A INCONSTITUCIOLALIDADE DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS PARA A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO: lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição

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Transcrição:

A INCONSTITUCIOLALIDADE DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS PARA A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO: lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição Adriano César de Oliveira Costa 1 Letícia Junger de Castro Ribeiro Soares 2 Banca examinadora 3 RESUMO: O presente trabalho analisa a interpretação jurisdicional da Emenda Constitucional 66/2010, que alterou a redação do 6º do artigo 226 da Constituição. Antes, a Constituição autorizava a dissolução do casamento pelo divórcio, estando os cônjuges separados judicialmente por mais de um ano ou, separados de fato por mais de dois anos. A EC 66/10, excluiu a necessidade de prévia separação, bastando, para dissolução do casamento, a manifestação consensual ou de um dos cônjuges, para o divórcio direto. Esta alteração do texto constitucional ascendeu rica discussão sobre o instituto da separação, com destaque para dois posicionamentos: um, defende que a EC 66/10 extirpou a separação do ordenamento jurídico brasileiro; outro defende que a separação permanece viva no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que, a EC 66/10 apenas simplificou a forma de dissolução do casamento. Todavia, há uma tendência de adoção da primeira corrente pela maioria dos magistrados. Diante de uma inicial de separação litigiosa, alguns magistrados pedem que a inicial seja emendada com pedido direto de divórcio, sob pena de extinção do processo por carência da ação. Ressaltamos que o pedido de separação nunca foi satisfativo, sempre apresentou como efeito a interrupção do vínculo conjugal e nunca o vínculo matrimonial, sendo, portanto, direito das partes a mera interrupção. Verifica-se que a EC 66/10 não tornou o pedido de separação juridicamente impossível, possibilitando pleiteá-lo jurisdicionalmente. Assim, qualquer posicionamento contrário à possibilidade de separação litigiosa é inconstitucional, já que viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88. PALAVRAS-CHAVE: Emenda Constitucional 66/2010; separação; possibilidade jurídica; inconstitucionalidade; inafastabilidade da jurisdição. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O Casamento e o Divórcio; 2.1 A Natureza jurídica do casamento e seus efeitos; 2.2 A Dissolução do casamento; 2.3 A separação; 3 EC 66/10 e os Reflexos na Separação Jurídica; 4 A Inconstitucionalidade das Decisões que Determinam a Conversão da Separação em Divórcio Frente à Inafastabilidade da Jurisdição; 5 Considerações Finais; Referências Bibliográficas. 1 INTRODUÇÃO A Emenda Constitucional 66 de 2010, trouxe nova redação ao 6º do artigo 226 da CF/88, e ascendeu rica discussão sobre o instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 226 está presente no texto constitucional no Título VIII Da Ordem Social, Capítulo VII Da Família, Da Criança, Do Adolescente, Do Jovem e do Idoso. Até a data de publicação da Emenda Constitucional 66, em 13 de julho de 2010, data em que também entrou em vigor, o 6º do artigo 226 da CF/88 estabelecia que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, exigindo como pré-requisito a separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. A partir da vigência da EC 66/10, a redação deste parágrafo foi alterada, excluindo do texto constitucional a necessidade de prévia separação, judicial ou de fato, para a dissolução do casamento pelo divórcio. No mundo prático, esta nova redação iniciou um embate quanto ao instituto da separação e seus efeitos. Na interpretação da nova previsão constitucional, trazida pela EC 66/10, destacamos duas correntes: uma corrente defende que a nova redação do 6º do artigo 226 da CF/88, ao desprezar a necessidade de separação pretérita dos cônjuges para dissolver o casamento pelo divórcio, extirpou do ordenamento jurídico a separação judicial e extrajudicial. Fundada nesta interpretação, encontramos julgados onde o magistrado, diante do pedido de separação judicial, solicita ao advogado que emende a inicial para conversão em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo por carência da ação, fundada na ausência de uma condição da ação, qual seja a possibilidade jurídica do pedido. Outra corrente, à qual apreciamos sua defesa, entende que a Constituição Federal apenas simplificou a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio direto, sem que isto levasse à termo o instituto da separação, pelo contrário, a matéria à cerca da separação continua viva e disciplinada, sem nenhuma alteração, pelo Código Civil Brasileiro e o Código de Processo Civil Brasileiro. Há entendimentos jurisprudenciais sustentando a manutenção do instituto da separação e seus efeitos, enriquecendo a discussão sobre o tema. Neste embate, trazido pela nova redação da EC 66/10 à prática jurisdicional, levantamos o questionamento: a determinação judicial de conversão da separação judicial em divórcio fere o acesso à jurisdição para garantir direito legalmente previsto? Este trabalho conduz ao entendimento que sim. A impossibilidade jurídica para o pedido de separação, compreendida por alguns julgadores, é inconstitucional, ferindo direito fundamental de acesso à justiça. 2 O CASAMENTO E O DIVÓRCIO Definitivamente, a conceituação de casamento não pode ser imutável. O casamento, frente às transformações sociais, merece uma sensibilidade interpretativa no tempo e no espaço. Até o Brasil Império, o casamento não existia em nosso ordenamento jurídico. Tratava-se de matéria regulada exclusivamente pela Igreja Católica (CARVALHO, 2011. p.89). O casamento era conhecido como casamento católico e só era permitido para os católicos. A partir de 1861 foi oficialmente permitido o casamento dos não católicos, podendo cada casal seguir as regras de suas religiões. 197

A partir da República, com a declaração do Estado laico, surge o instituído do casamento civil. A partir daí, inserido no ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se o único ato válido para a celebração do casamento. Entretanto, este afastamento entre Estado e Igreja, ao longo de nossa história, foi aparente, no que tange a regulamentação do vínculo pelo casamento. Em 1890 foi promulgada no Brasil a Lei Sobre Casamento Civil. Pela primeira vez tratou-se do divórcio, consensual e litigioso, entretanto, este divórcio não dissolvia o vínculo matrimonial, mas apenas o regime de bens, autorizando a separação de corpos. O Código Civil de 1916, para garantir a indissolubilidade do casamento, substituiu a expressão divórcio por desquite. O divórcio possuía no exterior a conotação de extinção do vínculo do casamento e, desta forma, a alteração se fazia necessária para sustentar a concepção religiosa de que o casamento é um vínculo conjugal perpétuo. O desquite, por sua vez, tornou-se matéria de interesse constitucional na Constituição Federal de 1934, que manteve a indissolubilidade do casamento. A idéia de indissolubilidade do casamento, preceito de origem religiosa, perdurou nas Constituições seguintes. Somente em 28 de junho de 1977, o divórcio foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Emenda Constitucional nº 9. Permitiu-se, a partir de então, o divórcio direto apenas aos casais separados de fato por cinco anos, desde que anteriormente à sua promulgação, ou seja, apenas aos casais já separados de fato até 27 de junho de 1977 e por cinco anos, o que teve pouco alcance. A Constituição Federal de 1988 abrandou os requisitos para o alcance do divórcio, dispondo no art. 226, 6º, não mais cinco anos, mas somente um ano de separação judicial ou de dois anos de separação de fato dos casais para o alcance do divórcio. Claramente, até pouquíssimo tempo, o nosso ordenamento jurídico não resistia por completo à pressão para impedir ou, ao menos, dificultar a dissolução do casamento. Gradativamente esta pressão foi diminuindo, mas permaneceu até a EC 66/10 que, ao alterar a redação do 6º do artigo 226 da CF/88, eliminou a dramatização, implícita ou explícita, presente na imposição do requisito da separação, judicial ou de fato, para que os cônjuges pudessem alcançar o divórcio. Inerente à sua mutabilidade, o casamento no Brasil vem sofrendo outras transformações substanciais. Vale destacar a recente decisão do Superior Tribunal Federal - STF (Resolução nº 175 de maio/2013) permitindo o casamento entre casais de mesmo sexo. O casamento se desprende do apelo religioso e caminha para atender, exclusivamente, os anseios da sociedade contemporânea. Sua conceituação pode ser apresentada como uma união formal entre pessoas que tenham o objetivo de estabelecer comunhão plena de vida. 2.1 A natureza jurídica do casamento e seus efeitos A natureza jurídica do casamento é um dos temas mais discutidos e controvertidos. O conceito originário de casamento para o direito brasileiro permanece aberto em divergências doutrinárias. Conforme exposto em linhas anteriores, para o Direito Canônico, o casamento é ato instituído pela religião, um contrato natural que decorre da natureza humana. Como tal, seus efeitos estão fixados pela natureza e, portanto, não podem ser alterados pelo homem, devendo ser perpétuo e indissolúvel (VENOSA, 2013. p.25). Obviamente, esta conceituação há algum tempo foi superada. No campo do direito brasileiro, a definição da natureza jurídica do casamento é matéria de discussão, dividida em três posicionamentos: o primeiro posicionamento define o casamento com um contrato firmado entre os cônjuges; o segundo posicionamento compreende o casamento como uma instituição, com efeitos sociais que superam o acordo de vontade dos cônjuges; e, por fim, o terceiro posicionamento em que o casamento é compreendido como um contrato sui generes, complexo, somando características de um contrato e de uma instituição. Com o surgimento do casamento civil, nasce o conceito contratualista do casamento. Dentro da teoria geral dos contratos, o casamento amolda-se à idéia de negócio jurídico bilateral. O casamento seria a livre manifestação de vontade dos cônjuges para sua realização, produzindo efeitos patrimoniais regulados pelo regime de bens previsto no Código Civil brasileiro. Conforme Venosa, por extensão, o conceito de negócio jurídico bilateral de direito de família é uma especificação do conceito contrato (2013. p.26). Ou seja, o matrimônio está inserido no plano da existência, validade e eficácia. Existem aqueles que rebatem este entendimento defendendo a natureza jurídica do casamento como instituto, com abrangência que excede os efeitos meramente contratuais. Para esta corrente, o casamento é regulado por interesses de ordem pública, que não podem ser mitigadas pela livre vontade dos cônjuges. As cláusulas que regem o casamento não são impostas pelos nubentes e sim pela lei, com princípio imutável pelo decurso do tempo. O casamento visa atender uma finalidade social e não se restringe aos efeitos patrimoniais. Possui regras sociais rígidas e permanentes. Sílvio de Salvo Venosa (2013. p. 26), apresenta a conceituação do casamento como instituto: Se visto o casamento, porém, como um todo extrínseco sob o ponto de vista da vida em comum, direitos e deveres dos cônjuges, assistência recíproca, educação da prole, ressaltamos o aspecto institucional que é muito mais sociológico do que jurídico. O casamento faz com que os cônjuges adiram a uma estrutura jurídica cogente predisposta. Neste sentido apresenta-se a conceituação institucional. Por fim, apresenta-se ao problema uma terceira corrente doutrinária concebendo o casamento como um ato complexo de natureza mista. Sua essência apresenta características de um contrato sui generis, ou seja, possui características de um negócio contratual e de uma instituição. Esta corrente entende que a única liberdade existente para a formalização do casamento está na escolha do parceiro e do regime de bens. Sobre ele recaem efeitos referentes ao vínculo de parentesco (art. 1595, CC), deveres de coabitação (art. 1.567,CC), de criação, cuidado e formação da prole (art. 1.566, IV, CC), entre outros, superando sua essência meramente contratualista, já que estes efeitos não podem ser regulados por contrato. 2.2 A dissolução do casamento Reforçando nosso posicionamento sobre a discussão proposta neste estudo, ratificamos que, através da separação é possível dissolver somente a sociedade conjugal. A separação nunca foi capaz de dissolver o casamento. O casamento só pode ser dissolvido através da morte de um dos cônjuges, através da declaração de nulidade do ato, através da desconstituição do casamento anulável ou através do divórcio direto, garantido pelo 6º do art. 226 da CF/88, conforme redação da EC 66/10. A morte de um dos cônjuges dissolve a sociedade conjugal e interrompe o vínculo matrimonial. A viuvez é o estado civil em que se apresenta o cônjuge sobrevivente em relação à morte do outro cônjuge. A morte pode ser real ou presumida (com ou sem declaração de ausência). A declaração de morte presumida sem decretação de ausência tem sua previsão no art. 7º do Código Civil (RIDEEL, 2014. p.137): Art. 7º. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; 198

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. Adiante, o casamento também poderá ser dissolvido quando contraído por enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil e, pela infringência de impedimento, por exemplo, quando um dos cônjuges já estiver casado. Hipóteses previstas para o casamento nulo (art. 1.548, CC). Neste caso, a lei prevê a legitimidade para propor ação direta de nulidade do casamento a qualquer interessado, como também ao Ministério Público, devido o interesse social presente no ato matrimonial. Se o interessado for um terceiro ou o Ministério Público, ou seja, não foi um dos cônjuges, haverá litisconsortes necessários, onde serão colocados no pólo passivo os dois cônjuges, com fundamento jurídico nos artigos. 1.548 e 1.549 do Código Civil. Trata-se de uma ação de natureza declaratória e, como tal, imprescritível. A anulação é outra hipótese de dissolução do casamento, com previsão no art. 1.550 do Código Civil. Ocorrerá nas seguintes situações: I casamento de quem não completou a idade mínima para casar. A idade núbil somente se dará a partir dos 16 anos completos, exceto quando autorizado pelo juiz no caso de gravidez; II casamento do menor em idade núbil. Maior de 16 anos e menor de 18 anos de idade, quando não autorizado por seu representante legal; III por vício da vontade, nos termos dos art 1.556, CC. Não qualquer erro, somente quanto ao erro pessoal em relação ao cônjuge. O art. 1.557, CC, traz o que seria erro essencial, in persona, ou seja, do outro cônjuge. Também existe a coação, prevista no art. 1.558, CC. A coação pode ser física ou moral. A coação física corresponde a uma violência no corpo da pessoa (neste caso o casamento não existiu, é inexistente) e a coação moral é aquela violência psicológica (casamento inválido). A vontade dos cônjuges deve ser livre; IV do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges. Exemplo: João confere poderes a José, para que este compareça à cerimônia do seu casamento para manifestar a vontade daquele de contrair casamento com Maria. João é o mandante e José o mandatário. Porém, antes do casamento, João revogou a procuração. Nem José e nem Maria, souberam da revogação e o casamento aconteceu. Este casamento pode ser anulado, desde que João não coabite com Maria. Contudo, na hipótese de João, ao invés de revogar, tivesse morrido antes do casamento, sem que José e Maria soubessem, o casamento realizado será inexistente e sem nenhum efeito. Com a morte do mandante o mandatário não teria mais poderes. VI por fim, o casamento poderá ser anulado quando celebrado por autoridade incompetente. Cada estado, através da organização judiciária, define quem será a autoridade celebrante. No estado de Minas Gerais, por exemplo, será o Juiz de Paz. Para anulação de um casamento anulável, é necessária uma Ação Anulatória de Casamento. Trata-se de uma ação desconstitutiva, proposta somente por aquele que comprovadamente tiver interesse na anulação. O Ministério Público não tem legitimidade para anular um casamento e o prazo para propor a ação é decadencial, conforme regulamenta os incisos do art. 1.560, CC. Ainda que nulo ou anulável, o casamento contraído de boa-fé, por ser um casamento putativo, será um casamento válido. Por fim, o casamento também poderá ser dissolvido pelo divórcio. Antes da EC 66/10, o casal, embora certo da vontade inequívoca de dissolução do casamento, era submetido à situação pretérita da separação, judicial ou de fato. Lei morta, que ainda permanece no art. 1.542 do Código Civil. O caminho para o divórcio, por vez, transformava-se em verdadeira penitência para aqueles que já não manifestam as mesmas vontades que um dia os uniram em laço matrimonial e, além disso, impedia às partes de, legalmente, constituir novos laços e novas famílias sem que antes cumprissem o lapso temporal exigido de separação. Mas esta situação foi superada. A partir da EC 66/10 o casamento poderá ser dissolvido diretamente pelo divórcio, sem que haja qualquer necessidade de separação pretérita, bastando a simples manifestação de vontade de um ou de ambos os cônjuges. Quanto aos efeitos do divórcio, nos ensina Sílvio de Salvo Venosa (2013, p.217): O efeito mais importante do decreto de divórcio é pôr termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. Dissolvida a sociedade conjugal pelo divórcio, os cônjuges podem contrair novas núpcias, desaparecendo o impedimento legal. Proferida a sentença de divórcio, deverá ser levada ao Registro Público competente (art. 32 da Lei do Divórcio), que é onde se acha lavrado o assento de casamento. Os efeitos em geral do divórcio já foram referidos no capítulo. Lembremos que as questões acertadas a respeito de alimentos, guarda e visita dos filhos menores podem ser revistas a qualquer tempo, em procedimentos próprios. 2.3 A separação No universo diversificado das relações conjugais, quando a união entre os cônjuges já não se apresenta saudável ou possível, diferentemente daqueles que desejam o rompimento definitivo do laço matrimonial, há aqueles que, seja por qualquer motivo, preferem dissolver a sociedade conjugal sem que isto implique necessariamente o rompimento definitivo do casamento. E esta situação é plenamente possível pela separação judicial, devidamente regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil brasileiro. A separação consensual é aquela requerida por ambos os cônjuges, amigável, por mutuo consentimento, conforme previsão do art. 1.574, CC, com a exigência do tempo mínimo de um ano de casado. Neste ponto abre-se discussão quanto a possibilidade de interferência do Estado, o que já apresenta-se resolvida com o enunciado 515 da Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil: não há prazo mínimo de casamento para a separação consensual (2012, p.72). No caso de casais sem filhos menores ou incapazes, a separação consensual poderá ser requerida na forma administrativa, através do cartório de notas, mediante escritura pública, na presença do advogado, por força do permissivo da Lei 11.441/07. Caso contrário, havendo filhos menores ou incapazes, para se obter a separação é necessário passar pelo crivo do poder judiciário. Já a separação litigiosa é aquela requerida por apenas um dos cônjuges e necessariamente judicial. Um dos cônjuges propõe uma ação de separação litigiosa e a fundamentação poderá ser no direito subjetivo, previsto no art. 1.572, CC. O caput do arquivo fala da separação sanção: Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum (RIDEEL, 2014. p.199). O art. 1.573, CC, por sua vez, traz a previsão de culpa (RIDEEL, 2014. p.200): Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: 199

I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa. O 1º do art. 1.572 prevê a separação falência, que será aquela por ruptura da vida em comum por mais de um ano, ou seja, a separação de fato há mais de um ano. O 2º prevê separação remédio, onde um dos cônjuges ficou doente, há mais de dois anos, reconhecendo a impossibilidade de cura. Também será suficiente para a separação, a situação com simples ausência de afeto, falta de amor ou vontade dos cônjuges, para permanência da sociedade conjugal, com fulcro no parágrafo único do ar. 1573, CC, onde estabelece que o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum (RIDEEL. 2014. p.200). Ressalva importante se faz em relação à discussão de culpa nos pedidos de separação. Visando proteger a dignidade da pessoa humana e evitar a exposição desnecessária da intimidade dos casais, encontra-se pacificado nos Tribunais que não se deve discutir culpa nas separações. 3 EC 66/10 E OS REFLEXOS NA SEPARAÇÃO JURÍDICA A EC 66/10 foi passo importante para a desdramatização do fim do casamento, possibilitando o divórcio direto para dissolução do casamento, sem a necessidade de separação prévia (RIDEEL, 2014. p.108): EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66, DE 13 DE JULHO DE 2010 Dá nova redação ao 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, em 13 de julho de 2010. Havendo o consenso do casal, haverá o divórcio consensual e, não existindo filhos menores ou incapazes, poderá efetivá-lo via administrativa, no cartório, na presença indispensável do advogado. Havendo filhos menores ou incapazes, via judicial obrigatória com a presença do Ministério Público. Se o interesse for apenas de um dos cônjuges, o divórcio será litigioso, bastando o interesse de não permanecer casado. O divórcio é um direito potestativo do cônjuge autor, para dissolver o casamento. Trata-se de espécie de resilição unilateral do contrato matrimonial. A EC 66/10 trouxe reflexos significativos somente em relação ao divórcio. A separação permanece inalterada, deixando de ser apenas um requisito necessário para o alcance do divórcio. Conforme já abordado, o pedido de separação não é satisfativo, seu efeito apenas interrompe o vínculo conjugal. Somente a morte de um dos cônjuges, sentença declaratória de nulidade do casamento, sentença desconstitutiva do casamento pela anulação e o divórcio, podem romper com o vínculo matrimonial. Sílvio de Salvo Venosa assim se posiciona em relação à nova redação constitucional (2013. p.164): Como percebemos, com a atual ordem constitucional, escancararam-se as portas para o divórcio, ficando a separação judicial relegada efetivamente para segundo plano. A tendência legislativa era efetivamente a eliminação da possibilidade de separação judicial entre nós, como já de há muito deveria ter ocorrido. Não havia mais sentido de sua manutenção juntamente com divórcio. Segundo o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Sr. Dimas Messias de Carvalho, após a EC 66/10, a separação foi extirpada do ordenamento jurídico brasileiro (2011, p.95): A expressão pode, que consta na EC nº 66/10 e é muito utilizada para justificar a permanência da legislação ordinária, é de simples explicação. O casamento sadio não se dissolve apenas pelo divórcio, mas também pela morte de um dos cônjuges, enquanto o casamento defeituoso pode ser nulo ou anulado. Assim, o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, pela morte, anulação ou nulidade. Por outro lado, a legislação odrinária comprovadamente não foi recepcionada pela EC nº 66/10, em razão da exclusão de sua referência no texto constitucional. Não se trata de simples omissão da separação judicial do texto ou não ser inserida por não dissolver o casamento, o que autorizaria sua permanência no sistema brasileiro, coexistindo com o divórcio. A referência à legislação ordinária foi excluída do texto da emenda constitucional com o objetivo expresso de abolir a separação judicial. Fundada nesta interpretação, encontramos julgados onde o magistrado, diante do pedido de separação judicial, solicita ao advogado que emende a inicial para conversão em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo por carência da ação, conforme podemos observar na jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010 - APLI- CABILIDADE IMEDIATA - CONCORDÂNCIA DE SOMENTE UMA DAS PARTES - DECISÃO MANTIDA. Com o advento da emenda constitucional n. 66/2010, o sistema dual (separação e divórcio) de rompimento do vínculo legal da sociedade conjugal foi suplantado em nosso ordenamento, cedendo espaço ao sistema único, mais condizente com o Estado laico aqui adotado. Em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve ser decretado o divórcio, ainda que o pedido inicial da ação seja de separação, posto que as normas constitucionais são autoaplicáveis. Manifestada, por qualquer dos cônjuges, a intenção de dissolver a sociedade conjugal, o divórcio deverá ser decretado de imediato. Somente com a recusa de ambas as partes à conversão da Ação de Separação em Ação de Divórcio, esta não poderia ocorrer, devendo o processo ser extinto sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. (Processo: Apelação Cível Nº 0724277-81.2010.8.13.0024. Relator(a): Des.(a) Mauro Soares de Freitas. Data de Julgamento: 12/01/2012). De outro lado, encontramos uma linha de raciocínio diversa, servindo-se de base para a construção do nosso posicionamento. O tema em discussão oferece riqueza de conceitos e posicionamentos que fortalece o embate. Por sua vez, apreciamos a defesa de que, 200

através da EC 66/10, a Constituição Federal enfatiza apenas a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio direto, sem qualquer reflexo sobre o instituto da separação. Ratificamos o entendimento que a matéria pertinente a separação continua viva e disciplinada pelo Código Civil Brasileiro e o Código de Processo Civil Brasileiro. Não há brecha para discussão se a matéria pertinente a separação foi ou não recepcionada pela Constituição Federal através da EC 66/10. O egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais também apresenta julgados que corroboram com este entendimento, a saber: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - SEPARA- ÇÃO JUDICIAL - EC N.º 66/2010 - SUBSISTÊNCIA DO INS- TITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO - RECURSO NÃO PROVIDO. A Emenda Constitucional nº66/10 apenas extirpou os requisitos temporais para a efetivação do Divórcio, não eliminando do ordenamento jurídico pátrio o instituto da Separação Judicial, que permanece como meio hábil para os cônjuges que por questões pessoais almejam romper a sociedade conjugal sem, contudo, dissolver o vínculo matrimonial. Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. (Processo: Apelação Cível. Nº 0062862-22.2010.8.13.0324. Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda. Data de Julgamento: 06/08/2013). O Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, nos enunciados 514, 515, 516 e 517, ratificou a possibilidade dos pedidos de separação, com previsões no ordenamento jurídico brasileiro (2012, p.72): 514 Art. 1.571: A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial. 515 Art. 1.574, caput: Pela interpretação teleológica da Emenda Constitucional n. 66/2010, não há prazo mínimo de casamento para a separação consensual. 516 Art. 1.574, parágrafo único: Na separação judicial por mútuo consentimento, o juiz só poderá intervir no limite da preservação do interesse dos incapazes ou de um dos cônjuges, permitida a cindibilidade dos pedidos com a concordância das partes, aplicando-se esse entendimento também ao divórcio. 517 Art. 1.580: A Emenda Constitucional n. 66/2010 extinguiu os prazos previstos no art. 1.580 do Código Civil, mantido o divórcio por conversão. 4 A INCOSNTITUCIONALIDADE DAS DECISÕES QUE DETERMINAM A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO FRENTE À INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO O desenvolvimento deste trabalho conduz ao entendimento que a interpretação que extingue a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, fundada na nova redação trazida pela EC 66/10, é equivocada. Esta interpretação viola o direito constitucional de acesso à jurisdição, art. 5º, XXXV, CF/88, por qualquer dos cônjuges interessados, cerceando uma garantia legalmente prevista na legislação infraconstitucional. Não podemos admitir a imposição de alguns julgadores para que os pedidos de separação sejam obrigatoriamente convertidos em divórcio, sob prejuízo da extinção do processo por carência da ação em decorrência da impossibilidade jurídica do pedido. Conforme nos ensina Misael Montenegro Filho (2013, p.349), a carência da ação representa a ausência de uma ou mais condições da ação (legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido) e, como efeito desta preliminar, teremos a extinção do processo sem a resolução do mérito, qualificandose como peremptória. No que tange a impossibilidade jurídica do pedido, complementa o seu ensinamento (2013, p.131): A impossibilidade jurídica ocorre quando o pedido formulado não se encontrar previsto no ordenamento jurídico (ausência de previsão legal relativa à sua admissibilidade) ou quando o ordenamento contemplar norma proibitiva do seu deferimento. Portanto, só haveria impossibilidade jurídica para o pedido de separação se não houvesse previsão legal para sua admissibilidade, o que não é verdade, visto que tal matéria permanece inalterada, mesmo após nova redação da EC 66/10, na legislação infraconstitucional, Código Civil, Lei 10.406/2002, artigo 1.572, e, Código de Processo Civil, Lei 5.869/73, artigos 1.120 a 1.124-A. Além disso, não se pode interpretar que a nova redação do 6º do artigo 226 da CF/88, versa de forma proibitiva para o deferimento do pedido de separação. O texto do 6º do artigo 226 se limita a tratar da dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio direto. A materialidade dos institutos da separação e do divórcio é outra questão importante à análise do tema em discussão. A separação judicial, nunca foi capaz de romper o vínculo matrimonial, serve-se apenas de questão pessoal e facultativa dos cônjuges para interromper o vínculo conjugal. Diferentemente do efeito do divórcio, capaz de romper os laços matrimoniais. Nesta linha de observação, concluímos a impossibilidade de revogação da separação, considerando as alterações trazidas pela EC 66/10. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB, sobre revogação de lei, assim prevê na redação do artigo 2º, 1º (RI- DEEL, 2014. p.135): Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. [...] O Estado Democrático de Direito é sustentando pela segurança jurídica e esta deve ser a base para qualquer interpretação legal. Entendemos que o problema abordado, no que tange a conversão automática da separação judicial em divórcio, deve e merece ser analisado pelo seu caráter inconstitucional. Ao interpretarmos que a nova redação trazida pela EC 66/10 ao 6º do artigo 226 da CF/88, teve como conseqüência levar a termo a separação judicial e extrajudicial do nosso ordenamento jurídico, limitaremos nossa interpretação à vontade não expressa do legislador. A EC 66/10 veio possibilitar aos cônjuges o rompimento do laço matrimonial que já não apresenta as motivações que um dia levaram à sua formação, sem traumas e sem constrangimentos, através do pedido direto de divórcio. É, sem dúvida, um avanço constitucional, trazendo aos envolvidos a oportunidade de formação de novos laços matrimoniais e novas famílias. Entretanto, mantém-se ainda aos cônjuges a faculdade de se optar somente pela interrupção do laço conjugal, sem que de imediato se tome a decisão pelo rompimento matrimonial e, neste aspecto, é garantido o direito com a devida previsão legal, pelo instituto da separação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há como negar que, após a EC 66/10 os pedidos de separação se tornaram vazios. Ora, em uma ação de separação, o juiz só admitirá os casos de separação consensual. Em se tratando de litigiosa, o juiz só admitirá quando o réu aceitar o pedido. Isto porque, no caso da separação litigiosa, se o réu reconvir ou mesmo, contestar com um pedido de divórcio, o pedido da separação feito na exordial será extinto. O divórcio é mais amplo e é um direito potestativo, de qualquer um dos cônjuges. Quem pode mais, pode menos. Contudo, não podemos interpretar que a separação tornou-se ju- 201

ridicamente impossível. Os cônjuges podem optar pela separação com o objetivo de afastamento conjugal, sem que haja o rompimento matrimonial. Se decidirem retomar, basta solicitar o restabelecimento conjugal. Negar o pedido da separação judicial, fundado no pedido juridicamente impossível é o mesmo que determinar aos cônjuges que, mantenham-se juntos ou divorciem-se de uma vez, o que, por garantia constitucional, não é admitido por ato do julgador. Assim, sob qualquer ótica que se examine a separação jurídica em face da EC nº 66/10, não existe outra conclusão: a separação jurídica não foi matéria abordada pela EC nº 66/10. É matéria viva e permanece à disposição como possibilidade jurídica dos cônjuges interessados na dissolução da sociedade conjugal. Nos casos concretos, onde o cônjuge autor é intimado para converter o seu pedido de separação em divórcio, sob prejuízo de extinção do processo sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, restará observada decisão inconstitucional, com lesão ao princípio da inafastabilidade de jurisdição. GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova emenda do divórcio. Primeiras reflexões. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2568, 13 jul. 2010. Disponível em:<http://jus. com.br/revista/texto/16969>. Acesso em: 16 out. 2013. PEREIRA, Sérgio Gischkow. Calma com separação e o divórcio! 2010. Disponível em: <http://magrs.net/?p=13910> Acesso em: 16 out. 2013. PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernane César de. Metodologia do Trabalho Científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho Acadêmico. 2ª Edição. Universidade Feevale, 2013. RABELO, César Leandro de Almeida. Separação e Emenda Constitucional nº 66/2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/separa%c3%a7%c3%a3o%20ec%20 66_2010.pdf> Acesso em: 16 out. 2013. RIDEEL, Vade Mecum Acadêmico de Direito. Organizado por Anne Joyce Angher. 18º Edição. São Paulo: Rideel, 2014 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2012. VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa. Direito de Família. 13º Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2013. REFERÊNCIAS CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON. Manual para Elaboração e Apresentação dos Trabalhos acadêmicos: padrão Newton. Belo Horizonte, 2011. Conselho de Justiça Federal. Jornada de Direito Civil I, III, IV e V. Enunciados Aprovados. Brasília: Centro de Estudos Judiciários, 2012. FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil. 9ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2013. NOTAS DE FIM 1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva 2 Advogada. Professora do curso de Graduação do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Tópicos Filosóficos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduação em Programação, Gestão e Implementação de Cursos a Distância oferecida pela Universidade Federal Fluminense (em curso). Membro e Diretora Adjunta do Departamento de Direito de Tecnologia da informação do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. 3 Adriano César de Oliveira Costa; Tatiana Maria Oliveira Prates Motta 202