EROSÃO LITORAL E RECUO DA LINHA DE COSTA ENTRE A COSTA NOVA E A PRAIA DO AREÃO, PORTUGAL

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Transcrição:

EROSÃO LITORAL E RECUO DA LINHA DE COSTA ENTRE A COSTA NOVA E A PRAIA DO AREÃO, PORTUGAL LITORAL EROSION AND SHORELINE RETREAT BETWEEN COSTA NOVA AND AREÃO BEACH, PORTUGAL Alexandra Boto Universidade de Aveiro, Departamento de Geociências 3810 AVEIRO Tel: 034-370200 Fax: 034-370605 c.a. Bernardes Universidade de Aveiro, Departamento de Geociências 3810 AVEIRO Tel: 034-370200 Fax: 034-370605 1.M. Alveirinho Dias UCTRA, Geociências Marinhas, Universidade do' Algarve, 8000 FARO Tel: 089-817761 ; Fax: 089-818353 Resumo A tendência de recuo da linha de costa observada na última década entre Aveiro e o cabo Mondego, atribuída a causas naturais e antrópicas, assume, actualmente em alguns locais, contornos críticos. A monitorização de dez perfis de praia, realizados mensalmente no sector Costa Nova-praia do Areão, de Fevereiro de 1996 a Abril 1997, mostra em toda a extensão do troço considerado uma degradação generalizada e erosão do cordão litoral. Os aspectos mais preocupantes situam-se, em geral, a jusante das construções atrás referidas. Os casos tratados reportam-se a dois tipos de situações, relacionadas, entre outras, com as características opográficas do cordão dunar frontal: 1) dunas de fraca envergadura, com desníveis compreendidos entre 1 e 2 m e que cobre a maior parte do sector estudado; 2) dunas com uma altura que pode atingir os 8 m. No primeiro caso, é notória a degradação do cordão dunar frontal exibindo, na maioria dos casos, uma evolução regressiva da morfologia, um acentuado avanço das areias para o interior e estabelecimento de novos corredores eólicos. Em guns casos, assistiu-se à reactivação de antigos galgamentos, anteriores ao período em questão, que entaram pequenas lagunas efémeras; esta situação foi acompanhada, num dos. locais, pela entrada em ionamento de novos eixos de ruptura com a consequente destruição das dunas pioneiras, numa extensão da rn dos 300 m, e um recuo da linha de costa de cerca de 13 m. 449

Em troços onde o cordão apresentava maior envergadura e arribas talhadas nas dunas, verificou-se também forte erosão que culminou, num caso, com o colapso dunar e um recuo total da linha de costa da ordem dos 22 m. Estão em curso, em alguns locais, intervenções de protecção com recurso à fixação artificial de dunas, as quais estão a ser monitorizadas com vista a acompanhar a evolução do sector considerado. Palavras-chave: erosão costeira, linha de costa, dunas Abstract The tendency for a shoreline retreat observed in the last decade between Aveiro and Cape Mondego is becoming criticai in some places due to natural and anthropogenic causes. Ten beach segment in the sector Costa Nova Areão Beach were surveyed every mouth from February 96 till march 97. The study shows a general degradation and erosion of the whole of coastal dunes. The most problematic situations are placed downdrift of the shore protections consisting of shore-parallel structures and groynes. The cases reported here regard two type of situations both related namely with topographical characteristics of the coas tal dunes: 1) dunes 1 to 2m high prevaling in the most of sector surveyed, 2) dunes up to 8m high. ln the first case the dunes degradation is quite distinct showing in most places a regressive evolution of the features, a pronounced landwards of sand and setting-up of new eolic corridors. At the sarne time a reactivation of former washovers occured, leading to the formation of temporary lagoons. This situation carne along with news washover process and the consequent erosion of pioneering dunes. The associated shoreline retreat was about 13m. ln the sectors where the dunes are larger and higher, strong erosion also occurred. This erosion lead to the dunes break-down and to a total shoreline retreat of nearly 22m. " At the moment some work of safeguarding is taking place. This interventions, consisting essentially in the artificial fixation of the dunes, are being surveyed in order to following the evolution of the whole sector. Keywords: coastal erosion, shoreline, dunes Introdução A zona, objecto de estudo deste trabalho, está compreendida entre a Costa Nova e a praia do Areão, integrada no troço costeiro Espinho-cabo Mondego. Com um comprimento aproximado de 10 km é constituída, em toda a sua extensão por pr.aias de natureza arenosa, associada a um alinhamento de dunas litorais cuja altura máxima atinge os 15 m (figura 1). No conjunto, este cordão, de largura variável, separa a laguna - "ria" de Aveiro - do mar, a qual comunica com o oceano através de um canal aberto artificialmente, sendo interrompido perto das povoações devido à actividade antropogénica. Em alguns locais, bairro dos pescadores da Costa Nova e Vagueira, o cordão dunar encontra-se completamente destruído, estando nalguns locais bastante ameaçado, permitindo a ocorrência de galgamentos frequentes. 450

o contacto praia/cordão dunar é feito, em grande parte do troço, através de uma arriba de erosão talhada nas dunas, embora em alguns locais seja caracterizado pela transição gradual através da alta praia. j r Aveiro I Em'ocamentos EJ = Esporões P1_ Estaçõee Km. Figura 1 - Esquema de localização da zona de estudo e das respectivas estações. o troço litoral nesta zona está interrompido por várias obras de protecção costeira, esporões e enrocamentos, que conferem à linha de costa um aspecto irregular (figura 1). A altura máxima anual atingida pelo nível do mar é de 3,56 m e a mínima de cerca de 0,4 m (ZH), podendo a máxima amplitude em marés vivas atingir valores pouco superiores aos 3 m, enquanto que em marés mortas, a mínima pode ser inferior a 1 m (Abrantes, 1994). A ondulação mais frequente é de NW sendo a resultante anual da deriva litoral de N para S (Dias et. ai. 1994). o sector litoral, Espinho-Nazaré, onde se inclui a presente área de estudo é dos mais violentamente atingidos pelos temporais, os quais constituem um dos maiores riscos naturais, e um dos mais frequentes, do litoral considerado. A elevação do mar produzida é de muito curto período, da ordem dos segundos, mas muito repetitiva (Dias et ai. 1994). 451

A distribuição ao longo do ano não é uniforme, evidenciando duas épocas distintas anuais: inverno marítimo, Outubro a Março, e verão marítimo, Abril a Setembro, com rumos mais frequentes entre W e WNW (Ferreira, 1993). Os valores referentes ao "storm surge" estudados na zona de Aveiro são 117 cm para o temporal de 1981 (Taborda & Dias, 1992), e de 0.78 cm, Junho de 1986 a Maio de 1988 (Gama et ai. 1994). O objectivo deste trabalho é o de avaliar o recuo da linha de costa entre a zona sul da Costa Nova e a praia do Areão, no período de Fevereiro de 1996 e a Abril de 1997, relacionando-o com as estruturas de protecção costeira. Com esta finalidade definiram-se dois sectores: um abrangendo as estações localizadas entre esporões e, outro, a jusante do último esporão edificado na zona de estudo. Para o efeito, realizaram-se mensalmente perfis topográficos transversais à praia (PI a PIO) (figura 1), tendo sido calculados por diferença simples, entre os valores da primeira e última campanhas, o recuo total do edifício dunar em cada estação e o recuo médio por sectores. Variação da Linha de Costa na Zona de Estudo O prolongamento do molhe norte da barra de Aveiro em 1949/58 originou importantes mudanças morfológicas. Estas consequências deveram-se à interrupção da deriva litoral, dada a retenção sedimentar por parte do molhe norte (S. Jacinto) e pelo banco exterior (Dias et ai., 1994), traduzida, segundo Oliveira (1993), numa acumulação de cerca de 20 milhões de metros cúbicos. Esta retenção originou um elevado débito sedimentar a sul, tendo como resultado um assinalável recuo da linha de costa. O cordão litoral no sector considerado, de 1870 a 1900, manteve-se de uma forma geral estável; entre 1900 e 1958, ocorreu o desmantelamento daquele, como consequência do recuo da linha de costa, tornando-se a situação cada vez mais preocupante. Os autores que têm estudado o troço correspondente à zona de estudo indicam valores diferentes para as taxas de recuo da linha de costa, sendo no entanto unânimes em as considerar muito elevadas. Estas discrepâncias, algumas das quais bastante significativas, devem-se sobretudo aos diferentes métodos e marcadores utilizados pelos autores, bem como os valores obtidos dependerem do período analisado e da extensão do litoral considerado (DIAS et ai., 1994). Na tabela I são apresentados os valores de variação das taxas médias da linha de costa mais recentes (Ferreira, 1993). Sector 1947/58 1958/70 1970/80 1980/90 1990/95 Barra - Costa Nova - 4.6..,. 4.3-4.4 + 4.5 - Costa Nova - Vagueira - 1.5-6.3-3.8-3.7 - Vague ira - P. Areão - 0.1-1.6-2.4-3.9-4.3* (- recuo; + acreção; * P. do Areão e Vagueira entre esporões (Ferreira & Dias, in press)) Tabela 1 - Taxas médias de variação da linha de costa entre a Barra e a Praia do Areão, em m/ano. 452

A evolução das taxas de recuo da linha de costa tem sido irregular e extremamente afectada pelas intervenções antrópicas (Ferreira, 1993). Segundo este autor, no período de 1947/58 as taxas mais elevadas de recuo, ocorreram no sector imediatamente a sul dos molhes de Aveiro. Contudo, entre 1980/90 no sector Barra - Costa Nova do Prado ocorreu acreção, devido à alimentação artificial efectuada no início de 1990 (Dias et ai., 1994). No período 1958170, as maiores taxas médias de recuo ocorreram entre a Costa Nova e a Vague ira, dado que a erosão foi-se propagando gradualmente para sul (Ferreira, 1993; Dias et ai., 1994). A partir de 1970 a 1990 verificou-se uma diminuição das taxas médias, devido à construção do esporão da Vague ira, nos finais da década de 70. No sector Vagueira-praia do Areão verificou-se uma tendência gradual do recuo da linha de costa (Ferreira, 1993). Na tabela 2 apresentam-se os recuos totais observados, de Fevereiro de 1996 a Abril de 1997, e na figura 2 os perfis topográficos comparativos entre a primeira e última campanlps. Os valores correspondentes às estações PI, P2, P3, P4, P6, P7 e P9 referem-se a recuos da arriba talhada nas dunas; as estações P5, P8 e PlD possuem edifícios dunares de uma forma geral preservados, pelo que os valores medidos expressam o recuo dunar. Foram, ainda, calculados os valores de recuo médio para as primeiras quatro estações, PI, P2, P3 e P4, que se encontram a sul do esporão (E4), para a estação P9, localizada na parte interna do enrocamento da Costa Nova, e para as restantes estações situadas entre esporões (figura 1). Estações PI P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 PlD P9 Recuo total 0.03 12.76 22 3.58 0.00 0.09 0.02 0.47 0.40 1.43 Recuo médio 9.59 0.20 1.43 Tabela 2 - Valores de recuo total e médio, expressos em metros. Da análise da tabela anterior pode-se verificar que o recuo não foi constante ao longo das várias estações. Os maiores recuos ocorreram nas estações P3, P2 e P4 que, tal como na P9, se deveu à erosão da base da arriba quando atingida pelas ondas (figura 2). Nas restantes estações os recuos verificados foram muito pequenos e resultantes de acções naturais ou antrópicas, não tendo a base da duna/arriba sido atacada ~ Estas situações tiveram lugar nos meses correspondentes ao Inverno marítimo. O primeiro grande recuo ocorreu na estação P2 em Novembro de 1996 (figura 3). Novos recuos se sucederam nos meses seguintes, tendo a arriba sido completamente destruída, devido aos sucessivos ataques do mar e consequentes galgamentos. Actualmente, o local onde se encontram os pontos de referência desta estação estão a cotas mais baixas que a praia emersa (figura 4). A poucos metros desta referência, para sul, ocorreram galgamentos em mais dois locais (figura 5). 45

cota(m) Cota (m) o '" t- O> '" :>...:...c IL..: t~ o o o l---- --------- o Cota (m) Cota (m) @ N Q. - M Il.. ~. I ro -(3 c: 1ll is o o o o ----------- -- - - -------------' Figura 2 - Perfis comparativos entre a primeira e última campanhas, realizados nas estações P2, P3, P4 e P9. 454

Figura 3 - Vista da estação P2, para sul, onde se pode observar a arriba talhada na duna. A ondulação atingiu a base da duna tendo provocado por colapso um recuo de cerca de 5 m.

Figura 4 - Estação P2 onde se pode observar que as zonas interiores estão a cotas inferiores às da praia emersa; à direita encontram-se os locais onde ocorreram galgamentos, referenciados por setas, Fevereiro de 1997. 456

Figura 5 - Galgamento ocorrido a sul da estação P2 (Dezembro de 1996). Em Dezembro 96 verificaram-se também recuos na estação P3 e P4, 1 m e 3 m, respectivamente. A norte e a sul da última estação, registaram-se, ainda, episódios de galgamento. A morfologia da praia emersa torna os locais mais ou menos susceptíveis ao galgamento. Por vezes, a ausência de bermas durante o inverno confere maior vulnerabilidade às praias, tal como aconteceu nas estações P2, P3 e P4 (figura 6). Já nas estações P5 e P6, a existência de uma ou duas bermas foi frequente, conferindo-lhes um grau de robugtez superior, em termos de susceptibilidade ao galgamento (Boto, 1997). Entre Dezembro de 96 e Janeiro 97, a estação P3 foi violentamente atacada, tendo ocorrido um recuo de cerca de 14,88 m e colapso do marco geodésico da Padreca (figura 7). De Janeiro a Fevereiro e Fevereiro a Março de 97, verificaram-se novos episódios erosivos, mas com valores de recuo inferiores, 2,5 m e 5 m, respectivamente. O recuo total da arriba talhada na duna nesta estação foi de 22 m. Os recuos ocorridos na estação P9 iniciaram-se mais tarde que nas estações anteriores, Fevereiro e Março de 97 (Boto, 1997). Quanto ao recuo médio, as estações situadas entre esporões, P5, P6, P7, P8 e PlD apresentaram valores da ordem dos 0,20 m, enquanto que para as estações que se encontram a sul do esporão E4, menos protegidas, PI,. P2, P3 e P4, foi de 9,58 m (Boto, 1997) (tabela 2) (figura 8). Os valores obtidos, quando comparados com as taxas médias de recuo determinadas por Ferreira (1993) (tabela 1), mostram que o recuo entre o esporão E4 a sul da Vague ira e a praia do Areão, excede a taxa média (- 3,9 m/ano) observada até 1990. No entanto, este valor é concordante com a tendência de recuo médio do cordão dunar que se verifica desde 1947 (figura 8).

Figura 6 - A: Estação P4 em Junho de 1996. A seta assinala a localização de uma construção que foi destruída na sequência de um galgamento. B: Estação P4 em Dezembro de 1996; observe-se a arriba talhada na duna e as escarpas de erosão após os galgamentos, assinalados com setas.

Figura 7 - A: Estação P3 onde se pode observar o marco geodésico e acumulação de sedimentos na base da arriba, Dezembro de 1996. B: Aspecto da mesma estação em Janeiro de 1997; observe-se a escarpa de erosão então formada.

j r BARRA-COSTA NOVA -5 ê -"r.--,--r+ 0~ COSTA NOVA-VAGU E IRA ~ 50 -.,-,--r--,---.-----rl-o ~ VAGUEIRA-AREÃ_O \ EROSA0 5 o 'c --;--r...,---,----y---=:o'f+ o ~ t"- '" o o o O'> O'> ~ t:: ~ 23 o o 00 '" '" O'> O'> 00 t"- ~ ~ ~ ~ ~ 5 Km, Figura 8 - Evolução do recuo médio da linha de costa na zona de estudo; os valores referentes até 1995 foram adaptados de Ferreira & Dias, in press. Discussão Na zona de estudo tem-se observado, nas últimas décadas, uma intensificação da erosão costeira de norte para sul, com o consequente recuo do cordão dunar frontal. Este processo deve-se ao volume de sedimento disponível na praia emersa ser, por vezes, insuficiente para suportar a erosão provocada por uma agitação marítima mais energética. Devido a estas condições, as ondas podem atingir, directamente, as dunas, onde poderão ser talhadas arribas, as arribas já formadas ou as edificações existentes. Os dados obtidos revelam claramente que a maior parte dos recuos verificados ocorreram no inverno, Novembro de 96 a Março de 97. Neste período tiveram lugar pequenos temporais (ondulação igualou superior a 5 m) e condições climatéricas mais adversas que, por vezes, estavam associadas a marés vivas. Tal confirma a importância dos eventos singulares na evolução das dunas/arribas.

o principal factor responsável pelo recuo nas estações P2, P3 e P4 é devido a estas se encontrarem a sul de um esporão (figura 8), onde se verifica, de uma forma geral e gradual, de norte para sul incremento da erosão. É de realçar que os locais mais salientes, relativamente à zona envolvente, são tendencialmente mais atacadas pela agitação marítima (Dias & Neal, 1992), encontrando-se nesta situação as estações P3 e P4, antes de terem sofrido recuo (figuras 6 e 7). Uma vez que as estações P2 e P3 distam apenas 1 km, a principal razão pela qual a estação P3 não terá sofrido recuo em Novembro, tal como na P2, deve-se, certamente, à envergadura do cordão litoral (Boto, 1997). o cordão dunar, que funciona como limite interno da praia emersa, possui alturas distintas ao longo da zona de estudo. As estações PI, P3, P6 eplo são as que apresentavam, no início do período de estudo, maiores alturas do cordão dunar, com 8, 6, 5 e 3 m, respectivamente. As restantes tinham cerca de 2 m, exceptuando-se a estação P8, com aproximadamente 1 m. Este aspecto manteve-se até Abril de 97, com excepção das estações P2 e P3. Na primeira, a arriba foi praticamente destruída,estando o cordão litoral, para o interior, a cotas inferiores à da praia emersa (figuras 2 e 4). A envergadura da arriba da estação P3 foi bastante reduzida, passando a ter uma altura de cerca de 1 m (figura 2) (Boto, 1997). Na estação P9, a qual se encontra localizada na dependência directa do enrocamento da Costa Nova (figuras 1 e 2) os recuos devem-se, principalmente, à difracção sofrida pelas ondas, aquando do embate na extremidade do enrocamento, penetrando na parte interna da estrutura, atingindo a base da arriba e provocando o seu recuo por colapso. É provável que estes episódios só tenham ocorrido nos meses de Fevereiro e Março de 97, aliados à ondulação de NW/W, com ondas entre os 314m observadas durante onze dias e ao período de preia-mar de marés vivas. São vários os factores que podem influenciar, directa ou indirectamente, a dinâmica costeira: a ocupação humana, a destruição dos sistemas naturais de protecção e as obras de engenharia costeira, que normalmente surgem quando está esgotado o equilíbrio natural. A actividade humana pode ser considerada como um factor externo que perturba e altera os sistemas naturais; é óbvio, em muitas situações, a incompatibilidade dessas alterações com os processos espaço-temporais que caracterizam os sistemas costeiros. Devido à "descoberta" das potencialidades turísticas do troço litoral, assistese, desde há algum tempo, à construção de edifícios e infraestruturas de suporte, muitas vezes de forma anárquica e desordenada, o que tem originado, muitas vezes, efeitos adversos (Carvalho, 1994): forte pressão urbana e turística sobre as praias e dunas; degradação das formas litorais, pela abertura de novos acessos e crescimento desarticulado com a envolvente. o litoral, já muito debilitado pela elevação do nível do mar e pelo enfraquecimento sedimentar, é bastante afectado aquando da degradação das estruturas costeiras naturais. As dunas constituem um elemento fundamental no equilíbrio dinâmico de uma praia, visto que representam uma importante reserva de sedimentos, a par de um efeito de "pára-choques" contra as grandes vagas, impedindo que os terrenos baixos, situados por trás, sejam inundados pela água do mar (Paskoff, 1985), evitando assim a ocorrência de galgamentos. 461

Está em curso pela DRARNC, uma tentativa de minimizar a elevada fragilidade e deterioração em que se encontra o cordão dunar da zona em estudo, através da fixação e reconstrução das dunas, com a utilização de estacaria de madeira e de vegetação autóctone infestante. Esta intervenção tem lugar, a sul do esporão E3, Vagueira e a sul do esporão E2 (figura 1). A sotamar deste esporão localizam-se as estações P8 e P7; nesta última, "praia do Pericão", existia uma grande baía como consequência da erosão provocada pelo esporão (figura 9). Figura 9 - A: Baía existente a norte da estação P7, Praia do Pericão, resultante da erosão induzida pelo esporão E2, Novembro de 1996. B: Fase inicial da reconstrução do cordão dunar frontal, Janeiro de 1997. 462

Estas intervenções são válidas, apesar de ainda não se poder concluir da sua eficácia, dada a recente implantação, sendo importante observar o seu comportamento durante o período de inverno, quando a agitação marítima é mais energética e a.frequência e intensidade dos ventos é maior. Todavia, é de prever que pouco resolvam, visto que o problema deste sector é a deficiência sedimentar; estas acções diminuem o "stock" arenoso da praia, aumentando a s.ua susceptibilidade e, consequentemente, facilitando a erosão da duna que se construiu com a areia da praia. Por outro lado, a localização das dunas no perfil de uma praia, sob condições naturais, pode ser diferente às posições ditadas pelas preferências do homem. Aquando da construção e prolongamento dos molhes da barra de Aveiro, observou-se um recuo acelerado da linha de costa. Para o combater foram construídas várias obras pesadas de engenharia costeira, que por seu lado provocaram acumulação a norte de esporões e um aumento das taxas de recuo mais a sul, necessitando efectuar -se novas intervenções de protecção. Assim, no troço barra-costa Nova, procedeu-se, em 1972/73, à construção de um enrocamento longilitoral contínuo e de um campo de 11 esporões frente à Costa Nova do Prado, numa tentativa de pôr fim à erosão que se verificava (figuras 10) (Oliveira et ai., 1982; Dias et ai, 1994; Hidroprojecto, 1994). Estas estruturas embora se possam revelar eficazes na protecção local das construções existentes em frente, ou imediatamente a barlamar, ampliam a sotamar erosão cost ira e facilitam, muito provavelmente, a transferência de areias do litoral para a plataforma (Abrantes, 1994). As estruturas longilitorais levam a que a praia se torne mais reflectiva, donde as ondas tendem a atacar a costa com maior energia. - Esporão I -Paredão I Muro I Enrocamento ~ ~--.. I. Praia de Mira 19??.- 1984189 N W-*-E ~ s Figura 10 - Mapa esquemático de localização das obras de protecção costeira no litoral entre Aveiro e Praia de Mira. Algumas das datas indicadas poderão ser incorrectas, devido à dificuldade de acesso à informação quer das obras iniciais quer das obras de reconstrução ou de melhoramento que frequentemente se verificam (adaptado de Dias et. ai., 1994). 463

Desenvolvem-se correntes com grande poder remobilizador que acabam por culminar na erosão do litoral adjacente, a uma ou a ambas as extremidades da estrutura (Dias, 1990) e por consequência aumentam o transporte de materiais para zonas mais profundas. As estruturas construídas desde a década de 50, vieram alterar a tendência das taxas médias de evolução da linha de costa, visto que, nos locais em que se encontram implantadas, impossibilitam a praia de recuar. Como o processo erosivo continuava muito activo e a avançar para sul, foram necessárias novas intervenções. O molhe norte da barra de Aveiro encontrava-se quase colmatado, 25 anos depois do seu prolongamento, sendo pouco eficaz na retenção das areias da deriva litoral. Este facto conduziu ao agravamento da barra, o que levou ao prolongamento do molhe norte em mais 500 m, entre 1983 e 1987 (Direcção Geral de Portos, 1986; Gomes, 1992). Como consequência, a erosão costeira a sotamar fez-se sentir com maior intensidade, ocorrendo a sua propagação ainda mais para sul (Dias et ai., 1994), atingindo na actualidade, a área de estudo a que se reporta este trabalho, Costa Nova, Vagueira e ainda o Areão. Em 1989/90, com a finalidade de se proteger a faixa costeira, foi utilizada uma nova estratégia, procedendo-se à realimentação da zona da Barra - Costa Nova com areias dragadas do canal da barra e do canal de Mira. O campo de esporões ficou praticamente coberto pelo areal, ocorrendo então neste período uma acentuada diminuição das taxas de recuo, registando-se uma i(ltensa acreção (tabela 1) (Ferreira, 1993; Dias et'al, 1994). Quando se deixaram de fazer sentir os efeitos da realimentação, 1992/93, a zona já se encontrava novamente desassoreada e o estado de degradação dos esporões era avançado, com várias rupturas nos enrocamentos longilitorais (Dias et ai., 1994)... Dada a destruição do cordão frontal, frente à praia dos pescadores, é colocado pelo menos desde 94, um cordão de "entulho" e areia junto às primeiras casas e a poucos metros do enrocamento (paralelamente a este). Pretendese assim evitar o consequente alagamento dos terrenos e a possível inundação das habitações, principalmente durante as marés vivas, o que já ocorreu diversas vezes. Este facto demonstra que a população tem consciência que a protecção por parte do enrocamento é relativa (Boto, 1997). No mesmo ano, a população da Vague ira sentiu, também, a fragilidade destas estruturas (figura 11). Conclusões Na zona entre a Costa Nova e a Vague ira, a intervenção do homem é tão generalizada que a úriica previsão possível, para as próximas décadas, será a da manutenção, expansão e melhoramento das obras de protecção costeira (Ferreira & Dias, 1992). Estas são estruturas estáticas, inseridas num meio que é profundamente dinâmico, revelando-se apenas eficazes na protecção local do património edificado em frente ou a montante dos esporões, havendo o desaparecimento de quase toda a praia a jusante daquelas. Por outro lado, tornam a praia extremamente reflectiva, com o consequente transporte de areias para maiores profundidades. Devido a este facto, é urgente reformular a ocupação da faixa costeira, de modo a desincentivar o crescimento das povoações e a reduzir, quando possível, a densidade de ocupação na faixa costeira adjacente ao mar. 464

Figura 11 - Vagueira após o temporal de Janeiro e as marés vivas de Março/Abril de 1994. A base do enrocamento que serve de defesa foi atingida, observando-se uma escarpa de erosão e estragos num apoio de praia. Ferreira & Dias (1992) prevêem que, caso se continue a verificar a destruição do cordão dunar frontal ao mesmo ritmo que nas últimas décadas, no ano 2020 quase todo o cordão dunar se encontrará destruído entre Aveiro e a praia de Mira, ficando esta zona desprovida da sua única protecção natural contra a acção do mar. Preconizam ainda, se as tendências actuais se mantiverem, um aumento das taxas de recuo e a sua generalização às zonas que ainda são estáveis. Isto devido à carência de um suplemento de sedimentos, causado pela inexistência de fontes importantes (no momento a maior fonte são as próprias dunas) e pela retenção da deriva litoral pelos molhes da arra de Aveiro..-\.5 estações situadas entre esporões, mostraram pequenos recuos da linha de costa, encontrando-se esta faixa mais ou menos estabilizada, devido à sua grande artificialização. Apesar do curto período de observações e do inverno de 96/97 não ter sido muito rigoroso, o trecho em que os valores de recuo obtidos demonstraram :endência para um aumento acentuado da erosão, é o trecho localizado a sul da Gafanha da Boa Hora, ou seja, a sul do último esporão abrangido pela zona de estudo (esporão E4 - figura 1) (Boto, 1997)..-\ manter-se a tendência actual, as consequências serão agravadas devido à elevação do nível do mar e caso ocorram grandes temporais, associados a "storm surge". Face ao exposto, confirma-se, assim, que a erosão está a aumentar para sul e que ocorre quando a agitação marítima é mais energética, ou seja, essencialmente em siruações de temporal.

Se ocorrer um temporal excepcional nesta região, as consequências da sua actuação podem ser catastróficas. Não só a linha de costa sofrerá grandes recuos, como as estruturas de protecção costeira, estradas e algumas edificações existentes poderão ser seriamente danificadas. Se numa hipotética situação de maré viva cheia extrema, em que a altura atingida pelo nível do mar em Aveiro, é de 4 m (Z.H.) se se verificar "storrn surge", este pode sobrelevar aquele nível a cerca de 1 m (média dos valores dos temporais de 1981 e Junho 86/Maio 88), sobre o qual se propagarão as ondas do temporal. Se esse temporal tiver um período de retorno de 10 anos ou seja, possuir uma altura significativa máxima de cerca de 10 m (N.M.M.), as zonas localizadas a cotas inferiores a 13 m (N.M.M.) têm grande probabilidade de serem afectadas. Se os corpos dunares não existirem ou estiverem degradados os estragos serão ainda maiores. Assim, todo o cordão litoral é uma zona de risco muito elevado a elevado, tal como as das zonas internas adjacentes ao canal de Mira, podendo mesmo verificar-se a ligação do mar à laguna, como já várias vezes aconteceu no passado. Como foi referido, na Costa Nova e Vagueira não ocorreram recuos significativos durante o período de estudo, devido à acção dos esporões. Contudo, estes conferem uma falsa segurança a estas populações, já que estão localizadas em zonas de risco muito elevado, podendo em situações de conjugação de vários factores, marés vivas extremas, temporal e "storm surge", sofrer grandes alterações morfológicas. Basta pensar-se nas consequências dos temporais de Fevereiro/Março de 1978 e relembrar de que o cordão dunar frontal, principal protecção natural do litoral, se encontra, actualmente, bastante mais degradado e de que o ritmo de construção, nestes núcleos urbanos, aumentou bastante. No Areão a tendência para o recuo iniciou-se há poucos anos, estando ainda o cordão dunar frontal mais ou menos preservado em quase toda a sua extensão. Dados os ensinamentos que já se obtiveram a norte e de forma a evitar cometer os mesmos erros, não se deveria permitir edificações permanentes nesta zona, pelo menos numa faíxa com algumas centenas de metros, de modo a possibilitar uma evolução natural da praia e das dunas. Os resultados obtidos comprovam largamente as vantagens da monitorização das áreas costeiras, como forma de aumentar o conhecimento da região e de se poder prever o seu comportamento futuro, nomeadamente, no que respeita à erosão costeira associada a temporais. Estes programas de monitorização da linha de costa permitem não só conhecer o recuo anual mas, também, o recuo efectivo verificado após cada temporal principal, e ainda as modificações verificadas na praia emersa e nos corpos dunares. No entanto, existem ainda na costa portuguesa escassos programas de monitorização e estes devem ter uma duração superior à do presente trabalho Bibliografia Abrantes, I. (1994) - A cobertura sedimentar da plataforma e da vertente continental superior entre Espinho e Aveiro. Tese de Mestrado em Ciências das Zonas Costeiras apresentada à Universidade de Aveiro, Aveiro (não publicada). Boto, A. (1997) - Evolução da zona costeira entre a Costa Nova do Prado e o Areão. Tese de Mestrado em Ciências das Zonas Costeiras, Universidade de Aveiro, Aveiro, 209 p. (não publicado). -466

Carvalho, T.M. (1994) - A percepção dos riscos costeiros: contribuição para a definição de estratégias de planeamento e gestão. Projecto - FC. Dezembro. Aveiro (não publicado). Dias, J. A. & Neal, W. J. (1992) - Modal size classification of sands: an example from the Northern Portugal Continental Shelf. J. Sedim. Petrol., 60(3), 426-437. Dias, J.A. (1990) - A evolução actual do litoral português. Geonovas, 11, 15-28. Dias, J.A.; Ferreira, Ó.; Pereira, A.R. (1994) - Estudo sintético de diagnóstico da geomorfologia e da dinâmica sedimentar dos troços costeiros entre Espinho e Nazaré - Relatório final, 303 p., Lisboa. Direcção Geral de Portos - Defesa da costa Douro - Aveiro. Dezembro 1986. Ferreira, Ó.; (1993) - Caracterização dos principais factores condicionantes do balanço sedimentar e da evolução da linha de costa entre Aveiro e o ca~o Mondego. Tese de Mestrado em Geologia Económica e Aplicada, apresentada à Universidade de Lisboa, Lisboa, 168 p. (não publicado). Ferreira, Ó. & Dias, J.A. (1992)-Dune erosion and shoreline retreat between Aveiro and cape Mondego (portugal). Prediction of future evolution. Proceedings Internat. Coastal Congress, Kiel, 187-200. Ferreira, Ó. & Dias, J.A. (in press) - Avaliação da acção de temporais na costa Oeste Portuguesa (sector Aveiro - cabo Mondego). Contribuição nº A96 do Grupo DISEPLA. Gama, C.; Dias, la.; Ferreira Ó.; Taborda, R. (1994) - Analysis of storm surge in Portugal, between June 1986 and May 1988. Littoral 94, Lisboa, 381-386. Gomes, F.V. (1992) - Plano Regional de Ordenamento do Território do Centro Litoral - Evolução fisiográfica da faixa costeira da Região Centro. Ministério do Planeamento e da Administração do Território Comissão de Coordenação da Região Centro. Coimbra, 102 p. HIDROPROJECTO (1994) - Estudos especializados de modelação matemática para a Barra de Aveiro. 1 º Relatório de progresso. Junta Autónoma do Porto de Aveiro, Lisboa. Oliveira, LB. (1993) - Erosão costeira no litoral norte - considerações sobre a sua génese e controlo. Seminário sobre a zona costeira de Portugal - Ambiente, gestão e conservação. Lisboa. Paskoff, R. (1985) - Les litoraux - impact des aménagements sur leur évolution. Masson, 23-92. Tabor da~ R. & Dias, la. (1992) - Análise da sobreelevação do nível do mar de origem metec1rológica durante os Te mporais de Fevereiro/Março de 1978 e Dezembro de 1981. Geonovas, 1,89-97.