Estudo da Deformação Permanente de Alguns Solos Argilosos Lateríticos Visando o Uso em Pavimentos de Baixo Volume de Tráfego Marangon, M. Departamento de Transportes, Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil Motta, L. M. G. PEC-COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil RESUMO: O conhecimento do comportamento dos solos quanto às deformações plásticas ou permanentes podem fornecer informações muito mais adequadas de serem utilizadas no melhor aproveitamento das qualidades dos materiais disponíveis visando o seu dimensionamento de uma forma mais racional, do que os tradicionais índices empregados ainda hoje. O presente trabalho apresenta um estudo de deformação permanente em solos finos com o objetivo de se conhecer o comportamento de alguns dos materiais argilosos lateríticos típicos de boa parte do Estado de Minas Gerais, comumente utilizados na construção de pavimentos de baixo volume de tráfego. São apresentados valores para a deformação permanente ou plástica de dois latossolos e dois podzólicos, frente à carga (tensão desvio) repetida em ensaios triaxiais dinâmicos. Os níveis de deformação se aproximam aos de materiais de boa qualidade para utilização em obras de pavimentos. Os resultados obtidos confirmam a boa qualidade dos solos tropicais lateríticos como material de construção de pavimentos. PALAVRAS-CHAVE: Deformação Permanente, Solos Lateríticos, Pavimentos. 1 INTRODUÇÃO Uma questão particular em obras de pavimentação refere-se à natureza do carregamento cíclico na estrutura e conseqüentemente a necessidade de se verificar a deformação permanente após um determinado número de aplicações de carga no sentido de determinar se tais deformações permanentes podem conduzir à ruptura ou se tende à estabilização. Tendo em vista os valores de capacidade de suporte, em geral, serem altos para os solos compactados brasileiros, a capacidade de carga quanto a ruptura por cisalhamento é sempre atendida com a utilização de uma estrutura mínima de pavimento, quando não se satisfaz somente com o subleito bem compactado e de material laterizado de boa qualidade (Motta, 1991). A espessura de um pavimento é definida pelas condições de deformação elástica e plástica. A deformação plástica ou permanente, que se verifica no pavimento resulta em defeito estrutural do pavimento conhecido como afundamentos de trilha de roda e são indesejáveis ao bom desempenho de um pavimento. Um pavimento flexível dimensionado pelo método do DNER, com base no CBR, no que se refere ao afundamento de trilha de roda pode ser considerado suficientemente espesso pois a essência do método é a construção de camadas sobre o subleito de forma a evitar tensões cisalhantes por ação da carga do tráfego que ultrapassem a sua resistência ao cisalhamento sob a carga estática de roda mais pesada. Ressalta-se que neste método as propriedades mecânicas do subleito são avaliadas por sua resistência à penetração (ensaio CBR), que não simula a condição real na qual o solo é solicitado no campo, além da incompatibilidade entre imersão dos CPs em água durante quatro dias com as condições climáticas ambientais tropicais. Os defeitos de afundamento de trilha de roda, nos pavimentos dimensionados pelo método do DNER têm sido evitados pelas restrições de plasticidade máxima e de CBR mínimo, impostas pelas especificações brasileiras e pelo fato das camadas do
pavimento apresentarem umidades de equilíbrio próxima ou abaixo da umidade ótima. No entanto, quando se pretende melhor aproveitar as qualidades dos materiais disponíveis deve-se procurar um método mais racional adotando um modelo adequado de previsão para as deformações permanentes. A deformação permanente total de um pavimento que resulta no afundamento de trilha de roda pode ser obtida a partir das contribuições de todas as camadas e de parte do subleito. Conhecendo-se as relações tensãodeformação plástica dos materiais, obtidas em laboratório, pode-se calcular a deformação total pelo somatório das deformações plásticas ou permanentes de cada camada ou subcamada, obtida pelo produto da deformação específica plástica média da camada pela sua espessura. A comparação com critérios aceitáveis de projeto quanto ao afundamento de trilha de roda, para o número N de solicitações previstas, permite adotar a espessura arbitrada ou refazer os cálculos para outras espessuras. Motta (1991) descreve como critérios de projeto mais empregados, duas maneiras de reduzir as deformações permanentes: - Limitar a tensão vertical máxima atuante no subleito, considerada a camada de menor resistência ao cisalhamento, e as deformações plásticas; o que previne também a ruptura. - Limitar a deformação resultante do somatório das deformações permanentes de cada camada, do que seria o afundamento da trilha de roda admissível. Guimarães (2001) descreve em sua revisão da literatura a adoção de diferentes modelos de previsão da deformação permanente em solos assim como diversas expressões com a finalidade de se determinar a deformação permanente admissível em um pavimento. Guimarães (2001) investigou particularmente, para que níveis de tensões, variando o estado de tensões, tem-se a ocorrência do chamado Shakedown, ou acomodamento da deformação plástica Os ensaios de deformação permanente permitem traçar as curvas de variação da deformação permanente específica com o número de aplicações de carga, N e da deformação permanente acumulada com N, conforme pode ser visto em Medina, J. e Motta, L. M. G. (2005). 2 ESTUDO DA DEFORMAÇÃO PERMANENTE DE ALGUNS SOLOS ARGILOSOS LATERÍTICOS Do estudo desenvolvido por Marangon (2004), visando a proposição de estruturas típicas de pavimentos, com a utilização de solos lateríticos locais, procurou-se verificar o comportamento tensão x deformação permanente de quatro dos seus solos, que apresentaram deformações significativas em ensaios de módulo de resiliência, de um conjunto de 33 amostras pesquisadas. Ressalta-se que há a necessidade de se verificar o comportamento dos materiais de um pavimento, principalmente no caso de estruturas de pavimentos esbeltos, em que as solicitações do carregamento cíclico incidem diretamente na estrutura de solo do subleito, induzindo ao surgimento de deformações plásticas que podem levar à ruptura da estrutura de fundação ou a sua estabilização, dependendo do dimensionamento e da natureza do material. 2.1 Materiais pesquisados Procurou-se desenvolver um estudo de deformação permanente em solos finos com o objetivo de se conhecer o comportamento de alguns dos materiais argilosos típicos da região do Estado de Minas Gerais, comumente utilizados na construção de pavimentos de baixo volume de tráfego, com subleito tratado em solo laterítico argiloso, do local da obra. Procurou-se escolher para serem submetidas ao ensaio de deformação permanente aquelas amostras que, submetidas ao ensaio triaxial dinâmico para a obtenção do módulo de resiliência, apresentaram as maiores deformações totais. Assim estaríamos prevendo a deformação permanente acumulada, a um número expressivo de solicitações repetidas, para os piores materiais do conjunto total de 33 diferentes solos estudados por Marangon (2004). As quatro amostras selecionados, que apresentaram maiores valores para a deformação permanente, foram coletadas em
jazidas nas proximidades dos municípios de Dona Euzébia, Maripá de Minas e Goianá na Zona da Mata Mineira e da localidade de Murtinho, junto à BR040, na macroregião das Vertentes, cujas características pedológicas, geotécnicas e químicas são apresentadas na tabela 1. Tabela 1. Localização, caracterização pedológica, geotécnica e química dos solos estudados. Localização da Coleta ZM04 Dona Euzébia UTM S 7646218 O 726484 ZM08 Maripá de Minas UTM S 7600898 O 714382 ZM09 Goianá UTM S 7618845 O 688928 MV08 Murtinho UTM S 7726154 O 622028 Horizontes Coleta da A B C (m) ZM04 0-50 50-210+ - 1,50-2,00 ZM08 0-10 10-220+ - 1,70-2,20 ZM09 0-40 40-240+ - 1,40-1,90 MV08 0-40 40-180+ - 1,20-1,70 ZM04 ZM08 Nomenclatura tradicional Podzólico Vermelho Amarelo Latossolo Vermelho Amarelo Nomenclatura atual Argissolo Amarelo Latossolo Amarelo ZM09 Latossolo Bruno Latossolo Amarelo MV08 Podzólico Vermelho Escuro Argissolo Vermelho Eutrófico Ped. Areia Silte Arg. LL LP (%) (%) (%) (%) (%) (%) ZM04 0,0 26,0 7,0 67,0 79,0 30,4 ZM08 0,0 30,5 3,0 66,5 66,0 28,9 ZM09 0,5 26,5 5,0 68,0 74,2 31,9 MV08 0,1 11,4 23,5 66,5 64,6 33,9 PH (H 2 O ) Ki Kr SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 (%) (%) (%) ZM04 1,44 1,09 4,75 22,2 26,20 12,90 ZM08 1,28 1,03 4,39 19,1 25,40 9,70 ZM09 1,32 1,00 4,53 20,1 25,80 13,20 MV0 8 1,47 0,97 5,86 22,0 25,40 20,50 2.2 Métodos Utilizados Os corpos de prova cilíndricos na dimensão 10 x 20 cm foram moldados nas condições de teor de umidade e energia correspondente a 10 golpes do ensaio Mini-MCV, que corresponde aproximadamente ao Proctor Normal. Os ensaios de deformação permanente foram realizados no setor de Ensaios Dinâmicos do Laboratório da COPPE/UFRJ. A tabela 2 apresenta um resumo das informações das amostras utilizadas e as condições obtidas na compactação dos corpos de prova ensaiados. Tabela 2. Resumo das condições obtidas na compactação dos corpos de prova ensaiados. Teor de Umidade (%) Ótima (ót) * Moldagem (mol) ZM04 28,0 27,42 27,68 ZM09 27,4 26,70 26,49 MV08 28,8 28,49 27,18 ZM08 26,0 26,99 25,99 ZM08a 26,0 27,21 27,65 Peso Específico Aparente Seco Ensaio (ens) (kn/m3) Máxima (máx) * Moldagem (mol) ZM04 15,0 14,69 0,31 ZM09 14,8 14,76 0,04 MV08 15,2 14,65 0,55 ZM08 15,3 14,96 0,34 ZM08a 15,3 15,06 0,24 * 10 golpes do ensaio Mini-MCV Diferença máx-mol Observa-se que para a amostra ZM08 foram realizados dois ensaios. Estes foram feitos tendo em vista que o primeiro CP (ZM08a) ensaiado apresentou um desvio de umidade entre a ótima e a umidade de moldagem acima de 1%, além de possibilitar uma avaliação da influência que este desvio de umidade poderia implicar em termos de valor para a deformação permanente para esta amostra típica e representativa de grande parte dos materiais estudados. Foi utilizado o mesmo equipamento triaxial dinâmico usado para os ensaios de módulos de resiliência, monitorado por um sistema de aquisição de dados especialmente desenvolvido na COPPE/UFRJ, para este tipo de ensaio
(Vianna, 2002). A foto 1 mostra a imagem da tela de registro das informações e gráfico parcial das deformações permanentes que poderão ser acompanhadas pelo operador durante o ensaio. ensaios, tendo sido considerado a ordem de grandeza de 10 5 como um número significativo para projetos de pavimentos de baixo volume de tráfego, para um período de 10 anos. Desta forma a execução de cada ensaio durou cerca de 2,3 dias. A tabela 3 apresenta os números de solicitações alcançadas em cada um dos ensaios e os valores finais obtidos para a deformação plástica e para a deformação plástica específica. Tabela 3. Número de solicitações em cada ensaio de deformação permanente e valores finais obtidos para a deformação plástica e deformação plástica específica. Número de Deformação Plástica solicitações de carga (N) Total (mm) Específica ZM04 1,63 x 10 5 0,251mm 0,001256 Foto 1. Imagem da tela de registro das informações e gráfico parcial das deformações permanentes, produzidos pelo sistema de monitoramento e de aquisição de dados utilizado nos ensaios. A deformação permanente total de um pavimento esbelto, como concebido para baixo volume de tráfego, resulta muito mais da contribuição do material de subleito. Sendo assim, para a execução dos ensaios foi adotado o par de tensões desvio e de confinamento, igual a 0,70 kgf/cm 2, disponível na versão atual do equipamento utilizado e considerado inicialmente como coerente com os níveis de tensões, sob o eixo padrão, esperados para os pavimentos a serem estudados. Os autores deste trabalho reconheceram, posteriormente a realização destes estudos em laboratório, que o nível de tensões poderia ter sido superior ao usado nos ensaios, devido aos valores encontrados para as tensões, no dimensionamento de pavimentos desta natureza. Considerou-se, por fim, que este valor não ficou, contudo, distante da ordem de grandeza obtida. 3 RESULTADOS DOS ENSAIOS Iniciado o ensaio a amostra é solicitada à tensão desvio por 0,1 segundo com repetição a cada 1 segundo. O número total de solicitações da tensão desvio (carga) adotado para os ensaios foi superior a 160.000 (1,6 x 10 5 ), para todos os ZM09 2,00 x 10 5 0,297mm 0,001488 MV08 1,95 x 10 5 0,422mm 0,002117 ZM08 2,00 x 10 5 0,561mm 0,002815 ZM08a 2,00 x 10 5 1,078mm 0,005419 Os gráficos da evolução das deformações plásticas específicas ao longo das solicitações das cargas (N), nos corpos de prova submetidos ao ensaio de deformação permanente, para todas as amostras ensaiadas, estão apresentados na figura 1. Deformação Plástica Específica 0,006 0,005 0,004 0,003 0,002 0,001 Ensaio de Deformação Permanente 0 0,00E+00 5,00E+04 1,00E+05 1,50E+05 2,00E+05 2,50E+05 Solicitações de Carga (N) ZM04 ZM09 MV08 ZM08 ZM08a Figura 1. Gráficos de deformação plástica específica por número de solicitações das cargas (N), para todas as amostras deste estudo ensaiadas no triaxial dinâmico.
Marangon (2004) inicialmente imaginou que a determinação dos gráficos de deformação permanente para estes materiais poderia ser utilizado para estabelecer um critério para limitar estas deformações (afundamento de trilha de roda admissível). Seria então estabelecido um critério de projeto para o dimensionamento dos pavimentos do seu estudo, visando à proposição de estruturas típicas de pavimentos de baixo volume de tráfego com a utilização de solos lateríticos locais, a partir da verificação do comportamento tensão x deformação permanente de alguns solos, considerados mais deformáveis. Os bons resultados obtidos, contudo, indicam um nível de deformação muito baixo, impossibilitando a determinação de um valor máximo admissível a partir destes ensaios. 4 CONCLUSÕES O conhecimento do comportamento os solos quanto às deformações plásticas ou permanentes podem fornecer informações muito mais adequadas de serem utilizadas no melhor aproveitamento das qualidades dos materiais disponíveis visando o seu dimensionamento de uma forma mais racional, do que os tradicionais índices empregados ainda hoje. O presente trabalho investigou os valores para a deformação permanente ou plástica de dois latossolos e de dois podzólicos frente à carga (tensão desvio) repetida em ensaios triaxiais dinâmicos em laboratório. Foram apresentados resultados de deformação plástica total e específica, tendo sido obtidas as principais conclusões neste estudo: Como pode ser observado, os valores obtidos para as deformações plásticas nos CPs ensaiados, na condição abaixo ou muito próximo da umidade ótima, apresentaram-se muito baixas (até cerca de 0,002 de deformação plástica específica), para um nível de 2,0 x 10 5 repetições de carga. Este valor é maior para a amostra ZM08a, moldada com um teor de umidade superior à ótima (ramo úmido da compactação), chegando a 0,0054 de deformação plástica específica, reconhecidamente ainda um valor baixo para a deformação permanente. Os níveis de deformação se aproximam de materiais de boa qualidade para utilização em obras de pavimentos. Os resultados obtidos confirmam a boa qualidade dos solos tropicais lateríticos como material de construção de pavimentos. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer ao Geólogo Cícero Pereira Batista Júnior pelo apoio dado no desenvolvimento deste trabalho. REFERÊNCIAS Guimarães, A. C. R. (2001) Estudo de Deformação Permanente em Solos e a Teoria do Shakedown Aplicada a Pavimentos Flexíveis. Dissertação de Mestrado. PEC. COPPE/UFRJ. Rio de Janeiro/RJ. Marangon, M. (2004) Proposição de Estruturas Típicas de Pavimentos de Região de Minas Gerais Utilizando Solos Locais a partir da Pedologia, Metodologia MCT e Resiliência. Tese de Doutorado COPPE/UFRJ. Rio de Janeiro/RJ. 477 pags. Medina, J. e Motta, L. M. G. (2005) Mecânica dos Pavimentos. 2 a. Edição. Editora da UFRJ. Rio de Janeiro/RJ. Motta, L. M. G. (1991) Método de Dimensionamento de Pavimentos Flexíveis; Critério de Confiabilidade e Ensaios de Cargas Repetidas. Tese de Doutorado. Programa de Engenharia Civil. COPPE/UFRJ. Rio de Janeiro/RJ. Vianna, A. A. D. (2002) Contribuição para o estabelecimento de um material padrão e de metodologia para a calibração de equipamentos de ensaios dinâmicos. Dissertação de Mestrado. PEC, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.