A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS 1. Marcelo Barroso Kümmel

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Transcrição:

A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS 1 Marcelo Barroso Kümmel Opresente texto pretende ser um instrumento para ser utilizado em sala de aula apresenta a classificação dos fatos jurídicos na forma proposta por Pontes de Miranda em seu Tratado de Direito Privado. A primeira divisão que se pode fazer dos fatos jurídicos (fato jurídico lato sensu) corresponde à dicotomia entre os fatos conformes a direito (lícitos) e os contrários a direito (ilícitos), conforme classificação proposta por Pontes de Miranda 2. 1 Extraído de As nulidades na formação do contrato de trabalho, monografia com a qual o autor obteve o título de Especialista em Direito do Trabalho pela Unisinos (2001). 2 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4.ed. 2. tir. São Paulo: RT, 1977, Tomo II. p. 183-185. 191

MARCELO BARROSO KÜMMEL FATOS JURÍDICOS LÍCITOS Os fatos jurídicos conformes a direito classificam-se em: Fato jurídico stricto sensu: são os fatos da natureza, independentes de ato humano como dado essencial. São exemplos dessa espécie de fato jurídico o nascimento, a morte, o implemento de idade, a aluvião e a avulsão. Ato-fato jurídico: o fato para existir necessita de um ato humano, mas o elemento volitivo (vontade) não é relevante. Não importa se houve ou não vontade em praticar o ato. É ressaltada a conseqüência do ato, ou seja, o fato resultante. O ato-fato jurídico divide-se em: a) atos reais. São os atos humanos de que resultam conseqüências fáticas. É o fato resultante que importa para a configuração do fato jurídico, não o ato humano como elemento volitivo. São exemplos de ato real a caça; a pesca; o fato de o louco pintar um quadro e lhe adquirir a propriedade; a criança descobrir um tesouro enterrado e lhe adquirir a propriedade; b) atos-fatos indenizativos. É o ato humano não contrário a direito (portanto lícito), do qual decorre prejuízo a terceiro e o dever de indenizar. O ato não é ilícito, não há uma vontade (intenção) de causar o prejuízo. É praticado no exercício regular de um direito ou em estado de necessidade, causando dano a patrimônio de terceiro, gerando o dever de indenizar. Exemplifica-se com o artigo 160, II, do Código Civil Brasileiro combinado com o artigo 1519 do mesmo; e c) atos-fatos caducificantes. São os fatos jurídicos cujo efeito é a extinção de determinado direito decadência ou da ação que o assegura prescrição, independentemente de ato ilícito (ou verificação de elemento volitivo) de seu titular. A prescrição e a decadência se dão pelo decurso do prazo. São exemplos os artigos 178 e 179 do Código Civil Brasileiro. 192

A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS Ato jurídico lato sensu: é o fato jurídico cujo suporte fático tem como cerne uma exteriorização consciente da vontade, dirigida a um resultado. A vontade é o elemento nuclear 3 do suporte fático. O ato-jurídico lato sensu divide-se em: a) ato jurídico stricto sensu. Uma vontade é exteriorizada (manifestada ou declarada) conscientemente, com um objetivo determinado. Não há escolha de categoria jurídica e os efeitos jurídicos do ato estão preestabelecidos na lei (efeitos são necessários). São exemplos o estabelecimento do domicílio; o reconhecimento da paternidade; a interpelação para constituir o devedor em mora; e b) negócio jurídico. As partes têm liberdade para a escolha da categoria jurídica, bem como a estruturação do conteúdo eficacial (quais os efeitos querem que emane da relação jurídica que estabelecem) das relações jurídicas. Predomínio da autonomia da vontade, com os limites estabelecidos pela lei, especialmente pelas normas públicas (que visam ao predomínio do interesse público). Os contratos em geral são exemplos dessa espécie de fato jurídico. Uma representação gráfica da classificação dos fatos jurídicos lícitos pode ser assim esboçada: Fato jurídico lato sensu Fatos jurídicos conformes a direito (lícitos) Fato jurídico stricto sensu Ato-fato jurídico Ato jurídico lato sensu Atos reais Atos-fatos indenizativos Atos-fatos caducificantes Ato jurídico stricto sensu Negócio jurídico 3 A definição de nuclearidade será feita adiante. 193

MARCELO BARROSO KÜMMEL FATOS JURÍDICOS ILÍCITOS Enquanto os atos lícitos geram os efeitos almejados pelo agente, A atividade ilícita provoca uma conseqüência jurídica, apenas esta é outra que não a almejada pelo autor do ato 4. Portanto os ilícitos também são fatos jurídicos, cujo efeito não é o pretendido pelo agente 5, mas sim as conseqüências sancionatórias da norma. A classificação dos fatos contrários a direito não goza de unanimidade doutrinária. Os autores modernos limitam-se a classificar os fatos ilícitos de acordo com a norma positivada no artigo 159 do Código Civil Brasileiro, considerando ilícitos apenas aqueles atos decorrentes da vontade humana que infringem um dever geral de conduta 6, não considerando ilícitos atos que decorram da natureza ou que não envolvam a vontade. Conforme Pontes de Miranda 7 (...) há mais atos ilícitos ou contrários a direito que os atos ilícitos de que provém obrigação de indenizar. A classificação dos fatos contrários a direito (ilícitos) pormenorizada, alcançando todas as hipóteses de ilicitude, tem o seguinte perfil 8 : Fato jurídico ilícito stricto sensu são os acontecimentos da natureza que trazem como conseqüência o dever de reparar. A ilicitude resulta de simples fato da natureza. Pode-se apresentar como exemplo o fato de alguém responder pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, conforme os artigos 957 e 1127 do Código Civil brasileiro 9. 4 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 169. 5 O esbulhador não alcança o fim desejado: a posse. Ao contrário, fica obrigado a deixar o imóvel, sendo compelido a indenizar o esbulhado, pois ao esbulho falta a liceidade (Rodrigues, 1991, p. 168-169). 6 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 487. 7 PONTES DE MIRANDA, op. cit., Tomo II, p. 201. 8 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico (plano da existência). 8. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 204. 9 Idem, Ibidem, p. 207. 194

A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS Ato-fato ilícito a contrariedade a direito decorre de ato-fato, ou seja, de fato produzido pelo homem, sem ser considerada, no entanto, a vontade de praticá-lo 10, e que causa prejuízo a terceiro. O mau uso da propriedade que causa prejuízo à segurança, sossego e saúde dos vizinhos, independente da vontade de prejudicar, é exemplo de ato-fato ilícito 11. Ato ilícito lato sensu ação ou omissão voluntária, culposa ou não, conforme a espécie, praticada por pessoa imputável que, implicando infração de dever absoluto 12 ou relativo 13, viole direito ou cause prejuízo a outrem. Os atos ilícitos lato sensu dividem-se em: a) ato ilícito stricto sensu ou absoluto. Espécie definida no artigo 159 do Código Civil Brasileiro, caracteriza-se por prescindir de uma relação jurídica anterior entre o agente que pratica o ilícito e o ofendido. 10 Essa espécie de fato jurídico é proposta por Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, Tomo I, p. 193) para explicar a hipótese de alguém causar prejuízo a terceiro, com o conseqüente dever de indenizar, sem que tal conduta possa lhe ser imputada (o artigo 159 do Código Civil Brasileiro exige, para gerar o dever de indenizar, que a ação ou omissão seja voluntária). O que aconteceria com o absolutamente incapaz que causa o dano? Sua ação ou omissão é involuntária, não se classificando o fato como ato ilícito absoluto (ver definição adiante). Assim, mesmo que a vontade não seja considerada, ocorre o dever de indenizar: o ato-fato jurídico ilícito entra no mundo jurídico apenas como fato (sem que se perquira a vontade), gerando conseqüências, como o dever dos pais indenizar, em razão de ato dos filhos menores (artigo 1521, I, do Código Civil Brasileiro) ou dos tutores e curadores pelos atos de pupilos e curatelados (artigo 1521, II, do mesmo Código). 11 MELLO, op. cit., p. 208. 12 Ilícito Absoluto: não existe relação jurídica entre quem pratica o ilícito e o ofendido. É o dever geral de todos (sendo, portanto, oponível erga omnes) respeitar o patrimônio jurídico (incluídas a vida, a integridade física, a liberdade, etc) de todas as pessoas. Exemplo: Pedro abalroa na rua o automóvel de Carlos. Geraldo mata Abelardo. 13 Ilícito Relativo: se entre o agente que pratica o ato ilícito e o ofendido há uma relação jurídica anterior, por exemplo, um contrato, tem-se um ilícito relativo. Exemplo: devedor não paga sua dívida no vencimento; marido que abandona o lar. Alguns chamam esse ilícito de contratual (não é correto, porque não é só a relação jurídica contrato que admite o ilícito relativo são os atos jurídicos lato sensu). 195

MARCELO BARROSO KÜMMEL Ocorrendo o dano, em razão da ação ou omissão do agente, emerge o dever de indenizar. A reparação tem natureza patrimonial, abarcando tanto os danos materiais como os morais 14 ; b) ato ilícito relativo. É caracterizado pela violação de um dever que emerge de uma relação jurídica, seja contratual 15 ou decorrente de outra relação jurídica, que não a contratual, como, por exemplo, as protegidas pelo direito de família 16. Gera o dever de indenização por perdas e danos; A classificação proposta por Pontes de Miranda apresenta duas outras espécies de atos ilícitos, que a doutrina moderna reluta em aceitar: c) ato ilícito caducificante 17. Nem sempre a ação ou omissão culposa do agente, violadora de direitos de outrem, gera o dever de indenizar. Resulta, em algumas situações, na perda de um direito. Deve haver a culpa, na prática do ilícito. Tem-se como exemplo o artigo 395 do Código Civil Brasileiro, em que o pai ou mãe pode perder o pátrio poder em virtude de castigo imoderado ao filho ou em razão de seu abandono; d) ato ilícito invalidante 18. Quando os atos jurídicos (e apenas esta espécie de fato jurídico, já que envolvem a vontade humana) apresentam problemas relativos à capacidade, licitude ou possibilidade do objeto, à for- 14 Já não paira dúvidas sobre a indenizabilidade patrimonial dos danos morais, especialmente em virtude do seu reconhecimento na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, X. Mesmo em âmbito trabalhista pode ocorrer, se o dano moral decorrer da relação de emprego. 15 Como acontece com o devedor que não cumpre a obrigação na data pactuada ou pelo modo ajustado (artigo 1056 do Código Civil Brasileiro). 16 O ato ilícito praticado pelo tutor no exercício da tutela (MELLO, op. cit., p. 214). 17 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. 2. tir. São Paulo: RT, 1977,Tomo I. p. 216-217. 18 Idem, Ibidem. A nota seguinte explica a denominação. 196

A CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS ma, ou devido à manifestação viciada da vontade (em virtude de erro, dolo ou coação), o ato será inválido 19. O ato foi praticado em desconformidade ao Direito (portanto ilícito) e a sanção estabelecida não é o dever de indenizar, mas a nulidade relativa ou absoluta do ato jurídico, previstas, respectivamente, nos artigos 145 e 147, do Código Civil Brasileiro. A representação gráfica da classificação dos fatos jurídicos ilícitos pode ser assim esboçada: BIBLIOGRAFIA GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 13.ed. Atualizador: Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 562 p. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico (plano da existência). 8.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. 239 p. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4.ed. 2. tir. São Paulo: RT, 1977. Tomo I. 550 p.. Tratado de direito privado. 4.ed. 2. tir. São Paulo: RT, 1977. Tomo II. 576 p. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral. 22.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, v. 1. 383 p. 19 Por isso denominado ato ilícito invalidante (Mello, op. cit., p. 215, nota 234). 197