Distinção entre concurso eventual e necessário



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Transcrição:

Conceito O concurso de pessoas é o encontro de duas ou mais pessoas para a prática de crimes, vulgarmente intituladas de cúmplices, comparsas, parceiros, amigos, companheiros, irmãos, manos, enfim, recebem uma série de adjetivos populescos. Também recebe o nome de codelinquência, concurso de agentes, coautoria etc. O concurso de pessoas está dividido em três artigos, que encerram questões estritamente penais sobre o concursus delinquentium, a começar pelo artigo 29 do Código Penal 1. Regra geral o crime pode ser praticado por uma pessoa isoladamente ou por mais de uma pessoa, seja na fase da ideação da infração criminosa, na preparação do crime, na execução do crime ou, ainda, até mesmo na fase de exaurimento de um crime. Quando duas pessoas se unem estaremos diante de uma coautoria delinquente, ou codelinquência, ou, como diz o Código Penal: concurso de agentes. Distinção entre concurso eventual e necessário 1 Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade. 1.º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. 2.º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Há crimes que só podem ser praticados por mais de uma pessoa. A estes crimes é dado o nome de concurso necessário, ou seja, é obrigatória a presença de um número de pessoas para o reconhecimento do crime. São os chamados crimes coletivos bilaterais ou coletivos recíprocos. Ex.: a rixa (CP, art. 137), a formação de quadrilha ou bando (CP, art. 288), o esbulho possessório (CP, art. 161, II) etc., que são crimes nos quais sempre se exige um número determinado de pessoas para a prática da conduta. No concurso eventual, há o encontro casual de duas ou mais pessoas para a prática de um crime. É a grande maioria dos crimes, onde o legislador apena da mesma forma, na maioria dos casos, a participação de um ou de mais de um autor do delito. Exemplo: no estelionato (CP, art. 171), para se obter vantagem ilícita, não é preciso mais de uma pessoa. Se houver outro participante, a mesma pena será aplicada. 109

Porém, há exceções quando o legislador prevê que o crime será qualificado em decorrência da participação de mais uma pessoa, como se vê nos artigos 146, 1.º; 150, 1.º; 155, 4.º, IV; 157, 2.º, II do CP, entre outros. Teorias da coautoria delinquente Há várias teorias a respeito da coautoria delinquente, sendo que acabaram por se destacar três: Teoria monista ou monística, ou teoria unitária ou teoria igualitária, onde se considera como um crime único, igual a todos os participantes, ainda que tenha sido praticado por um conjunto de pessoas, sem se distinguir entre as várias categorias de pessoas, que praticaram a conduta típica. Assim, autor, partícipe, instigador, cúmplice, informante etc. são todos autores do crime, ou, em outras palavras, são todos coautores do crime. Pela teoria pluralista ou pluralística são vários os crimes cometidos, sendo que cada um dos participantes responderá pela prática de seu próprio crime, autonomamente. Por essa teoria, são diversas as formas de apenação de cada um dos integrantes do delito. Assim, se um apenas fornece meios, não iria responder pelo crime como um todo, exemplificadamente. Pela teoria dualista ou dualística há um crime para os autores e outro para os partícipes do mesmo crime. Se for possível cindir a conduta em principal e acessória teríamos, então, duas penas aplicadas a dois elementos que, num mesmo momento, praticaram uma conduta típica. Assim, se na ação principal um dos elementos pratica a conduta e é auxiliado pelo segundo agente, deverá haver uma diminuição da pena. Pelo artigo 25 do Código Penal em 1940 o Brasil havia adotado a teoria monista, que perdurou até a Reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, principalmente diante da redação do artigo 29, caput, c/c os seus 1.º e 2.º, sendo que para alguns autores houve aproximação com a teoria dualista, ao distinguir a coautoria da participação, ou, como prefere a maioria dos doutrinadores, o Brasil adotou uma teoria monista mitigada, ou uma teoria monista temperada, pois abrandou a fórmula estanque da teoria monista, seguindo a tendência das legislações modernas (Portugal, Alemanha etc.). 110

Relação de causalidade Concurso de pessoas Conforme já asseveramos anteriormente, só poderá sofrer a sanção penal aquele que der causa ao resultado, lembrando que causa é toda a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria eclodido (CP, art. 13). Daí chamado de nexo de causalidade, sendo que alguém só poderá responder pelo crime cometido por outrem quando existir uma ligação, uma ponte entre a conduta e o resultado. Esse nexo de causalidade, essa ligação, pode ser física, material, como também psíquica ou moral. Assim, responderá pela conduta típica tanto aquele que efetivamente praticou o fato típico, por exemplo, num homicídio, aquele que disparou a arma de fogo (nexo de causalidade físico ou material), como também aquele que, cônscio da situação, instigou, incentivou, planejou a morte de uma pessoa (nexo de causalidade moral ou psíquico). Lembremos que não é necessária a presença física do agente no local do crime para se imputar uma conduta criminosa a terceiro. Ex.: a extorsão mediante sequestro. Teremos várias pessoas em concurso, cada um agindo de uma maneira: A e B idealizaram. C passou para os atos preparatórios; D pela execução material; E pela ocorrência do resultado e F recebeu a vantagem indevida, ou seja, o exaurimento do crime, recebendo o dinheiro pedido pelo resgate. Note-se que A, B e C não participaram da parte material do delito. Mas todos estavam envolvidos nas diversas fases do processo criminoso, existindo o nexo de causalidade (psíquico ou físico), estará o agente respondendo pelo crime em seu todo. Nos crimes permanentes, enquanto permanecer a estabilidade permanente, haverá concurso de pessoas; nos crimes habituais, enquanto estiverem praticando atos reiterados da habitualidade, haverá, também, a coautoria delinquente; nos crimes continuados, enquanto houver a colaboração ou participação em mais de uma conduta típica, estará existindo a coautoria criminosa. Distinção entre coautoria e participação Genericamente, há duas formas ou maneiras de participação num crime, ou seja, coautoria e participação. Vejamos cada uma isoladamente. Coautoria propriamente dita: haverá a coautoria quando diversas pessoas, ou, pelo menos, mais de uma pessoa, prestam mútuo auxílio e 111

todos, dividindo as tarefas do grupo delinquente, realizam a conduta considerada típica e antijurídica. Ex.: A quer matar B. Poderá fazê-lo só. Porém, se convida para a prática criminosa C e este anui, fornecendo meios e contribuindo para o resultado, evidentemente, estaremos diante de um crime de homicídio, consumado ou tentado, em coautoria delinquente. A e C agiram em conjunto. São chamados de executores do crime. A coautoria do delito possui algumas nuances, com denominações próprias: autorias mediatas, autorias colaterais, autorias incertas, autorias desconhecidas ou ignoradas, e que, em realidade, não são formas de coautoria. Autoria mediata: se dá quando um agente faz com que terceira pessoa atue por erro de tipo essencial, sem que essa terceira pessoa tenha conhecimento da existência da real intenção do agente, posto que, se soubesse, seria coautoria. O exemplo clássico é do médico que, pretendendo matar seu paciente, manda que sua enfermeira ministre veneno ao invés de remédio. A enfermeira, por desconhecer a situação, assim o faz. Autoria colateral: se dá quando não há a conciliação de vontade dos agentes, devendo cada um responder por sua conduta, separadamente. O exemplo clássico é do caso de duas pessoas, A e B, cada uma desconhecendo por completo a intenção da outra, que pretendem matar C. Na mesma hora e local, armam-se e se amoitam em trechos separados da estrada, aguardando a passagem de C. Quando C passa, ambos disparam ao mesmo tempo, vindo a atingir e matar C. Porém, descobre-se que somente os projéteis de B foram eficientes para a morte de C, sendo que os projéteis de A não atingiram C. Nesse caso, B responde pelo crime consumado enquanto A responde pelo crime tentado de homicídio. Autoria incerta: se dá quando, no mesmo exemplo acima, não se tem condições de descobrir quem foi o verdadeiro autor do delito, ou, em outras palavras, quem, dos dois atiradores, efetivamente, contribuiu decisivamente para o resultado morte. Nesse caso, seria ilógico condenar os dois pelo resultado, pois somente um dos dois matou. Absolver a ambos é outro absurdo maior ainda, posto que, nesse caso, deixaria de existir uma reprimenda para a conduta criminosa. 112

Seria um prêmio para o criminoso. O Código Penal não soluciona a questão, sendo que a melhor solução é punir ambos pela tentativa de homicídio. A autoria desconhecida ou ignorada: se dá quando não se consegue apurar quem realizou a conduta, ou seja, não se descobre, por mais que se queira, saber quem foi o autor do delito. Na autoria desconhecida ou ignorada não há ninguém a que se possa indicar o resultado. Supondo-se que todos os agentes tenham praticado a conduta, cada um responderá de per si pelo resultado. A segunda forma de participação no crime chama-se participação ou participação propriamente dita. Existirá a participação quando um dos sujeitos efetivamente não pratica atos executórios do crime, não é considerado o executor do delito, mas, de qualquer modo, concorre para o crime, ou seja, de alguma maneira, concorreu para a realização da conduta típica e antijurídica. A segunda pessoa, por assim dizer, não realizou qualquer um dos atos executórios do delito, mas, tendo uma ligação com o agente, também responderá pela prática da conduta. A este elemento é dado o nome de partícipe. O partícipe não executa os atos próprios, porém, também responderá pela conduta. Ex.: A pretende matar D, porém, não o faz pessoalmente, incutindo na cabeça de R a intenção de matar. Envida todos os esforços para que R efetivamente mate D. R, então, encorajado por A, acaba matando D. Por isso, A responderá pela conduta de R como sendo o partícipe, enquanto R será o autor material da ação. O Código Penal não prevê nenhuma disposição em que o agente deverá responder pela conduta de mandar fazer, ou instigar a fazer (exceção, no suicídio). A lei é omissa nesse ponto, mas, com razão. Não há, pois, uma adequação típica da conduta. Mas há punição por meio da fórmula da adequação típica de subordinação mediata, expressa no artigo 29 do Código Penal com a frase de qualquer modo. Em contrapartida, a conduta típica e antijurídica do executor é a adequação típica de subordinação imediata. Natureza jurídica da participação: Pela teoria causal não se poderia fazer distinção entre autores e partícipes, posto que ambos deveriam responder pela conduta crimi- 113

nosa, sendo que o partícipe responderia pelo crime alheio como se fosse dele próprio, enquanto o executor do delito seria responsabilizado na mesma medida que o partícipe. Pela teoria da acessoriedade o partícipe responderia pela conduta do executor em razão de sua acessão ao crime, isto é, o partícipe acede ao tipo penal que será executado, contribuindo, de alguma maneira, para a prática da conduta. É verdadeira regra de ampliação pessoal do Código Penal. Por força disso, surgiram quatro categorias de acessoriedade: Acessoriedade mínima onde o agente partícipe será responsabilizado, por menor que tenha sido sua contribuição para a prática do crime. Não pode ser aceita tal colocação, posto que o partícipe, nesse caso, responderia por toda uma conduta quando não quisesse o resultado final. Acessoriedade extrema requer que o fato seja típico, antijurídico e culpável, tanto com relação ao agente como com relação ao partícipe. Exemplo: supondo-se que A mande um louco matar B, dando arma e munição suficiente. O louco mata. Perante a nossa lei o louco é inimputável. Assim, o mandante A estaria impune. Acessoriedade máxima ou hiperacessoriedade requer que todas as circunstâncias do crime sejam passadas, também, ao partícipe. Assim, se incidissem circunstâncias de agravação da pena para o executor, o partícipe também por ele responderia. Acessoriedade limitada na qual o agente partícipe somente responde pela conduta, desde que o fato principal praticado pelo executor seja típico e antijurídico. Não há necessidade de que o fato seja culpável, também, ao autor do crime. É esta a categoria de acessoriedade aceita pelo nosso ordenamento jurídico-penal. No exemplo do louco, independentemente da situação do louco, A responderá pela conduta. Requisitos no concurso de pessoas 114 Os doutrinadores não divergem sobre os requisitos básicos para a existência de concurso de pessoas. Para que exista o concurso é necessário:

Pluralidade de condutas - tanto na coautoria delinquente como na participação há a necessidade de que existam condutas convergentes para o mesmo fim, do ponto de vista objetivo, advindo daí o resultado. Na coautoria todos praticam condutas, mutuamente trabalhando para a eclosão do resultado. Relevância causal de cada uma das condutas é preciso que cada uma das condutas tenha uma importância para o Direito Penal, seja, pois, relevante para a prática do crime. Assim, quando o agente, sabendo da intenção criminosa, empresta solidariedade física à prática do delito, evidentemente sua conduta terá relevância para o delito, devendo responder por coautoria. Na participação, há necessidade de que saibam da intenção delituosa e adiram à mesma, auxiliando na prática da conduta. Liame subjetivo entre os agentes é preciso que exista um paralelo entre o nexo objetivo do crime (relação de causalidade) com o vínculo subjetivo (vontade de contribuir para a realização do tipo penal). É dispensável, porém, o prévio acordo de vontades, não é preciso que preexista o pactum sceleris, ou seja, no Direito Penal brasileiro basta que exista uma vontade em participar da conduta do outro, ou seja, que um agente, sabendo que o outro irá participar de uma conduta criminosa, adira a essa vontade. O liame subjetivo é exigido do partícipe, não do autor principal da conduta. Ex.: E, sabendo que F vai matar G, faz-se de amiga de G, deixa abertos os cadeados da residência de G, desligando o alarme da casa, permitindo que o trabalho de F seja executado com maior facilidade. F desconhecia por completo a intenção de E ; porém, houve adesão de vontade por parte de E na prática criminosa, motivo pelo qual deverá responder pela conduta criminosa, como partícipe do crime. Porém, supondo que no mesmo exemplo acima, descobre-se que E não sabia da real intenção de F ou, simplesmente, tinha esquecido de ligar o alarme da residência, e, culposamente, facilitou o trabalho de F. F agiu dolosamente e E culposamente. Diante disso, surge outra regra, demonstrando a impossibilidade de um agente responder pela conduta culposa e o outro dolosamente. Não há participação dolosa em crime culposo, assim como não há participação culposa em crime doloso. Por exemplo, não há crime de furto culposo ou de estelionato culposo. Logo, não se pode condenar o partícipe que culposamente pratica uma conduta dessa forma. Pode existir, porém, participação em crime culposo. 115

Identidade da conduta para todos os participantes em regra, todos os participantes do delito respondem pela prática de um mesmo crime. Assim, por força de circunstâncias elementares do crime de peculato, por exemplo, todos os que praticaram a conduta com o funcionário público, sem o ser, respondem pelo peculato, também, conforme se vê no artigo 30 do Código Penal. Se operar a desclassificação do crime para o autor principal, evidentemente, todos os comparsas também serão aquinhoados pela modificação. Por exemplo, se o agente funcionário público, denunciado por peculato (CP, art. 312) vem a obter a desclassificação para o crime de apropriação indébita (CP, art. 168), todos os seus comparsas serão beneficiados. Formas de participação Pela disposição geral do artigo 29 do CP quem, de qualquer modo, concorre para o crime [...] quer dizer que o legislador procurou elencar todas as hipóteses possíveis e imagináveis de participação num crime, eis que o próprio crime conta com incomensuráveis facetas. Logo, a expressão de qualquer modo deve ser entendida como sendo aquela em que o agente presta qualquer tipo de colaboração, auxílio, ajuda, instigação ou determinação na prática do crime, seja auxiliando, cooperando, contribuindo com a realização da conduta etc. A participação no crime pode ser: Moral (ou psíquica) quando o agente (partícipe) instiga, determina, ajusta a prática da conduta criminosa com o agente principal (executor); Material (ou física) quando o partícipe fornece meios para que o iter criminis tenha um resultado final satisfatório às pretensões do executor. A forma de concorrência poderá existir, também, de maneira omissiva, não apenas comissiva, como à primeira vista parece. Porém, para que exista a concorrência no crime, de maneira negativa, também chamada de conivência ou participação negativa, é necessário que o agente tenha o dever de agir, de procurar impedir o resultado. Isso de acordo com o artigo 13, 2.º do CP. 116

Punibilidade diminuída na participação Concurso de pessoas Dispõe a lei penal formas especiais de diminuição da pena, nas hipóteses previstas nos 1.º e 2.º do artigo 29 do Código Penal. Vejamos: Quando o agente tiver uma participação de somenos importância na eclosão do resultado final, evidentemente o partícipe não poderá sofrer a mesma pena daquele que, efetivamente, mais violentamente, conduziu o resultado. A participação de menor importância tem que ser vinculada àquela que de pouco ou quase nada serviria para a eclosão do resultado. A participação tem que ser muito pequena, quase um nonada, para que possa ser intitulada de menor importância. A menor participação pode ser moral ou material e só deve ser aceita quanto ao partícipe que demonstre sua insignificante participação no crime. Quando o agente não desejava praticar o crime de maior gravidade que aquele praticado pelo executor. Houve um desvio de objetividade jurídica praticada por um dos participantes do delito. Ex.: dois assaltantes planejam um roubo. Um fica do lado de fora enquanto o outro adentra à residência. No interior da residência, ao ser surpreendido pela vítima, para evitar a delação da ocorrência, a mata, passando agora a se tratar de latrocínio. O bandido que ficou do lado de fora, sem qualquer participação, não poderia receber a mesma pena que o autor do latrocínio, posto que não teve qualquer intenção nesse sentido. Por isso, diz a lei que ao concorrente que quis participar de um crime menos grave será a este imputada tal pena. No entanto, se fosse possível ao agente prever a ocorrência de um resultado mais grave do que aquele que o agente pensou em participar, a pena será, então, aumentada, conforme dispõe a parte final do 2.º do artigo 29 do CP. O participante tinha a consciência de que sua conduta poderia cominar um resultado mais gravoso do que aquele esperado. Desse modo, não se contém na realização de sua conduta, ajudando ou instigando o coautor do crime. Mesmo sabendo da possibilidade de ocorrer um resultado mais grave, o agente, ainda assim, participa da conduta. 117

Logo, embora não tenha querido a prática do crime mais grave, tinha a previsibilidade de que o mesmo pudesse ocorrer. Diante disso, sua pena será aumentada. Ex.: A manda M dar uma surra em R. M, porém, se excede, vindo a matar R. Diante desse fato, M responderá pelo homicídio e A por lesões corporais dolosas, tendo sua pena aumentada até a metade. Circunstâncias incomunicáveis 2 Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Nos termos do artigo 30 do Código Penal 2 apenas são comunicadas ao partícipe as circunstâncias elementares do delito, lembrando que circunstâncias são os elementos agregados ao tipo penal que lhe informam sua característica, aumentando ou diminuindo a pena que será imposta. Há circunstâncias objetivas: como o tempo, ocasião, lugar, objeto do crime, qualificação do ofendido etc. e subjetivas: também consideradas como morais, em razão da situação em que o crime é cometido, por exemplo, por meio de emoção, motivos do crime (fútil ou torpe) etc. As circunstâncias podem ser condições pessoais como as relações de estados, empregos, qualificações, situações de fato ou de direito que fazem com que o crime seja considerado mais ou menos grave, influenciando na dosagem da pena e, principalmente, na sua própria classificação penal. Por exemplo, são situações de fato: o estado gravídico da mulher, ser o ofendido maior de setenta anos, ser o ofendido menor de idade. Logo, não se comunicam as condições de natureza subjetiva, pois são personalíssimas, ao passo que as circunstâncias objetivas não são creditadas ao partícipe se este não ingressou na esfera de seu conhecimento. As elementares sempre se comunicam aos fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressado na esfera de seu conhecimento. Casos de impunibilidade 3 Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. Pela regra do artigo 31 do Código Penal 3 há necessidade de que um crime tenha, ao menos, sido iniciado, para que o mesmo seja perseguido e apenado. Pode ocorrer que o agente nem sequer tenha iniciado a prática de um crime, ficando apenas na fase da cogitatio. Nesse caso, não haverá punição alguma, eis que o crime nem sequer chegou a ser tentado. 118

Se o crime imaginado (cogitatio) estiver na esfera de outro delito, por certo, será crime de per si. Ex.: se o agente pretende matar uma pessoa, e vai até a direção da residência do seu desafeto, armado com uma arma de fogo. Porém, no caminho, é preso com a referida arma ilegal, haverá crime de per si. Quanto ao homicídio não existirá punição, eis que o crime nem se iniciou. Questões para debates 1. Descreva as modalidades de participação num crime. 2. Qual teoria é a aceita pelo Código Penal brasileiro para o concurso de pessoas? 3. É possível existir participação dolosa em crime culposo? 4. Quais os requisitos para o reconhecimento do concurso de pessoas? 5. Quais os tipos de acessoriedade que existem na participação? Atividade de aplicação 1. (TRF-2) No caso de crime praticado em concurso de pessoas, se algum concorrente quis praticar crime menos grave, não sendo previsível o resultado mais grave, ele receberá a pena: a) do crime menos grave. b) igual a dos outros comparsas. c) do crime mais grave, reduzida de metade. d) do crime menos grave aumentada de metade. e) do crime mais grave reduzida de dois terços. Dica de estudo Observar sempre que o concurso de agentes se divide em coautoria e participação. Existem diversas formas de participação em crimes, não sendo necessária a presença física do coautor na cena criminosa. 119

Referências FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Volume 1, Tomo I. 4. ed. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1958. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Volume 1, Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1953. JESUS, Damasio Evangelista de. Direito Penal. Volume I, Parte Geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MAGALHÃES NORONHA, Edgard de. Direito Penal. Volume I. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1963. MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller, 1997. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume I, Parte Geral, arts. 1.º a 120. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Derecho Penal Parte General. Buenos Aires: Ediar, 1977. Gabarito Questões para debates 1. As modalidades de participação num crime se dão, genericamente, de duas formas ou maneiras: coautoria e participação. A coautoria propriamente dita se dá quando mais de uma pessoa presta mútuo auxílio e todos, dividindo as tarefas do grupo delinquente, realizam a conduta considerada típica e antijurídica. São chamados de executores do crime. Pode ser por meio de autoria mediata ou autoria colateral, autoria incerta, autoria desconhecida ou ignorada. A segunda forma de participação no 120

crime chama-se participação ou participação propriamente dita e existirá quando um dos sujeitos efetivamente não pratica atos executórios do crime, não é considerado o executor do delito, mas, de qualquer modo, concorre para o crime, ou seja, de alguma maneira concorreu para a realização da conduta típica e antijurídica. 2. O Código Penal brasileiro adotou a teoria monista mitigada, ou uma teoria monista temperada, pois abrandou a fórmula estanque da teoria monista ao descrever que cada agente concorrerá para o crime, na medida de sua culpabilidade. 3. Não há participação dolosa em crime culposo, assim como não há participação culposa em crime doloso. 4. Para o reconhecimento do concurso de pessoas é preciso que sejam preenchidos os seguintes requisitos: a) pluralidade de condutas; b) relevância causal de cada uma das condutas; c) liame subjetivo entre os agentes; d) identidade da conduta para todos os participantes. 5. Há quatro categorias de acessoriedade: a) mínima onde o agente partícipe será responsabilizado por menor que tenha sido sua contribuição para a prática do crime. b) extrema requer que o fato seja típico, antijurídico e culpável, tanto com relação ao agente como com relação ao partícipe. c) acessoriedade máxima ou hiperacessoriedade requer que todas as circunstâncias do crime sejam passadas, também, ao partícipe. Assim, se incidissem circunstâncias de agravação da pena para o executor, o partícipe também por ele responderia. d) acessoriedade limitada na qual o agente partícipe somente responde pela conduta, desde que o fato principal praticado pelo executor seja típico e antijurídico. Não há necessidade de que o fato seja culpável, também, ao autor do crime. É esta a categoria de acessoriedade aceita pelo nosso ordenamento jurídico-penal. Gabarito Atividade de aplicação 1. A 121