O IMAGINÁRIO MÍTICO DE DORA FERREIRA DA SILVA

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Transcrição:

O IMAGINÁRIO MÍTICO DE DORA FERREIRA DA SILVA Priscilla da Silva Rocha RESUMO Este trabalho é a organização escrita do texto que foi apresentado oralmente por ocasião do II SEPEL (Seminário de Pesquisa em Literatura), idealizado e conduzido pelo Programa de Pós-Graduação em Letras - Mestrado em Teoria Literária - da Universidade Federal de Uberlândia. O texto pretende explicitar, em linhas gerais, como tem sido organizada a pesquisa intitulada O imaginário mítico de Dora Ferreira da Silva, isto é, sua base teórica, o corpus escolhido para análise, os objetivos e hipóteses de pesquisa, a metodologia utilizada e as referências bibliográficas. A base teórica escolhida é a teoria do imaginário desenvolvida pelo antropólogo francês Gilbert Durand, sobre a qual são feitas, no texto, considerações gerais. A poeta que tem parte de sua obra analisada é Dora Ferreira da Silva, e o livro sobre o qual serão feitas análises é Hídrias (2004), além de outros poemas de outras obras da autora em que a temática grega - que é bastante pertinente às análises feitas à luz da teoria do imaginário - é explicitada. Um dos principais objetivos da pesquisa é pontuar os elementos míticos e simbólicos que atuam nos poemas escolhidos e verificar, tendo como base a teoria do imaginário, a importância que eles têm na relação existente entre homem e o mundo em que habita. O trabalho compreende três diferentes etapas, que são: pesquisa teórica, pesquisa crítica e pesquisa analítica do corpus escolhido. As referências bibliográficas citadas ao final do texto são todas aquelas que já foram, serão, ou poderão ser utilizadas como base para o desenvolvimento do texto dissertativo. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA DO IMAGINÁRIO O imaginário tem sido amplamente estudado pela Antropologia, Psicologia, Sociologia, Etnologia, dentre outras disciplinas, e o que atrai tantos interesses é o estudo dos mitos, dos símbolos e de sua importância na relação homem/cosmos, isto é, como as configurações simbólicas formatam as maneiras de pensar, bem como as práticas sociais que instituem o homem e seu meio. Na obra As Estruturas Antropológicas do Imaginário, Gilbert Durand conceitua o imaginário como o conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o 154

capital pensado do homo sapiens (DURAND, 2002, p. 18). Isso significa que o imaginário não é apenas fantasia delirante e desprovida de valor, ele vai além e tem importância idêntica àquela dada, desde Aristóteles, ao pensamento lógico-racional, pois é através de imagens que grandes temas, isto é, temas recorrentes em todos os tempos e em inúmeras e diferentes sociedades, se convergem e se organizam, é através delas que o homem cria simbolismos para explicar o que não consegue pela via racionalizante. O estudo do imaginário propriamente literário inicia-se a partir de Bachelard e sua fenomenologia dinâmica. O autor francês vê na poesia o melhor meio para que as imagens produzidas pela psique humana sejam exteriorizadas. A partir desse estudioso, o poema deixa de ser objeto de simples fruição para tornar-se meio de conhecimento: O objeto poético, devidamente dinamizado por um nome cheio de ecos, será, a nosso ver, um bom condutor do psiquismo imaginante (BACHELARD, 1990, p. 5). Isso mostra como os estudos feitos no campo da teoria do imaginário podem enriquecer e trazer descobertas aos estudos literários. Dentro da antropologia do imaginário o mito é elemento fundamental; formado por schèmes, arquétipos e símbolos, ele aparece em todas as culturas e épocas, demonstrando o poder e a importância da imaginação humana. Por causa disso, são profundas suas afinidades com a poesia: A afinidade entre mito e poesia se encontra na dimensão simbólica de que se reveste a linguagem nessas produções, ou, melhor dito: nelas a linguagem volta ao seu estado natural (MELLO, 2002, p. 46). Ambos brotam de profundas emoções humanas que são simbolicamente expressadas, representadas através de uma linguagem metafórica e imagética e através de símbolos arquetípicos. A MITICIDADE E O LIRISMO DE DORA FERREIRA DA SILVA A aproximação entre mito e poesia pode ser exemplificada e estudada a partir da obra da autora paulista Dora Ferreira da Silva. Nascida em Conchas, São Paulo, no dia 1 de julho de 1918, Dora Ferreira, lamentavelmente, ainda é pouco conhecida nos meios acadêmicos, apesar da vasta obra e da qualidade excepcional de sua poesia, pela qual, aliás, recebeu por três vezes o prêmio Jabuti. Pelo livro Poesia Reunida (1999), a autora recebeu premiação da Academia Brasileira de Letras (Prêmio Machado de Assis). Além de poeta, Dora era tradutora, traduziu autores como Rilke, Hölderlin, e Jung (só para citar os mais famosos). Sua tradução de Elegias de Duíno (Rilke), feita quando a poeta tinha apenas 28 anos, lhe valeu numerosos elogios da crítica. Dora era admirada por 155

nomes de relevo como Carlos Drummond de Andrade e José Paulo Paes. A autora faleceu aos 87 anos, na tarde de 6 de abril de 2006, em São Paulo. O imaginário de Dora Ferreira está intimamente imbricado com a Grécia e o Mediterrâneo, fontes inspiradoras não só por estarem relacionadas com as origens da poeta (sua avó materna era grega) e da própria poesia, mas também por sua força arquetípica, descoberta por Dora ao envolver-se com a tradução de obras de Carl Gustav Jung. Sua relação com a Grécia e o mundo helênico era intensa e apaixonada, e ia além da aproximação genética. Em entrevista ao site WebLivros, Dora disse: Quando estive em Delphos, não vi nenhum turista, de tão forte que é a Grécia para mim. Só vi os turistas depois, nas fotografias. Lá em Delphos tive a impressão de que, se ficasse um, dois meses, nunca mais voltaria (WEINTRAUB, 1999). Em toda a sua obra Dora reconta os mitos gregos, demonstrando como determinados acontecimentos míticos referem-se a uma realidade humana, contribuindo para que o lirismo de seus poemas repercuta na interioridade do ser. Com esta poeta, os mitos ganham novos contornos e a energia simbólica dos tempos arcaicos é renovada. A obra da autora é marcadamente povoada pela presença de imagens simbólicas e arquetípicas, por isso seu imaginário mítico é tão vasto e rico, assim, é bastante apropriada a crítica do imaginário desenvolvida por Gilbert Durand para que seja feita a análise de sua poesia. A pesquisa em questão apoiar-se-á também em obras de outros grandes autores que são fundamentais para o entendimento e apreensão da teoria do imaginário, como Mircea Eliade e Carl Gustav Jung. O eixo central do trabalho terá como objeto o último livro publicado pela autora, Hídrias, de 2004, pelo qual Dora recebeu o terceiro Jabuti. Nesse livro, a relação da poeta com a cultura helênica é mais fortemente explicitada; além disso, poemas diversos, ainda relacionados ao universo grego, dos outros nove livros de Dora, que podem ser encontrados em um único volume, o livro Poesia Reunida de 1999, serão também objeto de análise. Dizer que poesia e mito são revelação é coerente, pois o homem revela-se através dos símbolos que deles fazem parte e, ao mesmo tempo, descobre-se. O que Dora Ferreira da Silva faz é recriar liricamente a tradição mítica, aproximando ainda mais dois tipos de criação humana que já têm afinidade natural. A crítica do imaginário resgata essa parte do pensamento humano, a parte simbólica, imaginária, que faz parte das origens do homem e que nunca deixou de ser a ele essencial. Assim, se dentro da teoria do imaginário proposta por Gilbert Durand os mitos e as representações arquetípicas e simbólicas têm importância fundamental, já que estão 156

na base do imaginário humano, e se Dora Ferreira da Silva foi uma poeta que dedicou a maior parte de sua produção aos poemas inspirados na mitologia helênica, acredito que o estudo desses poemas à luz da teoria do imaginário é pertinente, esclarecedor. OBJETIVOS E METODOLOGIA DA PESQUISA Os objetivos, gerais e específicos, da pesquisa são os seguintes: Discutir as linhas teóricas sobre a teoria do imaginário adotadas para o desenvolvimento da pesquisa; situar o imaginário no itinerário poético de Dora Ferreira da Silva; pontuar os elementos míticos e simbólicos que atuam nos poemas escolhidos para a pesquisa (os do livro Hídrias e alguns outros de obras diversas); realizar análise formal dos poemas; e realizar uma mitocrítica deles, isto é, analisá-los a partir da hermenêutica dos símbolos e dos mitos, de acordo com os princípios desenvolvidos por Durand. Procurar-se-á responder às seguintes perguntas ou hipóteses de pesquisa: como se dá a reatualização dos mitos em Dora? Os mitos são recriados de forma patente ou latente? Por que a forte presença da cultura helênica em sua obra? Como relacionar a teoria dos arquétipos, que faz parte da crítica do imaginário, à forte presença da mitologia grega em Dora? Quais os mitos mais recorrentes? A linguagem que resgata os mitos é clássica ou moderna? Quanto à metodologia, o trabalho compreende três etapas, a saber: pesquisa teórica, pesquisa crítica e pesquisa analítica. A pesquisa teórica diz respeito às leituras bibliográficas referentes ao suporte teórico da pesquisa, ou seja, como a problemática das imagens, dos símbolos e dos mitos pode ser interpretada frente ao universo poético de Dora Ferreira da Silva. Assim, será imprescindível a leitura de alguns autores já citados na introdução deste projeto, são eles: Gilbert Durand, Gaston Bachelard, Carl Gustav Jung, Mircea Eliade, Paul Ricoeur, Ernst Cassirer, entre outros; além das brasileiras Maria Zaira Turchi, Ana Maria Lisboa de Mello e Danielle Perin Rocha Pitta. A segunda etapa corresponde ao estudo da bibliografia sobre poesia, bem como sobre a crítica a respeito de Dora Ferreira da Silva. Essa pesquisa bibliográfica trará esclarecimentos quanto à compreensão de Hídrias e dos outros poemas escolhidos para a pesquisa. Neste percurso, pretende-se estudar os seguintes autores: Octavio Paz, Alfredo Bosi, Ivan Junqueira, Vilém Flusser, Constança Marcondes César, entre outros que formam a fortuna crítica de Dora Ferreira da Silva. 157

A terceira etapa consiste na análise dos poemas à luz das teorias relacionadas. É nessa etapa que acontece a mitocrítica propriamente dita, ou seja, é feita a análise total da obra e dos poemas, a partir da hermenêutica das imagens, dos símbolos e dos mitos, para o desvelamento e compreensão do imaginário de Dora Ferreira da Silva. DISTRIBUIÇÃO DOS CAPÍTULOS Como o trabalho já passou pela etapa da qualificação, tendo sido aprovado, já existe uma proposta delineada para a construção dos capítulos dissertativos, que é a seguinte: No primeiro capítulo, intitulado Dora Ferreira da Silva e a crítica do imaginário: convergências, apresentar-se-á, sucintamente, o caminho trilhado por Dora Ferreira em seu percurso como poeta, isto é, seus livros, sua relação com o universo grego, suas leituras e influências recebidas, dentre outras coisas. Isso será feito de forma sucinta porque fazê-lo detalhadamente traria elementos suficientes para a escritura de um novo trabalho de dissertação. Terão ainda enfoque no capítulo em questão os pressupostos teóricos da antropologia do imaginário defendidos por Gilbert Durand. No segundo capítulo, denominado Miticidade e lirismo: profundas relações (repensar este título), será feito um estudo a respeito do mito e suas relações com o imaginário e ainda sobre a relevância da mitologia e cultura gregas tanto para a obra de Dora como para a humanidade como um todo, já que exerceu e exerce grande influência sobre a sociedade ocidental. A maneira como o mito se encaixa dentro da teoria do imaginário será também explanada nesse capítulo. Para tanto, a análise de poemas em que aparecem personagens míticos ou nos quais um mito grego é recontado será fundamental. No terceiro e último capítulo, intitulado Nos passos de Perséfone, as reflexões centrar-se-ão no mito grego de Perséfone e sua recorrência dentro da obra de Dora. Há uma forte relação existente entre a personagem do mito (que pode ser Koré, nome da deusa quando jovem e ingênua; ou Perséfone, o nome que ganhou ao tornar-se esposa de Hades) e a poeta. Dora declarou, em entrevista dada à revista Cult em maio de 1999, que a relação existente entre Koré/Perséfone e Hades era um de seus mitologemas. Nessa pesquisa serão feitas análises de poemas de Dora (especialmente de Hídrias) em que o mito de Perséfone aparece e, a partir deles, procurar-se-á entender a importância dessa personagem dentro da obra da autora. As diferenças existentes entre Koré e Perséfone dentro dos poemas serão também observadas e o papel desempenhado 158

por Hades e Deméter, personagens essenciais para o entendimento do mito, também serão analisados. Além disso, a maneira como esse mito se reatualiza em junção com a contemporaneidade deverá ser estudada. CONCLUSÃO A obra de Dora Ferreira da Silva, mesmo quando reduzida apenas aos poemas em que a autora se vale dos mitos gregos para poetizar, é ampla e extensa. Assim, não se pretende a partir dessa dissertação de mestrado abarcar tudo o que Dora escreveu envolvendo o universo helênico, pretende-se um caminho de análise e interpretação que permita fazer com que a densidade simbólica e imaginária do livro Hídrias, e também dos outros poemas escolhidos, seja percebida, valorizada e, principalmente, fruída pelos antigos e novos leitores da obra da poeta paulista. Na esteira dessas ponderações, esta pesquisa justifica-se face à oportunidade de se conhecer melhor a obra de uma grande autora brasileira que ainda não foi devidamente valorizada pelos meios acadêmicos literários, tudo isso a partir da compreensão dos fenômenos mítico e simbólico presentes em sua poesia. A abordagem do imaginário e sua íntima conexão como o texto lírico elucidam uma rica multiplicidade de sentidos que poderão ser descobertos a partir da pesquisa proposta. Tendo em vista o exposto, acredita-se na pertinência do trabalho em pauta no sentido de contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre a articulação entre imaginário e texto poético. Além disso, espera-se que a pesquisa contribua para que haja um maior interesse nos meios acadêmicos brasileiros, sobretudo os literários, pelos estudos acerca da teoria do imaginário e também acerca da vasta obra de Dora Ferreira da Silva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1996. A poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1998.. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1998.. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 1990.. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1990. BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6. ed. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 159

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