Desempenho em prova de Memória de Trabalho Fonológica no adulto, no idoso e na criança Palavras Chaves: memória de trabalho fonológica; teste de repetição de não palavras; envelhecimento. Introdução A memória de trabalho é um sistema de processamento e armazenamento de informações à curto prazo que mantém o pensamento, a aprendizagem e a comunicação 1. É também uma capacidade de aprendizagem, armazenamento e evocação de informações sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca. O desenvolvimento desta habilidade na infância é paralelo ao desenvolvimento cognitivo geral, sendo que ela intervém, assim como a atenção, em todas as atividades cognitivas 2. A memória de trabalho possui quatro componentes: executivo central, dois subsistemas de trabalho, a alça fonológica e a alça visuo-espacial, e um retentor episódico 3. No que tange à linguagem, a memória de trabalho verbal (fonológica) tem papel fundamental. Hulme, Thomson e Lawrence (1984) 4 encontraram correlações entre as habilidades de memória fonológica e as habilidades de fala e linguagem, afirmando que a memória se expande com a idade, devido ao aumento na velocidade da rechamada subvocal, ou seja, o aumento nas habilidades de memória parece estar ligado a um aumento nas habilidades de fala e linguagem. Porém, diante de alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas, a memória, assim como diversas outras habilidades, sofre um declínio. O envelhecimento, fase natural da vida, é influenciado por fatores genéticos, pelo estilo de vida e pelo ambiente, é ainda marcado por alterações fisiológicas ao longo do tempo que leva à certas limitações e perdas de habilidades. Estudos, como o de Siqueira (2006) 5, que buscam a relação entre o envelhecimento e suas manifestações na memória, vem apontando que em testes de memória, pessoas jovens apresentam melhor desempenho que pessoas idosas, já que tarefas complexas são mais difíceis porque aumenta a quantidade de processamento simultâneo na memória de trabalho, e no caso dos idosos o desempenho em tarefas de alta complexidade é deficiente, embora faça parte de um envelhecer saudável, onde esta alteração na memória de trabalho faz parte do processo biológico do envelhecimento. Embora existam diversas alterações fonoaudiológicas concomitantes ao processo de envelhecimentos, como alterações auditivas e visuais, de memória e linguagem, de articulação e neurovegetativas como a respiração, mastigação e deglutição, ainda não há muitos estudos registrados sobre tais fatos (Siqueira, 2006).
Compreendendo melhor a relação entre memória de trabalho e o envelhecimento, por meio de estudos envolvendo adultos e idosos normais, é possível identificar e intervir precocemente possíveis prejuízos na memória, possibilitando melhores condições para o indivíduo com prejuízo na memória de trabalho. Objetivo Tendo como hipótese que as habilidades de memória de trabalho fonológicas se estendam até certa idade e que posteriormente pode regredir com o envelhecimento, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de indivíduos em diferentes faixas etárias, sem alterações de linguagem, em prova que avalia a memória de trabalho fonológica (repetição de não palavras). Material e Método O estudo em questão envolveu 90 sujeitos, sendo 30 crianças em idade escolar (entre seis e oito anos e 11 meses), 30 na faixa de jovens adultos (entre 19 e 35 anos) e 30 na terceira idade (60 anos ou mais). As 30 crianças foram selecionadas aleatoriamente entre as 200 que foram avaliadas para obter a validação de Teste de Memória de Trabalho Fonológica naquela faixa de idade (Hage e Grivol, 2009) 6. Àquelas 200 crianças, incluindo as 30 pertencentes a este estudo, foram selecionadas em escolas de educação infantil de cidades do interior do estado de São Paulo, considerando os seguintes fatores de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral e audição, apresentar desempenho compatível com a idade cronológica em Prova de Fonologia padronizada, apresentar desempenho compatível com a idade na prova de leitura do Teste de Desempenho Escolar (TDE). Os 30 sujeitos jovens adultos entre 19 e 35 anos foram selecionados entre os alunos do ensino superior de Universidade Pública, considerando os seguintes critérios de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral e audição, não apresentar queixa de memória. Os 30 sujeitos acima dos 60 anos ou mais foram selecionados aleatoriamente na comunidade, tendo como fatores de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral, não apresentar queixa de memória, não apresentar doenças degenerativas. Para realização da pesquisa nas dependências da Universidade foi solicitada autorização do Diretor da Instituição. Todos os sujeitos foram informados do estudo (ou seus responsáveis) e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para atender aos fatores de inclusão, foi aplicado questionário sistematizado com os adultos jovens e idosos, que continham perguntas a respeito de possíveis
queixas de linguagem. Também foi realizado análise da linguagem oral por meio de amostra de conversação espontânea. Os indivíduos que apresentaram história de dificuldade de linguagem, audição (exceto os idosos), queixa de aprendizagem e memória, foram eliminados da amostra. A partir do momento que se atendeu aos critérios de inclusão, os sujeitos foram submetidos à avaliação da memória de trabalho fonológica, por meio da Prova de Repetição de Não Palavras PRNP (Hage e Grivol, 2009) 6 Os indivíduos, após trazerem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado, foram levados para um local livre de ruídos que pudessem interferir no desempenho deles. Foi aplicado a PRNP. A repetição de palavras inventadas é apontada como confiável para avaliar a memória de trabalho fonológica, já que o material verbal é desconhecido e, conseqüentemente, não sujeito às influências lexicais 7. A Prova foi criada com base na estrutura fonológica da língua portuguesa e contém 40 palavras inventadas com seqüências de não palavras de 2 a 5 sílabas. Todas as palavras inventadas são paroxítonas e foram elaboradas contendo em ordens distintas fonemas da língua portuguesa. A prova foi aplicada da seguinte maneira: o avaliador falava cada palavra da lista e os sujeitos as repetiam imediatamente, atribuindo 2 pontos quando repetia-se corretamente na primeira vez, 1 ponto quando repetia-se corretamente na segunda vez e 0 ponto quando não conseguia-se nas duas tentativas. Para comparação entre o número de sílabas da Prova de Repetição de Não Palavras e comparação entre as faixas etárias foi utilizado o Teste de Tukey e Análise de Variância para Medidas Repetidas, sendo considerado significativo valor de p<0,05. Resultados e Discussão: A tabela abaixo demonstra as medidas que comparam o desempenho das três faixas etárias na PRNP. Tabela 1- Medidas comparativas entre o desempenho de crianças, idosos e adultos na pontuação total obtida na PRNP, utilizando análise de variância para medidas repetidas e Teste de Tukey. GRUPOS Crianças Adultos Idosos Média 69,43 77,27 61,63 Crianças 0,00 * 0,00 * Adultos 0,00* Legenda: * - valores estatisticamente significantes (p<0,05) Comparando-se o desempenho das três faixas etárias pode-se constatar que houve diferença estatisticamente significante entre o grupo de crianças, adultos e
idosos (idosos < crianças < adultos). Os adultos jovens tiveram melhor desempenho em relação às crianças, já os idosos tiveram desempenho pior tanto em relação aos adultos como as crianças. É fato que a memória se expande com a idade, devido ao aumento na velocidade da rechamada subvocal, o que significa que o aumento nas habilidades de memória parece estar ligado com o aumento nas habilidades de fala e linguagem 4. Entretanto, este estudo sugere que a memória sofre declínio diante de alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas relacionadas ao avanço da idade. Tabela 2- Medidas comparativas entre o desempenho de crianças, idosos e adultos na PRNP, considerando as palavras, com duas, três, quatro e cinco sílabas, utilizando análise de variância para medidas repetidas e Teste de Tukey. GRUPOS Crianças Adultos Idosos 2s 3s 4s 5s 2s 3s 4s 5s 2s 3s 4s 5s Média 19,50 18,93 16,33 14,67 19,60 19,70 19,20 18,77 18,03 16,73 14,23 12,63 Crianças 0,95 0,23 * 0,00 * 0,00 * 0,00* 0,00* 0,04 * 0,09 Adultos 0,00* 0,00* 0,00 * 0,00 * Legenda: * - valores estatisticamente significantes (p<0,05); s número de sílabas. A tabela 2 demonstra as medidas que comparam o desempenho das três faixas etárias no que tange à repetição de não palavras e o número de sílabas das mesmas. Na variável não palavras com duas, três e cinco sílabas, não houve diferença estatisticamente significante entre o desempenho de crianças e adultos, porém esta diferença acorreu entre o grupo de crianças e adultos em relação ao grupo de idosos (crianças e adultos > idosos). Já para quatro sílabas houve diferença estatisticamente significante entre os três grupos (idosos < crianças < adultos). Siqueira (2006), em prova de repetição de não palavras encontrou desempenhos superiores nos indivíduos mais jovens do que nos indivíduos idosos, sendo que a média de sílabas das não palavras que os idosos foram capazes de reter na memória de trabalho fonológica foi entre três e quatro sílabas enquanto que os adultos retiveram uma média de cinco sílabas. Conclusão: Idosos obtiveram pior desempenho quando comparados aos adultos e crianças, sugerindo que a memória de trabalho fonológica sofre declínio com o processo de envelhecimento. Já os adultos obtiveram melhor desempenho que crianças, evidenciando que adultos têm melhor capacidade de armazenagem de material verbal que crianças. Quanto ao efeito da extensão na repetição de não palavras parece refletir de forma mais significativa na memória de trabalho daqueles que estão na terceira idade.
Referências Bibliográficas: 1. Montgomery JW. Working memory and compreension in children with specific language impairment: what we know so far. J Commun Disord. 2003. 36:221-31. 2. Baddeley AD. Working memory and language: an overview. Bristol (UK). J Commun Disord. 2003;36:189-280. 3. Baddeley AD. The episodic buffer: a new component of working memory? Trends Cogn Sci.2000;4:417-22. 4. Hulme C, Thomson CM, Lawrence A. Speech rate and development of short term memory span. J Exp Child Psychol.1984;38(2):241-53Montgomery JW. Working memory and compreension in children with specific language impairment: what we know so far. J Commun Disord. 2003. 36:221-31. 5. Siqueira LS. Estudo da Memória de Trabalho em Adultos e Idosos Normais. Dissertação de Mestrado apresentado no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria. Rio Grande do Sul, 2006. 6. Hage SRV, Grivol MA. Desempenho de crianças normais falantes do português em prova de memória de trabalho fonológica. Cadernos de Comunicação e Linguagem. 2009; 1(1) [prelo]. 7. Baddeley AD. Working memory. Oxford, Claridon press. 1986, 282 p.