O movimento ortodôntico não altera cor, volume e nem induz inflamação gengival

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Transcrição:

I n s i g h t O r t o d ô n t i c o O movimento ortodôntico não induz reabsorção cervical externa OU O movimento ortodôntico não altera cor, volume e nem induz inflamação gengival Alberto Consolaro*, Renata B. Consolaro** Resumo Nesse trabalho, procurou-se explicar anatômica e funcionalmente como se estrutura e se organiza a região cervical dos dentes, para fundamentar os seguintes questionamentos: 1) Por que ocorre Reabsorção Cervical Externa na dentição humana?; 2) Por que na gengivite e na periodontite não se tem Reabsorção Cervical Externa?; 3) Por que depois do traumatismo dentário e da clareação interna pode ocorrer a Reabsorção Cervical Externa?; 4) Por que o movimento ortodôntico não altera a cor e o volume gengival durante o tratamento?; 5) Por que o movimento ortodôntico não induz Reabsorção Cervical Externa, mesmo sabendo-se que a região cervical pode ser muito exigida? A existência de antígenos sequestrados na dentina, a presença de janelas de dentina na região cervical de todos os dentes, a reação do epitélio juncional e a distribuição dos vasos sanguíneos gengivais podem justificar por que a Reabsorção Cervical Externa não ocorre e nem a cor e o volume gengival são alterados no movimento ortodôntico. Palavras-chave: Reabsorção dentária. Reabsorção cervical externa. Movimento ortodôntico. Gengiva. Como se estrutura e SE organiza a região cervical dos dentes Na superfície da região cervical dos dentes, o término do esmalte e o início do cemento criam uma linha reconhecida como junção amelocementária (Fig. 1). Na circunferência do colo de todos os dentes humanos, essa linha alterna três tipos de relação entre o esmalte e o cemento 3,7. Em algumas áreas da junção amelocementária, o cemento recobre o esmalte (Fig. 4); em outras, o esmalte e o cemento se encontram topo a topo; mas em outras regiões, o esmalte e o cemento ficam distantes e promovem microexposições de dentina, em gaps ou janelas voltadas para o tecido conjuntivo gengival. Como citar este artigo: Consolaro A, Consolaro RB. O movimento ortodôntico não induz reabsorção cervical externa. Dental Press J Orthod. 2011 Nov- -Dec;16(6):22-7.» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo. * Professor Titular de Patologia da FOB-USP e da Pós-graduação da FORP-USP. ** Professora Doutora Substituta da FOA-Unesp e da Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI). Dental Press J Orthod 22 2011 Nov-Dec;16(6):22-7

Consolaro A, Consolaro RB Ao terminar a função de produzir esmalte, o órgão formado pelo epitélio externo, retículo estrelado, estrato intermediário e ameloblastos passa por uma reestratificação do tipo "sanduíche", para dar origem ao epitélio reduzido do órgão do esmalte. Esse epitélio permanece firmemente unido ao esmalte, recebendo nutrientes do tecido conjuntivo periférico e, juntos, formam o folículo pericoronário, que gera a imagem do espaço pericoronário nos dentes não irrompidos. Para o aparecimento gradual do dente na boca, o epitélio reduzido do órgão do esmalte se funde com o da mucosa bucal e formam o epitélio juncional. Inicialmente, esse epitélio tem de três a quatro camadas, chegando, com a idade, a ter de 10 a 20 células de espessura. Próximo aos 30 anos de idade, o epitélio juncional reveste o esmalte em sua porção mais cervical, mas depois vai progredindo gradativamente em direção ao cemento. O comprimento do epitélio juncional 4 varia de 0,25 a 1,35mm. esmalte junção amelocementária superfície radicular cervical osso alveolar plexo vascular dentogengival 1ª osso alveolar gengiva mucosa bucal FIGURA 1 - O plexo dentogengival tem anastomoses com vasos advindos do ligamento periodontal (1ª), da mucosa bucal (2ª) e do osso alveolar (3ª) na região da inserção conjuntiva junto à superfície radicular cervical (esquema modificado de Glickman 4 ). 3ª 2ª Depois do esmalte, na região radicular cervical, está o tecido conjuntivo do folículo pericoronário que, no dente irrompido, dá origem à inserção conjuntiva (Fig. 4). A inserção conjuntiva em dentes irrompidos, conceitualmente, corresponde ao espaço entre o término do esmalte e o início da crista óssea alveolar. Na margem final do esmalte cervical e seu epitélio juncional, se inicia o cemento, em cuja superfície se têm os cementoblastos (Fig. 4), nutridos pelo tecido conjuntivo do folículo pericoronário e inserção conjuntiva. Em continuidade, na direção apical, o tecido conjuntivo e os cementoblastos sobre a raiz passam a fazer parte do ligamento periodontal. A espessura média do cemento no terço cervical varia de 16 a 60µm, o que corresponde à espessura de um fio de cabelo. No terço apical, bifurcações e trifurcações variam de 150 a 200µm. A espessura média do cemento em um jovem com 20 anos é de 95µm e aos 60 anos, 215µm 9. Independentemente do tipo de relação entre o esmalte e o cemento na região cervical, a junção amelocementária e seus componentes estão em contato direto com o tecido conjuntivo fibroso gengival ou, mais especificamente, com suas fibras colágenas e gel da matriz extracelular, com fibroblastos de permeio (Fig. 4). Nos segmentos da junção amelocementária, a dentina exposta em janelas ou gaps está protegida pela matriz extracelular, um gel muito competente nessa função da exposição aos macrófagos. 1) Por que ocorre Reabsorção Cervical Externa na dentição humana? Na dentina existem algumas proteínas que são reconhecidas pelo sistema imunológico como antigênicas, pois foram depositadas, na odontogênese, sem contato direto com as células da memória proteica, em construção durante a vida intrauterina 1. Assim a dentina deve ficar, protegida desse contato durante toda a vida, inclusive nas janelas de dentina da junção amelocementária presentes em todos os dentes. Dental Press J Orthod 23 2011 Nov-Dec;16(6):22-7

O movimento ortodôntico não induz reabsorção cervical externa esmalte gengiva superfície radicular cervical junção amelocementária osso alveolar mucosa bucal FIGURA 2 - No movimento ortodôntico, a fonte sanguínea do ligamento periodontal pode ser reduzida ou eliminada sem comprometer o suprimento gengival, especialmente na região da inserção conjuntiva. Nos esquemas acima, modificados de Glickman 4, ressalta-se a origem óssea e mucosa dos vasos sanguíneos na região cervical. Na junção amelodentinária, para expor as janelas de dentina aos macrófagos, com consequente reconhecimento imunológico, requer-se uma exposição direta, resultante da dissolução da matriz extracelular do tecido conjuntivo por onde circulam essas células. A destruição e/ou dissolução da matriz extracelular ocorre principalmente na inflamação: um mecanismo de defesa próprio dos tecidos conjuntivos e dependente de vasos. Os mediadores e enzimas que formam o exsudato inflamatório advindo dos vasos e dos leucócitos dissolvem o gel da matriz extracelular e, na inserção conjuntiva gengival, podem disponibilizar acesso da dentina aos macrófagos. Os macrófagos reconhecem a dentina como estranha e iniciam um processo para eliminar proteínas estranhas e, quando presentes em tecidos duros, a reabsorção é o mecanismo escolhido 1. 2) Por que a gengivite e a periodontite não induzem Reabsorção Cervical Externa A inflamação gengival, quando induzida pela placa dentobacteriana, promove, simultaneamente, uma hiperplasia epitelial; e o epitélio juncional migra em direção apical, colocando a junção amelocementária e suas janelas no sulco gengival e meio bucal, protegendo a região da Reabsorção Cervical Externa. No meio bucal não há como os macrófagos reconhecerem e apresentarem as proteínas estranhas da dentina, desencadeando uma resposta imunológica. Dental Press J Orthod 24 2011 Nov-Dec;16(6):22-7

Consolaro A, Consolaro RB plexo vascular dentogengival esmalte plexo vascular dentogengival B 1ª 2ª 3ª plexo vascular dentogengival vasos do ligamento A C FIGURA 3 - A) Plexo dentogengival, em forma de rede ou renda constituída por vasos com origem periodontal (1ª), mucosa (2ª) e óssea (3ª) (esquema apresentado por Lascala e Moussalli 5 ). B, C) Destacam-se os numerosos capilares, em forma de alça, do plexo dentogengival de murinos, em microscopia eletrônica de varredura realizada por Selliseth e Selvig (Fonte: Newman et al. 8, 2006). 3) Por que traumatismo dentário e a clareação interna podem induzir Reabsorção Cervical Externa? No traumatismo dentário poderemos ter inflamação do tecido conjuntivo gengival, mas sem hiperplasia epitelial juncional. Tal como na clareação dentária interna, o peróxido de hidrogênio sai pelos túbulos dentinários, que se abrem na junção e promovem uma inflamação gengival local no tecido conjuntivo, sem hiperplasia epitelial. Nessas duas situações, a inflamação gengival dissolve a matriz extracelular, expõe a dentina das janelas da junção amelocementária e não ocorre hiperplasia do epitélio juncional, viabilizando a ocorrência da reabsorção cervical externa 2. 4) Por que o movimento não altera a cor e o volume gengival? Uma das formas de induzir inflamação pode ser a obstrução dos vasos sanguíneos e a consequente morte celular local. As proteínas liberadas pelas células necrosadas induzem processo inflamatório, como no tecido conjuntivo gengival. A compressão do dente sobre o ligamento periodontal e contra o osso alveolar, muitas vezes, promove morte celular e hialinização de um segmento ligamentar. Não apenas as arteríolas e os capilares sofreriam obstrução, mas também as vênulas, tudo acompanhado por áreas de necrose seguida de inflamação. No movimento ortodôntico, a compressão dos vasos ocorre no ligamento periodontal e poderia Dental Press J Orthod 25 2011 Nov-Dec;16(6):22-7

O movimento ortodôntico não induz reabsorção cervical externa E EJ inserção conjuntiva VS plexo vasculardentogengival F VS VS D C OF F A B FIGURA 4 - Plexo dentogengival, em forma de rede, na região cervical dentária de macacos, mais especificamente na altura da junção amelocementária (seta maior). Na raiz, nota-se os cementoblastos (setas menores) (E=esmalte, EJ=epitélio juncional; D=dentina, C=cemento, =ligamento periodontal, OF=osso fasciculado, VS=vaso sanguíneo, F=fibroblasto). influenciar na circulação sanguínea gengival, mas isso não ocorre. Seria natural esperar que a gengiva ficasse brancacenta, pela isquemia produzida; ou vermelha-violácea, pela hiperemia passiva provocada pela compressão venular. No tecido gengival, mais propriamente na altura da inserção conjuntiva gengival, os vasos sanguíneos formam uma rede, ou plexo vascular dentogengival, em forma de renda, com conexões advindas dos componentes vasculares periodontais, mas também originárias dos espaços medulares da crista óssea alveolar e do seu periósteo, assim como dos vasos da mucosa alveolar, via gengiva inserida 5,6,8. Na gengiva, a aproximadamente cada milímetro quadrado temos 50 capilares 5 (Fig. 1-4). Os efeitos vasculares da compressão dos tecidos periodontais cervicais e gengivais são compensados pelas anastomoses ou conexões de outra origem (Fig. 2). A irrigação sanguínea dos tecidos gengivais e sua drenagem venosa e linfática permanecem no nível da normalidade. Por esse mecanismo ou característica anatômica, durante o movimento ortodôntico não se alteram o volume nem a cor gengival. Não se estabelece nem edema por obstrução venosa nem processo inflamatório. 5) Por que o movimento não induz Reabsorção Cervical Externa? Da mesma forma compensatória, a compressão dos vasos periodontais e gengivais não promove áreas focais de necrose e/ou inflamação gengival na altura da inserção conjuntiva (Fig. 2). Sem necrose caracterizada pela ruptura celular e derramamento de proteínas, o movimento ortodôntico não induz processo inflamatório e dissolução da matriz extracelular no tecido conjuntivo gengival. Não haverá exposição da dentina das janelas aos macrófagos para que possam promover o reconhecimento antigênico e apresentação de proteínas estranhas, com desencadeamento de resposta imunológica e reabsorção externa cervical. Por causa desse mecanismo e característica anatômica, durante o movimento ortodôntico não é induzida a reabsorção cervical externa. Por outro lado, os danos gengivais do traumatismo dentário e a clareação dentária interna não têm como ser compensados por anastomoses exuberantes: a lesão celular se faz mecânica, direta e independente do suprimento sanguíneo. No traumatismo, há rupturas celulares e vasculares pelos deslocamentos súbitos; e, na clareação, o efeito tóxico do peróxido de hidrogênio independe da vascularização local. Dental Press J Orthod 26 2011 Nov-Dec;16(6):22-7

Consolaro A, Consolaro RB Considerações Finais 1) A dentina tem proteínas consideradas antígenos sequestrados e, quando exposta aos tecidos conjuntivos, tende a ser reabsorvida, como uma forma de eliminação por parte do organismo. 2) Na junção amelocementária, as janelas de dentina presentes em todos os dentes permanentes podem expô-la quando ocorrer uma inflamação induzida na inserção conjuntiva. 3) Antes que ocorra a exposição de dentina na junção, a gengivite e a periodontite revelam uma hiperplasia do epitélio juncional que recobre as janelas e coloca a dentina no meio bucal. 4) No traumatismo dentário e na clareação interna, a inflamação do conjuntivo gengival não promove hiperplasia epitelial juncional e a exposição direta da dentina permite o reconhecimento antigênico por parte dos macrófagos. 5) A gengiva recebe vasos de origem periodontal, óssea, periosteal e mucosa, de tal forma que sua nutrição e drenagem não são afetadas, mesmo quando os vasos do ligamento periodontal ficam comprimidos durante o movimento ortodôntico. Por tudo isso, não ocorre inflamação na inserção conjuntiva e nem morte celular na gengiva durante o movimento ortodôntico, não se alterando a cor nem o volume, nem se expondo a dentina nas janelas da junção amelocementária, o que seria necessário para se iniciar uma reabsorção cervical externa. The orthodontic movement does not induce external cervical resorption OR The orthodontic movement does not change the color, the volume neither induce gingival inflammation Abstract In this paper we tried to anatomically and functionally explain how it is structured and organized the cervical region of the teeth to substantiate the following questions: 1) Why External Cervical Resorption occurs in human dentition?; 2) Why in gingivitis and periodontitis there is no external cervical resorption?; 3) Why External Cervical Resorption can occur after the dental trauma and internal bleaching?; 4) Why orthodontic movement does not change the color and the gingival volume during treatment?; 5) Why orthodontic movement does not induce external cervical resorption, even being known that the cervical region can be much required? The existence of sequestered antigens in the dentin, the presence of windows of dentin in the cervical region of all teeth, the reaction of the junctional epithelium and the distribution of gingival blood vessels may explain why the external cervical resorption does not occur and neither the color and gingival volume are changed in the orthodontic movement. Keywords: Tooth resorption. External cervical resorption. Orthodontic movement. Gingiva. Referências 1. Consolaro A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. Maringá: Dental Press; 2005. 2. Esberard R, Esberard RR, Esberard RM, Consolaro A, Pameijer CH. Effect of bleaching on the cemento-enamel junction. Am J Dent. 2007;20(4):245-9. 3. Francischone LA, Consolaro A. Morphology of the cementoenamel junction of primary teeth. J Dent Child (Chic). 2008;75(3):252-9. 4. Glickman I. Periodontia clínica de Glickman. Rio de Janeiro: Interamericana; 1983. 5. Lascala NT, Moussalli NH. Periodontia clínica e especialidades afins. São Paulo: Artes Médicas; 1980. 6. Lindhe J, Karring T, Lang NP. Tratado de Periodontia clínica e Implantodontia oral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 7. Neuvald L, Consolaro A. Cementoenamel junction: microscopic analysis and external cervical resorption. J Endod. 2000;26(9):503-8. 8. Newman MG, Takei HH, Klokkevold, PR, Carranza, FA. Carranza s clinical periodontology. 10ª ed. St. Louis: Saunders Elsevier; 2006. 9. Zander HA, Hurzeler B. Continuous cementum apposition J Dent Res. 1958;37(6):1035-44. Enviado em: 7 de outubro de 2011 Revisado e aceito: 11 de outubro de 2011 Endereço para correspondência Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br Dental Press J Orthod 27 2011 Nov-Dec;16(6):22-7