INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE SOCIAL



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Transcrição:

INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE SOCIAL Maria Emília Naves Nunes Doutora em Direito Processual Civil Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Jamais os moralistas conseguirão fazer compreender toda a influência que os sentimentos exercem sobre os interesses. Essa influência é tão poderosa como a dos interesses sobre os sentimentos. Todas as leis da natureza têm um duplo efeito, em sentido inverso um do outro. Honoré de Balzac, in 'Ilusões Perdidas. SUMÁRIO - 1. Interesse - 2. Interesse e/ou Direito - 3. Interesse Público e Interesse Privado - 4. Interesse Público: administração do trabalho - 4. Interesse Público: administração do trabalho - 5. O Interesse Público e a Ética 6. A Busca da Identificação do Interesse Público - 7. Interesse Público como oposto do Interesse Privado - 8. Interesse Público e Interesse Social - 9. Subjetivação do Interesse Social - 10. Interesse social, democracia e direitos fundamentais Referências Bibliográficas. 1 - Interesse Como todo trabalho científico precisa expor conceitos, urge, primeiro, que se demarque o sentido de interesse. Como afirma Agamben, [...] Na vida dos conceitos, há um momento em que eles perdem a sua inteligibilidade imediata e, como todo termo vazio, podem carregarse de sentidos contraditórios.[...] 1. No seu significado semântico, interesse é o sentimento que nos leva a procurar aquilo que é necessário, agradável, aquilo que nos é útil, que nos importa. Carnelutti salienta que o conceito de interesse é fundamental tanto para o estudo do processo quanto para o do Direito 2. E tem razão, pois a força motriz do indivíduo e da sociedade é o interesse. Por ele, proclamam-se convicções e opiniões. Por ele, luta-se. Sua natureza, então, detona conseqüências sociais, expurga ou atrai malefícios. 1 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 88. 2 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Vol. I traduzido por Hitomar Martins Oliveira 1ªed. São Paulo: Classic Book, 2000.

Ihering nos traduz que o interesse é substantivado pela necessidade e utilidade de um determinado bem. Nosso interesse pode ser por um bem imóvel, móvel, ou espiritual, não corpóreo, como a vida, a liberdade, e a honra. Devidamente interessado por um bem, o indivíduo luta pelo direito a este, é este um dever consigo mesmo 3. Quando se diz que uma coisa ou uma idéia é algo interessante, isto se traduz numa importância que atribuímos a esta. Assim, o interesse assoberbado em relação a algo pode se transformar em paixão, mas pode também denotar uma questão de sobrevivência. O alimento, por exemplo, é essencial para que não se deixe de ter vida. Independentemente de se viver em sociedade; tal necessidade se faz presente, o que nos leva a entender que o interesse vincula-se ao indivíduo. Por isso, Manoel Galdino diz que é Idéia alimentada na mente da pessoa que se interessa 4. Compartilhando bens com outros homens, os interesses de cada um dos indivíduos serão reavaliados, tomam outra dimensão. Desta forma, contextualizam-se o eu e os demais, fazendo surgir necessidades que serão presentes e mutáveis. A mutabilidade se exprime em razão da alteração da posição social do indivíduo e do caráter central da sociedade a que pertence, com os seus valores materiais e morais. O mesmo alimento pode ser disputado ou ter diferentes critérios de importância. Há aqueles que se contentam com o essencial e outros que transformam este essencial em iguarias diversas. Outra justificativa para a 3 Ihering em a Luta pelo Direito, no prefácio, salienta que a sua obra destina-se a criar uma disposição moral prática que conclama ou se torna uma força do Direito. Que não se espere por um efeito prático, lute-se por ele. Assim, a vida tem validade quando defendida. A paz é considerada o fim do Direito, mas o meio de conquistá-la é a luta. Para esta luta, como o Direito não é força bruta, a Justiça segura em uma das mãos a balança e na outra a espada. Portanto, a ordem jurídica deve conter instrumentos hábeis para atuarem a espada e a balança. IHERING, Rudolf Von. Luta pelo direito. 6ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987. 4 PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153.

mutabilidade advém da própria evolução do homem ou até de sua involução enquanto pessoa. Como característica individual, a necessidade confunde-se com o desejo, ou seja, tão forte pode ser um desejo que ele adquire grau de importância gerando necessidade que é o próprio interesse. Portanto, as necessidades e utilidades vinculam-se aos indivíduos e elas se fazem presentes em razão de um contexto, social ou pessoal. Como a sociedade é cada vez mais complexa, as necessidades crescem assustadoramente. Partindo deste raciocínio, a necessidade individual e a integração do ser social, entender-se-á, então, o conceito de Carnelutti sobre interesse: Interesse não significa um juízo, mas uma posição do homem, ou mais exatamente: a posição favorável à satisfação de uma necessidade. A posse do alimento ou do dinheiro é, antes de tudo, um interesse porque quem possui um ou outro está em condições de satisfazer a sua fome. 5. Sintetizando tais idéias, não há mesmo um juízo de valor no interesse. O liame abstrativo da necessidade foi valorado anteriormente e a importância de um bem, corpóreo ou não, foi o que se substantivou na necessidade e no interesse. Isto não significa dizer que não se possam colocar os interesses em ordem valorada. É essa ordem de valoração que levará o indivíduo a defender o interesse ou a deixá-lo no plano da mera expectativa. Manuel Galdino explica que, se um mesmo sentimento em relação a um bem em um só momento [...] estiver presente na imaginação de outra pessoa, potencialmente, surgirá um conflito. Portanto, pode haver interesses divergentes sobre um mesmo bem e isto não resultar em conflito 6. 5 CARNELUTTI, op. cit.. p. 55. 6 PAIXÂO JÚNIOR, op. Cit.. 153-154

2. Interesse e/ou Direito Chiovenda 7 afirma que o interesse é um bem não garantido pela vontade concreta da lei e que deve ser lícito e o Direito é o que será apurado como vontade concreta da lei. Ao discorrer sobre o tema interesse, Maciel Júnior 8 lembra a lição de Ihering que define os direitos como interesses juridicamente protegidos e de que estes, vistos sob o prisma de concretização pela norma, se tornam garantias. Aliás, tanto Ihering quanto Josserand reconhecem que [,...] o princípio da finalidade é que rege toda a construção jurídica, tem caráter eminentemente funcional 9. Pode haver interesse considerável de um indivíduo a reclamar proteção e, no entanto, encontrar óbice em razão da proibição do ordenamento jurídico. Seria o caso, por exemplo, da concessão de um divórcio antes da existência da norma legal que permitisse esse novo estado civil. Ora, o indivíduo, conforme sua necessidade, irá buscar proteção jurídica para seu interesse e pode ser que este já tenha resguardo na ordem jurídica através da norma ou, se ainda não o tiver e não for contrário ao ordenamento, poderá obter a proteção do interesse por tutela jurisdicional. O significado do Direito tem uma conotação semântica e social maior do que o do interesse. A análise da existência do interesse percorre o campo da necessidade e da utilidade, enquanto o direito se insere em dado como [...] uma figura deôntica, que tem um sentido preciso somente na linguagem normativa 10. 7 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. 1 Campinas: Bookseller, 2000, p.28-45 8 MACIEL, Vicente. Teoria geral do direito coletivo. Revista eletrônica da Faculdade Mineira de Direito Pucminas www.pucminas.br - data de acesso: 06/02/2005 9 VILHENA, Paulo Ermírio Ribeiro. Direito público e direito privado Belo Horizonte: Del Rey, 2ª ed., 1996, p. 29. 10 BOBBIO, Norberto A era dos direitos ; tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.8.

Também não se pode pretender completa previsão legal, mas a existência de um sistema dedutivo, do contrário: Seria necessário: uma rigorosa axiomatização de todo o direito, unida a uma estrita proibição de interpretação dentro do sistema, o que se alcançaria de um modo mais completo mediante o cálculo; alguns preceitos de interpretação dos fatos orientados rigorosa e exclusivamente para o sistema jurídico(ou cálculo jurídico); não impedir a admissibilidade das decisões non liquet; conseguir uma ininterrupta intervenção do legislador que trabalhe com uma exatidão sistemática(ou calculadora) para tornar solúveis os novos casos que surgem como insolúveis, sem perturbar a perfeição lógica do sistema(ou cálculo) 111213. Telles Júnior explica a diferença entre o interesse e o direito definindo que o interesse é o objeto do direito, ou seja, [...] aquilo que interessa utilidades, vantagens, proveitos não são direitos, mas 11 VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Tradução de Tércio Sampaio Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979, p. 84. 12 Parece-nos que o pensamento ou estilo tópico convive com um sistema dedutivo, mas não ocupa o mesmo espaço; ou melhor dizendo, resolve problemas de diferente feição. Viehweg diz que a tópica no seu aspecto mais importante, constitui uma técnica de pensamento, orientada para o problema, ou seja, uma técnica de pensamento problemático. Esta técnica de pensamento difere do modo de pensar sistemático, em que o pensamento deriva do todo, admitida a validade das regras postas pelo sistema, sendo desnecessário cogitar da perquirição de um ponto de vista, o qual emerge sempre do sistema mesmo. Para a forma tópica de pensar há um catálogo de idéias a serem cogitadas, designadas por Viehweg de catálogo de topói. Ademais, consigne-se que o próprio Viehweg - o qual reviveu este modo de pensar -, que não é ele incompatível com o método sistemático, (a dogmática tradicional) na medida em que, a partir de um catálogo topói, se fique habilitado a deduzir. Outro especialista, Michel Villey, observa que o método jurídico da controvérsia deve ser distinguido do da dialética, propriamente dita, representativa esta de um instrumento de busca da verdade ; realiza-se a verdadeira dialética, ao lado da consideração dos topói, pela colocação sucessiva de questões até encontrar uma solução que satisfaça à razão. Na tópica, parte-se de um problema, e, a partir do problema posto, erigem-se as indagações, com vistas a resolvê-lo. Nesta linha de idéias, o raciocínio mais adequado à identificação das hipóteses que constituam questões constitucionais dotadas de repercussão geral, pelo menos antes da formação de um quadro ensejador de uma visão mais acabada, ou, se delinear esse quadro, a questão dele ainda não constar; será chamado de raciocínio tópico pois a partir desse quadro, onde existam enunciados, identificadores dos casos já tidos como portadores de repercussão geral, nestas hipóteses, e, no que proporcionam elas, enquanto paradigmas, haver-se-á de operar mercê de dedução a partir desses enunciados, acolher recursos extraordinários que se contraponham a esses. ALVIM, José Manoel Arruda. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral - in Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a EC n. 45/2004 São Paulo: Revistas dos Tribunais, p. 77. 13 WARAT, Luis Alberto.l O direito e sua linguagem. 2ªed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 97 Na esfera da dogmática jurídica, os tópicos podem ser equiparados aos princípios gerais do direito, que funcionam com um valor de troca determinado pelo contexto de aplicação. O direito é, desta forma, um pensamento por princípios, em torno dos quais se ordena todo particularimso das regras e dos atos concretos.

objetos de direito. São bens. São objetos ou bens de que se utilizam as pessoas que tiverem o direito de fazê-lo 14. Perceptível pelas diversas colocações que o interesse pode, em relação ao direito, ser considerado primário. Estaria o direito, desta forma, mais vinculado à aferição de validade do interesse e, às vezes, significando positivação. 3. Interesse Público e Interesse Privado Devendo ser o interesse ponto primordial, de grande valia será a identificação de quando este é público ou privado, sendo certo que nem sempre tiveram uma mesma conceituação ao longo de nossa história. Segundo as proposições de Niemeyer 15, em Platão e Aristóteles se percebe a distinção entre o interesse público e o interesse privado pela seguinte proposição: o interesse público estaria vinculado ao elemento racional da alma e na natureza divina que tem; quando há o interesse público estamos diante do logos (parte racional da alma) e que, através de participação, transcende e possibilita que os homens vivam juntos, em paz e na amizade. No entanto, quando os homens são guiados pela concupiscência e pela paixão, que é o elemento apetitivo da alma, ocorre a necessidade do homem na exclusividade que em nada contribui para a vida em comunidade, ainda que seja mister a sua existência para a auto-preservação. Neste diapasão, o interesse privado tem a tendência de desorientar e perverter a vida humana. Platão e Aristóteles também acrescentam que, por este apetite, os homens são incitados a produzirem os bens materiais, que estão em relação direta com a utilidade individual e não 14 TELLES JUNIOR, Godofredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva 2ed., 2002, p. 264. 15 NIEMEYER, Gerhart.O interesse público e o interesse privado in O interesse público - Editado por Carl J. Friedrich - Tradução de Edílson Alkmin Cunha: Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967, p. 14

com o bem comum. Este ciclo produtivo de riquezas materiais vai gerar uma interdependência econômica que gera a necessidade de ordem pública. O comércio, a vida econômica é uma atividade de energia apetitiva da alma e os bens são mantidos privatisticamente, propriedade privada. Portanto, na mantença da ordem pública, os Guardiões da República devem ter a posse dos bens comuns para se manter uma ordem filosófica de comunidade. Entre estes guardiões não é permitida a propriedade privada e, assim, podem se dedicar totalmente aos bens públicos. De tudo isso, poder-se-á concluir que, nesta perspectiva, o interesse público vincula-se à ordem racional da justiça (diké) e é guiado pela consciência racional (noesis), podendo ser denominado dikaio-noesis. O interesse privado é responsável pela atividade econômica em razão das forças apetitivas. A visão grega do destino do homem está ligada à estrutura política. Com o cristianismo, o eixo é modificado, passando o destino do homem a ser a salvação individual de sua alma, não podendo ser encontrado no político ou no público. Somente a Cidade de Deus é o supremo bem comum. Então, o governo dos homens é limitado pelo Poder Supremo, uma lei natural. O interesse individual é, então, consagrado como um fundamento de ordem e uma relação de cada um com Deus. Assim, as normas morais regulariam as atividades econômicas privadas e os governantes deveriam sempre demonstrar penitência pessoal. Nesta híbrida mistura, o interesse individual pela salvação soma-se ao interesse da ordem pública. É nesta justificativa que a Inquisição se insere, sendo o seu objetivo a salvação da alma humana. Para São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, o governo tem como dever buscar a paz, a defesa e, sobretudo, considerar como interesse público a salvação da alma. Para lograr resultados, o essencial é a conversão; o governo se compromete com a natureza transcendental do homem e suas leis são advindas de uma

legitimação natural e divina. A participação não é do indivíduo no político, mas do governo como meio de induzir o indivíduo a caminhar para sua salvação. Em Locke 16, retorna-se ao conceito de comunidade política posto por Platão e Aristóteles. A sociedade civil busca a utilidade privada e o que une os homens é a comunidade de bens. O consentimento comum inseriu o senso de justiça que será empregado na utilização dos bens por acordos públicos. A lei natural 17 em Locke é a soma dos interesses privados. Assim, o cerne da questão pública está em se encontrar um acordo público que garanta as satisfações individuais. Não estamos mais na Justiça de Aristóteles, mas numa legalidade calculável, manobrável, ou regras do jogo 18. Contribuindo com as idéias de Locke, Adam Smith 19 vai imputar ao governo a função auto-reguladora para harmonizar as atividades apetitivas do indivíduo, Mão Invisível, governo bom e economia suficiente. Não há participação do indivíduo, seus interesses individuais estarão limitados e regulados por esta Mão invisível. Stuart Mill 20 afasta essa mão e coloca a liberdade como cerne; não há limitações, e sim, conveniências que devem ser observadas. O conceito de interesse 16 AZAMBUJA, op. Cit.. P. 60 - Sobre Locke: Preconiza a democracia como a melhor forma de governo e só admite a monarquia desde que o rei não tenha faculdade de fazer as leis, que devem ser elaboradas pelos representantes eleitos do povo. O Poder Legislativo é órgão supremo do estado, mas tem poderes limitados pelos direitos naturais dos cidadãos, que podem dissolver o Parlamento e devem resistir às autoridades tirânicas. A base do governo, diz Locke, é o consentimento dos cidadãos. 17 NIEMEYER, Gerhart, op. cit.. p. 18. 18 NIEMEYER, Gerhart, op. cit.. p. 18. 19 Adam Smith nasceu em 1723, era escocês e filho de uma família de classe alta.segundo este autor, o valor de um bem é medido pela quantidade de trabalho e daí desenvolve a sua teoria econômica nas trocas e na produção. O Estado neste modelo deveria intervir para construir uma racionalidade econômica, identificando os interesses individuais e destes entendendo os sociais.smith, Adam - A Riqueza das Nações: investigação sobre a natureza e suas causas introdução de Edwin Cannan; apresentação de Winston Fritsh, tradução de Luiz João Baraúna São Paulo: Nova Cultural, 1985. 20 Suart Mill era inglês e dedicou-se às idéias empíricas -. Conhecido por defender o utilitarismo, que significa que nossas ações devem ter por fim último a felicidade de um número maior de pessoas. MILL, Stuart. Sobre a liberdade. Petrópolis. Vozes. 1991.

público vincula-se em obter condições de bem estar, ou hedononomia (hedoné prazer e nomos regra, governo) como dito por Niemeyer 21. Há nesta visão um socialismo impregnado da concepção de utilidade privada e da satisfação do consumidor. Já no Estado Moderno, em razão da universalização do sufrágio, que garantiu a inserção das mais variadas classes sociais no panorama político, o interesse público vai seguir a classe dominante que lograr êxito nas eleições, ter-se-á uma fragmentação de interesses, como informa Marçal Justen 22. 4. Interesse público: administração do trabalho Anteriormente se afirmou que o interesse público teria diferentes conotações na história. Muito vinculada à questão da acumulação de bens, a teoria de Marx se dirige à origem desta para colher o interesse público e, assim: O proletariado se valerá do poder político para ir despojando gradualmente a burguesia de todo o capital, de todos os instrumentos de produção, centralizando-os em mãos do estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante e procurando aumentar por todos os meios e com maior rapidez as forças produtivas. A violência é parteira de toda sociedade que traz em suas entranhas outra nova 23. Diversa é a contribuição posta por Marx 24, para quem a produção privada não pode ser entendida como um assunto privado. Ao 21 NIEMEYER, Gerhart, op. cit.. p. 21. 22 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de interesse público e personalização do direito administrativo. Disponível em: wwww.justenfilho.com.br. data de acesso: 08/07/2006. 23 MARX, Kal. - O capital p. 791 24 LOWY, Michael. Método dialético e teoria política. Tradução de Reginaldo Di Piero 2º ed Rio de Janeiro: Paz e Terra,1978, p. 69 - O autor faz a seguinte leitura da obra de Marx: O capitalismo produz não somente a miséria física do proletariado mas também a sua escravidão, sua ignorância, seu embrutecimento e sua degradação moral. Ele lhe rouba o tempo necessário à educação, ao desenvolvimento intelectual, às relações sociais. Pela divisão manufatureira do trabalho ele divide o homem, estropia o trabalhador sacrificando suas capacidades múltiplas, mutila-o a ponto de reduzi-lo a uma parcela de si mesmo; dividir um homem, é executá-lo, se ele mereceu uma sentença de morte: é assassiná-lo, se ele não a mereceu. A divisão do trabalho é o assassinato de um povo. O capital provoca a degradação das relações familiares transformando os pais em mercadores de seus próprios filhos. Enfim, ele transforma o operário em engrenagem da máquina e em escravo assalariado, submetido ao despotismo mesquinho dos proprietários.

invés de a razão ser o homem, como posto por Aristóteles, o trabalho é que é o homem e é através deste que ele realiza seus objetivos de vida e suas relações com a natureza imanente. Por conseguinte, se o trabalho for enfeixado na propriedade privada, esta forma privatística termina por separar o homem do homem. O ponto nodal é a transcendência da propriedade privada, voltando o homem ao seu modo social de existência. A ordem, portanto, será baseada na ordem do trabalho coletivo e de suas ocorrências. Para Marx, o interesse público é notadamente que as condições de trabalho estejam socializadas, sendo, então, a sua matiz a administração do trabalho. Sua visão de socialismo está vinculada ao trabalho público. Não é a satisfação da necessidade individual a finalidade da atividade pública, mas de alguma forma deve estar prevista no processo. Lenin 25 traz para as idéias do marxismo a necessidade da luta. O interesse público deve estar voltado para a mutação do falso para um mundo real futuro. Tal luta deve ser conjunta e assumida pelo governo de forma partidária; seria a polemonomia(polemos luta / nomos norma governo). A existência do acesso aos meios de produção deve ser vista como interesse público, garantindo que o homem, através do trabalho, possa acumular, para si e não para outrem, os bens materiais. A 25 LOWY, op. Cit.. P. 139 Lenin, liberto do limite imposto pelo esquema pré-dialético a passagem para o socialismo é objetivamente irrealizável se ocupa agora das condições político-sociais reais para assegurar passos para o socialismo. Assim, no seu discurso no VII Congresso do Partido Bolchevique(24-29 de abril), ele coloca o problema de uma forma realista e concreta: é necessário falar de atos e de medidas práticas... não podemos ser partidários de introduzir o socialismo. A maioria da população na Rússia é formada por camponeses, de pequenos proprietários que não podem de nenhuma maneira desejar o socialismo. Mas que poderiam contrapor à criação em cada cidade, de um banco que lhes permitiria melhorar a sua exploração? Eles nada podem dizer contra. Devemos preconizar essas medidas práticas entre os países e fortalecer neles a consciência dessa necessidade. Introduzir o socialismo significa, neste contexto, a imposição imediata da socialização total, por cima, contra a vontade da maioria da população. Lênin, em compensação, se propõe a obter o apoio das massas camponesas para algumas medidas concretas, de caráter objetivamente socialista, tomadas pelo poder soviético(com hegemonia proletária). Com algumas nuances, essa concepção defendida desde 1905 por Trotsky: a ditadura do proletariado apoiada pelo campesinato que efetua a passagem ininterrupta da revolução democrática à revolução socialista.

privatização dos meios de produção é contrária ao interesse público. É dever do Estado, em nome do interesse público, buscar a publicização dos meios de produção e daí haverá uma sociedade de iguais, sem disparidades no acúmulo de bens. 5. O Interesse Público e a Ética Na abstração do que seria o interesse público, os dirigentes, ou qualquer daqueles que tenha poder de decisão, concretizarão por suas ações o que será entendido por interesse público, já que no desempenho de suas atribuições estarão agindo como o Estado. Não se pode olvidar, neste exercício do abstrato para o concreto, a valia da éticaem que se pautaram as diretivas. 26 Griffith 27 explica que, na visão de Bentley, o interesse público é algo que não existe. As decisões são sempre proferidas para atender a grupos sociais e são, de qualquer forma, impingidas. Griffith 28 considera que são tão amplas as possibilidades de se conceituar o interesse público, que ele pode ser tido como sinônimo de bem-estar-geral. O que, em verdade, representa uma categoria mais ampla, no qual o interesse público estaria incluído nas sociedades pluralistas, nas ações ou atividades governamentais. 26 A definição do interesse público, portanto, implica uma decisão estatal envolvendo um certo grau de discricionariedade, com a escolha de um entre vários interesses concorrentes. Essa tarefa, em muitas ocasiões, é realizada pelo Judiciário, como ocorre na adjudicação de interesses difusos e coletivos. O problema, no entanto, reside exatamente nos limites da discricionariedade dessa decisão, sob pena de, sem um núcleo mínimo de significado, o interesse público ter como único critério a competência da autoridade que a proferiu. Sob uma perspectiva exclusivamente processual, o interesse público não se diferencia do ato da autoridade competente, sem qualquer importância para qual seja seu conteúdo. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito processual público: a fazenda pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 52. 27 GRIFFITH, Ernest S. Os fundamentos éticos do interesse público. in Interesse Público Editado por Carl J. Friedrich - Tradução de Edílson Alkmin Cunha: Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967, p. 25. 28 GRIFFITH, op. cit.. p.26

Nestes termos, para Griffith 29 é necessário que se verifique se estas ações se pautam pela ética ou não. Na opinião do autor, o positivismo jurídico inseriu-se na ciência social e concretizou a idéia de que este interesse público está no caráter processual legítimo, e se escudam nisto os juristas e políticos para afirmarem como atributo dos atos governamentais a constitucionalidade. De outro lado, segundo Griffith, os economistas deram o caráter de livre escolha ao interesse público e as ações governamentais devem ser pautadas nestas escolhas. Enquanto interesses e enquanto públicos, a concepção dos economistas se aproxima mais do conteúdo funcional do que seria público e do que seria interesse. Prossegue Griffith 30 em sua análise e diz que a sociologia vai diagnosticar o interesse público nos costumes sociais que estejam em vigor, havendo uma relativização ética. Não há como padronizar este interesse público. Também ele não pode ser padronizado dentro de uma mesma sociedade, já que ela é constituída de vários grupos nos quais os costumes são diferentes. O tempo e a evolução social darão aos costumes mutabilidade, o que significa mais um complicador para a definição do interesse público. Contudo, a identificação deste valor o costume já é de grande valia, ainda que ele seja relativo e não absoluto. Portanto, na conclusão de Griffith, os juristas apresentam um aspecto meramente positivista e formalista; os economistas, a visão atomista de preferências pessoais; e, por fim, os sociólogos trazem as questões relativistas e efêmeras. Após estas preliminares, cabe a verificação da ética neste interesse público e de qual ética se fala. No jusnaturalismo 31, a ética do interesse público residirá na existência da natureza biológica, 29 GRIFFITH, op. cit.. p.26 30 GRIFFITH, op. cit.. p.29 31 GRIFFITH, Ernest S. op. cit.. 28 e 29..

psicológica e social do homem, inserida como fim da norma e não como meio. Para os comunistas partidários, a ética é dogmática e não discutida, o maior objetivo é o que deve ser alcançado: o triunfo do proletariado. No cristianismo 32, a ética se vê pautada pela submissão da hierarquia das demais normas ao amor ao próximo, bem absoluto. E como valores subsidiários que objetivam o bem-estar-geral: o respeito pela personalidade, os objetivos humanos do poder, a integridade na discussão, o ponto de vista funcional da atividade, o comportamento responsável e a obrigação de servir. Por este viés, a ética cristã será medida pela intenção e isto depaupera as considerações das conseqüências dos atos. Pela visão apresentada por Griffith, já que os economistas consideram o interesse público como a busca de melhores resultados por uma opção entre escolhas, eles imprimem na ética a resposta finalística, de resultados, considerando este mais importante que os motivos. O melhor resultado, quando obtido, será, portanto, a ética, pois a conseqüência natural é o bem-geral. Na mesma linha de raciocínio finalista está a conceituação de interesse público dada por Jeremias Bentham 33 na formulação da doutrina política utilitarista 34, concebida sob o argumento de que a escolha da maioria é, conseqüentemente ou correspondentemente, ligada ao bem geral, ao interesse público. Na teoria marxista, em conjugação com Lênin, a ética vai ser gerada dentro da hierarquia partidária, seguir-se-á uma linha do partido e, neste sentido, dogmática, como já afirmado. Para se obter ou atingir o interesse público sob a ótica da ética cristã, é necessário que se desenvolva uma sociedade em que 32 GRIFFITH, Ernest S. op. cit. 29. 33 GRIFFITH, Ernest S. op. cit.. 29. 34 O interesse da comunidade é idêntico ao valor encontrado na soma dos interesses de todos os membros da sociedade.

os valores doutrinários possam realmente existir, sendo que a moralidade não pode ser imposta, já que é uma postura. Para tanto, desde a infância, o indivíduo estaria inserido em uma sociedade de ambiente sadio, no qual estejam garantidas: a alimentação, a educação, a possibilidade de desenvolvimento das aptidões artísticas e intelectuais, a proteção, a saúde. Crescendo o indivíduo em um ambiente assim, pode-se perquirir a responsabilidade dele para com a justiça social. Numa sociedade de valores éticos 35, a liberdade é a pedra fundamental e os indivíduos serão motivados à busca do interesse público, não como intenção, mas como conseqüência. O discernimento para encontrar o interesse público gera a ação efetiva em busca da implementação de uma sociedade que se dirige ao bem geral. Será fundamental para o sucesso desta sociedade que[...] o público seja imbuído de interesse público 36. 6. A Busca da Identificação do Interesse Público Ao distinguir o interesse público do privado, Minor 37 se apóia no critério da conseqüência do comportamento dos representantes do povo. Os interesses objetivam, num primeiro momento, atingir conseqüências diretas que são a existência de ações de políticas públicas. Mas quando estas conseqüências não podem ser controladas e verificadas diretamente, elas se transformam, então, em conseqüências indiretas que 35 Para se conceituar os valores éticos de uma sociedade, entendo estes como uma virtude cívica, busca-se o apoio de Catherine Audard que sintetiza as quatro condições para existência de virtudes cívicas descritas por Rawls : 1) possuir uma sensibilidade moral e desejar cooperar com os outros, se as bases desta cooperação forem eqüitativas; 2) aceitar as obrigações e as compulsões acarretadas por esta cooperação; 3)reconhecer a necessidade da liberdade de pensamento e de consciência, em virtude das dificuldades da razão(burdens of reason); 4)reconhecer que um outro indivíduo, ainda que defenda opinião diferente, em conformidade com o fato do pluralismo, sua posição é igualmente razoável.audard, Catherine. Ética pública, moral privada e cidadania. In MERLE, Jean- Cristophe; MOREIRA, Luiz. (Org.) Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003.p. 261. 36 GRIFFITH, Ernest S. op. cit.. 31 37 MINOR, Willian S. O interesse e o supremo compromisso. in O interesse público Editado por Carl J. Friedrich - Tradução de Edílson Alkmin Cunha: Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967, p. 38.

terão somente aspecto político, no qual há vários grupos e multiplicidades de interesses atendidos e que ocuparão o espaço que medeia o povo e o governo, [...] as máquinas políticas urbanas, as sociedades econômicas, os conluios comerciais e militares e outros grupos especiais. Para Minor 38, é necessário encontrar o senso comum através da previsão das conseqüências, responsabilidade que caberá tanto ao povo, quanto aos seus representantes. Minor 39 aponta que as sociedades constituídas não conseguem fazer prevalecer o interesse público e, que a maioria dos doutrinadores das ciências sociais, justificam que os grandes responsáveis pela não adoção de um público são a diversidade de grupos e a economia. Neste sentido, Minor 40 apresenta cinco erros na tarefa do homem de encontrar o interesse público. O primeiro erro, na visão de Minor 41, que pode ser constatado é a incapacidade de compreensão da formação de políticas públicas e de leis inteligentes. Ocorre que, no início, os representantes do povo tratam as suposições como arbitrárias e se esquecem da validação destas enquanto hipóteses que necessitam da confirmação por instrumentos de pesquisa e que transcorrem de forma sempre corretiva através desta análise. A distinção ente as hipóteses descritivas e as normativas seria o segundo erro apresentado por Minor 42. São inúmeros os meios da pesquisa científica que poderiam contribuir para a descrição do que é público. Percebe-se que pouco se tem preocupado em descrevê-lo, em entender a natureza do público, limitando-se a sociedade a normalizá- 38 MINOR,, Willian S. op. cit.. 39. 39 MINOR,, Willian S. op. cit.. 39. 40 MINOR, Willian S. op. cit. p.41 a 53. 41 MINOR, Willian S. op. cit. p.41 a 53. 42 MINOR, Willian S. op. cit. p..41 a 53.

lo; outrossim despreocupam-se com as conseqüências de suas implementações, ou seja, as ações ficam no plano abstrato e não irão prever os efeitos. O terceiro erro, como diz Minor 43, situa-se na não existência de correlação das hipóteses descritivas e as normativas. Ocorre uma bifurcação entre as Ciências e a Filosofia. E somente uma filosofia, em todas as formações, poderia apontar para um caminho com maior propabilidade de sucesso na empreitada, incluindo-se o estudo da matemática, da lógica etc. Evitar-se-ia a busca de um fim transcendental desvinculada de seu contexto concreto. O apego aos princípios em sua conceituação propagada, o conceito que não mais se discute nem se investiga, que não se interpreta, é considerado como um quarto erro. Assim, se esquecida a sua interpretação enquanto instrumento, o interesse público se transforma em norma de valor concreto e não de valor abstrato, como deveria ser. Tornase dogma e desconsidera-se o processo histórico. O ordenamento jurídico pode, assim, se transformar em uma espécie de misticismo irracional, inviabilizando a crítica. É preciso que haja a interpretação do interesse público através dos princípios, e se estes forem [...] aceitos e usados como instrumentos aptos para orientar os indivíduos e as instituições, são chamados de políticas. A aceitação ulterior pelo costume, pela tradição e pelo processo legal transforma a política em leis. 44 O quinto e último erro, colocado por Minor 45, está ligado à qualidade moral que está na intenção da lei. Não basta que a lei seja posta, mas é essencial a credibilidade do homem nela, o que se dá pelo senso emotivo do senso comum, significando que o comportamento humano é mais emotivo do que cognitivo. Desta forma, se a lei não 43 MINOR, Willian S. op. cit. p.41 a 53. 44 MINOR, Willian S. op. cit. p. 43. 45 MINOR, Willian S. op. cit. p.45.

contiver a informação moral, não será capaz de conduzir emocionalmente ao senso comum. Diante da tumultuada consideração do interesse público e da imperatividade de resguardá-lo, Minor explica que as sociedades fixam cinco recursos para tal finalidade. A punição é o primeiro deles, gastando os poderes públicos seus esforços para uma fiscalização voraz e autoritária. O segundo guia-se pela ilusão, apresentando ao povo um determinado interesse como público, pela transformação dele em objeto de propaganda. O engano não pode prevalecer por muito tempo, e, fatalmente, sem a devida comunicação de interesses, a falência do público é inevitável. A concessão, como terceiro recurso, traduz-se em verdadeiro perigo, mas diante do aumento da tensão, ela oferece uma saída. Aliada, ou como similar instrumento, está o quarto recurso, a barganha, válida só quando ocorrer igualdade entre as partes. Na expectativa de controlar o conflito de interesses, encontra-se a persuasão pessoal realizada por pessoas individuais, tornando-as ilegítimas para o papel de representantes do povo. Retóricos políticos. Também a persuasão social é utilizada na medida em que os canais que possibilitam a interação democrática refazem ou não escutam devidamente aquilo que se pode auferir da sociedade. E, por fim, tenta se instaurar um processo de neutralização, que não deixa emergir os conflitos existentes na sociedade. Portanto, considerando os erros e os recursos descritos, é possível concluir que há dificuldade na tarefa de identificar o interesse público, pois ele estará envolto em validades, das opções legislativas e de políticas públicas, e pressupostos que nem sempre serão reais. 7. Interesse Público como oposto do Interesse Privado A teoria utilitarista de Jeremias Bentham, citada por Griffith, afirma que o resultado da soma dos interesses privados é o

interesse público. No entanto, sob tal perspectiva, Pennock 46 convida para uma reflexão sobre a inviabilidade desta consideração. Primeiramente, Pennock 47 afirma que nem sempre está o interesse público confinado nos interesses daqueles a quem se dirigem, até mesmo por não terem uma consciência dele, ou seja, não haverá interesse onde existir alguém que não saiba da sua existência, que não sinta a necessidade. Quando se fala em interesse público, para Pennock 48, tem-se em vista mais do atingir e beneficiar aqueles que hoje convivem na sociedade, pois objetiva-se alcançar também os que ainda nem nasceram, uma relação com a posteridade, com o futuro. E, também, considerá-lo como a somatória dos individuais, segundo Pennock, é esquecer que o gozo 49 do interesse público não é restrito, enquanto os interesses privados podem sê-lo e só deixarão de sê-lo quando este mesmo gozo só for possível socialmente. Assim, deve ser o interesse público considerado como um estímulo para a consciência e a deliberação, o que afasta a mera percepção de somatória de interesses privados. Se este interesse público não pode, portanto, ser a somatória de todos os interesses privados. deve ser considerado como um receptáculo de padrões, ao qual se chega pela ponderação dos valores e das reivindicações dos interesses privados. Assim, há relação entre o interesse privado e o interesse público, sendo o primeiro subsídio e um dos fatores para se diagnosticar o segundo. 46 PENNOCK, J. Roland. A unidade e a multiplicidade: uma observação sobre o conceito in Interesse público Editado por Carl J. Friedrich - Tradução de Edílson Alkmin Cunha: Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967, p. 182 e 183. 47 PENNOCK, J. Roland. op. Cit.. p. 183 48 PENNOCK, J. Roland. op. Cit.. p. 183 49 A colocação de gozo pelo autor refere-se à satisfação da necessidade. Desta forma, o apetite por se ter bens, como colocado por Niemeyer na distinção de Platão e a satisfação da necessidade descrita por Iheringe por Carnelutti como uma força motriz, também ensejam essa mesma idéia deste gozar, de satisfazer-se.

Mazzilli 50 salienta que a clássica dicotomia, nos países de tradição romana, entre o interesse público e o interesse privado passa por sérias críticas. A primeira delas é no sentido de identificar o interesse público como possível de abarcar os interesses sociais; e, a segunda, pela classificação nova de uma categoria intermediária que os interesses não são propriamente estatais e nem meramente individuais. 8. Interesse Público e Interesse Social Estado 51 e Interesse são conceitos que tiveram, ao longo da história, uma relação muito próxima. Foi através da apropriação do conceito de interesse que o Estado construiu o seu sentido, ou seja, associou a sua existência à segurança de bem-estar de todos, do interesse geral. Tal raciocínio pode ser extraído do contrato social de Rousseau 52 quando afirma que [...] Enquanto vários homens reunidos se consideram com um só corpo, eles têm uma só vontade, que se refere à conservação comum e ao bem-estar geral. A crítica a esta teoria contratualista, sob a ótica marxista, reside na deterioração da sociedade por conflitos de interesses, devendo o Estado ser um garantidor do interesse colocado como o bem comum, essencialmente relacionado à produção de bens e, conseqüentemente, ao meio que é o trabalho. Após a Revolução Francesa, o conceito de interesse público abarcou a subjetivação ao Poder Estatal. Ocorre a separação da sociedade civil e do Estado, transformando-se os anseios sociais em uma 50 MAZZILLI, Hugo Nigro - A defesa dos interesses difusos em juízo - São Paulo: Saraiva 18 ed., 2005. p. 46. 51 A palavra Estado vem do latim status, que significa estar firme, em situação de permanente convivência. Aparece pela primeira vez em 1513, na obra O príncipe, de Maquiavel, usada na Itália sempre como referência a cidades independentes, como, por exemplo, Firenze, estando vinculada à idéia de política. Autores franceses, ingleses e alemães acabaram usando a palavra até para se referir a propriedades rurais, mas só no século XVI, quando passou a indicar sociedade política, é que começou a ser utilizada mais intensamente, adquirindo sentido próximo do atual. BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.3 52 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: princípios de direito político. Trad. J. Cretella Jr. Ages Cretella São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 31.

questão política. Em período anterior, o interesse público era o próprio interesse do rei, justificado pelas monarquias absolutistas que concebiam a legitimação por desígnios de Deus. E, no Direito Romano, ser cidadão era uma glória, um atributo que não permitia a distinção entre o público e o privado. O interesse de Roma era o próprio interesse de seus cidadãos, o interesse da Justiça. É mister que se esclareça a conceituação de interesse público e a de interesse social, que não comportam, em sua gênese, a confusão com a própria personificação do Estado. A doutrina não aborda de forma exaustiva a questão. Porém, é certo que o interesse geral é o mais importante. Por vezes ele é tratado como social, em outras, como público. Mazzilli 53 explica com propriedade que [...] hoje a expressão interesse púbico tornou-se equívoca, quando passou a ser utilizada para alcançar também os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos, os interesses difusos etc. Então, diante desta falta de delimitação ou impossibilidade de realizar a distinção do interesse público estatal e o social, alguns autores, como Renato Alessi 54, Carlos Alberto de Sales 55, propõem a divisão do interesse público em primário e secundário. O interesse público primário engloba o bem geral. O interesse público secundário encarna o modus operandi que os órgãos da Administração imprimem na execução do interesse público. 53 MAZZILLI, Hugo Nigro.A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46. 54 ALESSI, Renato. Sistema instituzionale Del diritto amministrativo italiano. 1960, p. 197-8. interesse público compreende o interesse público primário e o secundário: não há confundir o interesse do bem geral (interesse público primário) com o interesse da administração (interesse público secundário), pois este último é apenas o modo como os órgãos governamentais vêem o interesse público. 55 SALES, Carlos Alberto de. Legitimidade para Agir: Desenho processual da atuação do ministério público, in Ministério Público, Instituição e processo.coordenador Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, 2ª ed., Editora Atlas, p. 245.