Linguagem matemática e Língua Portuguesa: diálogo necessário na resolução de problemas matemáticos



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Transcrição:

Linguagem matemática e Língua Portuguesa: diálogo necessário na resolução de problemas matemáticos 6 Edi Jussara Candido Lorensatti * Resumo: Aprender Matemática na escola é deparar-se com um mundo de conceitos que envolvem leitura e compreensão, tanto da linguagem natural como da linguagem matemática. Muitas vezes, os componentes curriculares, a Língua Portuguesa e a Matemática não dialogam. A resolução de problemas parece ser um dos pontos críticos na Matemática escolar. Este artigo aproxima esses componentes de forma a buscar estratégias para uma aprendizagem efetiva. Palavras-chave: Linguagem matemática. Linguagem natural. Problemas. Abstract: Learning mathematics in school is being faced with a world of concepts that involves reading and understanding of the natural language and mathematical language. Often, the curriculum components, Portuguese language and the Mathematic don t talk to each other. The resolution of the problems seems to be a critical point in mathematics education. This article seeks to bring these components together to identify strategies for an effective learning. Keywords: Mathematical language. Natural language. Problems. * Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Educação, Epistemologia e Linguagem, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), 2009. 89

Introdução Tradicionalmente, Matemática e Língua Portuguesa não dialogam na escola. Há uma tradição que o indivíduo que é bom em Matemática não o é em Língua Portuguesa. As práticas de sala de aula têm reforçado essa premissa, e o professor ou o planejamento pedagógico das escolas, dificilmente, oportunizam uma aproximação entre esses dois componentes, de forma intencional. Grande parte dos professores da disciplina de Matemática, na Educação Básica, ouve com frequência de seus alunos: O que isto quer dizer? ou É de multiplicar ou de dividir? referindo-se a um enunciado ou à tentativa de resolução de um problema. Esses mesmos professores dizem: Os alunos não sabem interpretar ou Os alunos não sabem o que o problema pede, ou ainda, Os alunos não sabem Língua Portuguesa, por isso, não conseguem resolver os problemas. Embora, na vida prática, muitos alunos realizem complicadas operações matemáticas para resolver problemas do seu cotidiano, essas mesmas operações, quando propostas por professores ou organizadas nos livros didáticos, por meio dos códigos matemático e linguístico, costumam se tornar verdadeiros enigmas. Não raro, atribuímos às restrições das habilidades de nossos alunos na leitura de textos didáticos que abordam conteúdos escolares de Matemática, grande parte da responsabilidade sobre eventuais insucessos no aprendizado da Matemática ou na realização de atividades a ele relacionadas. Assim, este artigo apresenta algumas reflexões sobre o diálogo necessário entre Língua Portuguesa e linguagem matemática para a resolução de situações-problema. Língua Portuguesa e linguagem matemática A linguagem matemática pode ser definida como um sistema simbólico, com símbolos próprios que se relacionam segundo determinadas regras. Esse conjunto de símbolos e regras deve ser entendido pela comunidade que o utiliza. A apropriação desse conhecimento é indissociável do processo de construção do conhecimento matemático. Está compreendido, na linguagem matemática, um processo de tradução da linguagem natural 1 para uma linguagem formalizada, 1 Qualquer linguagem de uso geral, escrita ou falada por uma comunidade humana. 90 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 89-99, maio/ago. 2009

específica dessa disciplina, segundo Granell (2003). Os enunciados emitidos em língua natural passam a ser escritos para o equivalente em símbolos matemáticos. Essa tradução é o que permite converter os conceitos matemáticos em objetos mais facilmente manipuláveis e calculáveis. (p. 261). Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio (PCNEM), enfatizam que a linguagem é considerada [...] com [a]o capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. (2002, p. 25). E a linguagem matemática é compreendida como organizadora de visão de mundo, deve ser destacada com o enfoque de contextualização dos esquemas de seus padrões lógicos, em relação ao valor social e à sociabilidade, e entendida pelas intersecções que a aproximam da linguagem verbal. (GRANELL, 2003, p. 28). Essas intersecções nem sempre acontecem. Ler a ordem de um exercício matemático ou extrair informações de um problema expresso em língua natural e codificá-las em uma ou mais sentenças matemáticas nem sempre é uma tarefa fácil, pois os símbolos e as regras da Matemática não constituem uma linguagem familiar. Como ressalta a autora Granell, mencionada acima, na linguagem natural o sentido atribuído às palavras utilizadas é demasiadamente amplo e, por esse motivo, esses termos não expressam o rigor necessário de uma linguagem formalizada, ou seja, na linguagem natural o sentido das palavras é muito mais vago e impreciso; termos como comprido, estreito, largo, pequeno, grande, muito, etc., que fazem parte da linguagem natural para expressar magnitudes, não se aplicam numa linguagem formalizada. (GRANELL, 2003, p. 260). Ainda, muitas vezes, as palavras tomam significados distintos daqueles utilizados no cotidiano. Por exemplo, utiliza-se, com freqüência, nas aulas sobre frações, a frase reduzir ao mesmo denominador. Reduzir, 91

para a maioria das pessoas, no seu dia a dia, tem o significado de tornar menor. Se não for explicado o sentido dessas palavras em contexto de uso, dificilmente um aluno tomará reduzir como sendo converter ou trocar. A leitura de textos que envolvem Matemática, seja na conceitualização específica de objetos desse componente, seja na explicação de algoritmos, ou ainda, na resolução de problemas, vai além da compreensão do léxico: exige do leitor uma leitura interpretativa. Para interpretar, o aluno precisa de um referencial linguístico e, para decifrar os códigos matemáticos, de um referencial de linguagem matemática. O aluno necessita ter a percepção da estrutura do contexto verbal do problema e a passagem desta para a linguagem matemática, diz Thomaz Neto (2009, p. 4), referindo-se especificamente à resolução de problemas matemáticos. As relações existentes entre os dados do problema e o problema ou entre os conceitos e suas expressões matemáticas, são expressas em língua natural. Passar-se-á, neste artigo, a considerar a língua natural como sendo a Língua Portuguesa. A Língua Portuguesa escrita ou oral tem seu papel na Matemática como nas outras áreas do conhecimento. É, no mínimo, o veículo das informações, mas podem estar nela as dificuldades que os alunos encontram na resolução de problemas, como ressalta Azevedo e Rowell, já que tais dificuldades não estão situadas no âmbito dos algoritmos, das fórmulas ou dos conceitos específicos dessas áreas [...], mas nas construções lingüístico-discursivas dos enunciados dos problemas. São dificuldades de nível lexical, sintático, semântico, textual e/ou discursivo que impedem os alunos de resolver adequadamente os problemas por não poderem recuperar sua unidade de sentido. (2007, p. 13). Assim, pergunta-se: Em que medida o ensino da língua contribui para a interpretação de um problema de Matemática? Em que medida o ensino de Matemática contribui para a interpretação de um texto? Na realidade, elas deveriam andar juntas, para que ambas ganhassem significados múltiplos e mútuos. Há a necessidade da língua para ler e compreender o texto de Matemática e, se esse for um problema, de dar significado à sua solução. Por outro lado, é necessário ler e escrever em linguagem matemática, compreender os significados dos símbolos, dos 92 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 89-99, maio/ago. 2009

sinais ou das notações próprias dessa linguagem. Há uma impregnação entre a Matemática e a Língua Materna 2 diz Machado (1998, p. 91), caracterizada por sistemas de representações ou por metas que perseguem. Ainda Machado, em sua investigação sobre a possibilidade de se ensinar Matemática, desde as séries iniciais, a partir de uma mediação intrínseca da Língua Materna, parte da hipótese da participação efetiva dessa nos processos de ensino daquela, não apenas tornando possível a leitura dos enunciados, mas sobretudo como fonte alimentadora na construção dos conceitos, na apreensão das estruturas lógicas da argumentação, na elaboração da própria linguagem matemática. (1998, p. 9). Seguindo no pensamento do autor, pode-se dizer que há a possibilidade de ensinar a Língua Materna a partir de uma mediação intrínseca com a Matemática. (p. 9). Isso também se pode ver em Azevedo e Rowell quando colocam que a resolução de um problema como um recurso pedagógico [é] capaz de tornar o ensino da língua portuguesa escrita mais eficaz (2007, p. 2) ou em Paviani que propõe a problematização 3 da temática de um texto como pré-leitura deste, numa atividade pedagógica, quando o professor utilizaria a formulação de hipóteses e a seleção de possibilidades, entre outras, como perguntas norteadoras para uma prévia intervenção na compreensão de um texto. (2008, p. 85). Língua Portuguesa, linguagem matemática e situações-problema Definir o que se entende por problema pode levar a várias interpretações, desde a que se encontra em dicionários por qualquer questão que dá margem à hesitação ou complexidade, por difícil de explicar, até as usadas em pesquisas mais recentes em que se utiliza a expressão situação-problema. Uma definição clássica de problema, conforme Lester (1983) (apud POZO, 1998, p. 15), é uma situação 2 Expressão usada por Machado (1998, p. 91) para designar a primeira língua aprendida por um indivíduo. 3 Neste momento, dados os limites do projeto, não se fará diferença entre resolução de problemas e problematização. 93

que o indivíduo ou um grupo quer ou precisa resolver e para o qual não dispõe de um caminho rápido e direto que o leve à solução. Para os PCNEM o problema certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula ou um processo operatório. Só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é apresentada. (1997, p. 42). Para que uma determinada situação seja considerada um problema, essa deverá implicar um processo de reflexão e de tomada de decisões quanto ao caminho a ser utilizado para sua resolução. Isto é, uma situação é reconhecida como problema, na medida em que não há procedimentos automáticos de resolução imediata. Dante caracteriza situações-problema como problemas que exigem pesquisa e levantamento de dados (p. 20), podendo ser utilizados conhecimentos e princípios de outras áreas que não a Matemática, desde que despertem interesse, ou ainda: situações-problema são problemas de aplicação que retratam situações reais do dia-a-dia e que exigem o uso da Matemática para serem resolvidos. Através de conceitos, técnicas e procedimentos matemáticos procura-se matematizar uma situação real, organizando os dados em tabelas, traçando gráficos, fazendo operações, etc. (2003, p. 20). O conceito de situação-problema parece ampliar ou até se confundir com o conceito de problema. Entende-se por problema toda e qualquer situação em que se deseja obter uma solução, cuja resposta exige pôr à prova tudo o que se sabe. Porém, há uma distinção entre problema e exercício. Se uma situação não proporciona desafios, ela deixa de ser um problema e servirá para exercitar habilidades já adquiridas. O exercício é entendido como um mecanismo utilizado para soluções rotineiras de uma situação, em que há repetições de procedimentos e estratégias já consolidadas; é muito utilizado para praticar algoritmos. Assim, o que é problema para um indivíduo pode ser um exercício para o outro. Se a tarefa proposta é um problema ou um exercício, nessas concepções, dependerá dos conhecimentos prévios dos indivíduos a quem for proposta a tarefa, bem como dos objetivos de quem a propõe. 94 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 89-99, maio/ago. 2009

Partindo da premissa de que o aluno sabe do que um determinado problema está tratando, ao tentar resolvê-lo, esse aluno necessitará reconstruir o sentido desse texto numa abordagem matemática. Para isso, ele dependerá de seus conhecimentos acerca dos códigos linguístico e matemático que estão no enunciado. A não compreensão do enunciado comprometerá a conversão desse em linguagem matemática e a consequente resolução do problema. É provável que a compreensão verbal do problema seja anterior à compreensão de natureza matemática, afirma Brito (2006, p. 15), pois, considerando os problemas em linguagem verbal escrita, num primeiro momento, fazem-se necessárias a leitura e a compreensão deles nessa linguagem, para, depois, compreender a natureza matemática dos mesmos. A possibilidade de haver compreensões diferentes de um mesmo problema deve diminuir na medida em que o problema seja bemestruturado. Os problemas bem-estruturados são aqueles que se apresentam como textos bem-estruturados, com coesão e coerência, ou seja, trazem, em seu enunciado, marcas linguísticas que ligam os elementos desse de forma a apresentar uma organização sequencial e com possibilidade de ser interpretado. Em todo o texto, segundo Koch e Travaglia, deve haver retomadas de elementos já enunciados e, ao mesmo tempo, acréscimo de informação. (2002, p. 51). Esse procedimento permite construir textualmente a coerência. Da mesma forma, para entender o enunciado de um problema, podem-se utilizar dessas estratégias: retomar os elementos enunciados (dados do problema), atribuir significado a esses elementos, traduzindo-os para a linguagem matemática; acrescentar informações (conhecimentos prévios); estabelecer planos de resolução; aplicar os conhecimentos matemáticos nesses planos; e verificar a solução, retornando ao texto inicial. Traduzir da Língua Portuguesa para a linguagem matemática, isto é, do problema escrito em Português para as sentenças matemáticas, é preciso uma coleta de informações para, após, interpretá-las, ou seja, codificá-las ou traduzi-las para um novo código ou linguagem. (POZO, 1998, p. 149). Para fazer isso, é necessária a compreensão do enunciado do problema e das informações que ele traz, bem como das relações conceituais que dão significado a essas informações. Vieira (2000) testou a hipótese de que as dificuldades, nas estratégias de compreensão em resolução de problemas, podem ter início na falta de compreensão da linguagem utilizada no enunciado, refletindo- 95

se em uma representação mental inadequada. Concluiu que o grupo testado, em um de seus experimentos, reduziu significativamente as dificuldades apresentadas no início da pesquisa, ao resolver problemas matemáticos. Nesse trabalho, a autora começou pela compreensão de um texto, denominando essa etapa de processo de tradução para, em seguida, passar para o processo de integração, quando as informações de cada frase foram combinadas numa representação matemática para, a partir daí, elaborar estratégias de solução. Para Toledo uma sequência de regras organizadas é importante, mas não garante a eficácia dos resultados buscados na resolução de problemas matemáticos. Os conhecimentos importantes que se devem aplicar em conjunto à estratégia escolhida, segundo a autora, são conhecimentos linguísticos que abrangem ações como entender o problema e traduzi-lo para uma linguagem matemática; conhecimentos semânticos: o conhecimento dos fatos do mundo, relacionando a idéia exposta no problema ao contexto da nossa realidade; e por último os conhecimentos esquemáticos: que consiste em classificar o problema e decidir qual estratégia/caminho deve ser aplicado para que determinado problema seja resolvido. (2006, p. 5). Assim, um problema matemático deve ser abordado também linguisticamente, pois, no interior de seu enunciado, existem uma sintaxe e uma semântica. Ler e compreender implica decodificar, atribuir e construir significado; é um ato interativo entre as características do texto e as do leitor. A interação deve ocorrer entre os conhecimentos prévios desse leitor e as informações novas contidas no texto que está sendo lido. O resultado da compreensão é a construção de uma representação mental decorrente dessa interação. Assim, pode-se dizer que ler e compreender um problema matemático escrito significa saber decodificá-lo linguisticamente, reconstruí-lo no seu significado matemático para poder codificá-lo novamente em linguagem matemática. 96 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 89-99, maio/ago. 2009

Considerações finais O ensino e a aprendizagem de Matemática são mediatizados pela linguagem, ou melhor, pelas linguagens, principalmente pela linguagem matemática e a linguagem natural. Essas são aprendidas por um indivíduo desde a tenra idade, oralmente. A escrita, habitualmente, é aprendida na escola, e a linguagem matemática necessita de uma linguagem natural para ser elaborada. Como diz Menezes, a linguagem matemática é híbrida, pois resulta do cruzamento da Matemática com uma linguagem natural, no nosso caso, o Português. (1999, p. 4). A leitura nas aulas de Matemática pode ser pensada como uma prática de ensino. Conforme Fonseca e Cardoso, a leitura de textos que tenham como objeto, conceitos e procedimentos matemáticos, história da matemática, ou reflexões sobre Matemática, seus problemas, seus métodos, seus desafios podem, porém, muito mais que orientar a execução de determinada técnica, agregar elementos que não só favoreçam a constituição de significados dos conteúdos matemáticos, mas também colaborem para a produção de sentidos da própria Matemática e de sua aprendizagem pelo aluno. (2005, p. 66). O professor de Matemática pode orientar, praticar ou viabilizar leituras de textos matemáticos em parceria com o professor de Língua Portuguesa, não só na perspectiva de ensino da Matemática, mas também na perspectiva de desenvolvimento da compreensão leitora. Entre os textos que são proporcionados aos alunos, os professores podem selecionar alguns em que estejam presentes informações numéricas fazendo parte da estrutura argumentativa do texto, cuja leitura demanda pesquisa de vocabulário, ideias ou argumentações próprias do conhecimento matemático. Essas informações aparecem em várias atividades da vida social e envolvem decodificações próprias, cálculos ou hipóteses para uma melhor compreensão do texto. Um exemplo seria partir de uma notícia de jornal que apresentasse fatos com porcentagens, gráficos ou tabelas. Não seria objetivo primeiro desenvolver conceitos matemáticos, mas a recorrência aos conceitos matemáticos para melhor entender o texto. Pode-se afirmar que linguagem matemática e linguagem natural estão presentes em qualquer área do conhecimento. Elas constituem condições, possibilidades de resolução de problemas, com seus 97

instrumentos próprios de expressão e comunicação. Se a escola levar isso em consideração, talvez se possa dizer que o indivíduo que é bom em Matemática também o é em Língua Portuguesa, e vice-versa. Referências ALLIENDE, F. ; CONDEMARÍN, M. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2005. AZEVEDO, T. M. de ; ROWELL, V. M. Problematização e ensino de língua materna. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE LINGUAGEM E ENSINO, 5. 2007, Pelotas. Anais... No prelo. BRITO, F. R. M. de. Alguns aspectos teóricos e conceituais da solução de problemas matemáticos. In: BRITO, F. R. M. de (Org.). Solução de problemas matemáticos e matemática escolar. Campinas: Alínea, 2006. ECHEVERRÍA, M. D. P. P. A solução de problemas em matemática. In: POZO, J.I. (Org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. FONSECA, M. da C. F. R.; CARDOSO, C. de A. Escritas e leituras na educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. GRANELL, C. G. A aquisição da linguagem matemática: símbolo e significado. In: TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana (Org.). Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 2003. KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002. LEFFA, Vilson José. Fatores da compreensão na leitura. Cadernos do IL, Porto Alegre, v. 15, n. 15, p. 143-159, 1996. Disponível em: http://www.leffa.pro.br/fatores.htm. Acesso em: 10 maio 2008. MACHADO, Nilson José. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1998. MENEZES, L. Matemática, linguagem e comunicação. Disponível em: http:// www.ipv.pt/millenium/20_ect3.htm. Acesso em: 9 abr. 2009. 98 Conjectura, Caxias do Sul, v. 14, n. 2, p. 89-99, maio/ago. 2009

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