O funcionamento do sistema penal brasiliense diante da criminalidade feminina

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Transcrição:

O funcionamento do sistema penal brasiliense diante da criminalidade feminina Edson Ferreira Cristina Zackseski Neste artigo apresentaremos uma análise dos dados referentes à população feminina reclusa no Distrito Federal. Tais dados foram disponibilizados em 11 de agosto deste ano (2009) pela direção da Penitenciária Feminina de Brasília e são uma amostra significativa da seletividade do Sistema Penal. Muito se tem escrito acerca do problema que representa a seletividade do sistema penal e sobre a forma com que as agências e instâncias de controle recrutam sua clientela no segmento socialmente mais vulnerável. Eugênio Raúl Zaffaroni 1, tratando deste tema, afirma que os atos mais grosseiros cometidos por pessoas mais vulneráveis acabam sendo divulgados como se fossem os únicos delitos e aquelas pessoas as únicas delinqüentes, o que dá origem a um estereótipo. No mesmo sentido, Nilo Batista 2 ensina que, idealizado para ser igualitário e justo, o sistema penal, na verdade, é seletivo, repressivo e estigmatizante, atingindo mais significativamente determinadas pessoas integrantes de determinados grupos sociais. Há uma contradição entre as linhas programáticas legais e o real funcionamento das instituições que as executam. As prisões brasileiras estão superlotadas 3, e não obstante isto, as estatísticas específicas indicam que os sistemas prisionais recebem cada vez mais hóspedes em todos os quadrantes do mundo 4. Na esteira do crescimento das populações carcerárias reside um fenômeno social representado pela criminalização da pobreza e da imigração, como bem aponta Alessandro De Giorgi 5. O estereótipo (classe social, raça, faixa etária, questões de gênero e estéticas), acaba sendo, segundo Eugênio Raúl Zafaroni e Nilo Batista, o principal 1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Tradução de: Vânia Romano Pedrosa & Almir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. 2 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 11ª. Edição, março de 2007. 3 http://www.mj.gov.br/depen/data/pages/mjd574e9ceitemidc37b2ae94c6840068b1624d284075 09CPTBRIE.htm 4 Na Espanha, o número de presos subiu 52% entre 2002 e 2005. Na Irlanda, 66%, e na Holanda, 102% (fonte: Ministério da Justiça, DEPEN). Nos Estados Unidos o número de pessoas sob supervisão correcional ultrapassa a casa dos 7,2 milhões, conforme dados do US Departament of Justice, Bureau of Justice Statistics. 5 GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Tradução de Sérgio Lamarão, Rio de Janeiro: Revan, 2006. 1

critério seletivo da chamada criminalização secundária 6, daí resulta a existência de certa uniformidade da população penitenciária associada, também, a desvalores estéticos (pessoas feias), como se, na prática, houvesse um figurino social da delinquência e do delinquente. O flagelo do crescimento da violência criminal tem alcance mundial, como diz Loïc Wacquant, sendo que na sociedade brasileira, caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza em massa, a combinação desses fatores maximiza a propagação do medo do crime e com ela a discriminação baseada na cor 7, que é endêmica nas burocracias policial e judiciária 8. Organizamos o argumento deste texto em 10 perguntas que seguem com as respectivas respostas. Elas nos mostram os números da seletividade e confirmam a vulnerabilidade social da população selecionada. 1. Quantas internas estão aqui e em que regime prisional? Quadro 1 Regime Prisional 1. Fechado 193 44,5% 2. Semi-aberto sem saída 55 12,7% 3. Semi-aberto com saída 51 11,8% 4. Aberto - - 5. Medida de Segurança 1 0,2% 6. Prisão Provisória 134 30,8% 2. Quais as faixas etárias? Faixa Etária Quadro 2 6 O processo seletivo de criminalização se desenvolve em duas etapas denominadas, respectivamente, primária e secundária. Criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas condutas. Criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências do Estado detectam pessoas que se supõe tenham praticado certo ato criminalizável primariamente e as submetem ao processo de criminalização (investigação, prisão, judicialização, condenação e encarceramento). ZAFFARONI, Eugenio Raúl e BATISTA, Nilo. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 7 FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão. O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. 8 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Tradução de André Telles, Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 2

1. Entre 18 e 25 anos 172 39,6% 2. Entre 26 e 30 anos 94 21,7% 3. Entre 31 e 40 anos 96 22,1% 4. Entre 41 e 50 anos 63 14,5% aanosanosaberto 5. Entre 51 e 60 anos 8 1,8% 6. Acima de 61 anos 1 0,2% 3. Quais os estados civis? Estado Civil Quadro 3 1. Solteiras 292 67,3% 2. Casadas 27 6,2% 3. Em união estável 79 18,2% 4. Separadas de fato 11 2,5% 5. Separadas de Direito 12 2,8% 6. Viúvas 10 2,3% 7. Não informadas 3 0,7% 4. Quais os graus de instrução? Quadro 4 Graus de Instrução Número de 1. Analfabetas 9 2,1% 2. Ensino fundamental incompleto 258 59,4% 3. Ensino fundamental completo 51 11,8% 4. Ensino médio incompleto 60 13,8% 5. Ensino médio completo 44 10,1% 6. Superior incompleto 7 1,6% 7. Superior completo 3 0,7% 8. Não informado 2 0,5% 3

5. Como se classificam em termos de cor da pele? Quadro 5 Cor da Pele 1. Branca 89 20,5% 2. Negra 88 20,3% 3. Parda 257 59,2% 6. Que tipo de infração penal cometeram ou a que tipo de incidência penal respondem? Quadro 6 Infração Penal 1. Uso e tráfico de drogas 338 54,8% 2. Homicídio 29 4,7% 3. Furto 76 12,3% 4. Roubo 100 16,2% 5. Estelionato 28 4,5% 6. Formação de quadrilha ou bando 6 1,0% 7. Outros 38 6,5% Soma 617 9 100,0% 7. Qual o tempo de condenação observada para os casos em que já ocorreram os julgamentos e sentenças transitadas em julgado? Quadro 7 Total da Pena 1. Condenação até 2 anos 41 13,7% 2. De 2 a 4 anos 73 24,3% 3. De 5 a 10 anos 132 44,0% 4. De 11 a 15 anos 24 8,0% 9 O número de infrações penais (617) é maior do que o número de detentas (434) tendo em vista que algumas das segregadas respondem por mais de uma conduta delituosa. 4

5. De 16 a 20 anos 18 6,0% 6. De 21 a 30 anos 9 3,0% 7. Acima de 30 anos 2 0,7% 8. Medida de Segurança 1 0,3% Total de condenadas 10 300 100,0% 8. Quantas delas são reincidentes na conduta criminal? Quadro 8 Reincidência Criminal 1. Reincidentes 40 9,2% 2. Não-reincidentes 394 90,8% 9. Existem estrangeiras aprisionadas? Quadro 9 Nacionalidade 1. Brasileiras 425 97,9% 2. Estrangeiras 9 2,1% 10. É possível classificá-las segundo suas crenças atuais? Quadro 10 Religião declarada 1. Católica 225 51,8% 2. Evangélicas 75 17,3% 3. Espíritas 5 1,2% 4. Não possuem 122 28,1% 5. Não informam 7 1,6% 10 O total de detentas condenadas (300) é menor do que o número de segregadas (434), pelo fato de existirem 134 em regime de prisão provisória, conforme Quadro 1. 5

De forma resumida, e não simplista, o substrato dessas dez perguntas, revela que o perfil da mulher presa no Presídio Feminino de Brasília é de uma pobre cidadã brasileira (quadro 9), parda (quadro 5), com ensino fundamental incompleto (quadro 4), jovem, com idade entre 18 e 25 anos (quadro 2), solteira (quadro 3), católica (quadro 10), presa por uso e tráfico de drogas (quadro 6), condenada a uma pena de 5 a 10 anos de prisão (quadro 7), em regime fechado (quadro 1), não reincidente (quadro 8). Indagamos aos gestores da Penitenciária Feminina de Brasília sobre quais poderiam ser as razões para tão expressiva participação de cidadãs por ofensa à Lei de Drogas, a resposta eles foi surpreendente, no sentido de que a maioria das detentas que respondem por infrações penais relativas às Leis 6368/76 (antiga Lei de Drogas) (artigos 12 e 16); e 11.343/06 (nova Lei de Drogas) (artigos 28 e 33), Quadro 6, diz respeito às mulheres, companheiras, namoradas que foram surpreendidas levando ou tentando levar drogas para seus parceiros presos em outras unidades prisionais do Distrito Federal. Além dos dados disponibilizados, não foram demonstradas outras informações técnicas ou pesquisas empíricas sobre esta contundente revelação. Tomando-a como verdadeira, sobretudo diante dos quadros estatísticos, esta circunstância evidencia que essas mulheres, ou essas detentas, adentram o terreno de uma incidência criminal grave, ou praticam uma conduta tipificada como crime, em função, muitas vezes, do desconhecimento dos riscos que correm ao decidirem por razões as mais diversas, entre as quais, questões afetivas; amor ou ilusão incondicional; necessidade financeira, para si e para seus filhos; por medo; coação moral, etc. transportar drogas para dentro dos presídios. Analisando este quadro real é de se perguntar se estamos diante de um problema de política pública ou de postura pública. Dúvidas não há de que o problema do consumo de drogas é um dos mais complexos fenômenos sociais da sociedade moderna e, portanto, aqui e alhures, é uma relevante questão de política pública à qual os governos 11, ainda que estejam perdendo esta luta, tem dedicado razoável esforço nacional e internacional. No presente caso, no entanto, é também um problema de postura pública, pois, se 54,8% (quadro 6) dos crimes praticados pelas detentas do Presídio Feminino de Brasília dizem respeito ao uso e tráfico de drogas e, se grande parte 11 Mesmo perdendo sua guerra particular contra as drogas, o Brasil tem, no papel, uma bem escrita Política Nacional Antidrogas, expressa na Resolução nº. 3, de 27.10.2005, do Conselho Nacional Antidrogas, órgão do Gabinete de Segurança Institucional, onde se alinha um amplo leque de objetivos, entre os quais a determinação de buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas. A questão da produção e consumo de drogas ou do uso crescente de entorpecentes é problema de política pública. O artigo 1º, da Lei 11.343/2006, consigna textualmente este entendimento ao afirmar que esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. 6

deste contingente de pobres jovens pardas, solteiras, semi-alfabetizadas, foi criminalizada por transportar drogas para dentro de presídios, por ocasião das visitas, aos seus parceiros já presos, pode-se concluir que uma forte campanha de esclarecimento, com seguidas palestras, nos dias de visitas, com oferecimento de oportunidade para que estas mulheres retornassem para suas casas sem cumprir seu intento, possivelmente, reduziria este contingente. Lamentavelmente, a questão prisional ou, mais que isto, a crise do sistema penitenciário atualmente entupido de brasileiros pobres que, em geral, foram impedidos da fruição de direitos fundamentais básicos e hoje são vistos como inimigos públicos em função de suas baixas condições sociais, vítimas da expansão do poder punitivo 12, não encanta os formuladores de política pública e não parece preocupar a maioria surda e muda da população, exceção feita aos recentes movimentos do Supremo Tribunal Federal, na pessoa de seu presidente, por meio de mutirões prisionais. Números como os obtidos no Presídio Feminino de Brasília falam por si sós e nos alertam no sentido de que não se pode perder de vista que o enfrentamento da questão prisional é um indicador de maturidade da própria sociedade, como bem ensina Nelson Mandela 13 ao afirmar que costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos, ou pelo modo como os maltrata, ou, até mesmo, pelo modo como os ignora. 12 FREIRE, Christiane Russsomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo. São Paulo: IBCCRIM, 2005. 13 MANDELA, Nelson. Longo Caminho para a Liberdade. Porto: Campo da Letras, 1995. 7