CONHECIMENTO CIENTÍFICO E ESCOLAR NO ENSINO DE ECOLOGIA: A DUALIDADE ENTRE PARADIGMAS ECOLÓGICOS EM UM LIVRO DIDÁTICO

Documentos relacionados
Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO. SEMESTRE ou ANO DA TURMA: 3 o ano EMENTA

ANÁLISE PRELIMINAR DE UM LIVRO DIDÁTICO DE BIOLOGIA

BIOLOGIA. Ecologia e ciências ambientais. Níveis de organização da vida. Professor: Alex Santos

ANALISE DOS CONTEÚDOS DE CITOLOGIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA DO 1º ANO DO ENSINO MÉDIO 1

A origem da disciplina escolar Biologia e as finalidades da escola

O ENSINO DA ZOOLOGIA DEINVERTEBRADOS: DIÁLOGOS COM A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

Programa Analítico de Disciplina BIO131 Ecologia Básica

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ENSINO DEPARTAMENTO CCENS BIOLOGIA. Plano de Ensino. Teoria Exercício Laboratório 60

Conceitos básicos para arrasar!

BIOLOGIA PROF(A). MARCUS ALVARENGA

Justificativas para a inserção de conteúdos de Evolução em livros didáticos de Biologia

BIOSFERA E SEUS ECOSSISTEMAS Cap.2

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS ESCOLA ESTADUAL ORDEM E PROGRESSO PLANEJAMENTO ANUAL

8. Referências Bibliográficas

O homem não teceu a teia da vida:ele é simplesmente um fio nessa teia. O que quer que faça à teia, ele faz a si mesmo...

AS ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO EM MUSEUS: O DISCURSO EXPOSITIVO. Martha Marandino GEENF/FE

Anexo VI- Demonstrativo das atividades curriculares por competências e habilidades

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE

A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NA EXPERIÊNCIA DO CONSÓRCIO SETENTRIONAL EM BIOLOGIA

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO. SEMESTRE DA TURMA: 1 O e 2 O ANO DA TURMA: 3 o ano EMENTA

PLANEJAMENTO ANUAL / TRIMESTRAL 2014 Conteúdos Habilidades Avaliação

II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA ABORDAGEM DA TERAPIA GÊNICA POR ACADÊMICOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA FACULDADE DE APUCARANA, PR

Palavras chave: Livro didático; Ecologia; Imagens

Ecologia. introdução, fluxo de energia e ciclo da matéria. Aula 1/2

PLANO DE CURSO CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

Jogo: Construindo cadeias alimentares

Experimentação no Ensino de Ciências e Biologia. Metodologia do Ensino de Ciências Biológicas I Martha Marandino

USO DO PORTAL DO PROFESSOR E PONTOCIÊNCIA PARA DIVULGAR PRÁTICAS E JOGOS SOBRE A SELEÇÃO NATURAL

Breve histórico da. Ecologia Aquática

INTERDISCIPLINARIDADE NA BNCC: QUAIS PERSPECTIVAS?

ECOLOGIA GERAL GUIA DA DISCIPLINA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N , DE 12 DE DEZEMBRO DE 2013

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS GONÇALO SAMPAIO ESCOLA E.B. 2, 3 PROFESSOR GONÇALO SAMPAIO

Educação e Sociedade (GEPES). Pesquisa em Educação e Sociedade (GEPES) e do Centro Universitário UNA.

Ecossistemas. Samuel Brito - Ciências Naturais 8º ano

Disciplina: Política e Meio Ambiente

BIOLOGIA. Ecologia e ciências ambientais. Cadeias e teias alimentares. Professor: Alex Santos

VISÃO SISTEMICA DA VIDA FRITJOF CAPRA PIER L. LUISI A ASCENSAO DO PENSAMENTO SISTEMICO. Páginas 419 a 564

Ecologia ATENÇÃO: Na página, ir para as secções no final da coluna, à direita. O texto da página irá ser alterado

DISCIPLINA ESCOLAR BIOLOGIA: UM DIÁLOGO ENTRE OS SABERES DOCENTES E O CONHECIMENTO ESCOLAR

APÊNDICE A DESCRIÇÃO MÍNIMA DOS COMPONENTES CURRICULARES. Componente Curricular: Metodologia Científica CH Total: 30h

Pró-Reitoria de Graduação. Plano de Ensino 3º Quadrimestre de 2016

O TEMA MEIO AMBIENTE NAS COLEÇÕES DE CIÊNCIAS RESUMO

Atividade extra. Fascículo 7 Biologia Unidade 16. Exercício 1 Cecierj Exercício 2 Cecierj

AVALIAÇÃO DA ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS LIVROS DE QUÍMICA DO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO DE 2009 A 2012.

Biologia. Rubens Oda e Alexandre Bandeira (Hélio Fresta) Ecologia

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM LIVROS DIDÁTICOS 1

A PRESENÇA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO 1

Apresentação. Dossiê sobre História e Filosofia da Ecologia e suas interfaces com a ecologia teórica e o ensino de ecologia

JOGOS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DA DIVERSIDADE E CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMAIS: O "CARA A CARA" DOS INSETOS

O LIVRO DIDÁTICO NAS AULAS DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES. Introdução

A IMPORTÂNCIA DA FAMILIA NA ESCOLA. DIOGO MARIANO HILDEFONSO¹ COLORADO DO OESTE RO BRASIL

Ensino Técnico Integrado ao Médio FORMAÇÃO GERAL. Ensino Médio

Teias tróficas, complexidade e estabilidade. Profa. Cristina Araujo

Software. GUIA DO PROFESSOR Quebra-cabeça: Teia alimentar. Duração da animação: 1 hora-aula

AVALIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO E DO CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE O CONTEÚDO DE MICROBIOLOGIA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NA REDE PARTICULAR E PÚBLICA

BIOLOGIA 1ª SÉRIE 7-BIOLOGIA

Departamento de Investigação do Instituto de Educação da Universidade do Minho

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

FUNDAMENTOS DA ECOLOGIA. A Geografia Levada a Sério

Climate, energyanddiversitydiversity

CORREÇÃO ROTEIRO CAPÍTULO 21: ECOLOGIA CONCEITOS E FLUXO DE MATÉRIA E ENERGIA

Tarefa 2 AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO PARA O 4º BIMESTRE E O PLANO DE TRABALHO REMODELADO TEMA: BIOTECNOLOGIA

IDENTIFICAÇÃO DAS ANIMAÇÕES\ SIMULACÕES EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM PARA O ENSINO DE BIOLOGIA

O Projeto Vida Saudável e a contextualização do ensino de Química.

QUESTÃO 03 - Esquematize duas cadeias alimentares em que você participe como consumidor primário e terciário, respectivamente.

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio. Professor: ALINE RISSO SOUSA RODRIGUES

FUNDAMENTOS DA ECOLOGIA. A Geografia Levada a Sério

I Simpósio Nacional de Ciência e Meio Ambiente Progresso, Consumo e Natureza Desafios ao Homem

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

Análise do ponto de equilíbrio no modelo Lotka- Volterra

Ensino Técnico Integrado ao Médio

AS FONTES LEGAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA: ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS DO PNLD

9 o ANO E. FUNDAMENTAL II / Recuperação de Biologia. Ecologia. Prof. Cecil Fazolato

CIÊNCIAS DO AMBIENTE E ECOLOGIA

FUNDAMENTOS DA ECOLOGIA. A Geografia Levada a Sério

O CONCEITO DE BIODIVERSIDADE: ESTUDO DA PRODUÇÃO ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

PLANIFICAÇÃO CIÊNCIAS NATURAIS (8.º ANO) 2016/2017 Docente: Maria da Assunção Tabosa Rodrigues

Guia do Professor Introdução

A UTILIZAÇÃO DE JOGOS DIDÁTICOS COMO FERRAMENTA DE AUXÍLIO PARA O ENSINO DE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CAMPINA GANDE PB

Teoria e prática da pesquisa científica em Planejamento e gestão do território

Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre. Processo de Seleção de Mestrado 2015 Questões Gerais de Ecologia

ESTABILIDADE E MUDANÇA CURRICULARES EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS CURRICULAR STABILITY AND CHANGE IN SCIENCE SCHOOL TEXTBOOKS

PROGRAMA ANALÍTICO E EMENTA DE DISCIPLINA DA PÓS GRADUAÇÃO

PRODUÇÃO DE CURRÍCULO NUM CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA: O Caso da Disciplina de Matemática Discreta RESUMO

Biodiversidade e prosperidade económica

O ENSINO DE DIDÁTICA E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE

Universidade Federal de Goiás Instituto de Ciências Biológicas Departamento de Ecologia. Filosofia da Ciência Epistemologia da Ciência

LIVROS DIDÁTICOS: UMA ABORDAGEM DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

PLANIFICAÇÃO CIÊNCIAS NATURAIS (8.º ANO) 2018/2019 Docentes: João Mendes, Madalena Serra e Vanda Messenário

Ecologia de ecossistemas: aula de revisão

Simulado Plus 1. PAULINO, W. R. Biologia Atual. São Paulo: Ática, (SOARES, J.L. Biologia - Volume 3. São Paulo. Ed. Scipione, 2003.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA PRESENTE NOS LIVROS DIDÁTICOSDE QUÍMICA (PNLD/ ) 1

Lista de exercícios Aluno (a):

Interfaces entre Educação Ambiental crítica e ensino de Ciências

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE BRAGANÇA PAULISTA MATRIZ CURRICULAR SIMPLIFICADA CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Transcrição:

CONHECIMENTO CIENTÍFICO E ESCOLAR NO ENSINO DE ECOLOGIA: A DUALIDADE ENTRE PARADIGMAS ECOLÓGICOS EM UM LIVRO DIDÁTICO Rodrigo Mendonça dos Santos (Universidade Federal Fluminense); Sandra Lúcia Escovedo Selles (Universidade Federal Fluminense); Mariana Lima Vilela (Universidade Federal Fluminense). Resumo Este trabalho analisa o livro didático Biologia Biologia das Populações, de José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho, sua organização e conteúdo, focalizando o conhecimento escolar ecológico em um de seus capítulos. Considerando a dualidade existente na Ecologia, entre os paradigmas da ecologia de populações e a ecologia de ecossistemas, a análise mostra que o livro didático expressa diversos conflitos que ocorrem para seleção e organização de conteúdos e, também, a relação tensionada entre as disciplinas escolares e as disciplinas acadêmicas. Esta tensão foi evidenciada na dificuldade de integrar esses dois paradigmas ao se trabalhar o conhecimento ecológico escolar no livro didático de Biologia. Palavras-chave: currículo, ecologia, livro didático, ensino de biologia. Introdução Para este trabalho, estabelecemos uma problematização a partir do conceito de paradigma cunhado por Thomas Kuhn (2006), quando afirma que toda ciência possui um paradigma que não é apenas uma teoria, mas um sistema de valores e crenças que são interpretados e compartilhados entre membros de uma comunidade científica e que orienta grupos de cientistas dentro de um momento histórico. No sentido atribuído por este filósofo, um exemplo de paradigma é o conceito de ecossistema que, ao longo do tempo, se tornou padrão para o estudo da Ecologia (O NEILL, 2001). No entanto, a definição desta ciência é diversa entre os próprios ecólogos de maneira que os que possuem as populações biológicas como objeto de estudo enfatizam os organismos (perspectiva populacional) e os ecólogos de ecossistemas destacam as relações energéticas dos diversos compartimentos do ambiente, implicando na definição de uma perspectiva mais ecossistêmica (PINTO e TAUCHEN, 2011). A pesquisa ora relatada considera que a divergência dos ecólogos ao definir seu objeto de estudo estabelece uma dualidade, dentro da própria ciência Ecologia, entre os paradigmas de ecologia de populações e de ecologia de ecossistemas, como sugere Vieira (2003). Além 6619

de colaborar para a existência de diferentes definições de Ecologia, essa dualidade pode influenciar na elaboração de conceitos, nos modos de produção do conhecimento ecológico e na maneira como a Ecologia é divulgada socialmente, inclusive na escola. Baseando-se nessas reflexões, o presente trabalho assume como hipótese que essa dualidade de paradigmas se reflete nos conteúdos de Ecologia no contexto escolar e pode se expressar em livros didáticos. Apoiada em estudos do campo do currículo (GOODSON, 2013; LOPES 2007) e do saber escolar (FORQUIN, 1992) a pesquisa analisa possíveis tensões existentes entre o conhecimento científico e o conhecimento escolar expressas na disciplina escolar Biologia e, em particular na seleção dos conteúdos de Ecologia no livro didático. Goodson (2013) compreende que as disciplinas escolares refletem os conflitos e embates que ocorrem entre os grupos sociais no processo de seleção de conteúdos. O autor afirma que estas disciplinas se formam pela disputa de finalidades acadêmicas - voltadas para fins universitários -, pedagógicas relativas à aprendizagem e utilitárias referentes à interesses cotidianos das pessoas. Ao estudar a disciplina escolar Biologia, devemos considerar que ela está sujeita não apenas a influências das ciências de referência, ou acadêmicas, mas também a condicionantes sociais da própria esfera escolar. Portanto, o conhecimento escolar não é mera simplificação do conhecimento científico, mesmo que tenha se desenvolvido ao longo do tempo mantendo fortes relações com este, conforme afirma Lopes (2007). Para esta autora o conhecimento escolar é um conhecimento legítimo que possui especificidades e objetivos próprios do ambiente escolar, muitas vezes, distintos dos objetivos científicos. Isto encontra concordância em Forquin (1992), para quem reestruturar e reorganizar os saberes e materiais culturais existentes em uma sociedade em um dado momento histórico é essencial para que estes se tornem transmissíveis às próximas gerações. Tomando por base esse quadro teórico, o trabalha apresenta os resultados de uma pesquisa que analisa um livro didático de Biologia, focalizando a dualidade entre os paradigmas ecológicos, para discutir as tensões entre o conhecimento científico e o conhecimento escolar ecológico. Desse modo, o trabalho objetiva evidenciar e analisar conflitos que ocorrem na seleção e organização de conteúdos referentes à Ecologia no livro didático Biologia das Populações. A análise baseia-se nos questionamentos levantado por Vieira (2003) quanto à coexistência de dois paradigmas na ciência Ecologia populações e ecossistemas e nas tensões existentes entre o conhecimento científico e o escolar (LOPES, 2007). É importante destacar que ao 6620

analisar o livro didático, este trabalho não tem como intenção apontar divergências conceituais entre o conteúdo apresentado no livro didático e a ciência de referência, nesse caso a Ecologia. Metodologia A escolha recaiu sobre o livro Biologia das Populações (Projeto Moderna Plus, edição 2009 da Editora Moderna), de José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho. A opção deste livro como fonte de pesquisa baseou-se em alguns critérios: na ampla presença das obras desses autores nas escolas; na grande quantidade de edições produzidas por estes autores, o que confere legitimidade devido à permanência entre os livros produzidos no país; a coexistência de uma coleção seriada destes autores indicada pelo PNLEM MEC 2009; e na disponibilidade do material para análise. Para identificar as duas perspectivas (ecossistêmica e populacional) durante toda a unidade Ecologia, o sumário desta unidade foi analisado em busca de termos que representassem cada uma delas. Por um lado, termos relacionados à ecologia de ecossistemas como cadeia alimentar, níveis tróficos, ecossistema e bioma, identificavam capítulos que abordam em seu interior a perspectiva ecossistêmica. Por outro lado, termos relacionados à ecologia de populações como comunidades, populações, relações ecológicas identificavam capítulos em que a perspectiva populacional está presente. Ademais, o capítulo de Relações Ecológicas foi analisado detalhadamente e procurou-se identificar se o tema era tratado considerando apenas os organismos individualmente, ou se abordava também o papel destes e suas interações nos diversos compartimentos do ambiente, bem como sua influência nos fluxos de energia. Resultados e Discussão A análise do sumário mostrou que a unidade Ecologia é organizada de modo que os conteúdos variem desde temas mais específicos, relacionados principalmente a conceitos fundamentais e processos biológicos, a temas mais amplos, relacionados à organização do ambiente e da sociedade, como se observa no Quadro I. Organização semelhante já foi identificada em coleções das décadas de 1980 e 1990, de Amabis e Martho, o que indica uma manutenção de um padrão na organização dos conteúdos ao longo das edições (VASCONCELOS e GOMES, 2011). 6621

Quadro I. Sumário Resumido da Unidade de Ecologia. Biologia das Capítulos Populações Unidade C- Ecologia 13 Fundamentos da Ecologia 14 Energia e matéria nos ecossistemas 16 Relações ecológicas entre seres vivos 17 Sucessão ecológica e principais biomas do mundo 15 Dinâmica das populações biológicas 18 Humanidade e ambiente Ao observar o sumário detalhado do capítulo 13 (Figura 1), que introduz os Fundamentos da Ecologia, é possível notar que tanto as populações quanto os ecossistemas são apontados como conceitos básicos da Ecologia, mas na sequência do capítulo existe uma seção que aborda exclusivamente cadeias e teias alimentares, introduzindo a definição de nível trófico. Esta seção, que conclui o capítulo de Fundamentos da Ecologia, pode ser compreendida como uma estratégia pedagógica utilizada para preparar o aluno para o capítulo seguinte Energia e Matéria nos Ecossistemas - que apresenta os fluxos de energias, níveis tróficos e os ciclos biogeoquímicos. No entanto, a presença de conceitos como cadeias, teias alimentares e níveis tróficos em um capítulo chamado Fundamentos da Ecologia reforça, neste capítulo, o privilégio dado à perspectiva ecossistêmica para o estudo da Ecologia, uma vez que esses conceitos se relacionam diretamente a temas como fluxo de energia, pirâmides ecológicas e produtividade. Concomitantemente, apenas uma página do capítulo aborda as populações biológicas, sugerindo que os fundamentos ecológicos são predominantemente filiados à perspectiva ecossistêmica. 6622

Figura 1. Sumário Detalhado do Capítulo 13, Fundamentos da Ecologia. Na sequência, o sumário sugere que o capítulo 14 refere-se especificamente à ecologia de ecossistemas, abordando os fluxos de energia, níveis tróficos e ciclos biogeoquímicos, enquanto os capítulos 15 e 16 referem-se especificamente à ecologia de populações, nos quais serão introduzidos os fatores que regulam as populações biológicas e as relações ecológicas como se observa na figura 2. 6623

Figura 2. Sumário Detalhado do Capítulo 14, 15 e 16. 6624

O capítulo 17 - Sucessão ecológica e principais biomas do mundo - é o maior da unidade Ecologia e evidencia uma grande predominância da perspectiva ecossistêmica. Como é possível observar na figura 3, a primeira seção que aborda a sucessão ecológica e a evolução das comunidades biológicas durante a sucessão ocupam apenas duas páginas do capítulo. Ao mesmo tempo, todas as seções seguintes se referem ao ecossistema: Fatores que afetam a evolução dos ecossistemas; Grandes biomas do mundo, Domínio morfoclimáticos e principais biomas brasileiros; e Ecossistemas aquáticos. Figura 3. Sumário Detalhado do Capítulo 17. O último capítulo da unidade (figura 4), Humanidade e ambiente, destaca na segunda seção a interferência humana nos ecossistemas. É interessante notar que mesmo tratando da extinção de populações biológicas o título da seção menciona apenas o ecossistema. Dessa maneira, a organização da seção ao mesmo tempo em que evidencia uma maior valorização dos ecossistemas, parece sugerir uma hierarquia entre as duas perspectivas. 6625

Figura 4. Sumário Detalhado do Capítulo 18. A análise mais detalhada de todo sumário da unidade Ecologia permite identificar, então, que a unidade concede maior espaço à perspectiva ecossistêmica do que à perspectiva populacional. A perspectiva ecossistêmica parece ser predominante na maioria dos capítulos da unidade. Este desequilíbrio de abordagens entre estas perspectivas já foi obsevada em alguns livros didáticos como sugere Vieira (2003). A análise do capítulo Relações Ecológicas evidencia a falta de integração entre os paradigmas dentro do capítulo. É possível perceber que, durante o capítulo de Relações Ecológicas, as explicações se referem sempre ao nível dos indivíduos. Mesmo conceitos da própria ecologia de populações só aparecem em uma das relações apresentadas predação -, no trecho destacado abaixo: [...] Do ponto de vista individual, as espécies predadoras beneficiamse, enquanto as presas são prejudicadas. Do ponto de vista ecológico, a predação regula a densidade populacional, tanto das presas como de predadores. A estreita correlação observada entre as flutuações no tamanho das populações de predadores e as das presas é da maior importância para a sobrevivência de ambas [...] (AMABIS e MARTHO, 2009, pág. 399) Em nenhum momento identifica-se uma tentativa de associar as relações ecológicas com os fluxos de energia que ocorrem no ambiente, ou como essas relações influenciam no ecossistema de forma mais ampla. Essa abordagem dicotomizada evidencia a ausência de diálogo entre os paradigmas dentro do capítulo. 6626

Dessa forma, a maior predominância do paradigma ecossistêmico durante a unidade de Ecologia, evidenciada através da análise do sumário, e a falta de integração entre as duas perspectivas ecológicas dentro do capítulo de Relações Ecológicas pode ser entendida como um reflexo do modo como a ciência Ecologia se estrutura, sem utilizá-las de forma plenamente integrada (O NEILL, 2001). Considerando que o conhecimento escolar é influenciado por diversos condicionantes sociais (GOODSON, 2013; LOPES, 2007) e passa por diversos processos de transformação até que seja transmissível aos alunos (FORQUIN, 1991) cabe indagar se a desintegração entre os paradigmas nos capítulos analisados seria uma estratégia pedagógica para tornar os conteúdos mais compreensíveis para os estudantes. Ao mesmo tempo, sabe-se que o conhecimento escolar mantém fortes relações com o conhecimento científico, uma vez que este é legitimado pela ciência e por suas finalidades econômicas (LOPES, 2007) e, também, porque as disciplinas escolares historicamente se consolidam ao se aproximarem das disciplinas acadêmicas (GOODSON, 1983). Conclusões O estudo identifica o desequilíbrio na abordagem de dois paradigmas, visto que não são utilizados de forma plenamente integradas. Considerando que a dualidade entre as ecologias está representada, de modo tensionado no contexto acadêmico, vemos que a abordagem do livro didático de Biologia não problematiza essa dualidade. O privilégio da ecologia de ecossistemas nesse material - transversal em quase toda a unidade Ecologia sugere o quanto conflitos epistemológicos e disputas na comunidade de biólogos são silenciados no interior da disciplina escolar (SELLES e FERREIRA, 2005). Considerando ainda que o conhecimento escolar não é pura simplificação do conhecimento científico (LOPES, 2007), abordar a Ecologia sem integrar esses dois paradigmas pode ser uma opção orientada por finalidades pedagógicas. Sugere-se que a complexidade das bases teóricas e metodológicas envolvidas na dualidade entre as ecologias dificultaria sua abordagem no contexto escolar. A opção pela ecologia de ecossistemas poderia tornar o conhecimento ecológico mais compreensível para os estudantes, pois esta enfatiza conceitos, tais como fluxo de energia, cadeia alimentar, etc., enquanto a ecologia de populações está intimamente relacionada à Biologia evolutiva. Esta, por sua vez, associa a Biologia a diversas outras áreas do saber (FUTUYAMA, 2001), demandando conhecimentos mais profundos não apenas em Ciências Biológicas, como também em Geologia e Matemática, entre outras (TIDON e LEWONTIN, 2004). 6627

Referências Bibliográficas AMABIS, J. M.; MARTHO, G. Biologia: Biologia das Populações. 1ª ed. Moderna, 810 p. 2009. FORQUIN, J. C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e educação, n. 5, p. 28-49, 1992. FUTUYMA, D. J., MEAGHER, T. R. Evolution, science and society: Evolutionary biology and the national research agenda. California Journal of Science Education, v. 1 nº 2, 19-32. 2001. GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 3º ed. Petrópolis: Vozes, 132 p. 2013. LOPES, A. C. Conhecimento Escolar e Conhecimento Científico. In:. Currículo e epistemologia. Ijuí: Unijuí,. Cap. VII, p.187-204. 2007. PINTO, C., TAUCHEN, G. Cursos de graduação em Ecologia no Brasil: análise dos paradigmas ecológicos, Anais do VIII ENPEC Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2011. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva. 264 p. 2006. O NEILL, R. V. Is it time to bury the ecosystem concept? (with full military honors, of course!). Ecology 82: 3275-3284. 2001. SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Disciplina escolar Biologia: entre a retórica unificadora e as questões sociais. In: MARANDINO et al. (Org.). Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói: Eduff. p. 50-62. 2005. TIDON, R., LEWONTIN, R. C. Teaching evolutionary biology. Genetics and Molecular Biology, 27, 124-131. 2004. VASCONCELOS, M. A., GOMES, M. M. Ecologia: investigando aspectos constitutivos do currículo de biologia em livros didáticos. Anais do VIII ENPEC Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência, 2011. VIEIRA, M. V. A construção do conhecimento na ciência ecologia. Anais do II EREBIO. São Gonçalo, RJ, SBEnBio, 2003. 6628