PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A NOVA LEI DE DROGAS (LEI Nº /2006)

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Transcrição:

92 PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A NOVA LEI DE DROGAS (LEI Nº 11.343/2006) Promotor de Justiça no Espírito Santo; Mestre em Direito; Professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV/ES). I INTRODUÇÃO No Dia 23 de agosto de 2006 foi publicada a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências, a nova Lei de Drogas 1. A nova lei entrará em vigor 45 dias após sua publicação (art. 74), ou seja, no dia 07/10/2006, tendo revogado expressamente as Leis nº 6.368/1976 e nº 10.409/2002, como se percebe pelo seu art. 75, sepultando, assim, anterior discussão 2 acerca de qual procedimento deveria ser aplicado aos crimes previstos na Lei nº 6368/1976 com o advento da Lei nº 10.409/2002 que, como se sabe, teve sua parte criminal inteiramente vetada. 1 A Lei nº 11.343/2006 preferiu a denominação drogas, abandonando a expressão substância entorpecente existente nas Leis nº 6.368/1976 e nº 10.409/2002, trazendo o conceito no parágrafo único de seu art. 1º: Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Complementando a regra citada, o art. 66 do mesmo diploma legal estabelece que Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998. 2 Os tribunais superiores vinham se inclinando pela aplicação do rito estabelecido pela Lei 10.409/2002, tanto que reconheciam a existência de nulidade caso o juiz não concedesse oportunidade para a defesa preliminar prevista em tal diploma legal (cf. Informativo 413 do STF, RHC 86680/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13/12/2005; Informativo 396 do STF, HC 84835/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 09/08/2005). 92

93 São várias as inovações trazidas pela Lei nº 11.343/2006, destacando-se a parte criminal, que além de preservar boa parte das condutas previstas na Lei nº 6.368/1976, criou novos tipos penais, adotando uma política criminal não punitiva em relação ao uso de entorpecentes, como se verá adiante. Por outro lado, na parte processual as mudanças não foram significativas, tendo a nova lei repetido diversas regras da Lei nº 10.409/2002, porém, com algumas alterações pontuais que merecem destaque. O presente estudo tem o objetivo tão-somente de trazer as primeiras impressões sobre a nova legislação, que certamente suscitará como já vem ocorrendo - intenso debate na doutrina, que inevitavelmente desaguará nos tribunais, entulhando-os ainda mais. Portanto, em absoluto as considerações que serão feitas a seguir ostentam a pretensão de esgotar a matéria, o que somente ocorrerá com o tempo, com a sedimentação das posições. Assim, presta-se o estudo apenas como uma contribuição para uma interpretação inicial das regras existentes na nova lei, que surgiu logo depois de outro diploma não menos polêmico, que é a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, que trata violência doméstica e familiar contra mulher, ambos revelando a incrível capacidade de nossos legisladores de criar perplexidades no ordenamento jurídico. Com efeito, aqueles que militam na área criminal atualmente estão vivenciando tempos difíceis, com o surgimento de leis que pecam pela deficiente técnica legislativa, o que certamente acarretará, lamentavelmente, inúmeras discussões nos tribunais, abarrotando-os ainda mais, contribuindo - negativamente - com a morosidade da justiça. Porém, a nova lei foi publicada, estando prestes a entrar em vigor, necessitando, assim, ser adequadamente interpretada. Dessa forma, com esse objetivo, dividimos o presente estudo em dois pontos, um primeiro sobre a parte criminal; o segundo a respeito do aspecto processual, sem se preocupar, nesse momento, como uma visão crítica mais aprofundada, o que poderá ser feito em estudo posterior. 93

II DA PARTE CRIMINAL 94 Como destacado, a nova lei manteve vários tipos da revogada Lei nº 6.368/1976, porém, também trouxe novos tipos penais, adotando uma política criminal não punitiva para os usuários, buscando vias alternativas à pena privativa de liberdade, enquanto que para as condutas de tráfico acabou revelando-se mais gravosa do que a legislação anterior. 1) Quadro comparativo entre as Leis nº 6.368/1976 e nº 11.343/2006 Para uma melhor visualização das novas regras, abaixo apresentamos um quadro comparativo entre as Leis nº 6.368/1976 e nº 11.343/2006, o que certamente facilitará uma análise conjunta das duas leis, verificando, assim, suas semelhanças e diferenças. Então vejamos. COMPARAÇÃO ENTRE A LEI Nº 6.368/76 E A LEI 11.343/06 3 LEI 11.343/06 LEI Nº 6.368/76 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 1 o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa. ATENÇÃO: Na vigência da Lei nº 6.368/1976, não havia previsão da conduta de cultivar para uso próprio. Assim, sobre o assunto surgiram três correntes: 1) que a conduta seria enquadrada no art. 16, valendo-se de 3 Procuramos destacar as novidades da Lei nº 11.343/2006 da seguinte forma: 1) utilizamos negrito e sublinhamos algumas regras (principalmente os novos tipos penais). Os comentários também estão em negrito, porém, com fonte em itálico. 94

2 o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. 3 o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. 4 o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. 5 o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. 95 analogia in bonam partem, posição que até então era majoritária nos tribunais 4 ; 2) o fato seria enquadrado no art. 12, 1º, II, da Lei nº 6.368/1976 5 ; 3) o fato era atípico, pois o plantio para uso próprio não estava previsto em lugar nenhum, nem como figura equiparada ao art. 12, nem como figura analógica ao art. 16: trata-se de fato atípico. A analogia aqui não consiste em estender o alcance da norma ao art. 16, para evitar o enquadramento no art. 12, mas em aplicar o art. 16 a uma hipótese não descrita como crime. Por essa razão, viola o princípio da reserva legal. 6 Assim, com a nova Lei nº 11.343/2006 a discussão perdeu sentido, uma vez que a conduta de cultivar e semear para consumo próprio foram previstas expressamente no 1º, do art. 28. 6 o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. 7 o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. 4 Conforme destaca Renato Flávio Marcão (Tóxicos Leis n. 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 218/219), É majoritária a corrente jurisprudencial que, a despeito da omissão da Lei n. 6.368/76, que não prevê no art. 16 as condutas de semear, cultivar ou colher para uso próprio, plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determine dependência física ou psíquica, entende ser aplicável a interpretação in bonam partem, ampliando o alcance da norma. 5 Nesse sentido: STJ: 6ª Turma, REsp 210484/RS, Rel. Min. Amilton Carvalhido, j. 10-04-2001, DJ 03-09-2001, p. 267. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Vol. IV legislação penal especial. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 702. 95

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 1 o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matériaprima para a preparação de drogas; 96 Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. 2 o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: 96

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) diasmulta. 97 I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica; ATENÇÃO: o crime previsto no 2º, pela pena mínima cominada em abstrato (1 ano), é passível de suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95). 3 o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. ATENÇÃO: Trata-se de infração penal que pela pena máxima cominada em abstrato (1 ano), é considerada de menor potencial ofensivo, portanto, da Competência dos JECRIM. A conduta em questão diz respeito ao denominado uso compartilhado, que na vigência da Lei nº 6.368/1976, caracterizava para parte da doutrina e jurisprudência como conduta de tráfico previsto no art. 12. Agora a questão restou superada, sendo inequívoco que se trata de conduta diversa do tráfico. 4 o Nos delitos definidos no caput e no 1 o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem 97

integre organização criminosa. Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1 o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. 98 Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. ATENÇÃO: Após o advento da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), houve grande polêmica se o art. 14 da Lei nº 6.368/1976 teria sido revogado pelo art. 8º da Lei de Crimes Hediondos 7, que aumentou a pena (passou a ser de 3 a 6 anos de reclusão) do crime de quadrilha (art. 288 do CP) quando esta se destinava à prática de crimes hediondos e equiparados (como o tráfico). Prevalecia o entendimento de que continuava vigente o art. 14 da Lei nº 6.368/1976, porém, a pena a ser aplicada deveria ser a do art. 8º da Lei de Crimes Hediondos (houve um combinação de leis), por ser menor do que a pena prevista para o citado art. 14 da então Lei de Tóxicos. Com a nova redação do art. 35 a discussão perdeu sentido, pois se trata de norma posterior, não sendo mais necessária a combinação de leis. 7 Sobre o tema cf. MARCÃO, Renato Flávio, ob. cit., p. 179-181. 98

Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1 o, e 34 desta Lei: 99 Contudo, para aqueles que entendiam correta a combinação de leis, por ser norma penal posterior prejudicial ao réu (novatio legis in pejus), a nova regra, no que diz respeito a sua pena, é irretroativa, somente podendo incidir em relação aos casos cometidos a partir de sua vigência. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. ATENÇÃO: Trata-se de novo tipo penal, sem correspondente na legislação anterior. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1 o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa. ATENÇÃO: Trata-se de novo tipo penal, sem correspondente na legislação anterior. Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa. Art. 15. Prescrever ou ministrar culposamente, o médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em de dose evidentemente maior que a necessária ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa. Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente. 99

100 ATENÇÃO:Trata-se de infração penal, que pela pena máxima cominada em abstrato (2 anos), é considerada de menor potencial ofensivo, portanto, da competência dos JECRIM. Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa. ATENÇÃO: Trata-se de infração penal, que pela pena mínima cominada em abstrato (6 meses), é possível a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95). ATENÇÃO:Trata-se de novo tipo penal, sem correspondente na Lei nº 6.368/1976. Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços): I - no caso de tráfico com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal; II - quando o agente tiver praticado o crime prevalecendo-se de função pública relacionada com a repressão à criminalidade ou quando, muito embora não titular de função pública, tenha missão de guarda e vigilância; 100

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; 101 IV - se qualquer dos atos de preparação, execução ou consumação ocorrer nas imediações ou no interior de estabelecimento de ensino ou hospitalar, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de estabelecimentos penais, ou de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou do local. IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; III se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003). VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. 2) Breves notas sobre os tipos penais 2.1. Do tipo do art. 28 e sua natureza jurídica Uma grande discussão que já surgiu com a nova Lei nº 11.343/2006 diz respeito à natureza jurídica do tipo previsto no seu art. 28. O motivo para a polêmica - que promete permanecer por um bom período na doutrina e jurisprudência decorre das 101

102 penas previstas para o citado tipo penal, já que a lei, de forma inovadora, não trouxe como preceito secundário a pena privativa de liberdade, prevendo que o agente que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Assim, em face da pena prevista para tais condutas, estar-se-ia ainda diante de uma infração penal, de uma contravenção penal ou de um ilícito sui generis que não configura infração penal, porém, da competência do juiz criminal? Teria havido descriminalização ou depenalização? Algumas manifestações já estão começando a surgir na doutrina, sendo visível pelas primeiras interpretações sobre a nova lei que o citado artigo vem sendo o centro das atenções. Luiz Flávio Gomes, em recente estudo, fundamentando sua posição no art. 1º do Decreto-Lei n º 3.914/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), entende ter havido descriminalização, passando a conduta de porte drogas para uso próprio a não mais ser crime, mas sim um ilícito sui generis. Diz o consagrado doutrinador: Por força da Lei de Introdução ao Código Penal (art. 1º), "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente" (cf. Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro Dec.-Lei 3.914/41, art. 1º). Ora, se legalmente (no Brasil) "crime" é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser "crime" porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos - art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova lei de tóxicos, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de "infração penal" porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração "penal" no nosso país. Infração "sui generis": diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração "sui generis". Não se trata de "crime" nem de "contravenção penal" porque 102

103 somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito (recordese: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, não penal, sim, "sui generis". Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou da vara especializada). Em conclusão: nem é ilícito "penal" nem "administrativo": é um ilícito "sui generis". 8 Em sentido contrário, ou seja, entendendo que não houve descriminalização, encontra-se o posicionamento de Clovis Alberto Volpe, defendendo que a conduta de porte de drogas para consumo próprio continua a ter natureza criminal, apesar de não mais ser possível a pena privativa de liberdade. O autor fundamenta seu entendimento principalmente na Constituição Federal, em especial nos art. 5º, XLVI, que prevê, sem prejuízo de outras, as seguintes sanções possíveis no nosso ordenamento: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. Logo, o fato de não haver no preceito secundário do tipo previsão de pena privativa de liberdade não elimina seu caráter criminal, pois segundo o autor a infração penal não se resume a cominação de pena de reclusão, detenção, prisão simples e multa. Desde que respeitadas as premissas basilares referentes à pena, essa pode assumir outras feições, como a prestação de serviço à comunidade. A constituição Federal de 1988 é bastante clara ao prever penas outras, diferentes dessas estampadas na Lei de introdução do Código Penal, que por sinal é de 1941. Um raciocínio contrário culminar-se-ia no absurdo de não se considerar ilícito penal as condutas que estipulam penas alternativas de modo direto, indo contra a tendência moderna de não encarceramento. Ora, além da Constituição, o Código Penal prevê outras espécies de pena (art. 32, CP). Assim, queremos demonstrar que, embora seja a grande maioria das infrações penais sancionadas com pena de prisão (retenção, detenção e prisão simples), "uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena restritiva de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere." (Exposição de Motivos da reforma penal de 1984) Vislumbra-se, que é perfeitamente possível a adoção pelo legislador de infrações que possuam penas alternativas diretas, sendo tal fato uma tendência positiva e que vem ganhando espaço no campo penal, com amparo da Constituição. O raciocínio exposto pelo professor Luiz Flávio Gomes dilacera a Constituição. Pois, tornam inócuas as penas previstas no inc. XLVI, art. 5º, da Constituição Federal. Ademais, tolhe qualquer possibilidade de se avançar na legislação penal, haja vista que 8 GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal Disponível em: <www.lfg.com.br/artigos>, acesso em 07/08/2006. 103

104 será, segundo o referido doutrinador, sui generis o tipo legal que aplicar a pena alternativa de maneira direta, não sendo nem ilícito penal ou ilícito administrativo. 9 Posição interessante sobre o tema é a de Rodrigo Iennaco, para quem a conduta de porte de droga para uso pessoal deixou de ser crime para ser contravenção penal, persistindo, portanto, ainda a natureza de infração penal, porém, tendo havido uma abolito criminis sui generis. Assim, o referido autor discorda da corrente defendida acima por Luiz Flávio Gomes, sendo oportuno, conquanto que longo, transcrever parte de seu pensamento, para assim termos uma melhor compreensão da polêmica e da argumentação do autor: Sendo assim, uma análise mais criteriosa se impõe. Sobretudo porque a rubrica do capítulo III do título III da novel legislação fala em crimes e penas, sendo que os artigos que seguem (27 a 29) ora falam em pena, ora em medida educativa. Com efeito, a única pena prevista, imediatamente, para as condutas tipificadas no art. 28, caput e 1º, é a de prestação de serviços à comunidade sabidamente pena substitutiva, não havendo previsão similar em nossa legislação que autorizasse concluir que para uma conduta criminosa não fosse cominada, no plano abstrato, pena de reclusão ou de detenção. Porém, mediatamente, em que pese a péssima técnica legislativa, admite-se a aplicação de pena de multa, nos termos e critérios estabelecidos no art. 28, 6º, II c/c art. 29 da Nova Lei de Tóxicos. Em suma, a conduta antes prevista no art. 16, da Lei n. 6.368/6, não foi abolida do mundo jurídico-penal, devendo-se adotar como parâmetro indeclinável a teoria da tipicidade. Encontra-se, a rigor, tipificada de maneira ainda mais abrangente, para alcançar gama expressiva de núcleos do tipo alternativo (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo), antes ligados às condutas previstas no art. 16 da Lei 6.368/76 (Adquirir, guardar ou trazer consigo), bem como outros ligados ao art. 12 da mesma lei (semear, cultivar ou colher plantas). No que se refere à sanção penal, impende reconhecer a descriminalização de referidas condutas reunidas sob a rubrica da posse de droga ilícita para consumo próprio, passando o tipo de injusto a reclamar "punição" menos severa, própria das contravenções penais no caso a pena de multa como referência mediata, havendo inclusive prazo prescricional assim indicado no art. 30 da Lei 11.343/06. O que ocorre é que, por imprecisão de técnica legislativa, a "pena" cominada abstratamente à conduta tipificada no art. 28, caput e 1º, encontra-se prevista no art. 29, sendo de aplicação subsidiária no subsistema instituído pela Nova Lei de Tóxicos, como medida coercitiva para o cumprimento das demais sanções, autênticas medidas pedagógicas. 9 VOLPE FILHO, Clovis Alberto. Considerações pontuais sobre a nova Lei Antidrogas (Lei nº 11.343/2006), disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8852>, acesso em 29/08/2006). No mesmo sentido: NETTO, Sérgio de Oliveira, Não houve descriminalização do porte de entorpecentes para uso próprio (disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8864>, acesso em 30/08/2006). O autor por último citado fundamenta sua posição na previsão das penas contidas nos arts. 32 e 43, IV, do Código Penal, pois ambas as regras são posteriores ao Decreto-lei nº 2.848/1940 (Lei de Introdução ao Código Penal), diploma que, conforme destaca, não acompanhou a evolução legislativa que vem se sucedendo ao longo dos anos, seja por descuido do legislador, seja por conceber-se que seria desnecessário atualizar esta lei introdutória. 104

105 Conclusão: a Nova Lei de Tóxicos, que revogou o art. 16, da Lei 6.368/76, tipificou conduta similar (Art. 28, caput e 1º), operando rebaixamento em seu status jurídicorepressivo, caracterizando-a como autêntica CONTRAVENÇÃO PENAL. 10 De nossa parte, a princípio estamos com última posição. Com efeito, em primeiro lugar não se pode concordar totalmente com o entendimento de Luiz Flávio Gomes, no sentido de que teria havido abolitio criminis, passando a conduta de porte de drogas para uso próprio a ser um ilícito sui generis. Ora, uma interpretação sistemática da própria Lei nº 11.343/2206 induz à conclusão de que a referida conduta continua a ser uma infração penal, senão como explicar, por exemplo, a competência da Justiça Criminal para seu julgamento, como se vê pelo art. 48 da nova lei, em especial no 1º. 11 De fato, do citado artigo deflui de forma clara que caberá aos Juizados Especiais Criminais o julgamento da infração prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099/1995, desde que não haja concurso com uma das infrações previstas nos arts. 33 a 37 do mesmo diploma legal, pois não sendo estas consideradas de menor potencial ofensivo, importará no deslocamento do crime de porte de drogas para uso próprio para a vara criminal competente para o julgamento do crime mais grave, que exercerá o foro de atração, nos termos do arts. 78 e 79, caput, do CPP, c/c o art. 60 da Lei nº 9.099/1995 (com nova redação dada pela Lei nº 11.313/2006). Portanto, mantendo-se a competência da Justiça Criminal para o caso, a conclusão é que foi mantido caráter de infração penal da conduta de porte de drogas para uso próprio. Não bastasse isso, do mesmo art. 48 podem ser extraídas outras medidas e expressões utilizadas pelo legislador que conferem um tratamento penal à conduta do porte de drogas para consumo próprio. Realmente, só para exemplificar, diz a nova lei que o agente não poderá ser preso em flagrante delito 12, podendo, porém, 10 IENNACO, Rodrigo. Abrandamento jurídico-penal da posse de droga ilícita para consumo pessoal na Lei nº 11.343/2006: primeiras impressões quanto à não-ocorrência de abolitio criminis. Disponível em: <http://j/us2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8858>, acesso em 30/08/2006. 11 Dispõe o 1º do art. 48: O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. 12 O que é óbvio, já que não há mais previsão de pena privativa de liberdade para o tipo, nem mesmo por meio de conversão, do que se conclui pela impossibilidade de qualquer prisão cautelar (provisória), pois seria desproporcional diante das sanções agora previstas para a referida infração. 105

106 após lavrado termo circunstanciado, ser encaminhado aos Juizados Especiais Criminais ( 2º, art. 48). Também poderá o agente ser submetido a exame de corpo de delito, caso a polícia judiciária entenda ser conveniente ( 4º, art. 48). Por fim, é explicitado no 5º do art. 48 que Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta. Destarte, é inequívoco o tratamento penal em relação à conduta de porte de drogas para uso próprio, do contrário como explicar a possibilidade de lavratura de termo circunstanciado, de atuação da polícia judiciária, de transação penal? Aliás, somente a previsão da atuação da polícia judiciária no caso é suficiente para repudiar o entendimento de que a citada conduta não mais configura uma infração penal, pois segundo o art. 144, 1º, I e 4º, da Constituição Federal, à Polícia Judiciária (respectivamente federal e civil) incumbe a apuração das infrações penais, do que se conclui que, constitucionalmente, tais órgãos não possuem atribuição para apuração de outras espécies de infrações, senão as penais. Logo, é no mínimo contraditório o entendimento de que a conduta prevista no art. 28 da nova lei não é mais uma infração penal, porém, é possível a atuação da polícia judiciária. Todavia, o tipo previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, pelas penas cominadas em abstrato, não pode por outro lado ser considerado mais como crime ou delito, pois ausente a possibilidade de pena privativa de liberdade na modalidade reclusão ou detenção, sendo que nessa parte concordamos com a posição de Luiz Flávio Gomes. De fato, entendemos que ainda se encontra em plena vigência a Lei de Introdução ao Código Penal na parte em que traz um conceito legal de crime, prevendo que este somente existirá quando tiver como conseqüência uma pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção), enquanto que contravenção penal será considerada aquela conduta que tem como conseqüência uma pena privativa de liberdade (prisão simples) ou multa (art. 1º). Portanto, não havendo previsão desses tipos de sanções não haverá que se falar em infração penal, sendo, destarte, um ilícito extrapenal, fora da competência da Justiça Criminal. 106

107 Não obstante seja de mera conveniência política 13, entendemos que é de suma importância que o critério estabelecido na Lei de Introdução ao Código Penal mereça ser preservado, pois além de proporcionar uma exata distinção legal 14 entre crimes ou delitos e as contravenções penais e demais ilícitos extrapenais, acaba proporcionado uma segurança jurídica. Realmente, caso se entenda que pode haver crime desprovido de pena de reclusão ou detenção teremos que rever inúmeros casos previstos no nosso ordenamento jurídico, bastando aqui lembrar por ser emblemático os atos de improbidade administrativa 15. Tais atos, como se sabe, não possuem previsão de pena privativa de liberdade como sanção, consagrando outras penas como, por exemplo, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos 16. Ora, referidas sanções são previstas como penas 17 ou efeito da condenação no âmbito penal, mas nem por isso a doutrina e a jurisprudência amplamente majoritárias se inclinaram em entender que tais atos ostentam natureza penal, sendo praticamente pacífico que se tratam de verdadeiros ilícitos civis-administrativos. Essa constatação, a nosso sentir, é uma forte razão para afastar categoricamente o entendimento de que o art. 28 da nova Lei de Drogas possui natureza de crime, restando, repita-se, a possibilidade de o considerar uma contravenção penal. De fato, a conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é passível de aplicação de pena de multa, como se percebe pelo 6º 18 do mesmo artigo, pena que será aplicada no caso do agente descumprir uma das penas previstas no caput, ou seja, 13 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal - Parte Geral. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 129. 14 O que é importante, já que ontologicamente não há como distinguir os crimes (ou delitos) das contravenções penais. De fato, conforme destaca Paulo Queiroz (ob. cit., p. 129), Assim como não há distinção de natureza (ontológica) entre o ilícito penal e o ilícito civil, também a diferenciação entre crimes e contravenções é puramente de grau, quantitativa: os primeiros são infrações mais graves, por isso que punidos com reclusão ou detenção (e multa, cumulativamente); as segundas são infrações de menor potencial ofensivo, sancionadas com a prisão simples ou multa. A razão é simples: definir determinadas infrações com crime ou contravenção é uma questão de mera conveniência política. 15 Arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992. 16 Art. 12 da Lei nº 8.429/1992. 17 A Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/1965) prevê a possibilidade, como pena autônoma, da perda do cargo ou inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública (art. 6º, 3º, b ). Porém, é importante destacar que também prevê a pena de prisão (detenção), do contrário não teria natureza de crime. 18 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I admoestação verbal; II multa. 107

108 advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Porém, ao se analisar o art. 27 do mesmo diploma legal - que dispõe que As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor -, se pode concluir pela possibilidade de aplicação isolada da pena de multa, eis que prevista no art. 28 (regra que se encontra exatamente no mencionado Capítulo III). Logo, não é descabida a conclusão de que dentre as penas previstas para a citada infração também se encontra a pena de multa, que tem nítido caráter de sanção de natureza penal, como se percebe pelo art. 29 da Lei nº 11.343/2006, que a respeito do valor e quantidade de dias-multa adota critério semelhante ao existente no Código Penal, com a única distinção de que o valor da multa será recolhido para a conta do Fundo Nacional Antidrogas, ao invés de ser recolhida ao Fundo Penitenciário Nacional, o que é perfeitamente possível e recomendável, para que assim se tenha mais uma fonte de recurso na prevenção e repressão às drogas. Assim, a conclusão inexorável é que o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 foi rebaixado, passando de crime para contravenção penal, entendimento que também encontra sustentação em outros dois argumentos: 1º) em vista da localização topográfica do art. 28 o citado artigo está localizado dentro do Capítulo III, do Título III, da Lei nº 11.343/2006, que trata Dos crimes e das penas, sendo assim inequívoco que foi dado um tratamento penal para tal conduta. Poder-se-ia dizer que os crimes previstos na nova lei estão previstos na verdade no Capítulo II, do Título IV, porém, a previsão de dois capítulos diferentes a respeito de crimes, embora revele uma deficiência técnica do legislador, apenas demonstra a clara intenção salutar de diferenciar as condutas do usuário do traficante, sabidamente um delicado problema envolvendo delitos relacionados às drogas. Igualmente não procede o argumento de que a ementa do citado Capítulo III, do Título III, da Lei n º 11.343/2006, que fala em Crimes teria assegurado a natureza de crime da conduta prevista no art. 28 do mesmo diploma legal, pois isso não é suficiente para que a o tipo seja considerado crime do ponto de vista legal, conforme 108

109 vimos de acordo com a Lei de Introdução ao Código Penal, sendo determinante para tanto a previsão de pena de reclusão ou detenção no preceito secundário. Trata-se, portanto, de mais uma demonstração da deficiência de nossos legisladores, não sendo, porém, o primeiro nem o último com certeza caso em que se confunde crime com contravenção penal. 2º) em vista da redação do art. 28 A própria redação do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 revela uma típica de técnica de construção de um tipo penal, prevendo de forma clara um preceito primário do qual se extrai ser ilícita a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo 19, para consumo pessoal, drogas, sem autorização ou em desacordo com determinações legal ou regulamentar, prevendo como conseqüência preceito secundário penas determinadas, muito embora mereça críticas a previsão de advertência, que provavelmente não terá nenhuma aplicação prática. Portanto, estamos diante de uma nova contravenção penal, sendo caso de novatio legis in mellius, porém, sem que tenha a conduta perdido o caráter de infração penal, não havendo, assim, em que se falar em abolitio criminis 20. Porém, por ser norma posterior mais benéfica, deverá ser aplicada em relação aos casos anteriores que estiverem em andamento, devendo ser designada audiência para que seja oferecida ao agente a proposta de aplicação das penas previstas na nova lei, mediante sua aceitação e de seu advogado. Também será impossível doravante a conversão em pena privativa de liberdade. Assim, caso o agente, na vigência da lei anterior (Lei nº 6.368/76), tenha sido condenado a uma pena privativa de liberdade que foi substituída por uma pena restritiva de direitos 21, mesmo que não tenha 19 Foram acrescentadas as condutas de ter em depósito e transportar, inexistentes no art. 12 da Lei nº 6.368/1976. 20 Tal entendimento possui reflexos inclusive em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, pois em se considerando que a conduta não deixou de ser uma infração penal, por caracterizar uma nova contravenção penal, será ainda possível considerar que quando cometida por criança ou adolescente terá natureza de ato infracional, já que este nada mais é do que toda conduta que caracterize crime ou contravenção penal (art. 103 da Lei nº 8.69/1990). Por outro lado, entender que a conduta deixou de ser infração penal importará em não mais considera-la como ato infracional. 21 Situação rara a partir da vigência da Lei nº 10.259/2001, que teria ampliado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, que passaram a ser consideradas aquelas infrações penais cuja pena máxima cominada em abstrato fosse igual ou inferior a dois anos, independentemente de ostentarem ou não procedimento especial. Logo, a conduta prevista no art. 16 da Lei nº 6.368/1976 passou para competência dos Juizados Especiais Criminais, sendo, assim, passível de transação penal, o que tornava rara mas não impossível - a condenação a uma pena privativa de liberdade. 109

110 cumprido a pena alternativa será impossível a sua conversão em pena privativa de liberdade, na forma art. 44, 4º, do Código Penal, restando apenas a possibilidade conversão em pena de multa ou admoestação verbal, como prevê o 6º, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006. 2.2. Dos demais tipos penais Em relação aos outros tipos penais, todos estão previstos no Capítulo II, do Título IV, da Lei nº 11.343/2006, que vai dos arts. 33 a 39. Como destacado anteriormente, alguns tipos previstos na Lei nº 6.368/1976 foram praticamente repetidos na nova lei, bastando aqui exemplificar com o então art. 12 da lei por último mencionada, que agora está previsto no art. 33 da nova Lei de Drogas. Percebe-se a intenção do legislador de tentar diferenciar o traficante efetivo do mero instigador, que na lei anterior recebia, em tese, a mesma pena, criando situações paradoxais que geravam grande perplexidade. Agora, a conduta do instigador está prevista no 2º do art. 33 da nova Lei, com pena (1 a 3 anos) bem inferior para àqueles que praticarem as condutas previstas no caput do mesmo artigo (5 a 15 anos). Outra questão importante, que em muitos casos gerava situações injustas, era relacionado ao compartilhamento de drogas entre familiares, sem o objetivo de lucro. Na legislação anterior a conduta do familiar que entregava droga a outro familiar, sem objetivo de lucro, para juntos consumirem, poderia ser enquadrada como crime de tráfico, previsto no art. 12 da Lei nº 6.368/1976. Agora tal conduta está prevista no 3º do art. 33 da nova Lei, passando a ser considerada infração penal de menor potencial ofensivo. Aliás, referida regra é mais um reforço para se considerar que o tipo do art. 28 do mesmo diploma legal não perdeu a natureza de infração penal. Como observado, novos tipos foram criados pela Lei nº 11.343/2006, podendo ser destacados os seguintes: art. 36 (conduta daquela que financia a prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1º, e 34, podendo ser considerado como o cabeça da organização); art. 37 (referente aos colaboradores ou informantes dos grupos ou 110

111 organizações ligadas ao tráfico); art. 39 (conduta daquele que conduz embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. 22 Dúvida poderá surgir em relação aos tipos que poderão ser consideradas como tráfico ilícito de drogas (em sentido amplo), já que a nova lei como a anterior não traz nenhum tipo penal com esse nomen iuris 23. Trata-se de questão de suma importância, pois é sabido que o crime de tráfico de drogas é equiparado ou assemelhado aos crimes hediondos, advindo daí diversas conseqüências penais e processuais penais. Ora, na vigência da Lei nº 6.368/1976, sem embargo das posições em sentido contrário, entendíamos que poderiam ser consideradas como tráfico ilícito de drogas os tipos dos arts. 12, 13 e 14, tendo tal entendimento inclusive já sido reconhecido pelo STF: Cabe referir, neste ponto, especialmente em face do amplo conceito que assume a expressão tráfico de entorpecentes (RTJ 151/155-156) cuja realização típica não exige a efetivação de atos de comércio, dispensando-se, para efeito de configuração desse delito, até mesmo a própria consumação da venda (RTJ 167/243) que as limitações decorrentes da Lei 8.072/90 estendem-se às atividades descritas nos arts. 12 (e respectivos parágrafos), 13 e 14 da Lei 6.368/76. Daí a observação feita por Antônio Scarance Fernandes ( Considerações sobre a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 Crimes Hediondos, in RT 660/261, 262): A Lei 6.368/76 contém os crimes relativos a entorpecentes e drogas afins. Não traz nenhum tipo penal definido como tráfico ilícito. Contudo, em vários dispositivos (art. 1º, caput, art. 1º, parágrafo único; art. 4º; art. 7º), fala em prevenção e repressão ao tráfico ilícito e ao suo indevido de substância entorpecentes. Há, portanto, evidente intenção do legislador em separar entre uso e tráfico (...). O uso é previsto no art. 16. São, então, atividades de tráfico as estipuladas nos arts. 12, 13 e 14 (...). Assim, pode-se afirmar, com base em uma interpretação sistemática da Lei 6.368/76, que são por ela consideradas ações de tráfico de entorpecentes as definidas nos arts. 12, 13 e 14 e seus parágrafos. A eles será aplicada a Lei 8.072/90. 24 22 Trata-se de conduta semelhante ao crime de embriaguez ao volante de veículo automotor, previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/1997, possuindo, aliás, pena idêntica (6 meses a 3 anos). Porém, diferentemente do crime de trânsito, o crime do art. 39 da Lei nº 11.343/2006 não é passível de transação penal, isso por falta de previsão legal de regra semelhante ao parágrafo único do art. 291, do Código de Trânsito. Contudo, pela pena mínima cominada em abstrato (6 meses), será passível de transação penal. 23 Na vigência da Lei nº 6.368/1976 observava Alberto Silva Franco (Crimes Hediondos, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 145) que, Em face da Lei 6.368/76, não se pode fugir à consideração de que inexiste, no direito penal brasileiro, figura que atenda pelo nomen iuris de tráfico ilícito de entorpecentes. 24 STF HC 80.392-0 rel. Celso de Mello j. 31.08.2000 DJU 06.09.2000, p. 33. 111