EDUCAÇÃO: LOCOMOTIVA OU VAGÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL?



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Transcrição:

Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 1, mai. 2011. Ensaios. ISSN 1982-7199. 110 EDUCAÇÃO: LOCOMOTIVA OU VAGÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL? José Reinaldo Oliveira 1 Universidade Católica de Brasília UCB Resumo O presente ensaio busca responder a questão do título, discorrendo sobre a relação da educação com os processos sociais mais amplos, como o poder da economia e da ideologia. Dessa forma, é mostrada a influência recíproca da educação sobre a sociedade e as limitações do atual sistema de ensino, no que se refere em contribuir para que mudanças estruturais aconteçam. Palavras-chave: educação, processos sociais, economia, sistema de ensino EDUCATION: LOCOMOTIVE OR WAGON OF SOCIAL DEVELOPMENT? Abstract This essay seeks to answer the question in the title, discussing the relationship of education and the broader social processes such as the power of economy and ideology. Thus, the mutual influence of education on society and the limitations of the current educational system are shown in order to contribute to structural changes. Key words: education, social processes, economy, educational system. EDUCAÇÃO: LOCOMOTIVA OU VAGÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL? Essa é uma questão complexa e geradora de várias outras questões e discussões ao longo da história. Há um mundo de elementos e realidades que se cruzam dentro dela, daí seu caráter denso, naturalmente catalisador de discórdias. No entanto, não é intenção deste ensaio encerrar a discussão com uma resposta pontual de sim ou não sem nenhuma justificativa, 1 Graduado em Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e Mestrando em Educação pela mesma Instituição. A pesquisa do mestrado está ligada a Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade (UCB). Atualmente trabalha no Colégio Marista de Brasília Ensino Médio como Assistente de Alunos. E-mail: jroliveira@ucb.br

Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 1, mai. 2011. Ensaios. ISSN 1982-7199. 111 muito menos discorrer abundantemente sobre o tema, em busca de respostas profundas e pouco convencionais. A resposta apresentada aqui é fruto da observação reflexiva a respeito da realidade objetiva. Na verdade, todos os seres humanos se encontram mergulhados nela, encharcados de suas relações por assim dizer. Essa proposição vem também do posicionamento crítico sobre as teorias que relacionam a educação aos processos sociais mais amplos. Assim, o discorrido aqui nada mais é que a posição de um sujeito histórico acerca do seu mundo lido, interpretado e ressignificado (FREIRE, 1997). Questionar se a educação é locomotiva ou vagão do desenvolvimento social faz sugerir duas dimensões distintas que estão ligadas ao protagonismo ou não dessa educação. Ou seja, se essa educação, entendida de forma mais ampla, for protagonista dos processos sociais, ela poderá ser considerada a força motriz que puxa todos os outros vagões, ou, as outras dimensões e instituições que formam a vida social, dentre elas a política, a economia, o poder que há muito deixou de andar lado a lado com a política (BAUMAN, 2006), a distribuição de renda, a cidadania, a segurança etc. Entretanto, se a educação for vagão, deixará para outra entidade a tarefa de empreender força para que o trem social siga o seu caminho. Ela será apenas mais um elemento constituinte do trem, sem protagonismo, sem um papel de liderança e sem a força para conseguir agir de maneira transformadora para além dos seus limites. Apesar de estar conectada a outros vagões sua função passa a ser a disponibilidade em deixar-se levar de bom grado pelo caminho afora. Seguindo essa mesma linha, outra questão caberia aqui: A educação pode ser considerada uma mercadoria depositada dentro de algum vagão do trem? Essa pergunta tem relação com a lógica vigente, que considera a educação como um mero produto a ser vendido, comprado somente por aqueles que podem pagar. Sem rodeios, a resposta para a indagação principal é: A educação pode ser considerada sim um vagão do desenvolvimento social. Um mero vagão que em muitos casos se converte em mercadoria dentro de outros vagões. Um vagão a serviço dos interesses da locomotiva, que o leva onde quer e na hora que quer. Um vagão que em muitos momentos não está identificado, tornando-se desconhecido para boa parte da população mundial. Na atual conjuntura, uma série de eventos e concepções evidencia que a educação não é a mola propulsora e nem a alavanca do progresso social como pregavam as pedagogias otimistas da primeira metade do século XX (GOMES, 2005). Há algo de errado no mundo. Há algo de errado na educação. Há um conjunto de estranhos valores que estão sendo legitimados atualmente. E a despeito da aparente civilidade e solidariedade que o sistema do capital mundial trouxe a sociedade pós-industrial, todos teimam em ter a mesma sensação de que algo está fora do lugar. Há algo de muito refinado e bizarro por trás do discurso de um aluno do ensino médio que peita o seu professor e diz que o seu

Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 1, mai. 2011. Ensaios. ISSN 1982-7199. 112 comportamento não tem importância, pois são as suas notas que garantirão o seu sucesso acadêmico. O bom comportamento não dá dinheiro, as boas notas dão dinheiro. Essa é uma fala real, retirada de um contexto educativo. Há uma lógica maldosa que permeia todo esse discurso. Do mesmo modo, quando um jovem tem de abandonar a escola para trabalhar a fim de sustentar a si mesmo e a sua família, começamos a perceber que existe algo tanto na educação quanto na sociedade que não está correto. O que dizer então da competição acirrada entre escolas privadas para ver quem consegue colocar mais alunos nas universidades públicas? E relacionado a isso, o que dizer das jogadas exageradas de marketing para captar alunos e o prestígio da sociedade? O que dizer do ensino conteudista que impera na maioria das escolas? O que pensar a respeito das disparidades da educação, voltada para privilegiar os ricos preparando-os para manter o status quo, em detrimento dos pobres, formados ou não para serem a mãode-obra barata do sistema? O que dizer daqueles que estão à margem desse sistema, cuja possibilidade de ascensão social é praticamente nula? Há algo de errado na sociedade quando todo o equilíbrio da vida social é afetado por uma crise econômica suscitada pelo país mais rico do mundo. Há algo fora do lugar quando se percebe que o diploma é considerado por boa parte da população mais importante do que a formação. Há algo de assombroso quando milhares de seres humanos são descartados porque uma empresa resolveu cortar gastos para reduzir as suas despesas. Não é para meter medo em ninguém, esse é o mundo dos humanos, eis a sua aparência hoje. E ele só é assim porque a locomotiva o trouxe até esse ponto. E aqui cabe outra pergunta: Há ainda alguma dúvida a respeito de quem é a força que puxa os vagões? Senhoras e senhores, essa é a resposta mais óbvia que existe. A locomotiva é o capitalismo propriamente dito, cujos tentáculos a todos os vagões alcançam. O sistema financeiro e seus desdobramentos são quem ditam as regras, e a educação, como as outras dimensões da vida social, está ao seu serviço. Segundo Mészáros (2005), a educação vista sob a lógica da dominação legitima o quadro de valores neoliberal por meio da internalização. É por isso que a despeito das paixões e crenças dos indivíduos, existe um conformismo com as relações de exploração e injustiça que estão postas como realidade imutável. Essa lógica paralisante faz com que a solidariedade social seja dissipada e substituída pelo individualismo e a competição. A sociedade contemporânea se encontra em um estado de dormência crônico. Em um ponto Durkheim (1978) tinha razão, e isso para a loucura daqueles que criticam a sua obra na área de Sociologia da Educação, rotulando-a como determinista e arbitrária: A educação alcança todos os indivíduos da sociedade de forma irresistível. É ela que tem a função de preservar a sociedade que a abriga, pois para que serviria uma educação que não garantisse a perpetuação da herança simbólica das gerações anteriores? É na coesão social, imposta de forma legítima pelo Estado através da educação (Fato Social), que o modelo de sociedade vigente se perpetua.

Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 1, mai. 2011. Ensaios. ISSN 1982-7199. 113 Apesar de Durkheim (1978) não abordar o papel da educação sob a ótica do conflito e nem levantar as contradições do sistema capitalista, sua contribuição se encontra no fato de mostrar que a educação tem a função de reproduzir e reforçar valores socialmente aceitos. Ele afirma também que a educação se situa no tempo e no espaço e sofre influências da cultura, religião, economia etc. A compreensão desses fatos se dá por meio da observação histórica (DURKHEIM, 1978). E o que tem sido observado nos últimos tempos? De maneira explícita a educação tem reforçado a competição da sociedade do lucro dentro dos domínios da escola. Esse é o fato posto. Dentro de uma ótica de confronto e denúncia do sistema, Bourdieu e Passeron (1975) discorrem sobre a teoria da reprodução social e colocam a educação, de forma geral, e a escola, especificamente, como as instituições responsáveis por essa ação. Assim, afirmam que toda a ação pedagógica pode ser considerada uma violência simbólica, pois possui um caráter impositivo. Não se pode ser ingênuo a ponto de pensar que a escola está livre das pressões exteriores. Ela não é uma ilha de segurança, imune aos acontecimentos sócio-políticos de seu tempo. A escola está situada historicamente em uma zona de conflito, pois a história da humanidade está dentro de uma realidade de lutas de classes (MARX, 2006), sendo ela mesma composta por seres humanos. São dessa realidade que emergem a cultura própria da escola e os desdobramentos dissociativos entre professores, que representam a cultura do mundo adulto, e os alunos, representantes da cultura da comunidade local (WALLER, 1967 citado por GOMES, 2005). Para Mészáros (2005), a educação de forma geral é influenciada pelas relações do capital: As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo (p. 43). Diante desse quadro o que fica evidente é a incapacidade do sistema educacional atual de romper com a lógica do capital, uma vez que esse mesmo sistema está a serviço da locomotiva. A educação formal também revela traços fortíssimos de sujeição ao sistema financeiro, já que uma das suas funções principais nas sociedades é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (MÉSZÁROS, 2005, p. 45).

Revista Eletrônica de Educação, v. 5, n. 1, mai. 2011. Ensaios. ISSN 1982-7199. 114 Dessa forma, responder a questão se a educação é locomotiva ou vagão do desenvolvimento social é um chamado coletivo para reflexão sobre sua autonomia e autogestão dentro de um mundo que há algum tempo é dominado por forças que estão para além dos muros da escola. Essa não é uma visão fechada e acabada do processo histórico, que está sujeito a mudanças, antes, é a denúncia daquilo que está posto e que muitas vezes é tratado com negligência e ingenuidade por muitos educadores. Se a mudança dos fatos é possível de acontecer ou não, aí é outra questão, que não foi lançada ainda e que este ensaio não pretendeu responder. Por hora, permanece a afirmação categórica de Mészáros (2005) sobre a posição que a educação formal ocupa dentro da atual teia social: De fato, da maneira como estão as coisas hoje, a principal função da educação formal é agir como um cão-de-guarda exofficio e autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida (p. 55). Referências BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. São Paulo: Zahar, 2006. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Edições Francisco Alves, 1975. DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 11. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1978. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. GOMES, Candido Alberto. A Educação em novas perspectivas sociológicas. 4. ed. São Paulo: EPU, 2005. MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martim Claret, 2006. MÉSZÁROS, István. A Educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005. Enviado em: 19/07/2010 Aceito em: 27/04/2011