Organização Geopolítica da Região do Povo da Cruz: O Itaqui De 1629 à 1801



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Transcrição:

Organização Geopolítica da Região do Povo da Cruz: O Itaqui De 1629 à 1801 Helenize Soares Serres * Resumo: Com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, delimitando as possessões entre as Coroas ibéricas, o território platino passou a pertencer de fato à Coroa espanhola. Como nesse momento as terras pertenciam à Espanha, o Império lusitano só efetivaria seu desejo de possuí-las por meio de uma ocupação. Há uma necessidade constante de entendimento das relações existentes entre as estâncias missioneiras e as reduções jesuíticas, e é dentro desta perspectiva que procuramos, por meio de nossa pesquisa baseada no conteúdo das cartas ânuas, compreender como se davam estas relações entrem a o povo da cruz, no lado oriental do rio Uruguai, estância que pertencia a redução de La cruz do lado ocidental do mesmo rio, discutindo questões pertinentes, tais como a presença de outros grupos indígenas como os charruas e minuanos no espaço pertencente à coroa espanhola. Palavras Chaves: La Cruz, Povo da Cruz, Geopolítica. Abstract: With the signature of Treated to Tordesilhas, delimiting the possessões between the Iberian Crowns, the platino territory started to belong in fact to the Spanish Crown. As at this moment lands they belonged to Spain, the lusitano Empire would only accomplish its desire to possess them by means of an occupation. It has a constant necessity of agreement of the existing relations between the missioneiras ranches and the jesuíticas reductions, and is inside of this perspective that we look for, by means of our research based on the content of the letters you assent, to understand as if they gave these relations enter to the Povo da Cruz, in the eastern side of the river Uruguay, of the occidental side of the same river belonged to La Cruz reduction, arguing pertinent questions, such as the presence of other aboriginal groups as charruas and minuanos in the pertaining space to the Spanish crown. Words Keys: La Cruz, Povo da Cruz, Geopolitics. Com as grandes navegações impulsionadas pelas coroas ibéricas no século XV e as terras encontradas a oeste, houve a necessidade da assinatura do Tratado de Tordesilhas, delimitando as possessões entre ambas. Contudo, o tratado não esclarece precisamente onde passaria a linha divisória, até mesmo porque a representação da linha divisória nunca fora exatamente traçada à época, o que fora utilizado inclusive, por Portugal, posteriormente, para requerer a posse das terras meridionais. O comércio da região do Rio da Prata se apresentava como uma via para suprir a necessidade de manutenção da Coroa nos moldes do sistema mercantilista em voga. Isso garantiria a soberania das coroas e, ao mesmo tempo, proporcionaria a expansão territorial. Contudo, esse território pertencia à Coroa Espanhola e seria ocupado posteriormente com o incentivo ao estabelecimento de povoados e da catequização dos grupos indígenas ali presentes. * Especialista em História Regional pela Urcamp, Campus de São Borja.

As estâncias que foram constituídas na região das Missões jesuíticas estabelecidas de ambos os lados do rio Uruguai, foram em grande parte definidas por acidentes geográficos. Destas eram feitas as extrações do gado e outros produtos necessários para o abastecimento das reduções. Os índios minuanos, que viviam mais ao sul, seguidamente faziam incursões a procura do gado para abastecer suas populações. Não só os jesuítas canalizaram por ali as primeiras entradas de gado de toda espécie, que deram origem à nossa riqueza pastoril, como anteriormente os Yaros e os charruas, haviam descoberto o vau, por onde venciam o passo conduzindo manadas de cavalares, com que encheram os pampas do sul de magníficos sementais donde procedem nossos rebanhos eqüinos. 1 Em sua obra Campos Realengos, Raul Pont cita os charruas como povos que contribuíram também para o desenvolvimento econômico da região hoje pertencente à fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Da mesma forma, aponta que os Yaros proporcionaram a entrada de animais cavalares naquela região, dando a entender que o desenvolvimento dos rebanhos teria surgido antes das reduções e estâncias missioneiras. Na margem direita do rio Uruguai situavam-se dez reduções: Mártires, São Javier (Xavier) Santa Maria, São Carlos, São Jose, Apóstolos, Concepcion, São Tomé, La Cruz e tendo como capital Yapeyu ou Los Reyes. A estância de La Cruz, nosso objeto de pesquisa, está justamente localizada na região entre os rios Ibicui e Butui, no lado oriental do rio Uruguai. A proximidade das reduções principalmente a rios navegáveis, provavelmente devia-se em razão de que os rios, neste período, eram fundamentais para o deslocamento de um lugar a outro, assim como apresentavam a possibilidade de servirem como rotas de fuga ou barreiras de contensão em caso de ataques de outras tribos indígenas, ou mesmo de bandoleiros e maloqueiros 2. O índio minuano, por exemplo, encontrava-se em um espaço próximo ao da estância de La Cruz, o que dividia e, com certeza, facilitava a sua inserção no espaço ocupado pelos guarani, ocasionando alguns conflitos. 1 PONT, Raul. Campos do Realengos. 2. ed. Porto Alegre: Edigal/Renascença, 1983. p. 40. 2 Ver mais em CAMARGO, O malón de 1801: A Guerra das Laranjas e suas implicações na América Meridional. Passo Fundo: Clio Livros, 2001.

A redução de La Cruz, ou Santa Cruz, foi fundada em 1657, proveniente de um processo migratório, no qual os indígenas que seriam estabelecidos naquela região faziam parte da antiga redução de Asunción de Acaraguá, erigida em 1628. Em 1755, aquela redução possuía 4.345 habitantes e sua estância situava-se no lado oriental do rio Uruguai. A sua economia girava em torno da produção pastoril ligada diretamente à criação de gado, ovelhas, éguas de crias, mulas e cavalos. Entretanto, conforme a documentação que estamos analisando, tais como a Coleção de Angelis e a de Pastells, além das bibliografias selecionadas que tratam sobre o período, podemos verificar que outros produtos, tal como a erva-mate e o mel provavelmente tivessem sido produzidos na estâncias das reduções. Porém, ainda é incipiente fazer algumas afirmações sobre a economia interna da estância pertencente à redução de La Cruz. Essa estância, como todas as outras, possuía grande quantidade de cabeças de gado provenientes da Vacaria do Mar, porém, fora a última criada no vale do rio Uruguai. Após o estabelecimento dos Setes Povos das Missões esta seria limítrofe pelo leste com a estância sob administração da redução de São Tomé, dividindo-se com esta pelo rio Itu, afluente da margem direita do rio Ibicui. A estância servia como fonte abastecedora da redução de La Cruz. Os subprodutos derivados do gado, dentre os quais destacamos o couro, era largamente comercializado, sendo extraído especialmente para a exportação. O envio dos produtos ao exterior dava-se, primeiramente, por meio da navegação do rio Uruguai até a bacia do Rio da Prata e, chegando ao porto de Buenos Aires era embarcado para a Espanha. Desta forma o rio Uruguai era, não uma fronteira natural como diriam posteriormente vários historiadores, especialmente luso-brasileiros, mas o elo entre a estância e a redução de La Cruz. Assim, a estância era povoada por uma parcela razoável de guaranis, pois devido a sua extensão, e as iminentes incursões dos minuanos por aquele território, faziam-se necessárias ações de ordem militar para sua proteção. Além disso, cabe destacar a importância dos afazeres administrativos que seriam prementes diariamente na estância. Com a proximidade entre os territórios de Portugal e Espanha durante o período colonial na América Meridional, as fronteiras eram extremamente voláteis, o que facilitava as tentativas de expansão dos limites territoriais de ambos os Impérios. As delimitações

resolvidas por meio dos tratados, quase sempre, não condiziam com as especificidades do local, o que acarretava em choques entre os atores ali presentes. A fronteira, diga-se de passagem, nunca é mais do que o produto de uma decisão que atribui maior ou menor fundamento à realidade de elementos que reúne, tendo entre si semelhanças e diferenças igualmente variáveis. Porém, a prática dos Impérios ibéricos várias vezes invalidou tal proposição, visto que sequer tinham conhecimentos suficientes sobre os espaço sem litígio. Com o Tratado de Madri, de 1750, as reduções e suas respectivas estâncias passaram ao domínio dos portugueses causando uma série de conflitos entre as milícias formadas por índios guaranis e as tropas enviadas pelas Coroas Ibéricas, pois os guaranis não aceitariam sair da terra onde viviam, situação que resultaria na conhecida Guerra Guaranítica. Com a Guerra Guaranítica ficaria exposta a ambição demonstrada pelas Coroas Ibéricas em referência ao espaço onde estavam localizadas as estâncias. Com isso, os guaranis perderiam o controle das mesmas devido à nova configuração territorial entre as Coroas. A partir daí, como o espaço das antigas estâncias deixou de ser administrado e controlado tanto pelos padres da Companhia de Jesus, quanto pelos guaranis, a presença de índios charruas e minuanos cresceu. O tratado de El Pardo, assinado em 1761 entre Portugal e Espanha, não anulava completamente o de Madrid, porque os portugueses não conseguiriam tomar posse deste território de maneira pacífica. Devolvia, na letra, as Missões Jesuíticas ao domínio espanhol e a Colônia do Sacramento para Portugal. Contudo, o acordo na prática duraria pouco tempo, pois em virtude da guerra dos sete anos na Europa, as coroas Ibéricas novamente se atacaram na América. Parece-nos muito claro alguns objetivos como o de terminar as seqüelas deixadas pela guerra guaranítica e também a necessidade de motivar os administradores das colônias a agirem de forma mais incisiva no controle da região. Com isso, novo revés aconteceria, pois: Em virtude da guerra dos sete anos na Europa, as Coroas Ibéricas novamente se atacavam na América. Mesmo com a paz, pelo menos provisoriamente na Europa, em 1777 a terceira ofensiva castelhana, que tomou a Ilha de Santa Catarina e novamente

ficou de posse da Colônia de Sacramento, levou a que fosse assinado um novo Tratado em 1777, o de Santo Ildefonso. O tratado tinha por objetivo a troca das Missões e da Colônia do Sacramento pela Ilha de Santa Catarina, bem como a renúncia à navegação nos rios da Prata e Uruguai por parte de Portugal. 3 Podemos então sinalizar que entre 1777 a 1801 fora o período em que os antigos Sete Povos ficaram novamente sob a administração espanhola, porém, dessa vez, sem contar com os jesuítas da Companhia de Jesus, pois estes já tinham sido expulsos de todos os territórios coloniais, tanto espanhóis quanto portugueses. Assim, os hispano-americanos ali estabelecidos desencadearam uma série de ações, na maioria das vezes, contrárias as executadas anteriormente pelos Jesuítas. O ano de 1801, por outro lado, seria marcado pela reação dos atores luso-brasileiros em direção às missões orientais, tendo a frente o estancieiro Manuel dos Santos Pedroso, juntamente com José Borges do Canto e mais alguns homens, caracterizando um processo de conquista pelas armas na tentativa de garantir a limitação das fronteiras que, mesmo assim, permaneceriam instáveis até praticamente a metade do século XIX. A tomada do Povo de São Borja encerrou o capítulo da tomada das Missões pelas armas portuguesas. Excetuando-se momentos nos quais os espanhóis intentaram forçar os passos do rio Uruguai, tendo sido repelidos em todas as tentativas. Uma partida portuguesa ousou ainda, dia 19 de novembro de 1801, cruzar o rio, atacando e saqueando o povoado de São Lucas da Concepção. 4 A geopolítica tinha papel preponderante nessas ações, pois as demarcações de fronteira da colônia portuguesa no sul do Brasil foram marcadas por disputas acirradas em busca da apropriação do espaço, demonstrando que a região era considerada geopoliticamente importante tanto para Portugal quanto para a Espanha na América Meridional. Como assinala Rogério Haesbaert da Costa: A disputa pela apropriação do espaço extremo-sul entre portugueses e espanhóis, ao longo dos séc. XVII e XVIII, é bem evidente no avanço e recuo das missões jesuíticas na alta bacia do rio Uruguai, onde estas implantaram-se como verdadeiro quisto entre os território controlados pelas duas coroas. Aos poucos, a luta se expandiu para 3 PESAVENTO apud COLVERO, Ronaldo Bernardino. Négocios na Madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2004. p. 29-30. 4 CAMARGO, O malón de 1801, p. 132.

as áreas do Pampa, terras de ninguém, rumo ao estratégico estuário do Rio da Prata, verdadeiras sentinela geopolítica onde, ainda em 1580, fora estabelecida pelos portugueses a colônia do Sacramento, palco de acirradas lutas com os espanhóis. 5 Todavia, a geopolítica 6 utiliza os dados geográficos cruzados com a ação política, buscando elementos que promovam uma discussão da atuação política do Estado tanto no âmbito interno como no internacional. Assim entende-se a geopolítica como pano de fundo para se compreender as delimitações de territórios. Então, acreditamos ser possível afirmar que a organização do espaço onde hoje se encontra o município de Itaqui começou a ser configurado a partir da antiga estância da redução jesuítica de La Cruz, passando com o tempo a ser reconhecido como Rincão da Cruz. As demarcações identificadas neste local são de ordem política definidas pelos diversos tratados que foram sendo assinados na Europa, mas que se constitui em um espaço vivido, que apresentou as suas particularidades e passaram a ser determinantes mesmo para a compreensão da região. 7 Como se está trabalhando com uma cidade de fronteira, deve-se ter o cuidado de analisá-la dentro da conjuntura espacial da qual faz parte, pois sabe-se que, apesar de o espaço hoje estar definido por divisões políticas, desde muito tempo já constituía uma área sem limites para seus habitantes. Portanto, tudo precisa ser considerado para se poder entender a forma de ocupação do espaço fronteiriço e a urbanização dessa região 8. Em 1802 começaram a ser doadas as primeiras sesmarias na região Rincão da Cruz. Estas eram doadas através de cartas de doações ou ocupadas por pessoas oriundas de diversas partes que provavelmente viam na região alguma possibilidade de benefício. Isso, contando com um intercâmbio entre culturas e experiências, sem dúvida, fora importante para o início do desenvolvimento econômico já então sob o domínio da Coroa portuguesa. 5 COSTA, Rogério Haesbaert da. RS: latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 31. 6 A geopolítica diferencia-se das demais geografias pelo princípio de dinamismo, ou seja, utiliza os dados geográficos cruzados com a ação política do Estado, interna e externamente. No entanto, não tem o fim de buscar idéias abstratas e universais sobre diversos aspectos, mas achar elementos para promover uma discussão da atuação política do Estado tanto no âmbito interno quanto internacional. Friederich Ratzel foi o grande precursor e inspirador das geopolíticas desenvolvidas por muitos Estados na busca de sua hegemonia capitalista. Este comparava o Estado a um organismo vivo, sujeito às leis naturais. Ver mais em SILVEIRA, Helder Gordim da. Argentina x Brasil: a questão do Chaco Boreal. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. 7 Revista História: Debates e Tendências: CPHRS. Passo Fundo: Ediupf, jun. 1999. p. 18. 8 COLVERO, Negócios Na Madrugada, p. 83.

Dessa forma, vamos aos poucos construindo o trabalho que nos propomos a realizar para o curso de especialização em história, procurando entender as relações existentes entre as estâncias missioneiras e as reduções, especialmente da redução de La Cruz e a estância a qual lhe pertencia, inter-relacionando-a com outros povos e agrupamentos nativos, para entender a organização, bem como compreender a ocupação deste espaço no periodo posterior a 1750, e onde atualmente localiza-se o município de Itaqui, na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com as delimitações e ocupação do espaço a partir dos tratados que determinaram muitas vezes os processos de ocupação na América Meridional, percebemos que a Coroa espanhola com referência ao nosso objeto de pesquisa, a estância da redução jesuítica de La Cruz, soube muito bem utilizar todos os espaços possíveis, criando tais espaços não só com o intuito de abastecimento para as reduções, mas também para que o excedente pudesse ser trocado com outras reduções ou remetidos para a Metrópole. A estância de La Cruz, indica-nos, portanto, como a Coroa espanhola por meio da administração jesítica conseguiu, mesmo tendo em certos momentos o rio como um divisor natural, não ser delimitador de culturas. A estância era povoada em grande parte por índios guaranis sob a supervisão dos jesuítas, executando ações políticas e militares, pois necessário agir em suas bordas desenvolvendo ações de proteção do espaço da estância, que ora era invadido por grupos de minuanos e charruas. Nota-se na estância uma administração ligada diretamente à redução, mas que tinha efetivo controle do seu espaço. Provavelmente constituída por uma quantidade razoável de guaranis, jesuítas e hispano-americanos, contava também com moradias e locais destinados aos cultos religiosos. Para além disso, é possível perceber o caráter interdependente tanto interna quanto externamente das reduções jesuíticas, contrariando muitas análises que por certo tempo as consideraram como elementos isolados dentro de um amplo espaço dominado pelas duas Coroas ibéricas.

BIBLIOGRAFIA BARCELLOS, Tanya M. de; OLIVEIRA, Naia. As áreas de fronteira na perspectiva da globalização: reflexões a partir do caso do Rio Grande do Sul/Corrientes. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.19, n.1, 1998. BECKER, Ítala Irene Basile. Os índios Charrua e Minuano na Antiga Banda Oriental do Uruguai. Dissertação de Mestrado apresentada em 1982 na Programa de Pós-Graduação em História da Cultura da Puc. Porto Alegre RS CAMARGO, Fernando. O Malón de 1801: a Guerra das Laranjas e suas implicações na América Meridional. Passo Fundo: Clio Livros, 2001. COLVERO, Ronaldo B.; Negócios Na Madrugada, O Comércio Ilícito na Fronteira do Rio Grande do Sul, Passo Fundo: UPF, 2004. COSTA, Rogério Haesbaert do. RS: latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. GOLIN, TAU, A Guerra Guaranítica. Passo fundo: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Ediupf, 1998. SILVEIRA, Helder Gordim da. Argentina x Brasil: a questão do Chaco Boreal. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. LUGON, Clovis. A República cristã dos Guaranis: 1610-1668. Trad. Álvaro Cabral. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. PONT, Raul. Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Renascença, 1983. v.i.. Campos realengos: formação da fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Renascença, 1985. v.ii. QUEVEDO, Julio. Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata. Bauru: Edusc, 2000.

REVISTA História: Debates e Tendências. CPHRS. Passo Fundo: Ediupf, jun. 1999. ROSSI, Juan José. Los Charruas. Buenos Aires: Galerna, 2002. Fontes da Internet: TORRES, Luiz Henrique. Souza Docca e o processo histórico platino e rio-grandense. Consultado em: <http://www.fee.tche.br/sitefee/download/jornadas/1/s16a5.pdf>. Acessado 03 de maio 2009. Consulta em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/isabeii0.html>. Acessado em 20 de mar. 2009.