A CONCEPÇÃO DO JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS APÓS A ASCENSÃO DE HITLER 1



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Transcrição:

120 A CONCEPÇÃO DO JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS APÓS A ASCENSÃO DE HITLER 1 Carlos Augusto Trojaner de Sá 2 Ricardo Moreira Vidal Santos 3 Resumo O presente artigo tem como objetivo principal analisar as ações da política alemã, com ênfase na questão do anti-semitismo ocorrido na Alemanha a partir de 1933, através de notícias e artigos publicados no jornal Diário de Notícias sobre o assunto, no período correspondente ao mês de abril de 1933. Como justificativa para nossa abordagem, é de fundamental importância destacar como os fatos ocorridos na Alemanha estavam sendo interpretados pela imprensa do Rio Grande do Sul, assunto esse bem delicado de ser analisado, e que estava em voga no período, assim, é interessante ver a posição de um jornal tão importante como o Diário de Notícias foi na época. Palavras-chave: Anti-semitismo. Jornal Diário de Notícias. Imprensa. Nossa pesquisa visa analisar de maneira ampla como as primeiras medidas tomadas pelo III Reich repercutiram aqui no Rio Grande do Sul, mais especificamente tomar como objeto de análise o Jornal Diário de Notícias. Para a realização desse trabalho, foi utilizado o método de análise de conteúdo, partindo primeiramente então de uma seleção geral das notícias sobre a Alemanha, durante o corte temporal do mês de abril de 1933 no Jornal Diário de Notícias. Na análise de conteúdo o ponto de partida é a mensagem, mas sempre devem ser consideradas as condições contextuais de seus produtores e assenta-se na concepção crítica e dinâmica da linguagem 4. Deve ser considerado, não apenas a semântica da língua, mas também a interpretação do sentido em que os dados que um indivíduo atribui às mensagens. Portanto a análise de conteúdo em suas primeiras utilizações assemelha-se muito ao processo de categorização e tabulação de respostas a questões ligadas ao projeto 1 Artigo desenvolvido durante a cadeia de Prática de Pesquisa Histórica II, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 2009/1. 2 Carlos Trojaner é aluno de pós-graduação em História Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em História do Rio Grande do Sul pela UNISINOS. Email: carlosaugusto@t-online.de 3 Ricardo Moreira é acadêmico do curso de graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Email: rvidal@hotmail.co.jp 4 PUGLISI, M.L, & FRANCO, B. Análise de Conteúdo. Brasília: Liber Livro, 2005. p. 13.

121 de pesquisa. Criada inicialmente como uma técnica de pesquisa com vistas a uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa de comunicações em jornais, revistas etc. Após isso, foi realizada uma seleção e catalogação de todos os artigos para uma seleção com ênfase na questão do anti-semitismo. Dentro desse corte tema, podemos chegar ao resultado de 83 artigos referentes à Alemanha, tratando das mais diversas questões. Com isso na continuidade de nosso trabalho, foram criadas categorias para agrupar em blocos e selecionar os artigos a serem usados. As categorias criadas foram: Política, Economia, Educação, Militar e um bloco para assuntos diversos como Turismo e notícias que não podem ser catalogadas nas demais categorias principais, essa categoria chamamos de outras. Entre o dia 1º de abril de 1933 até o dia 30 de abril do mesmo ano, foram publicadas no Diário de Noticias 83 reportagens sobre a situação da Alemanha. Desse total, 43 falavam sobre política (cerca de 50%), de assuntos desde visitas de embaixadores de outros países até o foco principal de análise deste artigo, o anti-semitismo, que corresponde a 22 notícias (51,1% do total de notícias sobre política, e 24,7% do total de notícias sobre a Alemanha). Dentre as notícias sobre o anti-semitismo, algumas eram enviadas por repórteres (19 notícias), enquanto outras eram cartas abertas enviadas por leitores do jornal (quatro cartas), contestando ou então reafirmando algum ponto de vista (contra ou a favor da política alemã em relação ao anti-semitismo). Mas para analisarmos essa situação ocorrida na Alemanha, através de um jornal como o Diário de Noticias, precisamos ter o conhecimento do que estava ocorrendo na Alemanha em abril de 1933. Com a Alemanha em grave crise econômica desde o final da primeira guerra mundial e ainda mais agravada pela crise da bolsa de 1929, milhões de desempregados aderem ao nazismo com a esperança de suas vidas melhorarem. Em 1933, Adolf Hitler torna-se cidadão alemão e é nomeado chanceler pelo presidente Hindenburg 5. O anti-semitismo e a perseguição aos judeus eram os princípios centrais da ideologia nazista. De acordo com SCHILLING (2002, p. 34) Estas teorias racistas acabam encontrando na figura do judeus o seu alvo predileto. Na Europa, o anti-semitismo se caracteriza, em sua forma moderna, não mais por justificações de ordem religiosa, como acontecia até o século XVIII, e sim pela procura de embasamentos científicos ou pseudocientíficos, dentro da corrente naturalista do século XIX. Nos 25 pontos do programa do Partido Nazista, publicado em 1920, era publicamente declarada à intenção de segregar os judeus da sociedade "ariana" e de revogar seus direitos civis, políticos e legais. Tão logo chegaram ao poder, os líderes nazistas iniciaram a cumprir sua promessa de perseguição aos judeus alemães. 5 RIBEIRO JÚNIOR, João. O que é nazismo. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 34.

122 Durante os seis primeiros anos da ditadura hitlerista, de 1933 até o início da Guerra em 1939, os judeus sentiram os efeitos de mais de 400 decretos e regulamentações, de escopo nacional, que restringiam todos os aspectos de sua vida pública e privada. Além desta legislação discriminatória autorizada pelo governo central, existiam também outras criadas por autoridades estaduais, regionais e municipais, todas restringindo e dificultando ainda mais a vida dos judeus. Assim, centenas de indivíduos em todas as escalas governamentais, em todo o país, participaram diretamente da perseguição contra os judeus, seja na concepção e discussão das idéias anti-semitas, na elaboração, adoção, uso da força ou apoio ao anti-semitismo. Após a chegada do nazismo ao poder em 1933, Hitler estabeleceu o Ministério do III Reich para Esclarecimento Popular e Propaganda, encabeçado por Joseph Goebbels. O objetivo do Ministério era garantir que a mensagem nazista fosse transmitida com sucesso através da arte, da música, do teatro, de filmes, livros, estações de rádio, materiais escolares e imprensa 6. As primeiras enxurradas de leis, de 1933 a 1934, limitavam a participação judaica na vida pública alemã. A primeira lei de importância a restringir os direitos dos cidadãos judeus foi a "Lei para a Restauração do Serviço Público Profissional", de 7 de abril de 1933, segundo a qual os judeus e outros servidores públicos e os funcionários "não confiáveis politicamente" deveriam ser despedidos de seus cargos no governo alemão. Esta nova legislação foi à primeira formulação do chamado Parágrafo Ariano, um tipo de regulamentação utilizada para excluir os judeus e outros não arianos das organizações, do exercício de determinadas profissões e de outros aspectos da vida pública. Em abril de 1933, foi promulgada outra lei restringindo o número de alunos judeus nas escolas e universidades alemãs. Naquele mesmo mês outra legislação afetou drasticamente as assim chamadas "atividade judaicas", medicina e direito. Lei e decretos subseqüentes limitaram o pagamento devido aos médicos judeus pelos fundos públicos de seguros de saúde. O governo da cidade de Berlim proibiu advogados e notários judeus de exercerem suas profissões; Munique proibiu os médicos judeus de tratarem pacientes não judeus; e a Secretaria do Interior da Bavária proibiu que judeus estudassem medicina. Em nível nacional, o governo nazista revogou a licença dos contadores judeus; restringiu o acesso dos judeus à educação, criando nas universidades e escolas públicas uma quota de apenas 1.5% para ingresso de estudantes não arianos ; despediram os judeus servidores públicos; a direção da UFA (produtora alemã de filmes) demitiu funcionários judeus, causando um grande êxodo de artistas alemães para o exterior e no início de 1934 proibiu os atores judeus de atuarem no teatro ou no cinema causando o segundo grande êxodo de artistas alemães.

123 Este era o panorama geral da Alemanha no período trabalhado em cima das notícias do mês de abril do Diário de Notícias. O jornal Diário de Notícias pertencia ao grupo Diários Associados de Assis Chateaubriand, maior conglomerado de comunicação dos anos 50 e 60 no Brasil. Na época, os jornais mais expressivos do estado eram o Correio do Povo e o Diário. Enquanto o Correio do Povo caracterizava-se por sua solidez econômica e uma linha editorial sóbria e conservadora, o Diário de Notícias, quase sempre com problemas financeiros, para se contrapor ao Correio do Povo, era mais ágil, audacioso, sempre inovador, em termos gráficos e editoriais. Os fatos relevantes acompanhados pelo jornal vão desde a revolução de 30 até o movimento militar de 64 que derrubou João Goulart, passando pelo suicídio de Getúlio Vargas e a Legalidade. O jornal entrou em declínio após o suicídio de Getúlio Vargas, sendo depredado. Após analisar as varias notícias sobre o anti-semitismo, podemos concluir parcialmente, que durante as primeiras ações de Hitler contra os judeus em abril de 1933, o jornal Diário de Noticias se manteve neutro dentro dessa situação política, em suas noticias o jornal de mostrava imparcial, como um simples narrador dos fatos envolvendo o antisemitismo, na análise dos discursos das matérias. As notícias eram pragmáticas e expunham os fatos de modo essencial, afim de o leitor tomar suas próprias conclusões. Embora fosse conhecido por ser um jornal parcial, ao contrário de seu rival Correio do Povo, nada de opinião pessoal foi posta nos artigos, mas ocorreu um fato um tanto interessante, às cartas publicadas abertas de leitores não vinculados ao jornal, mostrando claramente seus pontos de vistas, no dia cinco de abril, por exemplo, temos um artigo aonde o autor escreve que na Alemanha o boicote contra os produtos judeus foi realizado de forma pacífica e que apenas recomeçaria caso as críticas da imprensa internacional continuassem ao governo Alemão. Essa declaração vai contra as notícias publicadas no jornal Diário de Noticias do dia dois e quatro de abril. Alguns dias antes, no dia 1º de abril, foi publicado um artigo escrito por Humberto de Campos, onde era feita uma ampla defesa do povo judeu, inclusive clamando ao povo brasileiro a colher os judeus saídos da Alemanha no citado período. Esse artigo incita claramente uma posição acerca do assunto. Talvez para contrastar com a neutralidade das notícias do jornal, eram publicadas essas cartas abertas, como algo inovador e que não era visto em outros jornais. Essa neutralidade demonstrada pelo Diário de Noticias pode ser observada varias vezes em suas edições do mês de abril de 1933, aonde as temáticas principais dentro da categoria anti-semitismo são o boicote ao comércio judeu, e a perseguições aos judeus na Alemanha. Podemos ver esse contexto do boicote na obra de LAMBERT (2008, p. 152) Poucos dias depois de subir ao poder, Hitler declarou boicote de um dia a todas as lojas de judeus testando a água, por assim dizer, do anti- 6 FULBROOK, Mary. A concise History of Germany. Great Britain: Cambridge University Press, 1990, p. 184.

124 semitismo alemão, esperando para ver se haveria protestos ou o consentimento geral. O boicote ocorreu a 1º de abril de 1933 e foi apoiado assim escreveu Goebbels em seu diário com disciplina exemplar. No entanto, as notícias quase sempre estavam em destaque nas páginas. Em relação às cartas abertas de leitores, podemos evidenciar que o diário de Noticias não estava a favor de nenhum dos lados, pois em suas edições são encontradas cartas defendendo e ao mesmo tempo criticando a situação política na Alemanha, como exemplo uma notícia do dia 17 de abril, onde jornalistas americanos visitam a Alemanha e argumenta que constatando que a situação é tranqüila e não há problemas com os judeus na Alemanha. A última notícia analisada, onde aparece nosso enfoque, é no dia 26 de abril, onde mais uma vez um leitor em uma carta aberta ao jornal, exalta as qualidades dos judeus para justificar a repressão sofrida pelos alemães. Entre outras afirmações, o autor de tal artigo (Medeiros e Albuquerque) afirmava os judeus como sendo banqueiros natos e célebres pensadores, assim criando alguma inveja entre o povo alemão. Concluindo esse artigo, após nossa análise sobre o jornal Diário de Notícias durante o mês de abril de 1933, pudemos constatar que não houve nenhuma tentativa direta de induzir o leitor com parcialidade, embora as notícias referentes ao boicote promovido pela Alemanha aos comerciantes judeus tenha sido publicada quase sempre em destaque nas páginas. O destaque fica por conta das cartas publicadas no jornal escritas por leitores ou colunistas, onde a opinião é expressa de uma forma livre, tanto a favor quanto contra o assunto já citado. Também cabe ressaltar que o Brasil, segundo GERTZ (1987, p. 63) Até 1938, quando foram tomadas a nível nacional as primeiras medidas contra teutos e contra as atividades do grupo nacional socialista no Brasil, o governo brasileiro demonstrou simpática crescente em relação ao regime nacional socialista. Por essa razão não é difícil compreender a posição do jornal frente aos primeiros acontecimentos políticos na Alemanha em abril de 1933. Assim, concluímos que diretamente o jornal não foi parcial, apenas de modo subjetivo, diferentemente da sua postura referente a outros assuntos tão polêmicos quanto (por exemplo, a Segunda Guerra Mundial, onde o jornal foi terminantemente contra as ditaduras e alinhado aos pensamentos norte-americanos). Referências FULBROOK, Mary. A Concise History of Germany. Great Britain: Cambridge University Press, 1990. GERTZ, René Ernani. O Fascismo no Sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

125 LAMBERT, Ângela. A História Perdida de Eva Braun. São Paulo: Globo, 2007. PUGLISI, M.L, & FRANCO, B. Análise de Conteúdo. Brasília: Liber Livro, 2005. RIBEIRO JÚNIOR, João. O que é Nazismo. São Paulo: Brasiliense, 2005. SCHILLING, Voltaire. O Nazismo: breve historia ilustrada. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 1998.