Perda Auditiva Induzida por Ruído em Motoristas de Ônibus com Motor Dianteiro



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Transcrição:

Saude_10.book Page 13 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM Perda Auditiva Induzida por Ruído em Motoristas de Ônibus com Motor Dianteiro Noise-Induced Hearing Loss in Bus Drivers RESUMO A pesquisa objetivou estudar a incidência da perda auditiva induzida por ruído em motoristas de ônibus de motores dianteiros verificando o perfil audiológico dessa população em função do local da fonte sonora, de forma prospectiva. A casuística constituiu-se de 104 motoristas, na faixa etária de 21 a 63 anos, de duas empresas de transporte coletivo urbano da cidade de Campinas. Os dados de audiometria e da anamnese foram coletados de um banco de dados de exames audiométricos de uma clínica que realiza audiometrias ocupacionais, sendo excluídos da pesquisa aqueles que apresentaram fatores de risco de interferência para diagnóstico da perda auditiva induzida por níveis elevados de pressão sonora. A perda sugestiva por níveis de pressão sonora elevada foi detectada em 19% dos exames audiométricos analisados, sendo 12% na orelha direita e 15% na orelha esquerda. Essa baixa diferença da ocorrência da perda auditiva entre as orelhas, assim como as freqüências mais atingidas (3, 4, 6 e 8 KHz), mostram a importância de mais estudos em relações a outras variáveis, como a energia sonora, a associação de vibração, efeitos auditivos e não-auditivos e a suscetibilidade de cada indivíduo. Além disso, é imprescindível a implantação de um Programa de Prevenção de Perdas Auditivas para essa população. Palavras-chave: PERDA AUDITIVA RUÍDO MOTORISTA DE ÔNIBUS. REGIANE GONÇALVES FER- REIRA DE FREITAS* Fonoaudióloga graduada pela PUCcamp/SP HELENICE YEMI NAKAMURA Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitaçäo Prof. Dr. Gabriel Porto (Cepre) - Curso de Fonoaudiologia Faculdade de Ciências Médicas (Unicamp/SP) Curso de Fonoaudiologia Faculdade de Ciências da Saúde (UNIMEP/SP) *Correspondências: Rua Dr. Joäo Arruda, 133, ap. 21, Jardim Chapadäo, 13070-050, Campinas/SP E-mail: regiane@hkl.com.br ABSTRACT The research s aim was to study the incidence of induced hearing loss in drivers of front-engine buses and to verify the auditory profile of this population due to the position of the sound source, from an investigative perspective. The subjects were 104 bus drivers, ages ranging from 21 to 63 years old, from two mass transportation companies located in the city of Campinas. Audiometric and anamnesis data were collected from a database of a clinic that carries out occupational audiometry. The research excluded those workers that presented hearing pre-conditions that could bias the diagnosis of the induced hearing loss caused by noise. The hearing loss caused by high noise level was detected in 19% of the analyzed audiograms, being 12% in the right ear and 15% in the left ear. This small difference in the occurrence of auditory loss between the ears, as well as the most affected frequencies (3, 4, 6 and 8 KHz), shows the need of additional investigative studies that take into account other variables, such as sonorous energy, associated vibration, auditory and non-auditory effects and the susceptibility of each particular individual. Furthermore, the implementation of a Hearing-loss Prevention Program targeting this population is paramount. Keywords: HEARING LOSS NOISE BUS DRIVERS. Saúde em Revista 13 PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO EM MOTORISTAS DE ÔNIBUS COM MOTOR DIANTEIRO

Saude_10.book Page 14 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM INTRODUÇÃO A rápida urbanização tem cooperado muito para o aumento dos níveis de ruído das cidades. O ruído de tráfego é um grande responsável pela poluição sonora urbana e podemos perceber isto facilmente nos cruzamentos de avenidas movimentadas. A má conservação dos veículos automotores, o ruído acima dos limites aceitáveis devido à falta de isolamento acústico dos motores e escapamentos, o atrito com o asfalto, a má conservação da pavimentação das vias públicas e as buzinas são grandes fontes de ruído urbano. Desde o século passado, existe a preocupação com a questão do ruído nas cidades, tendo sido elaboradas leis que controlam o crescimento do ruído urbano. 15 Segundo pesquisas realizadas, o ruído de trânsito de veículos automotores é o que mais contribui para a poluição sonora urbana, 1 encontrando-se os ônibus em primeiro lugar, seguidos por outros, como ambulâncias, caminhões e motos. 2 O som é o resultado da transmissão de energia nas partículas de ar que se encontram em vibração e se distanciam da fonte sonora. Quando o fluxo de energia sonora incide na membrana timpânica, faz com que essa vibre, saindo de sua posição de equilíbrio e ocorrendo a movimentação da cadeia ossicular localizada na orelha média, composta por três ossículos denominados martelo, bigorna e estribo (fig. 1). Essa vibração da cadeia ossicular é transmitida pela platina do estribo sobre a janela oval, que está em contato com líquidos da orelha interna, onde ocorre o deslocamento de ondas mecânicas, fazendo com que haja uma movimentação de todo o ducto coclear. No órgão de Corti, localizam-se as células ciliadas que, quando saem de sua posição de repouso, provocam uma mudança na carga elétrica endocelular e disparam um impulso nervoso, conduzido pelas fibras do nervo coclear por meio do sistema auditivo periférico e central, para que, posteriormente, o estímulo sonoro possa ser analisado, interpretado e respondido. A PAIR (Perda Auditiva Induzida por Ruído) é conceituada como perda auditiva relacionada ao trabalho, com diminuição gradual da acuidade auditiva decorrente da exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora. Figura 1. Estruturas da orelha externa, média e interna. * Citamos neste trabalho o termo PAIR por ser o mais utilizado, mas adotamos a nomenclatura Perdas Auditivas Induzidas por Níveis de Pressão Sonora Elevados (PAINPSE) por ser mais adequado. 3 Estudos realizados 12, 8, 11, 16 com motoristas de ônibus demonstraram a ocorrência de PAIR com relação de perda auditiva e tempo de trabalho 7, 8 variando entre 32% e 55%, sendo encontrados na literatura apenas dois estudos 11, 8 que referem perda auditiva mais acentuada na orelha esquerda. Na prática, observamos a PAIR em motoristas que trabalham em ônibus com motor dianteiro (de seu lado direito) produzindo ruído intermitente com variação de intensidade. Assim, a pesquisa teve por objetivo estudar a incidência da PAIR em motoristas de ônibus com motores dianteiros, observando a relação dessa perda com o tempo de trabalho e a idade, e verificando o perfil audiológico desses trabalhadores em função do local da fonte sonora. MATERIAL E MÉTODO A pesquisa foi realizada por meio de uma base de dados do Programa Options Audio. Foram analisados os dados de anamneses e exames audiométricos de 104 motoristas de ônibus de duas empresas de transporte urbano da cidade de Campinas, São Paulo, que trabalham em veículos com motor dianteiro, com a conservação do veículo e tempo de uso variável, e ano de fabricação entre 1991 e 2002. Os motoristas são escalados para cumprir jornada de trabalho diária de sete horas e 20 minutos, tendo de perfazer 44 horas semanais e podendo, no máximo, fazer duas horas extras. Fizeram parte desta pesquisa 104 funcionários, na faixa etária de 21 a 63 anos, todos do sexo masculino, com um ano ou mais de trabalho na empresa, que utilizavam ônibus com motor dianteiro. * Ilustração de Regiane FREITAS. 14 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(10): 13-19, 2003

Saude_10.book Page 15 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM Tabela 1. Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de trabalho na empresa. TEMPO DE TRABALHO (ANOS) N (%) 1 a 2 75 72% 3 a 5 14 13% 6 a 10 10 10% 11 a 15 4 4% 16 a 23 1 1% Total 104 100% Inicialmente, foram observados os dados coletados dos sujeitos referentes a antecedentes otológicos, queixas auditivas, hábitos, tempo de trabalho na empresa, antecedentes ocupacionais e o estado de saúde geral. A meatoscopia foi realizada antecedendo o exame audiométrico a fim de inspecionar cuidadosamente o meato acústico externo e visualizar a membrana timpânica, para verificação de presença de rolha de cera ou corpo estranho que impedisse a livre passagem do som. O exame audiométrico foi realizado em cabine acústica e com audiômetro SD 25 (Siemens) devidamente aferido e calibrado. A audiometria tonal foi realizada por via aérea, nas freqüências de 0,25 a 8 KHz. No caso de alteração detectada no teste de via aérea, o exame também foi realizado por via óssea, nas freqüências de 0,50 a 4 KHz. Para a análise dos dados de anamnese, foi utilizado somente o cálculo das porcentagens, e para a interpretação e classificação dos audiogramas de acordo com a existência da perda auditiva, foram usados os critérios propostos pela Portaria n.º 19 (Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho), 4 sendo considerados limites aceitáveis os sujeitos cujos audiogramas mostraram limiares auditivos menores ou iguais a 25 db (NA) em todas as freqüências examinadas e classificados como limiar normal; e considerados sugestivos de PAINPSE os casos cujos audiogramas, nas freqüências de 3 e/ou 4 e/ou 6 KHz, apresentaram limiares auditivos acima de 25 db (NA) e mais elevados do que nas outras freqüências testadas, estando elas comprometidas ou não, tanto no teste de via aérea quanto no de via óssea, em um ou em ambos os lados. Tabela 3. Distribuição dos achados audiométricos. CLASSIFICAÇÃO N (%) Limites aceitáveis 84 81% Sugestivo de PAINPSE 20 19% Total 104 100% RESULTADOS Foram colhidos os dados de 104 motoristas de ônibus com idade que variaram de 21 a 63 anos, sendo a média de 37,5 anos. O tempo de trabalho na empresa variou de um a 23 anos, com uma média de 3,5 anos. Para melhor visualização, esse período foi dividido em intervalos, apresentados na tabela 1. Na anamnese, foram colhidos os dados referentes aos relatos de ouvir bem, presença de zumbido e antecedentes otológicos (infecções/inflamações na orelha), conforme pode ser observado na tabela 2. Na tabela 3, encontram-se os dados de audiometria tonal referentes aos achados de limites aceitáveis e sugestivos de PAINPSE. No gráfico 1, encontra-se a comparação entre orelha direita e orelha esquerda, de acordo com sua classificação. Foi realizada uma comparação entre as duas orelhas mostrando os tipos de ocorrências quanto às classificações encontradas em um mesmo indivíduo, apresentada na tabela 4. Foram analisados os conjuntos e as freqüências sonoras mais atingidas das orelhas direita e esquerda dos 20 motoristas com perda auditiva sugestiva de PAINPSE. Na orelha direita, os grupos de freqüências mais atingidos foram 3, 4, 6 e 8 KHz em cinco motoristas (25%), seguido de 4, 6 e 8 KHz em quatro (20%), e três motoristas (15%) com todas as freqüências alteradas. Na orelha esquerda, a maior ocorrência foi, primeiramente, em 3, 4, 6 e 8 KHz em sete (35%), em todas freqüências alteradas, quatro motoristas (20%), e, em seguida, por 4, 6 e 8 KHz em dois (10%). Tabela 2. Distribuição dos achados da anamnese. OUVEM BEM TÊM ZUMBIDO ANTEC. OTOLÓGICO Respostas N (%) N (%) N (%) Sim 97 93% 8 8% 6 6% Não 7 7% 96 92% 98 94% Total 104 100% 104 100% 104 100% Saúde em Revista 15 PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO EM MOTORISTAS DE ÔNIBUS COM MOTOR DIANTEIRO

Saude_10.book Page 16 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM Gráfico 1. Distribuição dos achados audiométricos por orelha. Gráfico 2. Distribuição dos achados audiométricos sugestivos de PAINPSE em relação à idade. Gráfico 3. Distribuição dos achados audiométricos sugestivos de PAINPSE em relação ao tempo de trabalho. 16 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(10): 13-19, 2003

Saude_10.book Page 17 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM Tabela 4. Distribuição quanto aos tipos ocorrência dos achados audiométricos no mesmo indivíduo ORELHA DIREITA ORELHA ESQUERDA N (%) Limites aceitáveis Limites aceitáveis 84 81% Sugestiva de PAINPSE Limites aceitáveis 4 4% Limites aceitáveis Sugestiva de PAINPSE 7 7% Sugestiva de PAINPSE Sugestiva de PAINPSE 9 8% Total 104 100% Os dados da relação entre ocorrência de perdas auditivas sugestivas de PAINPSE e idade podem ser observados no gráfico 2. A relação entre os achados audiométricos de perdas auditivas sugestivas de PAINPSE ao tempo de trabalho foi estudada e encontra-se no gráfico 3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Analisando a idade dos motoristas de ônibus desta pesquisa, observou-se que a maioria encontrava-se na faixa etária de 31 a 40 anos, com uma média de idade de 37 anos e seis meses. Foram encontrados dados semelhantes a esses em outras pesquisas 11, 13 com motoristas de ônibus, sendo que a maioria encontra-se na faixa etária de 31 a 50 anos. O tempo de trabalho na empresa variou de um a 23 anos, com uma média de 3,5 anos, estando a maioria entre um e dois anos na empresa, como se observa na tabela 1. Na análise dos dados colhidos da anamnese, apenas sete (7%) motoristas tinham relatado não ouvir bem, como mostra a tabela 3. Esse dado mostra uma diferença em relação à ocorrência de perda auditiva, encontrada em 20 (19%) dos motoristas, podendo esta incompatibilidade justificar-se pelo fato de as freqüências atingidas não interferirem na área de fala e/ou pelo pouco acometimento dos limiares auditivos. A presença de zumbido apresentou-se em oito (8%) dos motoristas da pesquisa, como mostra a tabela 2 resultado bastante semelhante ao de um estudo realizado com motoristas e cobradores. 12 Também foram observados, na literatura estudada, 10, 16 relatos de que uma das principais causas de zumbido é a perda auditiva induzida pelo ruído. Os relatos de antecedentes otológicos foram encontrados em seis (6%) dos motoristas estudados. Quanto aos antecedentes ocupacionais dos motoristas, não foi possível o acesso aos dados de exposição em nível de pressão sonora elevado nos empregos anteriores. Assim, devemos lembrar que há a possibilidade de existência dessa outra variável interferindo nos resultados obtidos. No que diz respeito aos dados de audiometria tonal, encontramos 84 (81%) que apresentaram curvas audiométricas com limites aceitáveis e 20 (19%) com curvas audiométricas sugestivas de PAINPSE, conforme demonstrado na tabela 3. Observa-se, na literatura, a ocorrência de PAIR elevada no setor industrial, 14, 5, 9 variando de 23% a 53%. Isso mostra que o ruído nos setores industriais é considerado bastante prejudicial. Contudo, o ruído urbano vem se revelando um risco crescente para o desenvolvimento da PAINPSE. Na comparação entre as orelhas da ocorrência de PAINPSE, foi observada uma discreta diferença, com 13 (12%) audiogramas sugestivos de PAINPSE na orelha direita e 16 (15%) na orelha esquerda, conforme o gráfico 1. Esse dado não era esperado, devido à localização do motor no lado direito. Pode-se pensar, então, em uma interferência de variáveis, como o ruído do tráfego na rua, vibrações, barulho da lataria do veículo e outras a serem consideradas. Na literatura estudada, 11, 8 também foram encontrados relatos de falta de significância estatística em relação à lateralização da perda auditiva, mas com prevalência de PAIR maior na orelha esquerda. Ainda estudando a lateralidade, ao analisar a ocorrência da perda auditiva em cada motorista, observou-se uma diferença pequena de ocorrências, com nove (8%) apresentando perda sugestiva de PAINPSE bilateral, quatro (4%) com perda sugestiva de PAINPSE unilateral direita e sete (7%) com perda sugestiva de PAINPSE unilateral esquerda, como mostra a tabela 4. Nela, observando as orelhas direita e esquerda, encontra-se a discreta diferença para a orelha esquerda. Saúde em Revista 17 PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO EM MOTORISTAS DE ÔNIBUS COM MOTOR DIANTEIRO

Saude_10.book Page 18 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM Analisando as freqüências sonoras com limiares acima de 25dB (NA) dos motoristas com perda auditiva sugestiva de PAINPSE, observou-se que a perda auditiva é maior em conjunto do que em freqüências isoladas. A maior ocorrência foi na orelha esquerda em 3, 4, 6 e 8 KHz em sete motoristas (35%), seguida por cinco (25%) na orelha direita, nesse mesmo conjunto de freqüências. O Comitê Nacional 6 afirma que a PAIR se inicia com alteração nas freqüências altas, 4 ou 6 KHz, depois começa a atingir 3, 8, 2 e 1 KHz, respectivamente. Por último, são afetadas as freqüências baixas, de 0,50 KHz e 0,25 KHz. Diante dessa afirmação, constata-se que grande parte do universo estudado nesta pesquisa encontra-se em um nível de alteração crescente, já que a freqüência de 8 KHz é encontrada em muitos grupos de freqüências atingidas. Analisando a idade dos motoristas de ônibus em relação à ocorrência da perda auditiva sugestiva de PAINPSE, pudemos observar o aumento de indivíduos com perda auditiva ao aumentar a faixa etária. Quanto a essa análise, não foram encontrados, na literatura pesquisada, dados semelhantes aos obtidos na pesquisa. Ao estudarmos o período de trabalho na empresa, encontramos uma maior concentração de motoristas na faixa de um a dois anos de serviço, mais jovens e com pouco tempo de exposição ao ruído relatado. CONCLUSÕES A análise das audiometrias de motoristas de ônibus com motores dianteiros permitiu conhecer o perfil audiológico desses trabalhadores e estudar a incidência da PAINPSE nessa população. A maioria dos motoristas relata que ouve bem, podendo-se citar que ainda há uma preservação da audição na comunicação social. Alguns reportam presença de zumbido, sintoma comum da PAIR. O número elevado de motoristas com pouco tempo de trabalho sugere uma rotatividade desses profissionais na empresa, o que compromete o estudo desses dados. A perda sugestiva de PAINPSE foi detectada em 19% dos audiogramas analisados, sendo 12% na orelha direita e 15% na orelha esquerda. A pequena diferença encontrada não pode estar relacionada com a localização do motor no ônibus, uma vez que o mesmo fica do lado direito do motorista. Os achados apontam para a importância de mais estudos em relações a outras variáveis como a associação de vibração, ruído urbano, efeitos auditivos e não-auditivos e a suscetibilidade de cada indivíduo, que podem ser associadas à localização do motor no ônibus e comprometer a audição desses trabalhadores. Assim, é imprescindível a implantação de um Programa de Prevenção de Perda Auditiva (PPPA) para esta população. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Alvares PAS, Pimentel-Souza F. A poluição sonora em Belo Horizonte. Rev. Acústica e Vibrações 1992;(10):23-41. 2. Alves Jr DR. Pesquisa aponta riscos no trabalho na Paulista. O Estado de São Paulo 1997, 21 mar. 3. Brasil. Portaria do INSScom respeito à perda auditiva por ruído ocupacional. Edital 3. 9 jul. 1997. Diário Oficial 131, 11 jul. 1997. Seção 3. p. 14244-9. 4.. Portaria 19 da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, 9 abr. 1998. Determina que o exame audiométrico será executado por profissional habilitado, ou seja, médico ou fonoaudiólogo. Jornal do CRFa. São Paulo 1998; (2):4-5. 5. Carnicelli MVF. Audiologia preventiva voltada à saúde do trabalhador: organização e desenvolvimento de um programa audiológico numa indústria têxtil da cidade de São Paulo [Tese de Mestrado em Fonoaudiologia]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1988. 6. Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva Boletim 1: Perda Auditiva Induzida pelo Ruído Relacionada com o Trabalho. Rev Acústica e Vibrações 1994;(13):123-5. 7. Cordeiro R, Lima-Filho EC, Nascimento LCR. Associação da perda auditiva induzida pelo ruído com o tempo acumulado de trabalho entre motoristas e cobradores. Cad. Saúde Pública 1994;10 (2):210-21. 8. Corrêa Filho HR, Moura EC, Hoehne EL, Pérez MAG, Cordeiro RC, Nascimento LCR et al. Perda auditiva induzida por ruído e hipertensão em condutores de ônibus. Rev. Saúde Pública 2002;36 (6). 9. Fiorini AC. Conservação auditiva: estudo sobre o monitoramento audiométrico em trabalhadores de uma indústria metalúrgica [Tese de Mestrado em Fonoaudiologia]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1994. 10. Latance Jr S. Desmistificando o tabu do ruído nos motoristas de ônibus de São Paulo. Revista CIPA Caderno Informativo de Prevenção de Acidentes 2001;(260):48-54. 11. Marques SR. Os efeitos do ruído em motoristas de ônibus urbanos do município de São Paulo [Tese de Mestrado em Fonoaudiologia]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1998. 18 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(10): 13-19, 2003

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Saude_10.book Page 20 Tuesday, March 16, 2004 6:34 PM 20 SAÚDE REV., Piracicaba, 5(10): 13-19, 2003