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Angiofibroma juvenil da nasofaringe - Podemos dispensar a embolização pré-operatória? Juvenile nasopharyngeal angiofibroma - Surgery without pre-operative embolization? Joana Filipe Teresa Matos Helena Ribeiro Luís Tomás Paulo Borges Dinis RESUMO O Angiofibroma juvenil da nasofaringe é uma mal-formação vascular rara, com aparente origem no buraco esfeno-palatino, mais frequente em jovens adolescentes do sexo masculino que assume, não raras vezes, um comportamento local agressivo, a que se associa um risco elevado de hemorragia. A angiografia assume um papel preponderante no diagnóstico e a embolização pré-operatória da lesão é recomendada por muitos autores, de forma a diminuir a hemorragia intraoperatória que pode pôr em risco a vida do doente. Este procedimento não está isento de complicações, exigindo a colaboração de centros de imagiologia experimentados na técnica. Apresenta-se o caso clínico de um doente do sexo masculino, de 16 anos de idade, com um Angiofibroma grau II de Fisch, não submetido a embolização pré-cirúrgica, cuja ressecção por cirurgia endoscópica endonasal foi precedida da clampagem da artéria maxilar interna na fossa pterigopalatina, passo cirúrgico considerado determinante para a posterior excisão tumoral, uma vez que garante um controlo nãotromboembólico da hemorragia intra-operatória, e permite contornar a problemática da embolização pré-cirúrgica. Palavras-chave: angiofibroma juvenil da nasofaringe, cirurgia endoscópica, fossa ptérigo-palatina, embolização vs nãoembolização ABSTRACT Juvenile nasopharyngeal angiofibroma is a tumour-like vascular malformation of the nasopharynx, arising from the sphenopalatine foramen. CT, MRI and angiography are important diagnostic tools, the latter also being advocated for pre-operative embolization of the lesion in order to reduce intra-operative bleeding. Embolization, however, presents its own risks and thus, should only be performed in highly experienced centers. A case-report of a sixteen year old male with a Fish type 2 angiofibroma with important pterygopalatine fossa invasion is presented. Tumour resection was preceded by the endonasal trans-antral ligation of the internal maxillary artery, with immediate impact on intra-operative bleeding. At the same time, the endoscopic pterygopalatine fossa dissection itself, was essential in the management of the tumour invasion at this particular site. The authors illustrate how surgery can safely be done in small to medium sized tumours by the endonasal endoscopic trans-antral ligation of the internal maxillary artery in the pterygopalatine fossa, being an effective alternative to preoperative embolization, and its inherent risks. Keywords: juvenile nasopharyngeal angiofibroma, endoscopic approach, pterygopalatine fossa, embolization vs nonembolization Joana Filipe Interna do Internato Complementar do Serviço de ORL II do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) - Hospital Pulido Valente (HPV) Teresa Matos Interna do Internato Complementar do Serviço de ORL II do CHLN - HPV Helena Ribeiro Interna do Internato Complementar do Serviço de ORL II do CHLN - HPV Luis Tomás Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de ORL II do CHLN - HPV Paulo Borges Dinis Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de ORL II do CHLN - HPV Correspondência: Joana Rita de Caldas Ferreira Filipe Valentim Serviço de Otorrinolaringologia II do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital Pulido Valente) Alameda das Linhas de Torres, 117; 1769-001 Lisboa Telef: 217548268; e-mail: jrcffv@gmail.com Trabalho apresentado no 56º Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial INTRODUÇÃO O angiofibroma juvenil da nasofaringe é um tumor raro, altamente vascularizado 1-11 que, apesar de ser considerado histologicamente benigno 1-4, pode apresentar, por vezes, um crescimento extremamente rápido e agressivo 3,4, com risco de destruição de estruturas da base do crânio e hemorragia massiva espontânea de difícil controlo 1-11. Afecta predominantemente jovens adolescentes do sexo masculino 3,4, entre os 9 e os 19 anos 1, representando cerca de 0,05% a 0,5% dos tumores da cabeça e pescoço 1-4,7,8,10,11. A ocorrência quase exclusiva neste período da vida, em paralelo com o desenvolvimento hormonal da puberdade masculina, com frequente estabilização ou mesmo involução do crescimento tumoral no período pós-puberdade 7 e a presença de alguma resposta terapêutica, em casos inoperáveis, à hormonaterapia feminina 7, tornam evidente uma hormono-dependênciada neo estrutura VOL 50. Nº3. SETEMBRO 2012 259

fibro-vascular 1,3,4,8. A origem tumoral não é de todo conhecida, embora se aceite consensualmente uma origem no buraco esfeno-palatino 1,2,5,6 e base do osso esfenóide 1. Com o crescimento tumoral ocorre a invasão de zonas contíguas 4,6,10, nomeadamente, fossa pterigopalatina, nasofaringe, seios perinasais, fossa infratemporal, órbita e base do crânio 3,7, podendo surgir ainda invasão intracraniana e do seio cavernoso 2,4. Apesar de extremamente raros, estão descritos casos de angiofibroma de localização extra-nasofaríngea 4,5. À apresentação clínica, a lesão caracteriza-se, geralmente, por queixas unilaterais de epistáxis abundantes recorrentes (presentes em 45-60% dos casos) 1, associadas a obstrução nasal progressiva (em 80-90% dos casos) 1,3. Com a evolução, e consequente crescimento do angiofibroma para as áreas contíguas, outros sintomas podem associar-se-lhe, nomeadamente rinorreia purulenta unilateral, anósmia, rinolália fechada, deformidade facial, exoftalmia, trismus e perturbações da audição (por obliteração da Trompa de Eustáquio) 1,3,4. A presença de alterações visuais, como diplopia, bem como a presença de cefaleias ou dores faciais, devem levar à suspeição de invasão orbitária ou intracraniana, respectivamente, esta última ocorrendo em 10 a 20% dos casos 7,9. Estando a biópsia directa da lesão consensualmente contra-indicada pelo risco de hemorragia cataclísmica de difícil controlo 1,4 (e até potencialmente fatal), o diagnóstico é confirmado, essencialmente, por tomografia computorizada (TC), ressonância magnética nuclear (RMN) e angiografia, podendo, esta última, ser realizada no contexto de qualquer um dos dois outros exames imagiológicos (Angio-RMN ou Angio-TC) 4. A angiografia assume mesmo um papel diagnósticoterapêutico, permitindo, não só, a confirmação diagnóstica, pelas características da neoformação vascular como, simultaneamente, possibilita a realização de uma embolização selectiva pré-operatória da lesão, por muitos recomendada de forma a diminuir a hemorragia intra-cirúrgica. Este procedimento não está, contudo, isento de complicações, designadamente o risco de acidentes trombo-embólicos iatrogénicos, incluindo acidentes vasculares cerebrais (AVC) e cegueira por trombose da artéria central da retina 3, cuja taxa de incidência parece ser inversamente proporcional à experiência do centro na realização do mesmo 11. A terapêutica assenta, essencialmente, na completa ressecção cirúrgica do angiofibroma 3, reservando-se a radioterapia (que pode contribuir para interromper o crescimento ou mesmo diminuir o tamanho tumoral, mas não erradica a patologia 4 ) para os estadios avançados da doença, considerados inoperáveis, nomeadamente envolvimento de estruturas vitais, invasão intracraniana ou para alguns tipos de doença residual ou recorrência 1. A escolha da abordagem cirúrgica deverá permitir a completa excisão do angiofibroma, tendo em conta a sua localização e invasão tumoral bem como a experiência técnica do cirurgião 3, debatendo-se com problemáticas vários, nomeadamente o aspecto estético facial e respectivo compromisso no desenvolvimento da face no jovem, a dificuldade técnica e morbilidade da abordagem de determinadas localizações específicas da neoformação, e o risco permanente intra-operatório de hemorragia abundante ou cataclísmica. A recorrência pós-cirúrgica do angiofibroma, independentemente da via de abordagem, é uma realidade em mais de 25 % 4 dos casos (20-46% 3 ), sendo mais elevada nos doentes com invasão intracraniana 3, ocorrendo, essencialmente por persistência de tumor residual, o que revela, em parte, a dificuldade técnica desta cirurgia. Surge geralmente nos primeiros 2 a 3 anos após a intervenção, e é tanto mais provável quanto menor for a idade do doente à data da apresentação, quanto maior for o tumor e o estadio da doença, e quanto menor for a experiência do cirurgião 4. Por sua vez, a embolização pré-operatória é alvo de controvérsia. Se bem que esteja demonstrado poder reduzir o volume de sangue perdido durante a cirurgia, não provou ser capaz, ao contrário do que seria de esperar, de reduzir a taxa de recorrência 3,10, ou, por outras palavras, de aumentar a eficácia excisional cirúrgica. Existem mesmo estudos que sugerem um aumento das taxas de recorrência nos doentes embolizados 3,4. As dimensões tumorais e o seu suprimento vascular, bem como, a experiência e capacidade técnica do cirurgião, ditarão a decisão de uma embolização pré-operatória, devendo cada caso ser individualizado. Seguramente, tumores de maior dimensão, nutridos por ramos da circulação carotídea interna e externa ou com localizações de abordagem cirúrgica de risco, terão recomendação para embolização pré-operatória 4. Todavia, em casos de angiofibroma de pequena ou média dimensão, geralmente nutridos por ramos da artéria maxilar interna 4, o cirurgião terá bons argumentos para propor uma solução exclusivamente cirúrgica, sobretudo se, como defendemos neste artigo, efectuar, na abordagem inicial ao tumor, um passo cirúrgico prévio que se revela crítico no controlo da hemorragia esperada durante a excisão tumoral. CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino, raça caucasiana, 16 anos de idade, sem antecedentes clínicos relevantes, com história de abundantes epistáxis unilaterais recorrentes nos últimos meses. Uma endoscopia nasal diagnóstica revelou a presença de uma neoformação na região mais posterior da fossa nasal (FN) esquerda, de coloração avermelhada e de superfície lisa e lobulada, que se estendia à nasofaringe (Figura 1). Pelo seu aspecto, claramente hipervascularizado, optou-se por não se realizar biópsia da lesão, tendo-se efectuado TC (Figura 2) e Angio-RMN que revelaram a presença de uma lesão expansiva de origem vascular, localmente erosiva, que 260 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

FIGURA 1 Endoscopia nasal diagnóstica com visualização da lesão na nasofaringe. FIGURA 3 Fossa ptérigo-palatina exposta, com presença visível do angiofibroma (MSM - mucosa seio maxilar; PP - parede posterior do seio maxilar; A - angiofibroma) FIGURA 2 TC dos seios perinasais em cortes axiais FIGURA 4 Clampagem da artéria maxilar interna na fossa pterigopalatina ocupava a nasofaringe e seio esfenoidal esquerdos, estendendo-se à porção posterior da cavidade nasal, e à fossa pterigo-palatina homolateral. Com a suspeita diagnóstica de um Angiofibroma no estadio II de Fisch, optou-se pela sua resseção por cirurgia endoscópica endonasal, sem embolização pré-operatória. Técnica Cirúrgica Após realização de uma antrostomia supra-turbinal esquerda ampla, procedeu-se ao levantamento da mucosa sinusal da parede posterior do seio maxilar. Em seguida, fez-se a identificação do buraco esfenopalatino, ponto onde a artéria do mesmo nome, ramo da artéria maxilar interna, penetra na fossa nasal. Usando esta artéria como referência anatómica, procedeu-se à remoção da parede posterior óssea do seio maxilar, de modo a expor, o mais amplamente possível, a fossa ptérigo-palatina. Neste momento tornou-se evidente a continuidade do angiofibroma da fossa ptérigo-palatina para a cavidade nasal (Figura 3 e 4). Com a dissecção cuidada das estruturas da fossa ptérigo-palatina, foi possível identificar a artéria maxilar interna e seus ramos, de onde partia a maior parte da vascularização do tumor, observando-se, claramente, quer a pulsação da artéria quer a pulsação que a mesma imprime, por contiguidade, ao angiofibroma e a todo o conteúdo da fossa ptérigo-palatina. Procedeuse, seguidamente, à clampagem, com clips vasculares, da artéria maxilar interna (Figura 4) e seus ramos, passo cirúrgico considerado crucial para o controlo hemorrágico intra-operatório, constatando-se, logo de imediato, uma substancial redução quer da hemorragia no campo operatório quer da pulsatibilidade tumoral. Para uma melhor exposição, o corneto médio homolateral foi, seguidamente, ressecado, permitindo identificar claramente uma extensão da neoformação que se insinua no seio esfenoidal (Figura 5) e que causou erosão das paredes ósseas sinusais anterior e inferior. A ressecção tumoral é, em todos os pontos por onde se estende, dificultada pela aderência extrema do componente fibrótico da lesão ao seu leito, havendo necessidade, em múltiplos pontos, de efectuar uma fragmentação, com bisturi eléctrico, da neoformação, VOL 50. Nº3. SETEMBRO 2012 261

FIGURA 5 Angiofibroma em continuidade na fossa nasal (FN), seio esfenoidal e fossa pterigo-palatina (FPP) com remoção sucessiva dos vários fragmentos (Figura 6). A cirurgia concluiu-se com a excisão dos fragmentos finais do angiofibroma na fossa pterigopalatina, e a reposição da mucosa da parede posterior do seio maxilar sobre as estruturas expostas da fossa pterigopalatina. Não houve necessidade de qualquer transfusão sanguínea, intra ou peri-operatória. FIGURA 6 Remoção fragmentada do angiofibroma através do vestíbulo nasal O doente apresenta-se, actualmente, com 3 anos de follow-up de uma cirurgia que teve morbilidade mínima, totalmente livre da patologia nas endoscopias nasais diagnósticas a que periodicamente é submetido, e com um normal desenvolvimento da face, na ausência de qualquer cicatriz externa. DISCUSSÃO Até há bem pouco tempo, os angiofibromas da nasofaringe eram ressecados, exclusivamente, por rinotomia lateral, por mid-facial degloving, por via transpalatina ou transantral, por abordagem infratemporal ou por vias combinadas 6,8, a fim de maximizar acessos a uma lesão que se antecipava de elevado risco hemorrágico e de difícil acesso cirúrgico, próximo de estruturas críticas da base do crânio. Com o desenvolvimento, nos últimos anos, da técnica de cirurgia endoscópica endonasal 3,4,6, tem-se mostrado possível efectuar a total ressecção de tumores vários, quer nasosinusais, quer nasofaríngeos, quer na base do crânio, com taxas de sucesso progressivamente crescentes, á medida que aumenta a proficiência técnica, sem necessidade de incisões externas e com uma significativa menor morbilidade operatória 3. No caso específico dos angiofibromas da nasofaringe, a via endoscópica endonasal tem revelado menores taxas de recorrência (entre 0% a 7%, para os estadios I e II de Fisch/Andrews) 2, o que sugere também uma maior eficácia cirúrgica excisional, com as seguintes vantagens: não deixar cicatrizes na face 11 ; dispensar osteotomias ou disrupções ósseas faciais, que poderão alterar adversamente o crescimento normal da face em doentes jovens 11 ; permitir taxas de hemorragia intraoperatória significativamente mais baixas 6,11 e ter uma menor morbilidade cirúrgica, com menos complicações pós-operatórias imediatas e, consequentemente, um menor tempo de internamento 6. Apesar de tudo, é importante não esquecer que a cirurgia de um tumor localmente agressivo e altamente vascularizado é sempre uma cirurgia difícil, independentemente da via de abordagem cirúrgica 3, representando, sempre, um verdadeiro desafio para o cirurgião. A selecção do tipo de abordagem deve ser criteriosa e baseada não só nas características tumorais (dimensão, extensão e localização do tumor) mas também na experiência da equipa cirúrgica 2. E, uma experiência paralela em cirurgia endoscópica, abordagens cirúrgicas externas e cirurgia da base do crânio é aqui, seguramente, uma mais-valia. A referida Classificação de Fisch (1983) 1, modificada por Andrews (Tabela 1), estadia pré-operatoriamente a extensão tumoral segundo critérios que, de acordo com os autores, têm correlações terapêuticas. Deste modo, tumores nos estadios I, II e por vezes, III são passíveis de serem removidos somente por via endonasal 2 ; enquanto os restantes tumores, nos estadios III e IV, irão necessitar 262 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

de outras vias de abordagem, designadamente, rinotomia lateral, mid-facial degloving, transpalatina, infratemporal ou qualquer via combinada, por vezes com necessidade de colaboração com uma equipa de neurocirurgia (Estadio IV). É relativamente consensual que para tumores de grandes dimensões, cuja vascularização parte de ramos quer da carótida externa quer da interna, seja realizada uma embolização pré-operatória 4,10. Já para os tumores de dimensões medianas, como o exemplo mostrado, o benefício da embolização pré-operatória suscita dúvidas. De relembrar que este procedimento tem, em algumas séries, sido associado a um aumento da taxa de recorrência 1-4, em provável relação com uma maior dificuldade no estabelecimento dos limites tumorais, em consequência da sua diminuição de tamanho pós embolização 4. Acresce-se o risco, não desprezível, de ocorrência de complicações iatrogénicas tromboembólicas 3, com as taxas mais baixas publicadas na literatura conseguidas só em centros de referência, um aspecto que é tão mais crítico quanto se considera o grupo etário em questão. Usamos o presente caso clínico para mostrar como a opção de não embolização pré-operatória pode ganhar ainda mais peso decisório na resolução final, se a intervenção cirúrgica for acompanhada da execução de um passo crítico ao controlo da hemorragia intraoperatória: a clampagem da artéria maxilar interna ao nível da fossa pterigo-palatina por cirurgia endoscópica endonasal, antes ainda de se iniciar a ressecção tumoral propriamente dita. Acrescenta-se, ainda, o facto da abertura da fossa pterigo-palatina constituir também, por si só, um passo cirúrgico importante, ao permitir a excisão da porção do angiofibroma aí alojada. Referências Bibliográficas: 1.Lund V, Stammberger H, Nicolai P, Castelnuovo P. European position paper on endoscopic management of tumours of the nose, paranasal sinuses and skull base. Rhinology 2010; 22: 31-37 2.Lee J, Keschner D, Kennedy D. Endoscopic resection of juvenile nasopharyngeal angiofibroma. Elsevier Operative Techniques in Otolaryngology 2010; 21: 56-65 3.Midilli R, Karci B, Akyldiz S. Juvenile nasopharyngeal angiofibroma: Analysis of 42 cases and important aspects of endoscopic approach. Elsevier International Journal of Pediatric otorhonolaryngology 2009; 73: 401-408 4.Michael Gleeson. Scott Brown s Otorhinolaryngology Head and Neck Surgery: Juvenile Angiofibroma - 7th Edition; 187: 2437-2443 5.Windfuhr J, Remmert S. Extranasopharyngeal Angiofibroma: Etiology, Incidence and Management. Acta otolaryngol 2004; 124: 880-889 6.Roger G, Huy P, Froehlich P, Abbeele T. Exclusively Endoscopic Removal of Juvenile Nasopharyngeal Angiofibroma. Arch Otolayngol Head Neck Surg 2002; 128: 928-935 7.Wormald P, Hasselt A. Endoscopic removal of juvenile angiofibromas. Otolaryngol Head Neck Surg 2003; 129: 684-691 8.Mansfield E, Shuler F, Uretsky I, Moody D, et al. Angiofibroma. Jun 2006 [e-medicine] 9.Alves F, Granato L, Maia M, Lambert E. Acessos Cirúrgicos no Angiofibroma Nasofaríngeo Juvenil Relato de Caso e Revisão de Literatura. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2006; 10(2): 162-166 10.Petruson K, Catarino M, Petruson B, Finizia C. Juvenile Nasopharyngeal Angiofibroma: Long-term Results in Preoperative Embolized and Non-embolized Patients. Acta Otolaryngol 2002; 122: 96-100 11.Ahmad R, Ishlah W, Azilah N, Rahman J. Surgical Mangement of Juvenile Nasopharyngeal Angiofibroma Without Angiographic Embolization. Asian Journal of Surgery 2008; 31(4): 174-178 CONCLUSÕES 1.A abordagem cirúrgica do Angiofibroma Juvenil da Nasofaringe por via endoscópica endonasal, é exequível num grande número de casos, isoladamente ou em combinação com outras vias de abordagem, permitindo um bom acesso ao tumor e uma boa exposição da fossa pterigo-palatina, associando-se a taxas de sucesso terapêutico mais elevadas, com uma menor morbilidade e sem cicatrizes faciais. 2.A embolização pré-operatória, com os seus riscos, pode ser dispensada num grande número de casos, considerando-se a clampagem da artéria maxilar interna ao nível da fossa ptérigo-palatina, um passo crucial para o controlo da hemorragia intra-operatória. VOL 50. Nº3. SETEMBRO 2012 263