FRUGIVORIA NA DIETA DE Artibeus lituratus Olfers, 1818 (CHIROPTERA, PHYLLOSTOMIDAE) NO PARQUE DO INGÁ, MARINGÁ / PR.

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Transcrição:

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. FRUGIVORIA NA DIETA DE Artibeus lituratus Olfers, 1818 (CHIROPTERA, PHYLLOSTOMIDAE) NO PARQUE DO INGÁ, MARINGÁ / PR. Aline Rodrigues Brusco 1 Heloísa de Camargo Tozato 2 RESUMO A família Phylostomidae, endêmica do continente americano, destaca-se como o grupo mais versátil na exploração de alimentos entre os Chiroptera, podendo explorar frutos, néctar pólen, folhas, insetos, vertebrados e sangue. Devido sua ampla variedade de hábitos alimentares, esses animais participam ativamente da reciclagem de nutrientes e energia em um ecossistema. Morcegos que consomem frutos são denominados frugívoros, sendo a subfamília Stenodermatinae composta principalmente por morcegos dessa espécie. Uma de suas espécies em maior abundância é o Artibeus lituratus. É um morcego de grande porte, tendo relatos desde a região central do México até o sul do Brasil. Este estudo foi realizado no Parque do Ingá, no município de Maringá, no estado do Paraná. Os morcegos foram capturados em redes de neblina e amostras fecais foram analisadas em laboratório com o auxílio de lupa eletrônica. Setenta e dois exemplares de Artibeus lituratus foram capturados e 56 amostras fecais foram coletadas. A dieta frugívora de A. lituratus compreendeu 12,5% de Cecropiaceae, 23, 21% de polpa indeterminada, 25% de Moraceae e 39,29% de Solanaceae, mostrando a importância dos frutos para essa espécie. Palavras-chave: Artibeus lituratus, dieta, Cecropiaceae, Moraceae, Solanaceae ABSTRACT The family Phylostomidae, endemic of the American continent, as the group more versatile in the holding of the food Chiroptera, and explore fruit nectar pollen, sheets, Insecta, vertebrata and blood. Its wide range of dietary habits, these animals participating actively recycling of nutrients and energy in an ecosystem. Bats that consume fruit are called phyllostomids, being the Subfamily Stenodermatinae composed mainly of bats that species. One of its more species abundance is the Artibeus lituratus. Is a bat, with reports from the central region of Mexico to the south of Brazil. This study was carried out in Ingá Parq, in the municipality of Maringá, in the State of Paraná, Brazil. The bats were captured in fog and faecal samples were analysed in laboratory. 1 Aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Faculdade de Apucarana (FAP). 2 Docente do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Faculdade de Apucarana (FAP). Correspondência para: alinebrusco@pop.com.br

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 20 Seventytwo copies of Artibeus lituratus were caught and 56 faecal samples were collected. The diet of the frugivorous. lituratus understood 12,5% of cecropiaceae, 23, 21% pulp, 25% of moraceae and 39, 29% of Solanaceae, showing the importance of fruit for that species. Key-words: Artibeus lituratus, diet, Cecropiaceae, Moraceae, Solanaceae. INTRODUÇÃO A Ordem Chiroptera representa um grupo muito versátil de mamíferos devido sua diversidade de formas, adaptações e hábitos alimentares. A exploração de alimentos contribui ativamente para reciclagem de nutrientes, polinização, dispersão de sementes e à regulação da população de animais. A ecologia alimentar de morcegos nos traz informações para o entendimento dos mecanismos de partilha de recursos que regulam as relações tróficas e que são responsáveis pela alta diversidade deste grupo nas regiões tropicais. As espécies frugívoras têm o potencial de dispersar sementes por grandes distâncias, sendo assim muito importantes na manutenção e regeneração de áreas desmatadas. No caso dos quirópteros, a dieta frugívora pode ocasionar a dispersão de sementes de duas formas: pela epizoocoria ou endozoocoria. Na primeira situação, as plantas produzem frutos e sementes com mecanismos especiais como ganchos, pêlos ou substâncias pegajosas que se prendem ao pêlo do animal para serem transportadas. Por outro lado, na endozoocoria, plantas frutíferas produzem frutos com atrativos para o consumo, como polpa carnosa e cheiro forte. Ambas as estratégias de dispersão, endozoocoria e epizoocoria, permitem o transporte de sementes para sítios longe da planta-mãe. De acordo com Ferreira, apud Nishimura (2006), a relação entre os animais e plantas frutíferas é tão importante que, em algumas áreas tropicais, cerca de 90% das espécies arbóreas são zoocóricas. Desta forma, a dispersão de sementes feitas pelos morcegos que se alimentam de frutos geralmente pequenos, com polpa carnosa, aromática e comumente verde ou verde amarelada constitui a síndrome de quiropterocoria. Esta interação se dá de forma mutualística na qual os morcegos obtêm alimento e as plantas têm suas

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 21 sementes dispersas. De acordo com Nishimura (2006), as sementes são engolidas inteiras e, posteriormente, saem nas fezes em pleno vôo. Para Reis et al (2007), os quirópteros constituem os dispersores de sementes mais importantes dentre todos os mamíferos. A ordem Chiroptera é constituída por, aproximadamente, mil espécies descritas e está subdividida em duas subordens: Megachiroptera, cujos indivíduos são também conhecidos como raposas voadoras; e Microchiroptera, encontradas por todo o mundo. No Brasil há registros de 167 espécies de Microchiroptera, das quais 56 ocorrem no estado do Paraná (WILSON et AL, apud FERREIRA, 2006). Dentro de Microchiroptera, a família Phyllostomidae constitui a mais diversa do Brasil com 90 espécies de morcegos (REIS et al, 2007). Esses mamíferos apresentam como característica marcante a presença de uma folha nasal membranosa em forma de lança ou folha na extremidade do focinho. Em Phyllostomidae, Artibeus lituratus (Olfers, 1818) pertence à subfamília Stenodermatinae, caracterizada por apresentar listas claras na face e predominância frugívora (ZORTÉA, 2007). Sua presença é registrada do México até a Bolívia, Trindade e Tobago, pequenas Antilhas, e norte da Argentina, até o sul do Brasil, onde se encontra amplamente distribuído com presença destacada em ambientes urbanos. Diante das considerações feitas, o objetivo deste estudo foi verificar a dieta de Artibeus lituratus do Parque do Ingá na região metropolitana da cidade de Maringá, Estado do Paraná, para avaliar a exploração dos recursos alimentares da espécie. METODOLOGIA O presente estudo foi realizado no Parque do Ingá, no Município de Maringá, Estado do Paraná, Brasil, um remanescente urbano da Floresta Estacional Semidecidual, correspondente à Mata Atlântica. Foram realizadas coletas quinzenais dos animais no Parque do Ingá entre fevereiro e setembro de 2006, através de capturas com o auxílio de redes de neblina, com 12m de largura por 2m de altura. Durante este

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 22 período, 04 redes foram dispostas em trilhas da mata por um período médio de 08 horas, desde o entardecer. Os morcegos capturados foram identificados, medidos, pesados e acondicionados em sacos de algodão para defecar e posteriormente foram liberados. As fezes coletadas foram então acondicionadas em envelopes de papel absorvente e etiquetadas, posteriormente desmanchadas em água destilada e as sementes separadas. As sementes encontradas foram identificadas em nível de família com o auxílio de microscópio esteroscópio e chaves de identificação. A análise da dieta de Artibeus lituratus foi realizada através da porcentagem de ocorrência dos recursos encontrados nas fezes, análise estatística de Kruskall Wallace e índices ecológicos de diversidade de Shannon e dominância de Berger Parker através do programa estatístico PAST (Hammer et al., 2003). RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o período de estudo foram capturados 72 indivíduos pertencentes à espécie frugívora Artibeus lituratus, dos quais foram obtidas 56 amostras de fezes. Cecropiaceae ocorreu nos meses de fevereiro, março, abril, agosto e setembro. Moraceae ocorreu nos meses de fevereiro, março, abril julho e setembro. Solanaceae ocorreu em todos os meses, exceto setembro (Figura 01).

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 23 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Cecropiaceae Moraceae Solanaceae Polpa indeterminada Figura 1 - Distribuição de amostras de sementes na dieta de Artibeus lituratus no Parque do Ingá durante os meses de fevereiro a setembro de 2006. Para Heithaus et al (1975), as plantas das famílias Solanaceae, Cecropiaceae e Moraceae são abundantes no mosaico que constitui a Mata Atlântica, mas principalmente em habitats mais abertos como as bordas das matas, clareiras e ao longo de caminhos de trilhas, ambientes geralmente frequentados por morcegos frugívoros. De modo geral, a distribuição dos recursos e sua abundância são importantes fatores determinantes de padrões de forrageio das espécies de morcegos. No presente estudo, o parque do Ingá no município de Maringá/PR, constitui um fragmento de mata pouco preservado com predominância dessas espécies. Ao todo, no presente estudo, a dieta de Artibeus lituratus compreendeu 12,5% de consumo de sementes de Cecropiaceae (07 sementes), 21% de polpa

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 24 indeterminada (13 sementes), 25% de Moraceae (14 sementes) e 39,29% de consumo de sementes de Solanaceae (22 sementes) (Gráfico 01). Cecropiaceae 13% Solanaceae 39% Polpa indeterminada 23% Moraceae 25% Gráfico 01: Constituição da dieta de Artibeus lituratus do Parque do Ingá, Maringá, PR, durante os meses de fevereiro a setembro de 2006. De acordo com Fleming (1986), Artibeus lituratus é considerada uma espécie especialista em frutos de Cecropiaceae e Moraceae. Entretanto, no presente estudo, não foram registradas diferenças significativas entre a quantidade de frutos consumidos de Cecropiaceae, Moraceae ou Solanaceae nos meses de coleta (Tabela 1). Isso indica que, apesar dessa preferência, em locais ou épocas do ano que a densidade destas plantas é baixa, A. lituratus pode apresentar uma dieta mais generalista, indicando certa plasticidade alimentar que permite à espécie uma adaptação às diferentes situações de oferta de alimento.

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 25 Tabela 1. Análise estatística de Kruskall Wallace para comparação da abundância de frutos consumidos por Artibeus lituratus do Parque do Ingá, Maringá, PR durante os meses de fevereiro a setembro de 2006. p<0,05. Polpa Cecropiaceae Moraceae Solanaceae Indeterminada Cecropiaceae --- 0,8748 0,09289 0,3184 Moraceae 1 --- 0,2701 0,7132 Solanaceae 0,5574 1 --- 0,372 Polpa Indeterminada 1 1 1 --- Por outro lado, em condições de abundância de alimento a escolha recai sobre a preferência. No presente estudo, as maiores diversidades de frutos consumidos por A. lituratus ocorreram nos meses de março e abril de 2006, enquanto o mês cuja dieta foi menos diversa foi maio, devido à dominância de frutos de Solanaceae (Tabela 2). Tabela 2. Índices ecológicos do consumo de frutos por Artibeus lituratus do Parque do Ingá, Maringá, PR durante os meses de fevereiro a setembro de 2006 Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Riqueza de Famílias 3 4 4 1 2 3 3 3 Abundância 5 15 12 5 4 9 3 3 Diversidade de Shannon 1,05 1,27 1,13 0 0,69 0,94 1,09 1,09 Dominância de Berger-Parker 0,4 0,4 0,5 1 0,5 0,56 0,33 0,33 Para Joly (2002), Artibeus sp. apresenta preferência pelo consumo de frutos de Solanum americanum, conhecida popularmente como maria-pretinha. Segundo Zanon (2004), o gênero Solanum se tornou base da dieta dessa espécie devido à escassez de recursos na região de Ponta Grossa, Campos Gerais. É válido pontuar que no presente estudo não foi registrado o consumo de sementes com tamanhos maiores por Artibeus lituratus. Para Passos et al (2003), a

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 26 utilização de frutos com sementes grandes na dieta, com mais de 10 mm de comprimento e que não são engolidas, já foi constatada no estudo realizado por onde o animal foi capturado transportando o fruto de Calophyllum brasiliense para o poleiro de alimentação para posteriormente consumi-lo. Esse caso é um forte indicativo de um importante recurso que não está sendo amostrado nos estudos feitos por meio de fezes, mas apenas por estudos feitos em poleiros de alimentação. Algumas espécies de sementes grandes, que são consumidas e transportadas para os poleiros de alimentação, mas que dificilmente são relatadas nas listas de espécies consumidas em estudos por meio de fezes, são as Calophyllum brasiliense e Terminalia cattapa (SAZIMA et AL, 1994), Mangifera indica (TADDEI, 1983) e Andira juss (ZORTEA; CHIARELLO 1994). CONCLUSÃO Artibeus lituratus do Parque do Ingá na cidade de Maringá/PR, parece explorar eficientemente os recursos disponíveis, respondendo possivelmente com mudanças na dieta de acordo com as variações na oferta de frutos de sua preferência. Um conhecimento mais detalhado da dinâmica espacial e temporal da interação entre morcegos frugívoros e plantas que possuem frutos quireptocóricos é fundamental para traçar estratégias de conservação da Mata Atlântica brasileira, devido aos morcegos frugívoros serem os principais dispersores de sementes em florestas neotropicais. Entretanto, maiores informações sobre a ecologia alimentar dessa espécie de frugívoros são necessárias para a compreensão dos padrões encontrados na dieta. Destaca-se também a importância de diferentes métodos de estudo de dieta, como fezes, poleiros de alimentação e observações diretas, assim possibilitando uma análise mais abrangente da ecologia alimentar desta importante espécie de morcego frugívoro. Isto se deve ao fato de que cada método tem suas vantagens e permite a constatação de determinados alimentos utilizados na dieta.

Revista F@pciência, Apucarana-PR, ISSN 1984-2333, v.3, n. 2, p. 19 29, 2009. 27 AGRADECIMENTOS Ao colega Gustavo Barizon Maranho pela ajuda nas coletas de campo e análise de sementes; à Faculdade de Apucarana, pela disponibilização de laboratório e acervo bibliográfico para identificação das amostras. REFERÊNCIAS BIANCONI, G.V.; MIKICH, S.B.; PEDRO, W.A. Diversidade de morcegos (MAMALIA, CHIROPTERA) em remanescentes florestais do município Fênix, noroeste do Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia. Curitiba, V.21, N.4, 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php? Acesso em 09 de março de 2007. BREDT, A. et al. Morcegos em áreas urbanas e rurais: manual de manejo e controle. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1996. FERREIRA, S.R. Dispersão de sementes de Piper hispidum por Carollia perspicillata (CHIROPTERA, PHYLLOSTOMIDAE) no parque municipal do cinturão verde de Cianorte, Paraná. 2006. 27f. Trabalho de conclusão de curso, UNIPAR, Cianorte, 2006. FLEMING, T.H. 1986. Opportunism versus specialization: evolution of feeding strategies in frugivorous bats, p. 105-118. In: A. ESTRADA & T. H. FLEMING (Ed.). Frugivores and seed dispersal. Dordrecht, W. Junk Publisher, XIII+392p. GOVERNO DO PARANÁ. A história de nossa cidade, todos os acontecimentos desde seu desbravamento. Disponível em <http://www.maringa.pr.gov.br/? Acesso em 18 de agosto de 2007. HAMMER, Ø., HARPER, D.A.T., and P. D. Ryan, 2001. PAST: Paleontological Statistics Software Package for Education and Data Analysis. Palaeontologia Electronica 4(1): 9pp. Disponével em: <http://palaeo-electronica.org/2001_1/past/issue1_01.htm> HEITHAUS, E.R; T.H. FLEMING & P.A. OPLER. 1975. Foraging patterns and resource utilization in seven species of bats in a seasonal tropical forest. Ecology, Washington, v. 56, p. 841-854.

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