O USO DAS ESTRATÉGIAS DE REPARO, CONSIDERANDO A GRAVIDADE DO DESVIO FONOLÓGICO EVOLUTIVO



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Transcrição:

O USO DAS ESTRATÉGIAS DE REPARO, CONSIDERANDO A GRAVIDADE DO DESVIO FONOLÓGICO EVOLUTIVO The use of repair strategies considering the severity of the evolutional phonological disorder Maria Rita Leal Ghisleni (1), Márcia Keske-Soares (2), Carolina Lisbôa Mezzomo (3) RESUMO Objetivo: analisar a relação entre as estratégias de reparo utilizadas pelo grupo com desvio fonológico evolutivo (DFE) e a gravidade do desvio apresentado. Métodos: amostra de fala de 12 sujeitos (6 meninos e 6 meninas), idades entre 4:00 a 6:11;29, com diagnóstico de desvio fonológico evolutivo. Os dados foram analisados estatisticamente através do Pacote Computacional VARBRUL em ambiente Windows (Varbwin). Resultados: a gravidade de Desvio Severo (DS) tem maior probabilidade de realizar plosivização, posteriorização, e outras, assim como semivocalização. A Gravidade de Desvio Moderado-Severo (DMS) favorece a ocorrência de anteriorização, dessonorização e outras. A Gravidade do Desvio Médio-Moderado favorece a posteriorização, a semivocalização e a dessonorização. A Gravidade de Desvio Médio apresentou maior probabilidade de realização de posteriorizações e anteriorizações. Conclusão: quanto maior a gravidade do desvio fonológico, mais as crianças utilizam estratégias de reparo, pois ainda não conhecem o segmento ou trata-se de produção que ainda não dominam. DESCRITORES: Fala; Distúrbios da Fala; Criança INTRODUÇÃO A formação do sistema fonológico da criança se dá de maneira gradativa e não-linear, entre o nascimento e, aproximadamente, a idade de cinco anos. Nesse período, ocorre o amadurecimento do componente fonológico da linguagem, resultando no estabelecimento do sistema fonológico semelhante ao alvo-adulto 1. (1) Fonoaudióloga; Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana na Universidade Federal de Santa Maria. (2) Fonoaudióloga; Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; Doutora Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. (3) Fonoaudióloga; Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Conflito de interesses: inexistente Quando há a presença de uma desorganização, inadaptação ou anormalidade do sistema de sons da criança em relação ao sistema padrão de sua comunidade linguística, é possível dizer que se está diante de um caso desvio fonológico evolutivo (DFE) 2. Segundo a autora, as características clínicas do DFE são: fala espontânea quase completamente ininteligível; idade superior a quatro anos; audição normal para a fala; inexistência de anormalidades anatômicas ou fisiológicas nos mecanismos de produção da fala, de disfunção neurológica relevante; capacidades intelectuais adequadas para o desenvolvimento da linguagem falada; compreensão da linguagem falada apropriada à idade mental; capacidades de linguagem expressiva aparentemente bem adequada em termos de abrangência do vocabulário e de comprimento dos enunciados. A classificação do DFE baseia-se em análises do sistema fonológico desviante, sendo quantitativamente avaliado. Uma das propostas de análise é a classificação do DFE a partir do cálculo do Percentual de Consoantes Corretas (PCC) 3. O PCC pode ser obtido, dividindo-se o número de consoantes corretas pelo número de consoantes corre-

Ghisleni MRL, Keske-Soares M, Mezzomo CL tas, mais o número de consoantes incorretas, multiplicando-se o valor obtido por cem. A gravidade é classificada como: Desvio Severo (DS), com PCC menor que 50%; Desvio Moderado-Severo (DMS), com PCC entre 50% e 65%; Desvio Médio-Moderado (DMM), com PCC entre 65% e 85% e Desvio Médio (DM), com PCC maior que 85%. Estudos indicam, por exemplo, que quanto mais severo é o desvio, mais ininteligível é a fala 4,5. As estratégias de reparo são observadas tanto no processo de aquisição fonológica normal quanto desviante, mas, com diferença cronológica. Nos desvios, as estratégias de reparo perduram por mais tempo. As estratégias de reparo representam os recursos utilizados para adequar a realização do sistemaalvo ao sistema fonológico infantil. As crianças utilizam estes recursos no lugar do segmento e/ou da estrutura silábica que ainda não conhecem, ou cuja produção não dominam. À medida que o processo de aquisição fonológica transcorre, os recursos utilizados também se modificam, visto à proximidade dos sistemas fonológicos infantil e adulto 1. Apesar de existirem estudos fazendo referência ao uso de estratégias de reparo 6-9, alguns aspectos não foram totalmente esgotados, devendo ser investigados em maior profundidade, como, por exemplo, a falta de um estudo sistemático que reúna a investigação do uso das estratégias de reparo, considerando a gravidade do desvio fonológico evolutivo. Na presente pesquisa, buscou-se analisar a relação entre as estratégias de reparo, utilizadas pelo grupo DFE e a gravidade do desvio apresentado. MÉTODOS Esta pesquisa é descritiva, sendo constituída pela amostra da fala de sujeitos, com DFE, pertencentes a um banco de dados de uma Instituição de Ensino Superior. A amostra da fala utilizada foi coletada através do instrumento Avaliação Fonológica da Criança (AFC) 10. A aplicação do AFC permite a análise do sistema fonológico da criança, através de 5 figuras temáticas (zoológico, cozinha, sala, banheiro e veículos). Nesse instrumento, todos os fonemas da língua podem ser avaliados em todas as suas possibilidades silábicas e da palavra, mesmo aqueles de menor frequência, através da nomeação espontânea. Além disso, foi utilizada também a figura temática do circo 11, rica em figuras que representam palavras com fonemas líquidos. Após as gravações, foram transcritas e revistas por mais de um julgador. Quando não havia consenso sobre as palavras transcritas, estas eram descartadas para maior confiabilidade dos dados. Os sujeitos eram falantes monolíngues do Português Brasileiro. O grupo foi composto por 12 sujeitos, com idades entre 4:00 a 6:11;29, os quais foram divididos em três faixas etárias e equiparados em relação à variável sexo, isto é, cada faixa etária foi constituída por quatro sujeitos (2 meninos e 2 meninas) e com diferentes gravidades do DFE. A classificação da gravidade do DFE foi realizada a partir do cálculo do PCC, que pode ser obtido, dividindo-se o número de consoantes corretas pelo número de consoantes corretas, mais o número de consoantes incorretas, multiplicando-se o valor obtido por cem. A gravidade é classificada como: Desvio Severo (DS), com PCC menor que 50%; Desvio Moderado-Severo (DMS), com PCC entre 50% e 65%; Desvio Médio-Moderado (DMM), com PCC entre 65% e 85% e Desvio Médio (DM), com PCC maior que 85%. Autores 12 propuseram a Porcentagem de Consoantes Corretas-Revisada (PCC-R), bastante utilizada e que considera como erros as substituições e as omissões, desconsiderando qualquer tipo de distorção como erro. Para o presente artigo, foi utilizado o PCC-R com a classificação indicada no PCC. O projeto da pesquisa foi aprovado e registrado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, sob o número 046/02. Após a realização do levantamento dos segmentos em Onset Simples e definidas as variáveis e variantes a serem investigadas, as palavras foram codificadas, conforme sua produção. Essa codificação serviu de entrada para o programa estatístico. A codificação foi feita diretamente no formulário do Microsoft Access criado e salva em um arquivo. Após o término da digitação dos dados, cada arquivo foi salvo com o formato do Excel (*.xls), formando uma tabela. No Microsoft Word, essa tabela foi convertida em texto, para a criação de um arquivo de origem dos dados, *.txt, que serviu de entrada para o programa estatístico. Os dados foram analisados estatisticamente, através do Pacote Computacional VARBRUL 13, em ambiente Windows (Varbwin), para o tratamento estatístico dos dados. O VARBWIN permite analisar dados linguísticos em grande quantidade, fornecendo frequências e probabilidades ao fenômeno estudado, além de selecionar variáveis relevantes no processo de aquisição da linguagem. O Pacote VARBRUL é composto por seis programas básicos: CHECKTOK, READTOK, MAKE- CELL e IVARB ou TVARB ou MVARB. O primeiro, CHECKTOK, é responsável pela correção dos

Estratégia de reparo e gravidade do desvio dados de entrada, gerando dados corrigidos. O READTOK realiza transformações nos dados corrigidos pelo CHECKTOK e gera novos dados com as modificações. Os dados gerados pelo READTOK são recebidos por um terceiro programa, MAKE- CELL, que os prepara para serem executados pelo IVARB, TVARB ou MVARB. O IVARB faz a análise probabilística na forma binária. Isto significa que esse programa, por meio de cálculos estatísticos, atribui pesos relativos às variantes das variáveis independentes, com relação às duas variantes do fenômeno linguístico em questão, representadas pela variável dependente. O IVARB trabalha com uma margem de erro de.05 (5%), ou seja, qualquer fator com significância abaixo desse valor não é estatisticamente expressivo. Neste estudo, porém, foram apresentados todos os resultados, independente de apresentar ou não relevância estatística. O TVARB faz cálculos para três variáveis dependentes, e o MVARB, para quatro ou cinco. Salienta-se que a versão do VARBRUL, por meio do Windows (VARBWIN), apresenta diferenças em relação à original, no entanto somente no que se refere à digitação e à preparação dos dados para a realização da análise estatística 14. Esse programa possibilita a análise estatística de uma maneira mais interativa, em ambiente Windows. Nessa versão, é, primeiramente, criado o formulário no Microsoft Access, como referido anteriormente, para posterior análise pelo Pacote VARBRUL. O uso do formulário facilita o processo de digitação dos dados e elimina a necessidade de criação dos arquivos *.dat, *.esp, *.cor, *.oco, *.err (arquivo de dados, de codificação, de correções, de ocorrências e de erros respectivamente). No Microsoft Access, os dados são conferidos automaticamente no instante da digitação e, caso haja erro, é solicitada a correção. Além disso, elimina a necessidade de serem rodados os programas CHECKTOK e READTOK. Por meio do formulário, é possível a consulta rápida a dados específicos ou ao número de ocorrências em cada variável. Também permite que esses dados digitados sejam utilizados em outros programas de análise estatística (como o SPSS e o Statistica). Ressalta-se que o VARBRUL atribui valores de significância às variáveis linguísticas e extralinguísticas mediante a interação entre as mesmas. Por essa razão, ele não atribui valor de p às variantes, contidas dentro de uma variável. Por exemplo, o VARBRUL não gera um valor de significância na comparação entre o sexo masculino e o feminino. Para essas variantes, são atribuídos pesos relativos. Os pesos relativos ou probabilidades de ocorrência do fenômeno estudado foram retirados da interação estatística que continha, conjuntamente, todas as variáveis selecionadas como significantes pelo programa. Assim, valores probabilísticos entre.50 e.59 foram considerados neutros, nem favorecedores, nem desfavorecedores da estratégia de reparo em Onset Simples no DFE. Valores iguais ou superiores a.60 foram favorecedores, e valores inferiores, abaixo de.50, foram desfavorecedores do fenômeno estudado. Neste estudo, foram consideradas como variável linguística dependente as estratégias de reparo: anteriorização ([dors]à[cor]; [dors]à[lab]; [cor]à[lab]; [cor/-ant]à[cor/+ant]); dessonorização ([+voz]à[- voz]); plosivização ([+cont]à[-cont]); semivocalização ([+consonontal]à[-consonantal]; [+ant]à[-ant]); posteriorização ([cor]à[dors]); [lab]à[cor], [lab] à[dor]; [cor/+ant]à[cor/-ant]; substituição de líquida ([+cont]à[-cont]); omissão de sílaba (/elefante/ à[e fãntsi]); omissão de fonema (/lápis/à[ apis]) e outros (ex.: /banana/à[ma nana], /sofá/à[fo fa], palhaçoà[pa rasu], chaveà['tad i]). As variáveis independentes extralinguísticas foram consideradas: o sexo (feminino e masculino), a idade (4:00 a 6:11;29) e a gravidade do desvio fonológico (DS, DMS, DMM e DM). Como variáveis independentes linguísticas foram consideradas: a posição silábica (Onset Inicial e Medial), o contexto fonológico precedente (vazio, consoante, vogal coronal, vogal dorsal e vogal labial) e o contexto fonológico seguinte (vogal coronal, vogal dorsal e vogal labial), tonicidade (pretônica, tônica, postônica), o número de sílabas (monossílabas, dissílabas, trissílaba, polissílabas), a sonoridade do somalvo (surdo e sonoro), a classe natural do som-alvo (plosivas, nasais, fricativas e líquidas) e o ponto de articulação do som-alvo (coronal, labial, dorsal). RESULTADOS Na Tabela 1, têm-se as estratégias de reparo em que a gravidade do desvio teve um desempenho estatisticamente significante, a saber: anteriorização, posteriorização, dessonorização, plosivização, semivocalização, omissão do fonema e outras. Dentre as estratégias de reparo estudadas, apenas na substituição de líquida /r/à[l] e na omissão de sílaba, a gravidade do desvio não foi selecionada pelo programa como estatisticamente significante. Analisando as diferentes gravidades do desvio, verifica-se que crianças com DS têm maior probabilidade de realizar as estratégias de plosivização, posteriorização, outras e semivocalização, com pesos relativos iguais a.91.87,.71 e.60, respectivamente.

Ghisleni MRL, Keske-Soares M, Mezzomo CL Tabela 1 Estratégias de Reparo, selecionadas em relação à Gravidade do Desvio Fonológico Gravidade do DF Omissão do Anteriorização Posteriorização Dessonorização Plosivização Semivocalização Outras Fonema F % P f % P F % P f % P f % P f % P f % P DS 61/312 20.47 78/342 23.87 7/335 2.25 44/249 18.91 25/203 12.60 99/342 29.49 21/329 6.71 DMS 222/467 48.70 4/492 1.06 69/492 14.70 12/274 4.40 33/295 11.51 90/492 18.59 55/490 11.69 DMM 4/187 2.05 60/205 29.89 46/204 23.67 35/174 20.22 25/70 36.77 25/205 12.29 4/193 2.07 DM 79/115 69.84 14/124 11.91 6/124 5.18 1/55 2.01 2/73 3.08 6/124 5.56 9/122 7.19 Significância.029*.007*.000*.008*.009*.018*.001* Legenda: F Frequencia; % - Porcentagem; P Peso Relativo; DM Desvio Médio; DMM Desvio Médio-Moderado; DMS Desvio Moderado-Severo; DS Desvio Severo; * valor de p<.050 diferença significante O DMS favorece a ocorrência de anteriorização, dessonorização e outras, com probabilidades iguais a.70,.70 e.69, respectivamente. A estratégia de omissão do fonema é neutra, mas quase favorável, com peso relativo.59. Para o DMM, as estratégias de posteriorização, semivocalização e dessonorização apresentaram maiores pesos relativos (.89,.77 e.67, respectivamente), demonstrando que os sujeitos, com esse tipo de gravidade de DF, têm maior tendência de apresentar estas alterações na fala. Por fim, as crianças com DM foram as que apresentaram maior probabilidade de realização de posteriorizações e anteriorizações, com pesos relativos.91 e.84, respectivamente. Na Figura 1, observa-se o gráfico da frequência das estratégias de reparo por gravidade do desvio. Para o DS, observam-se mais omissões do fonema que nos demais graus de gravidade. Para o DMS, verifica-se a anteriorização com maior porcentagem de ocorrência, envolvendo a alteração de um traço. Para o DMM, percebe-se uma maior frequência de posteriorização, dessonorização, plosivização e semivocalização, sendo que todas as estratégias, exceto a semivocalização, têm somente um traço alterado. Para o DM, observa-se uma maior frequência na anteriorização do que nos demais graus, que é alteração somente em um traço. DISCUSSÃO Os resultados apontam que, quanto maior a gravidade do desvio fonológico, maior é o número de estratégias de reparo que selecionam a gravidade como estatisticamente significativa. Na literatura, existem trabalhos acerca da gravidade que abordam pesquisas de terapia da fala 15-19. Outras pesquisas analisam a inteligibilidade e a gravidade do desvio 4,5. Também há pesquisas que relacionam a inteligibilidade da fala e o uso dos processos fonológicos 7,8,20, além das que analisam a ocorrência dos processos fonológicos na fala das crianças 6,9,21-26. No entanto, estudos, relacionando as estratégias de reparo à gravidade, não foram encontrados. A aplicabilidade da terapia Metaphon foi verificada em crianças com Desvio Fonológico Figura 1 Gráfico das Estratégias de Reparo versus a Gravidade do Desvio Fonológico

Estratégia de reparo e gravidade do desvio falantes do Português Brasileiro 16. A autora aplicou o modelo em três crianças, com idades de 6:4, 5:3 e 5:11 anos, que apresentavam desvio fonológico de grau DMM, DMS e DS. Por um lado, retiram-se os processos de Onset Complexo e a coda, apontados no trabalho da autora, pois estes não foram o enfoque do presente estudo e, por outro, reúnemse os processos de substituição, dessonorização, apagamento e semivocalização, sendo observado que o DMM possuía cinco processos atuantes: apagamento (líquida não-lateral em OM-12,5%), anteriorização (palatal-80%), substituição de líquida não-lateral (0,95%), semivocalização de líquida não lateral (64,17%) e posteriorização (fricativa-25%); o DMS, quatro processos atuantes, sendo: apagamento (líquida lateral em OM-66,67%, líquida não lateral em OM-69,70%, líquida lateral em OI-100%, nasal-12,5%); dessonorização (oclusiva-90,56%, fricativa-40,42%); anteriorização (palatal-77,78%), semivocalização (líquida lateral-14,81%, líquida não-lateral-4,42%); e o DS, cinco processos atuantes, sendo: apagamento (líquida lateral em OM-17,14%, líquida não-lateral em OM-21,21%, líquida lateral em OI-54,54%, líquida não lateral em OI-88,88%, dessonorização (oclusiva-66,66%), fricativa-6,66%, semivocalização (líquida lateral-57,44%, líquida não-lateral-46,54%, plosivização (39,47%) e posteriorização (17,85%). Os dados da autora supracitada mostram que quanto maior a gravidade do DF, mais estratégias de reparo estarão envolvidas, corroborando o presente estudo. Outros estudos apontam que quanto maior a gravidade do DF mais sons não adquiridos os sujeitos apresentavam em seus sistemas fonológicos para os modelos terapêuticos estudados 18. Uma pesquisa ao examinar três grupos em relação à gravidade 15, observou o resultado mais evidente para os sujeitos que tinham mais para aprender a partir da intervenção, ou seja, nos casos mais severos. Por analogia, pode-se inferir que quanto maior a gravidade, mais estratégias de reparo as crianças estarão utilizando, pois a sua fonologia está em construção. Nos resultados deste estudo, aponta-se no DS uma maior frequência de ocorrência de omissão do fonema, pois, neste caso, a criança teria o total desconhecimento fonológico do segmento omitido. Já nos demais graus de gravidade, a maioria envolve a alteração de apenas um traço, apontando um maior conhecimento fonológico. CONCLUSÃO Pode-se concluir, a partir dos resultados, que, quanto maior a gravidade do desvio fonológico, mais as crianças utilizam estratégias de reparo, pois ainda não conhecem o segmento ou cuja produção não dominam. ABSTRACT Purpose: to analyze the relation between the repair strategies used by the EPD group and the severity of their disorder. Methods: speech sample concerning 12 subjects (6 boys and 6 girls), aged between 4:00 and 6:11;29, diagnosed with evolutional phonological disorder. The data were statically analyzed in the Computer Package VARBRUL under Windows environment (Varbwin). Results: the severity of Severe Disorder (SD) shows more probability for occurring plosivization, posteriorization, and others, and also semivocalization. The severity of Moderate-Severe Disorder (MSD) favors the occurrence of anteriorization, desonorization, and others. The severity of Mild-Moderate Disorder favors posteriorization, semivocalization and desonorization. The severity of Mild Disorder showed more probability for making posteriorizations and anteriorizations. Conclusion: the greater the severity of the phonological disorder is, more children use repair strategies, whether because they do not know the segment yet or because they do not master its production. KEYWORDS: Speech; Speech Disorders; Child REFERÊNCIAS 1. Lamprecht RR, organizador. Aquisição fonológica do Português. Perfil de desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto Alegre: Artmed; 2004. 2. Grunwell P. Os desvios fonológicos evolutivos numa perspectiva linguística. In: Yavas M, organizador. Desvios fonológicos em crianças: teoria, pesquisa e tratamento. Porto Alegre: Mercado Aberto; 1990. p.53-77.

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