RECRUTAMENTO E SUCESSÃO ECOLÓGICA DA MACROFAUNA INCRUSTANTE EM SUBSTRATOS NO PORTO DO RECIFE - PE, BRASIL

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Transcrição:

RECRUTAMENTO E SUCESSÃO ECOLÓGICA DA MACROFAUNA INCRUSTANTE EM SUBSTRATOS NO PORTO DO RECIFE - PE, BRASIL Patrícia Paula Coelho Felipe NERY¹; Sigrid Neumann LEITÃO²*; Mucio Luiz Banja FERNANDES¹; Andréa Karla Pereira da SILVA¹; Adilson de Castro CHAVES¹ 1 Depto de Ciências Naturais, Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata 2 Depto de Oceanografia, Universidade Federal Pernambuco. *Email: sigrid@terra.com.br Resumo - O padrão de assentamento de organismos bentônicos em diferentes substratos no Porto do Recife (PE-Brasil) foi estudado em coletas quinzenais entre março e junho de 2004. Foram utilizados dois coletores, cada um contendo cinco placas com diferentes substratos (metal, madeira, vidro, acrílico e polietileno). O primeiro coletor foi destinado ao estudo do recrutamento e o segundo ao estudo da sucessão ecológica. Os resultados mostraram para ambos coletores o predomínio inicial de Cirripedia, seguido por alta taxa de mortalidade. A placa de metal foi a que apresentou menores taxas de colonização. Os dados obtidos foram possivelmente afetados pelo forte processo de eutrofização do rio Capibaribe e do próprio Porto do Recife. Palavras-chave: assentamento de larvas, bioincrustação, colonização, substratos artificiais. ECOLOGICAL RECRUITMENT AND SUCCESSION OF THE INCRUSTANT MACROFAUNA IN SUBSTRATES AT THE PORT OF RECIFE - PE, BRAZIL Abstract - The settlement pattern of benthonic organisms in different substrate at the Port of Recife (PE-Brazil), was studied each fifteen days interval from March to June 2004. Two collectors with five plates each (metal, wood, glass, acrylic, and polyethylene) were tested. The first collector was used to recruitment research and the second to ecological succession. The results show to both collectors an initial domain of Cirripedia followed by a highly mortality rate. The metal plate presented lowest colonization. The collected data were possibly affected by the Capibaribe river and Port of Recife eutrophication process. Key words: larvae settlement, bioincrustration, colonization, substrate artificial. 51

INTRODUÇÃO A comunidade de organismos incrustantes ou fouling resulta do processo de colonização de uma superfície sólida, viva ou morta (Wahl, 1989). Sobre esta superfície se estabelecem os organismos incrustantes que numa constante transformação, pela ação dos parâmetros bióticos e abióticos evoluem para uma comunidade denominada sucessão (Seed, 1969). Considera-se que a sucessão é uma modificação direcional observada na composição da comunidade ao longo do tempo e a simples ocupação de um substrato natural ou artificial por organismos incrustantes é conhecida como recrutamento (Margalef, 1974). O recrutamento de organismos bentônicos marinhos é definido como o número de novos indivíduos que assentam e sobrevivem no substrato (Keough & Downes, 1982; Keough, 1988; Caley et al., 1996); no caso de organismos com larva planctônica, implica na transformação de seu hábito de vida para o bentônico, bem como a sobrevivência até o momento do assentamento (Absalão, 1993). A forma como o substrato é colonizado indica os padrões de suprimento de larvas, as escolhas das larvas pelo tipo de substrato e as taxas de mortalidade pós-assentamento (Menge & Sutherland, 1976; Done, 1982; Keough & Downes, 1982; Keough, 1988; Absalão, 1993). Conhecer como uma comunidade se estabelece e como as larvas são recrutadas é de fundamental importância em programas de manejo ambiental. Contudo, poucos são os estudos sobre comunidades incrustantes no Nordeste brasileiro, principalmente em áreas portuárias onde existe o perigo das bioinvasões ou colonização por espécies exóticas, trazidas em água de lastro ou no casco de navios. Farrapeira et al. (2007) citam que regiões portuárias de grandes cidades litorâneas, como o Porto do Recife, são sujeitas à introdução de espécies exóticas, como conseqüência de constantes atracações de navios vindos de várias regiões do Brasil e do mundo. O Porto do Recife recebe uma média anual de 491 atracações de navios, além disso se caracteriza por forte poluição orgânica, que afeta a capacidade e a forma de assentamento dos organismos. Desta forma, foi desenvolvida a presente pesquisa para a área do Porto do Recife, a qual objetivou verificar: a) o padrão de assentamento de organismos bentônicos de acordo com diversos tipos de substratos; b) o padrão de colonização primária e secundária sob a interferência de poluição orgânica; c) a presença de espécies exóticas. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa foi desenvolvida no Porto do Recife localizado na região metropolitana (Recife, Pernambuco) nas margens das desembocaduras dos rios Capibaribe e Beberibe (8º03'22' S e 34º51'57' W). De acordo com os processos de sedimentação do Porto do Recife é possível distinguir três zonas, uma composta por sedimentos de areia grosseira (Zona do Pina), outra 52

composta por lama fina (Zona do Porto) e a terceira que é a zona de transição ou central (Ottmann & Coutinho, 1963; Mabessone & Coutinho, 1970). As amostragens foram realizadas quinzenalmente no Porto do Recife durante o período de março a junho de 2004. Em cada coleta foram obtidos dados abióticos referentes à temperatura (termômetro de mercúrio), transparência (Disco de Sechii) e salinidade (refratômetro). Dados da precipitação pluviométrica foram obtidos no Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Foram utilizadas 40 placas de diferentes materiais (metal, madeira, vidro, acrílico e polietileno) cada uma com 20 cm de comprimento, 10 cm de largura e 0,4 cm de espessura, sendo postas uma ao lado da outra a uma distância de 5 cm (Figura 1). Foram imersos dois coletores, cada 1 com 5 placas ou painéis, que se caracterizaram por experimentos 1 e 2, respectivamente e que permaneceram presos à parte interna do Porto do Recife durante o período de estudo, numa profundidade média de 1 m a partir da superfície. Figura 1 - Suporte de alumínio com as cinco placas estudadas no Porto do Recife, em 2004. O experimento 1 foi destinado ao estudo do recrutamento, sendo todas as cinco placas retiradas a cada amostragem e substituídas por outras placas limpas (Figura 2). Foram feitas sete coletas, totalizando 35 placas. Após as coletas, as placas eram acondicionadas em sacos plásticos, individualmente, devidamente etiquetados e encaminhados ao Laboratório de Estudos Ambientais (LEA) da Universidade de Pernambuco (UPE). No experimento 2, as placas de cada tipo de material, no total de 5, tiveram caráter cumulativo, destinadas ao estudo da sucessão ecológica. Neste experimento, após análise detalhada os painéis eram devolvidos ao local de estudo. 53

Figura 2 - Placas do recrutamento, sendo retidas para posterior leitura no Porto do Recife, em 2004. Em laboratório, foram feitas leituras nas placas, pelo método de contatos, com a ajuda de um estereomicroscópio (Figura 3). Figura 3 - Placa de acrílico com placa reticulada de nylon para a leitura da mesma no Porto de Recife, em 2004. Foram calculadas a abundância relativa, a diversidade de espécies (Shannon, 1948) e a eqüitabilidade (Pielou, 1969), sendo que os dois últimos foram aplicados apenas para o estudo da sucessão ecológica. 54

RESULTADOS E DISCUSSÃO A diversidade das comunidades incrustantes tanto de substratos naturais como artificiais, bem como a sua biomassa, variam de acordo com as condições ambientais de cada local (Silva et al., 1980). Nas regiões tropicais, nas quais a temperatura da água é mais elevada e com pouca variação sazonal, quando comparada com águas de regiões temperadas, observa-se um contínuo processo de colonização por parte dos organismos incrustantes, o que proporciona uma rápida sucessão ecológica e, conseqüentemente, uma elevada biomassa. A temperatura da água do porto do Recife variou de 22ºC a 27ºC, decrescendo de abril a junho (Figura 4), mas mantendo o padrão característico para áreas tropicais, não tendo sido fator limitante à colonização das espécies. 30 30 25 25 Temperatura (oc) 20 15 10 20 15 10 Salinidade (ups) Temperatura Salinidade 5 5 0 30/3/2004 6/4/2004 13/4/2004 27/4/2004 11/5/2004 25/5/2004 8/6/2004 22/6/2004 0 Figura 4 - Temperatura e salinidade da área do Porto do Recife, PE em 2004. Dentre os fatores físicos que interferem nas populações incrustantes, Straughan (1967) verificou que a salinidade atua diretamente na distribuição das espécies na fixação das larvas, como também na mortandade de indivíduos mais velhos. A salinidade da água oscilou bastante ao longo do período de estudo. Durante as baixa-mares variou de 4 em junho a 23 em março, enquanto que nas preamares o mínimo foi de 13 em abril e o máximo de 25 em março, caracterizando-se a área como um sistema estuarino (Figura 4). A salinidade foi influenciada diretamente pela pluviometria que variou na área de 160 mm em março a 540 mm em junho, afetando diretamente a comunidade com mortalidade acentuada, principalmente de Cirripedia. Associado às maiores precipitações pluviométricas observou-se uma redução na transparência da água, que variou de 0,30 m (junho) a 1,30 m (março), estando os baixos valores relacionados à grande quantidade de material em suspensão, resultantes da maior pluviometria. 55

Em todas as placas do Experimento 1 foram registrados representantes dos filos Cnidaria, Mollusca (Bivalvia e Gastropoda), Annelida (Polychaeta) e Crustacea (Cirripedia, Decapoda e Isopoda), além de algas filamentosas. Foi registrada também a presença da espécie exótica Mytilopsis leucophaeta (Conrad, 1831). Este mexilhão é natural da América do Norte, com ocorrência registrada desde o Texas até Nova York (Castgna & Chanley, 1973). No Brasil, seu primeiro registro foi na zona estuarina adjacente ao Porto do Recife, até os rios Tejipió e Capibaribe (Souza et al., 2005). O espaço para fixação é um dos fatores limitantes para as espécies sésseis, no qual freqüentemente existe uma espécie competidora dominante, capaz de excluir outras espécies (Coe & Allen, 1937). As placas de recrutamento (Experimento 1) apresentaram resultados semelhantes com colonização inicial feita por cirrípedes (Chthamalus sp.), chegando a alcançar na placa de vidro 100% de cobertura. Esta espécie iniciou a colonização com altas densidades nas 5 placas e foi decrescendo até o final do experimento. Verificou-se, assim, um denso recrutamento inicial de Cirripedia, seguido por alta taxa de mortalidade em decorrência possivelmente de fortes precipitações pluviométricas, e subseqüente colonização por outros grupos de organismos. Dentre os outros organismos, foi representativo em todas as placas o bivalve exótico Mytilopsis leucophaeta. Bastida (1968) afirma que normalmente as fases iniciais da colonização de organismos incrustantes nos substratos submersos na água são compostas predominantes por bactérias, protozoários, diatomáceas e algas. Persoone (1968) divide em duas fases iniciais a colonização dos substratos: a película inicial, constituída por bactérias e detritos; e o recobrimento primário, constituído por protozoários, diatomáceas, bactérias, detritos, e por reduzida quantidade de macroorganismos. O recobrimento secundário designaria as comunidades incrustantes que se desenvolvem sobre os substratos, quando submersos por períodos prolongados. No presente trabalho, a fase inicial da colonização não foi abordada, contudo observações microscópicas evidenciaram a presença de inúmeros microorganismos, dentre os quais microalgas e protozoários. Gastropoda ocorreu apenas nas placas de vidro e polietileno no fim do experimento. Cnidária (hidróides) esteve sempre presente, porém com abundância muito baixa. Os decápodes ocorreram em baixas densidades nas placas de madeira e vidro no início do experimento, na placa de acrílico no meio do experimento e na placa de polietileno no final do experimento. Isopoda só foi registrado em densidades baixas em placa de madeira no fim do experimento. Quanto aos painéis da sucessão ecológica (Experimento 2), os resultados foram semelhantes aos das placas de recrutamento com predomínio de Chthamalus sp. (Figura 5), chegando a alcançar 100% de cobertura na placa de acrílico. 56

Metal 100% 80% 60% 40% 20% 0% 30.03.04 13.04.04 27.04.04 11.05.04 25.05.04 08.06.04 22.06.04 Madeira anêmona hidróide alga Chthamalus sp. 100% 80% 60% 40% 20% 0% 30.03.04 13.04.04 27.04.04 11.05.04 25.05.04 08.06.04 22.06.04 anêmona hidróide alga Chthamalus sp. Vidro 100% 80% 60% 40% 20% 0% 30.03.04 13.04.04 27.04.04 11.05.04 25.05.04 08.06.04 22.06.04 anêmona hidróide alga Chthamalus sp. Acrílico 100% 80% 60% 40% 20% 0% 30.03.04 13.04.04 27.04.04 11.05.04 25.05.04 08.06.04 22.06.04 Polietileno anêmona hidróide alga Chthmalus sp. 100% 80% 60% 40% 20% 0% 30.03.04 13.04.04 27.04.04 11.05.04 25.05.04 08.06.04 22.06.04 anêmona hidróide alga Chthamalus sp. Figura 5 - Abundância relativa dos principais grupos da comunidade fouling, nos cinco painéis da sucessão ecológica durante todo o estudo, no Porto do Recife em 2004. 57

No presente estudo os nutrientes não foram avaliados, contudo estudos realizados para esta área por Feitosa et al. (1999), revelam quantidades bem elevadas de nitrito, nitrato e fosfato. Quando se observa os cinco tipos de placas estudadas, evidencia-se que em todas houve uma presença de algas filamentosas as quais têm maior poder de fixação no acrílico e no vidro (Figura 6). Os hidroides colonizam melhor o vidro, enquanto Chtamalus sp. é favorecido pelo substrato de madeira. Mytilopsis leucophaeta só conseguiu colonizar as placas de polietileno, vidro e madeira, enquanto a placa de metal foi a mais difícil de ser colonizada, apresentando maiores quantidades de espaços s não colonizados. acrílico polietileno vidro madeira Alga filamentosa Hidróide Chthamalus sp. metal 0% 20% 40% 60% 80% 100% Figura 6 - Freqüência de ocorrência dos principais grupos da comunidade fouling da área do Porto do Recife (PE-Brasil) em 2004. A diversidade específica com base nos painéis da sucessão ecológica ao longo do estudo mostrou-se baixa (Tabela 1), e esperava-se um aumento no final do experimento, pois a diversidade aumenta com o transcorrer do desenvolvimento da comunidade (Odum, 1969). Entretanto, a carga de poluição orgânica que a área portuária recebe é muito alta, favorecendo o desenvolvimento de espécies oportunistas (r-estrategistas). A eqüitabilidade também foi baixa devido ao predomínio de Chthamalus sp. e Mytilopsis leucophaeta, indicando comunidade desequilibrada, típica de ambientes instáveis e poluída. Pelos dados obtidos, observa-se que a área está bastante impactada, fato que deve ter tido maior efeito no processo de recrutamento e sucessão. 58

Tabela 1 - Diversidade de espécies dos vários tipos de placas na sucessão ecológica em substratos no Porto do Recife, em 2004. Data Metal Madeira Vidro Acrílico Polietileno 30/03 0,844 0,096 0,096 0,000 0,096 13/04 1,313 1,705 1,366 1,467 1,369 27/04 1,445 1,693 1,599 1,188 1,305 11/05 1,053 1,392 1,612 1,056 2,225 25/05 1,192 0,795 1,025 0,794 1,260 08/06 1,042 0,523 1,046 0,742 1,928 22/06 0,000 0,167 1,707 0,167 1,570 CONCLUSÕES Há similaridade no tipo de assentamento de larvas nas cinco placas de recrutamento, predominando inicialmente Chthamalus sp., seguido por Mytilopsis leucophaeta. Poucos filos tiveram sucesso em colonizar a área indicando local sob estresse ambiental, com grande quantidade de material em suspensão. A placas de metal é a que apresenta as piores condições de assentamento e sucessão. Os índices de diversidade específica e eqüitabilidade foram baixos, indicativo de forte desequilíbrio ambiental, onde a poluição tem efeito negativo no assentamento das comunidades bentônicas. Foi registrada presença de espécie exótica. A precipitação pluviométrica afetou negativamente o recrutamento de Chthamalus sp. AGRADECIMENTOS Ao Laboratório de Estudos Ambientais (LEA), pelos equipamentos disponibilizados e a Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata (FFPNM), pela infra-estrutura oferecida. REFERÊNCIAS Absalão, R.S. (1993). Colonização primária e seqüência de substituições, em substratos artificiais, na comunidade epibentica da Baia da Guanabara, RJ-Brasil. [Tese: Doutorado]. São Paulo: Universidade de São Paulo. Bastida, R. (1968). Las incrustaciones biológicas en el Puerto de Mar Del Plata. La Plata, Laboratorio de Ensayo de Materiales e Investigaciones Tecologicas de la Provincia de Buenos Aires. 59

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