ARTICULAÇAO DE COOPERATIVAS DE CATADORES: ASPECTOS FOMENTADORES DE REDE

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Transcrição:

ARTICULAÇAO DE COOPERATIVAS DE CATADORES: ASPECTOS FOMENTADORES DE REDE Maria Zanin. Docente do PPGCTS/ UFSCar e do NuMI-EcoSol/ UFSCar. E-mail: mariazanin55@gmail.com. Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira Docente do DECiv/UFSCar, do NuMI-EcoSol/ UFSCar e do PPG-EU/UFSCar Email: bernardo@ufscar.br Fomento: Min. da Educação/ Secretaria de Educação Superior PROEXT/2013 e 2014 Grupo de Trabalho: Articulação de catadores e economia solidária A noção de redes entre cooperativas de catadores tem sido objeto de debate e ações entre diversos agentes envolvidos na gestão compartilhada de resíduos e no fortalecimento da Economia Solidária. Esta estratégia de redes se fundamenta na possibilidade de construção de uma nova forma de colaboração, tanto no nível local quanto regional, para superar estruturas de exploração do mercado em que se inserem, ampliar seus horizontes e sua sustentabilidade econômica, social e política. Este trabalho, a partir de levantamento bibliográfico e de fontes primárias, tem por objetivo apresentar e discutir os aspectos fomentadores para a articulação e criação de redes de cooperativas de catadores. O estudo parte da sistematização das ações desenvolvidas pelo NUMI-EcoSol/UFSCar na região de São Carlos/SP e apresenta linhas de tempo e painel panorâmico que ilustram as articulações, parcerias, cooperativas envolvidas e aspectos fomentadores. Palavras-chave: Redes de cooperativas de catadores. Articulações. Parcerias. Aspectos fomentadores de rede. 1) Introdução Baseada nos princípios de socialização dos meios de produção e da renda, na propriedade coletiva dos meios de produção, na divisão dos excedentes entre os sócios e gestão coletiva, a Economia Solidária (ES) representa uma alternativa ao sistema capitalista de produção, possibilitando a construção de outra sociedade, com princípios

diferentes daqueles observados na economia capitalista. As experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito, organizadas nestes princípios, denominadas de Empreendimentos de Economia Solidária (EES) aparecem sob diversas formas como: cooperativas e associação de produtores, empresas autogestionárias, bancos comunitários, clubes de troca e diversas organizações populares e urbanas e rurais. [Singer, 2002 e 2003]. Entretanto, além da manutenção dos princípios opostos aos do atual sistema hegemônico, os EES precisam se mostrar capazes de articular suas atividades de produção, comercialização, consumo e crédito para promover sua consolidação na atual estrutura de mercado e desenvolver suas atividades. A composição de cadeias produtivas com diferentes EES se mostra como estratégia de subverter as relações comerciais desvalorizantes da produção destes empreendimentos as quais estão sujeitos pela lógica do mercado capitalista e que cria dependência. Grande parte das riquezas produzidas pelos EES é acumulada por agentes capitalistas inseridos nas cadeias produtivas destes empreendimentos. Da mesma maneira, a temática de criação de redes entre EES também surge como estratégia de fortalecimento da ES, pois são arranjos sociais que podem compreender fóruns ou espaços para diferentes tipos de trocas. As redes abrem oportunidades, fortalecem as capacidades e abrem possibilidades para a construção de formas de colaboração tanto a nível local quanto regional, superando algumas das estruturas de exploração vigentes no mercado em que se inserem. [...] As redes de economia solidária podem ser vistas como uma estratégia para integrar grupos de consumo, cooperativas, sindicatos, movimentos populares, grupos de produção, e outros, de maneira tal que todos possam se fortalecer e avançar juntos, construindo uma nova sociedade [Mance, 2002]. Segundo este autor, a integração tem se mostrado qualitativamente benéfica para cada empreendimento participante imbuído de formas solidárias de organização do trabalho. Tal estratégia tem sido assumida como relevante para a ES e possibilita conexões entre empreendimentos e iniciativas de economia solidária e a circulação entre eles de informações, valores, serviços e materiais. No mesmo sentido, a cadeia produtiva de reciclagem de resíduos, que envolve diversos agentes (indústrias, empresas, órgãos públicos, cidadãos, cooperativas e catadores autônomos), os quais desempenham diferentes funções, tem sido objeto de estudos e considerada estratégica para a gestão dos resíduos sólidos [FRANÇA, 2012; GUTIERREZ, 2011]. O papel desempenhado pelos catadores de resíduos recicláveis (categoria profissional descrita na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 2002) é reconhecidamente importante nesta

cadeia, pois seus trabalhos agregam - aos resíduos descartados - valores econômicos, sociais e ambientais [BRASIL, 2002; PINHEL e ZANIN, 2011; PINHEL, 2013]. Contudo, dentre os atores envolvidos nesta cadeia, os catadores são os que se encontram em situação mais fragilizada, enfrentando inúmeras dificuldades para continuar exercendo suas funções de maneira digna e sustentável [GUTIERREZ e ZANIN, 2011]. De acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Material Recicláveis [MNCR, 2015], atualmente os catadores estão conquistando mais respeito, persistência e perseverança, atitudes políticas e organização das frentes. Entretanto ainda é preciso superar o grau de exploração e desvalorização que os mesmos sofrem dentro da cadeia produtiva, onde empresas utilizam de seus serviços para ganhar vantagem no mercado [PINHEL, 2013]. A estratégia de inserção da rede de cooperativas de catadores de resíduos no mercado da reciclagem adentra no processo de competitividade mercadológica, amparado por bases mais sólidas, consistentes e organizadas, capazes de promover o desenvolvimento dos empreendimentos e interferir na ordem da cadeia produtiva de exploração comercial a que são submetidos. As redes, como muito bem descrito por CAPRA (2001) promove potencialidades coletivas que não estão presentes nos indivíduos ou nos empreendimentos isoladamente, que se integram nessas redes como forma de ampliar os seus horizontes e sua sustentabilidade. A noção de redes entre cooperativas de catadores tem sido objeto de debate e ações entre diversos agentes envolvidos na gestão compartilhada de resíduos e para o fortalecimento da Economia Solidária. Assim, a partir de sistematização das ações desenvolvidas pelo Núcleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária da Universidade Federal de São Carlos (NUMI- EcoSol/UFSCar) junto às cooperativas de catadores de resíduos recicláveis na região de São Carlos/SP, este trabalho, tem por objetivo apresentar e discutir os aspectos fomentadores para a articulação e criação de redes de cooperativas de catadores de materiais recicláveis. 2) Estratégia para elaboração do trabalho Entre as diversas linhas de atuação do NUMI-EcoSol/UFSCar, encontra-se a linha relacionada às cooperativas de catadores e gestão de resíduos domiciliares. Esta linha tem desenvolvido ações desde finais da década de 90 na formação de cooperativas de catadores na região de São Carlos/SP e mais recentemente na articulação de redes destes empreendimentos, em especial para a articulação da Rede Anastácia, que é composta em

sua maior parte por organizações sediadas em municípios da região do interior paulista, mais precisamente das regiões de Ribeirão Preto, Piracicaba e São Carlos. Esta linha conta com uma equipe que compreende dois professores, um coordenador executivo, estagiários de graduação e estudantes de pós-graduação de diferentes programas. Para a coleta das informações foi realizado um levantamento em bibliografias da temática e em fontes primárias, como documentos, relatos de reuniões e produtos desenvolvidos pela equipe desta Linha de Atuação em Resíduos, Reciclagem e Economia Solidária do NUMI-EcoSol/UFSCar. As informações foram sistematizadas e apresentadas em linha de tempo e painel panorâmico para ilustrar as articulações, parcerias entre as cooperativas envolvidas na criação de redes. Inicialmente no trabalho será apresentada uma descrição da rede estudada e posteriormente a apresentação da sistematização feita. 3) Descrição da rede de cooperativas de catadores A rede Anastácia de Cooperativas de Catadores surgiu a partir de uma articulação em 2009 do Comitê Anastácia que é base orgânica regional do Movimento Nacional de Catadores Recicláveis 1 Nesta primeira articulação, compareceram cooperativas dos municípios de Orlândia, Araraquara, São Carlos, Rio Claro, Morro Agudo, Batatais, Jaboticabal, Restinga, Américo Brasiliense, Ribeirão Preto, Franca, Matão e Borborema. Este encontro teve como objetivo o fortalecimento dos empreendimentos e compartilhamento de informações sobre compra de insumos, venda de material reciclável e aquisição de novas tecnologias de coleta e produção [CATAFORTE, 2013]. A partir deste momento, muitas outras atividades coletivas foram realizadas com o mesmo propósito as quais contaram inclusive com a colaboração de parcerias como, por exemplo, com Universidades, Instituições Públicas e entidades de terceiros. Estas atividades resultaram na articulação de Fóruns Regionais, Encontros Regionais, Evento de Catadores, Cooperações técnicas e políticas [CATAFORTE, 2013]. Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável [CONFERÊNCIA Rio+20, 2015], que foi realizada no período de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, representantes da Rede Anastácia participaram da 1 O Comitê Regional de Catadores é uma instância deliberativa da Base Orgânica do MNCR. Reúne catadores representantes de uma microrregião, ou seja, várias cidades próximas no caso de cidades pequenas ou vários bairros no caso de cidades grandes e com grande número de catadores [MNCR, 2015]

Cúpula dos Povos 2, defendendo políticas públicas para os catadores. Embora esta rede não estivesse formalizada em 2013, ela vinha há quatro anos sendo construída informalmente em atividades de articulação política, econômica e social. Com a abertura do edital de Seleção Pública 001/2013 da Secretaria Geral da Presidência da República de Redes de Cooperação de Empreendimentos Econômicos Solidários para a ação de Estruturação de Negócios Sustentáveis em Redes de Cooperação de Empreendimentos Econômicos Solidários de Catadores de Materiais Recicláveis, por meio do CATAFORTE Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, surgiu a oportunidade para submeter projeto para a estruturação, formação e formalização da rede Anastácia [CATAFORTE, 2013 e SG/PR, 2013]. O projeto foi submetido em setembro de 2013, em nome da COOPERLOL - Cooperativa de Trabalho dos Recicladores de Orlândia/SP (representando a rede Anastácia) e com a participação de mais nove cooperativas das seguintes cidades: Morro Agudo, Ituverava, Batatais, Araraquara, Ribeirão Preto, Piracicaba, Rio Claro, São Carlos e Sertãozinho. Com a aprovação em dezembro de 2013, foi elaborado convênio com a FUNASA, órgão provedor dos recursos financeiros [FUNASA, 2013]. Ressalta-se aqui que as ações do CATAFORTE visam favorecer o acesso das redes solidárias a contratos junto ao poder público para prestação de serviços de coleta seletiva, contratos junto a indústrias para a realização de serviços de logística reversa, a realização de comercialização conjunta e o avanço na cadeia produtiva, por meio do beneficiamento, com a agregação de valor aos materiais recicláveis. Estruturar redes solidárias de empreendimentos de catadores de materiais recicláveis de modo a possibilitar avanços na cadeia de valor e inserção no mercado da reciclagem [SG/PR, 2013]. Desde janeiro de 2014, estas cooperativas se reúnem periodicamente, fazendo o rodízio entre elas. A definição do local do encontro é definida preliminarmente na última reunião, a partir de critérios como necessidade de promover apoio a cooperativa anfitriã, dificuldade de locomoção, ausência nas reuniões, entre outros. Cabe ressaltar que 2 A Cúpula dos Povos foi um evento paralelo à Rio+20, organizado por entidades da sociedade civil e movimentos sociais de vários países, realizado no período de 15 e 23 de junho de 2012 no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, com o objetivo de discutir as causas da crise socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movimentos sociais do Brasil e do mundo [CONFERÊNCIA Rio+20, 2015]

atualmente a rede é composta por mais três cooperativas que não conseguiram preencher a documentação necessária no momento da submissão do projeto em setembro de 2013 ou que se agregaram no decorrer da articulação. Todas estas cooperativas estão localizadas nas seguintes Cidades: Sertãozinho, Batatais, Itirapina, Rio Claro, Araraquara, Franca, Ribeirão Preto, Orlândia, Morro Agudo, Ituverava, Leme, Piracicaba e São Carlos. 4) Sistematização e discussão geral Uma estrutura de rede compreende estabelecer laços entre agentes de um sistema social, quer sejam estes representados por indivíduos ou organizações, e que compartilham de códigos, conjunto de valores ou objetivos comuns. A noção de rede de colaboração solidária, conforme teoriza Mance (2002), denota a existência de conexões entre empreendimentos e iniciativas de economia solidária e a circulação entre eles de informações, valores e materiais. Para iniciar a análise dos aspectos fomentadores de rede de cooperativas foi construída uma linha do tempo da articulação da rede Anastácia no período de 2004 a 2014. Linha do tempo é uma ferramenta que tem sido empregada em situações diversas como em processos de aprendizagens (mais comum em História) ou por profissionais como jornalistas para explorar as potencialidades das notícias ou como também pelas organizações que necessitam visualizar uma lista de eventos em ordem cronológica para compreender os eventos e estabelecer relações entre eles ou interpretar a realidade a partir dos acontecimentos passados, conhecendo a origem das situações que enfrentam no cotidiano ou identificando as mudanças ocorridas durante o processo histórico da organização [Frieda, 2014]. A Figura 1 ilustra a Linha do Tempo com o trajeto da articulação da rede Anastácia de Cooperativas, elaborado pela equipe do NUMI-EcoSol/UFSCar, apresentando os seus principais eventos e conquistas (a figura é aqui representada para feito de registro, sendo uma redução da original de maior dimensão).

Figura 1 Linha do tempo da rede Anastácia de Cooperativas. Elaborada pela equipe do NUMI-EcoSol e com arte final de Juliana S. de Souza.

Conforme a descrição já apresentada da Rede Anastácia de Cooperativas de Catadores, observa-se na sua origem laços de articulações entre os empreendimentos que indicam o fortalecimento da identidade do catador (consequentemente dos empreendimentos envolvidos). A manutenção em 2013 do nome Anastácia no projeto do edital CATAFORTE, que havia sido definido com sete cooperativas em um primeiro encontro regional no final de 2004, remete à figura de uma mulher negra, escrava, impedida de se manifestar verbalmente, evidenciando os códigos e os valores estabelecidos que persistiram nesta década de articulação da rede. A presença da bandeira do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) em diversas ocasiões também evidencia aspectos para a estruturação grupal e construção da identidade coletiva desta rede. A presença da universidade, gestores públicos e organizações (MNCR) indica que estes agentes, embora diversos e com particularidades próprias, desempenham algum grau de apoio que pode engendrar potencialidades coletivas para a construção da rede. No ano de 2013 foram realizados sete eventos, o que provavelmente intensificou as relações entre as cooperativas. A alternância dos locais de realização dos eventos provavelmente facilitou a consolidação da estrutura organizacional da rede. Outro aspecto importante foi a periodicidade, que a partir da aprovação do Projeto CATAFORTE passou a ser mensal, o que favorece trocas de informações e experiências entre as cooperativas. A partir da análise documental, pode se constatar que ao longo dessas atividades para articulação dessa rede Anastácia, as cooperativas puderam obter êxitos no que diz respeito ao apoio técnico ou político. Por exemplo, algumas cooperativas (Morro Agudo, Araraquara, entre outras) puderam pleitear e garantir por meio de contratos e convênios a remuneração pelo serviço prestado de coleta seletiva, triagem, beneficiamento e comercialização junto ao poder público. Estes avanços promovem o fortalecimento dos empreendimentos junto ao poder público e reconhecimento da categoria de catador. A participação da cooperativa em uma rede promove a diminuição das dificuldades de manutenção das conquistas políticas junto aos governos locais, principalmente em momentos de alteração dos governos com as eleições municipais (caso identificado em Sertãozinho e São Carlos). Como já apresentado, o propósito de fomentar a criação e fortalecimento de redes de cooperação econômica vislumbra o aumento da geração de trabalho e renda e da redução da dependência econômica e da exploração comercial criada pela racionalidade do mercado capitalista. No caso de rede de cooperativas de catadores de resíduos é

fundamental conhecer o mercado da reciclagem e os processos de competitividade mercadológica. Neste sentido está sendo realizado um amplo levantamento junto às cooperativas, com a prospecção de informações a partir das quais foram construídos mapas temáticos com a localização das cooperativas, das empresas com as quais estas já comercializam (sucateiros, indústrias recicladoras) e outras com potencial para comercialização. A Figura 2 ilustra um mapa preliminar contendo o local da cooperativa e as empresas (sucateiros ou atravessadores) com quem elas comercializam atualmente. Figura 2 Exemplo de mapa ilustrando as cidades das cooperativas e os sucateiros ou atravessadores com os quais as cooperativas comercializam em maio de 2015. O mapeamento das informações e a elaboração de mapas temáticos com códigos específicos podem fornecer informações para as cooperativas e facilitar a compreensão da cadeia produtiva da reciclagem, das relações comerciais existentes e das potencialidades para comercialização conjunta ou diretamente para as empresas recicladoras. Por exemplo,

ao clicar no ícone da cidade da cooperativa podem ser obtidas informações do tipo de materiais que a cooperativa produz e com quem ela comercializa. Este mapeamento e construção dos mapas temáticos ainda estão em elaboração e provavelmente será um sistema de elaboração contínua e que deverá ser alimentado e atualizado com informações pela rede durante sua existência. 5) Considerações finais É conhecido que as cooperativas têm dificuldades associadas à cadeia produtiva da reciclagem de resíduos para promoção de fluxos dos produtos gerados nos seus empreendimentos [PINHEL, 2013; GUTIERREZ e ZANIN, 2013]. A consolidação de redes entre as cooperativas se apresenta como mecanismos estratégicos de redução da exploração comercial e da melhoria das condições de vida dos catadores e catadoras. A experiência acumulada de atuação em rede que envolve os empreendimentos da Rede Anastácia demonstra que o fortalecimento da identidade do catador de materiais recicláveis (consequentemente, dos empreendimentos) é a grande conquista deste arranjo até o momento. Porém, a expectativa é de que esta iniciativa possa contribuir para a superação das dificuldades operacionais enfrentadas pelos empreendimentos (nas diferentes etapas de coleta, processamento e comercialização, assim como nas atividades de apoio), valorizando mais o trabalho executado pelos mesmos. Da mesma forma, esperase um fortalecimento do papel institucional das cooperativas associadas, na forma de atuação junto aos poderes públicos e à sociedade em geral. Por outro lado, não podem ser descartadas as dificuldades relacionadas à formação de redes e que foram identificadas na experiência estudada, entre elas os problemas de caráter prático, como a falta de condições para participação em iniciativas conjuntas (agravada pelas distâncias entre os municípios) e características específicas de comercialização já existentes. A própria cultura de atuação conjunta precisa ser aprimorada, fazendo com que os integrantes da rede internalizem o seu papel fortalecedor em sua atuação cotidiana. Agradecimentos: Os autores agradecem os catadores e catadoras que participam dos empreendimentos estudados, bem como os integrantes da Linha de Ação do NUMI-EcoSol atuantes no período (estudantes de graduação, de pós-graduação e coordenações executivas).

6) Bibliografia BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego Classificação Brasileira das Ocupaçoes. 2002. Disponível em http://mtecbo.gov.br. Acesso em 03 de maio de 2015 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2001 CATAFORTE Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias: COOPERLOL- Cooperativa de Trabalho dos Recicladores de Orlândia, 2013, 29p. Conferencia Rio + 20. Disponível em http://www.rio20.gov.br. Acesso em 28 de maio de 2015 FRANÇA, L. M.; Cooperativas de catadores e parcerias com gestores públicos: aspectos promotores de autonomia. 2012.. Dissertação de mestrado, Programa de pósgraduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela UFSCar. FRIEDA, P. - Como e porque construir Linha de Tempo. 2014. Disponível em http://homes.dcc.ufba.br/~frieda/timeline.pdf. 2p. Acesso em 29 de maio de 2015. FUNASA Fundação Nacional da Saúde. CONVÊNIO N.º 0702/2013, 2013, 18p. GUTIERREZ, R. F. e ZANIN, M. Um panorama sobre os Empreendimentos Econômicos Solidários de Catadores no Brasil In: Cooperativas de Catadores: reflexões sobre práticas.1 ed.são Carlos : Claraluz, 2011, v.1, p. 37-51. GUTIERREZ, R.; Empreendimentos Econômicos Solidário de Catadores: Cadeias produtivas de resíduos, processos tecnológicos e parcerias. 2011. Dissertação de mestrado, Programa de pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela UFSCar. MANCE, E. A. Redes de Colaboração Solidária. Petrópolis, Ed. Vozes, 2002. MNCR - Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Disponível em http://www.mncr.org.br. Acesso em 28 de maio de 2015.

PINHEL, J. R. e ZANIN, M. Catador de resíduos recicláveis: um perfil profissional em construção. In: Cooperativas de Catadores: reflexões sobre práticas.1 ed.são Carlos : Claraluz, 2011, v.1, p. 53-101. PINHEL, Julio Ruffin (org.). Do Lixo à Cidadania Guia para formação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis. São Paulo: Peiróplis, 2013, p. 239. SG/PR - Secretaria Geral da Presidência da Republica. 2013. Disponível em http://www.secretariageral.gov.br/atuacao/pro-catador/cataforte/edital/edital-1, 13p. Acesso em 29 de maio de 2015. SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil.. In: Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Org. SANTOS, B. de S. 2002 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. P.81-129. SINGER, P. Economia Solidária. In: CATTANI, Antônio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003.