6 - Aspecto final do procedimento após saída de CEC Fig. 5 - Aspecto final da ressecção A Figura 7 ilustra esquemática a técnica de reconstrução. As bordas do AE foram suturadas com reforço de pericárdio bovino em duas pacientes, em decorrência da friabilidade dos tecidos. Em uma paciente, fez-se plástica da valva tricúspide através de bicuspidização por atriotomia direita padrão. Os pacientes tiveram diferentes períodos de seguimento, variando de 30 dias a 8 anos de pós-operatório, nos quais todos os pacientes foram submetidos a ecocardiografia transesofágica intraoperatória e ecocardiografia transtorácica antes da alta hospitalar e em retornos ambulatoriais. RESULTADOS O tempo médio de internação hospitalar foi de 21,5 ± 6,5 dias. O tempo de CEC médio foi de 130 ± 30 minutos. Não houve mortalidade no período de pós-operatório. Nenhum caso de sangramento pós-operatório que necessitasse de reabordagem cirúrgica. Todos os pacientes operados tiveram o ritmo sinusal restabelecido já na saída de CEC, mantendo esse ritmo no pós-operatório no período de Fig. 7 - Desenho esquemático da reconstrução acompanhamento. O diâmetro médio do AE foi reduzido em 50,5 ± 19,5% após a cirurgia. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo melhorou consideravelmente em todas as pacientes. A paciente que tem 8 anos de seguimento mantém uma fração de ejeção de 62%, sendo a pré-operatória de 40%. Não se encontrou trombo em AE ao ecocardiograma transtorácico no período de seguimento. A área cardíaca avaliada pela radiografia de tórax teve redução significativa na avaliação pós-operatória. Todas as pacientes tiveram melhora da classe funcional da New York Heart Association. A anatomia patológica das peças cirúrgicas demonstrou parede atrial com substituição fibrosa do miocárdio, hipertrofia difusa e miocitólise focal dos cardiomiócitos, além de espessamento fibromuscular do endocárdio em todos os casos operados. 293

Sousa JS, et al. - Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff DISCUSSÃO A primeira descrição de AEG foi feita em 1849 [3] e, em 1967, foi reportado o primeiro manejo com sucesso do AEG em paciente sintomático. A exata etiologia do AEG permanece desconhecida, apesar da forte associação com doença reumática crônica da valva mitral, com consequente aumento da pressão intracavitária e maior pressão e dilatação da câmara, além de insuficiência ventricular esquerda, crônica e shunts esquerda-direita (persistência do canal arterial, comunicação interventricular, etc.) [1]. Há ainda relatos de AEG isolado, aonde o enfraquecimento inerente da parede atrial pode ser responsável pela alteração. De acordo com Di Eusanio et al. [4], 19% dos pacientes submetidos a cirurgia da valva mitral têm AEG, demonstrando o quão frequente é essa anormalidade, devendo-se, portanto, além de correção da disfunção valvar, reduzir o tamanho do AE. Geralmente esses pacientes têm uma longa história de doença da valva mitral,, palpitações, dor torácica, dispneia, rouquidão pela compressão do nervo laríngeo (Síndrome de Ortner) ou outras complicações respiratórias e/ou hemodinâmicas. Vários trabalhos descrevem a correlação entre o diâmetro atrial e o volume atrial, provando que a estase sanguínea na cavidade leva à formação de trombos ocasionando fenômenos tromboembólicos [5]. Os principais órgãos afetados pelo aumento do AE são brônquios e lobos pulmonares, causando disfunção respiratória, e esôfago, levando a disfagia, ou ainda pode comprimir aorta torácica descendente, cursando de forma assintomática. A probabilidade de aparecimento de trombo intracavitário em pacientes com AEG associado a submetidos a cirurgia da valva mitral é aumentada [6]. A ideia de que a cirurgia da valva mitral isolada resultará no remodelamento e redução do tamanho atrial é considerada errônea pela maioria dos trabalhos. O tamanho do AE é fator preditor independente para tromboembolismo [7] e para morbidade e mortalidade [8]. As principais indicações para cirurgia do AEG são naqueles pacientes com indicação de cirurgia da valva mitral, em casos de compressão intra ou extracardíaca, presença de trombos ou fenômenos tromboembólicos e em associação com cirurgia de Maze. É descrito que pacientes que são submetidos a radiofrequência associada à cirurgia de redução do AE têm mais taxas de sucesso quanto à reversão do ritmo cardíaco para sinusal quando comparados aos pacientes que são tratados apenas com radiofrequência [1]. A plicatura da parede posterior do AE ou para-anular, o autotransplante parcial do coração [9], a ressecção em espiral da parede atrial [10] e a associação com o procedimento de Maze para qualquer técnica com o intuito de tratar a são os procedimentos mais realizados no tratamento atual do AEG. A redução insatisfatória do tamanho do AEG, o grande tempo de CEC, o insucesso do tratamento cirúrgico da ou sangramento pós-operatório são possibilidades recorrentes nesses procedimentos. A mortalidade geral em cirurgia do AEG associado à correção da valva mitral varia de 8% a 23% [1]. De acordo com Kosakai [11], em pacientes com diagnóstico de AEG e submetidos a cirurgia da valva mitral associada com procedimento de Cox-Maze III, o ritmo sinusal não foi restabelecido em pacientes com diâmetro do AE acima de 8,7 cm, enquanto que os pacientes com diâmetro de AE menor que 4,5 cm tiveram 100% de reversão da. Até o momento, não existe uma técnica operatória padrão para reduzir o AE. Os princípios da aneurismectomia do AE são a ressecção e reconstrução da cavidade sem distorção da anatomia da valva mitral e das veias pulmonares [12]. Em todos os casos operados do presente trabalho, realizou-se a ressecção triangular tangencial da parede atrial esquerda posterior, seguindo os princípios de manutenção da anatomia da cavidade atrial, obtendo-se excelentes taxas de redução da cavidade. Esternotomia mediana é o acesso de escolha para redução do AE, especialmente em casos de grande aneurisma, entretanto, toracotomia lateral ou técnicas minimamente invasivas são descritas na literatura [13], bem como uso de grampos cirúrgicos, sem CEC, em casos de AEG isolados, sem trombos intracavitários [12]. O reforço da sutura com pericárdio bovino é sugerido em casos de tecido atrial friável ou com inflamação crônica [14]. REFERÊNCIAS 1. Apostolakis E, Shuhaiber JH. The surgical management of giant left atrium. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;33(2):182-90. 2. Kawazoe K, Beppu S, Takahara Y, Nakajima N, Tanaka K, Ichihashi K, et al. Surgical treatment of giant left atrium combined with mitral valvular disease. Plication procedure for reduction of compression to the left ventricle, bronchus, and pulmonary parenchyma. J Thorac Cardiovasc Surg. 1983;85(6):885-92. 3. Hewett P. Aneurysmal dilatation of left auricle with thickening and contraction of left auriculoventricular opening. Trans Pathol Soc London. 1849/1850;2-193. 4. Di Eusanio G, Gregorini R, Mazzola A, Clementi G, Procaccini B, Cavarra F, et al. Giant left atrium and mitral valve replacement: risk factor analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 1988;2(3):151-9. 294

Sousa JS, et al. - Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff 5. Matsuda H, Nakao M, Nohara H, Higami T, Mukohara N, Asada T, et al. The causes of prolonged postoperative respiratory care in mitral valve disease with a giant left atrium. Kyobu Geka. 1990;43(3):172-7. 6. Erdogan HB, Ipek G, Kirali K, Ömeroglu SN, Güler M, Isik Ö, et al. Volume reduction procedures in giant left atrium. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2001;9:171-5. 7. Itoh T, Okamoto H, Nimi T, Morita S, Sawazaki M, Ogawa Y, et al. Left atrial function after Cox s maze operation concomitant with mitral valve operation. Ann Thorac Surg. 1995:60(2):354-9. 8. Reed D, Abbott RD, Smucker ML, Kaul S. Prediction of outcome after mitral valve replacement in patients with symptomatic chronic mitral regurgitation. The importance of left atrial size. Circulation. 1991;84(1):23-34. 9. Lessana A, Scorsin M, Scheublé C, Raffoul R, Rescigno G. Effective reduction of a giant left atrium by partial autotransplantation. Ann Thorac Surg. 1999;67(4):1164-5. 10. Sugiki H, Murashita T, Yasuda K, Doi H. Novel technique for volume reduction of giant left atrium: simple and effective spiral resection method. Ann Thorac Surg. 2006;81(1):378-80. 11. Kosakai Y. Treatment of atrial fibrillation using the Maze procedure: the Japanese experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):44-52. 12. Pomerantzeff PM, Brandão CM, Guedes MA, Stolf NA. Tangential triangular resection: an option to treat the giant left atrium. Innovations (Phila). 2010;5(2):125-7. 13. Kiaii B, Doll N, Kuehl M, Mohr FW. Minimal invasive endoscopic resection of a giant left atrial appendage aneurysm. Ann Thorac Surg. 2004;77(4):1437-8. 14. Kalangos A, Ouaknine R, Hulin S, Cohen L, Lecompte Y. Pericardial reinforcement after partial atrial resection in idiopathic enlargement of the right atrium. Ann Thorac Surg. 2001;71(2):737-8. 295