2 O INEP no âmbito das políticas do MEC, nos anos de 1950/1960.

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Transcrição:

2 O INEP no âmbito das políticas do MEC, nos anos de 1950/1960. No início dos anos 50 circulava no país um clima otimista contagiado, principalmente, pelo projeto nacional-desenvolvimentista 1 que ganhava cada vez mais fôlego ao longo do governo de Juscelino Kubitscheck (JK) (1956-1961). Era um tempo marcado pela bossa nova, o cinema novo e a Novacap: em 41 meses, uma cidade futurista surgia no meio do nada e o presidente era um sujeito jovial e sorridente, alto e boa-pinta: o presidente bossa-nova (Bueno, 1996). No movimento do rápido avanço nacional, da marcha pela urbanização e da abertura democrática, observa-se, também nesta década, a incorporação da classe trabalhadora na sociedade organizada - tanto no sistema político partidário quanto no mercado cultural - e a consolidação de uma visão dual do país: de um lado o meio urbano, o progresso e o desenvolvimento e, do outro, o meio rural e o atraso. Percebe-se ainda, no contexto social brasileiro dos anos de 1950 2, a reivindicação pelo acesso à escolarização por diferentes segmentos da sociedade, favorecendo a retomada da crença na educação como meio de ascensão social e desenvolvimento nacional. A questão da reconstrução social proporcionou à escola um novo sentido, passando a ser muito almejada pela população, tanto urbana, quanto rural do país. Dentro dessa demanda por educação escolar, diversas camadas sociais buscaram atingir níveis de escolaridade cada vez mais altos para o ingresso nas organizações burocráticas e para progredirem em suas ocupações, alcançando salários melhores, prestígio e poder (XAVIER, 1999a). Pautados na visão dualista da realidade brasileira, os debates dos intelectuais reforçavam o argumento da educação como meio mais seguro para a 1 De acordo com Mendonça et. al. (2006), genericamente o desenvolvimentismo era visto como uma estratégia política utilizada para a condução de determinado modelo econômico para o país, enfatizando, principalmente, a industrialização como requisito central para a consolidação de uma política de autonomia econômica para a nação. 2 Os anos de 1956 a 1961 constituíram o período áureo do desenvolvimento econômico brasileiro, aumentando as possibilidades de emprego e instaurando um clima de otimismo para o progresso nacional.

16 mobilidade social individual ou de grupos, pois a compreendiam como mecanismo de redução das desigualdades sociais. No entanto, apesar das significativas mudanças que vinham ocorrendo no cerne da estrutura social do país e da crescente demanda pela universalização do ensino, Xavier (1999a) nos chama a atenção para as lentas modificações que ocorreram no aparelho de administração da educação. De acordo com esta autora, os órgãos ligados ao MEC funcionavam, ainda nos anos 50, com base no modelo centralizador forjado durante a Era Vargas por suas lideranças principais: Francisco Campos e Gustavo Capanema (XAVIER, 1999a. p. 74), e a legislação vigente não permitia variações nas práticas pedagógicas, obstaculizando a criação e a experimentação de teorias novas no âmbito educacional. Este cenário, marcado pela valorização social da educação e pela necessidade da reformulação do sistema de ensino, era favorável à retomada de um campo de disputa que tinha como pauta de debate a definição do modelo de escola e de ensino apropriados ao desenvolvimento nacional. Temas como o analfabetismo, a universalização do ensino primário, a expansão da obrigatoriedade do ensino para o atendimento da população infantil dos 7 aos 14 anos, a reformulação da legislação e o ajustamento da organização escolar, dos métodos e do currículo à realidade local, foram trazidos à tona e impregnaram os debates educacionais do período em análise. Durante o Governo JK, o planejamento educacional apontava para a expectativa de articular o sistema escolar ao projeto de modernização e atribuía à educação formal o objetivo de formar mão-de-obra qualificada e quadros técnicos competentes para gerir a economia do país de forma racional, orientando as decisões políticas nacionais com base em critérios científicos (XAVIER, 1999ª). Segundo Xavier (1999ª, p.81), em síntese: as finalidades estabelecidas para educação no planejamento do Governo JK apontavam para a necessidade de assegurar, para educação primária, não só a posse de elementos fundamentais da cultura (ler, escrever e contar) mas também a habilitação mínima para os deveres da produção e convivência social; considerava fundamental apagar o caráter do ensino intermediário entre o primário e o superior do qual se revestia o ensino secundário; postulando para o ensino superior uma maior flexibilidade em face da diversificação crescente da economia e das ocupações, (superando o sistema tradicional de escolas compartimentadas e cursos estanques) a fim de ajustar os planos de estudos às demandas da sociedade.

17 No período, é possível identificar também uma significativa mobilização por parte dos intelectuais para criação de instituições que pudessem vir a assessorar as políticas públicas educacionais, assim como possibilitar a estreita ligação entre dois processos que impulsionavam o cenário: a institucionalização das ciências sociais e a autonomização do campo educacional. Assim, como afirmam Brandão et. ali (1997, p. 20), se nos anos de 1920 e 1930, a aproximação entre ciências sociais e educação encontrava-se ligada a um projeto mais amplo de procura de um estatuto científico para os estudos superiores em educação (Universidade do Distrito Federal/ Universidade de São Paulo), nas décadas de 1950 e 1960, o que parecia relacionar-se a essa reaproximação era a necessidade de uma base mais segura científica- para as propostas de intervenção nos sistemas educacionais da perspectiva de planejamento educacional (id). Entretanto, já nos anos de 1930, de acordo com Mendonça (1997, p. 31), Anísio Teixeira defendia a reorganização da escola fundamentada no conhecimento científico disponível para que esta se tornasse um instrumento de reorganização social. Essa autora afirma que no pensamento do educador, tal empreendimento suporia principalmente: aplicar o conhecimento em três níveis de atividades educativas: na organização e gestão dos serviços escolares, na formação dos professores e, por fim, no interior mesmo da escola, onde era preciso introduzir o que Anísio chamava de espírito científico, percebido quase que como sinônimo de espírito experimentalista, de investigação, de pesquisa (id). Para Mendonça (1997), nos anos de 1950, já à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), Anísio Teixeira conseguiu constituir o desdobramento de uma meta que vinha sendo elaborada desde a década de 1930: Fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil. E foi com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP) que esse educador deu início ao seu antigo projeto, buscando dar condição científica à ação educativa pela via deste órgão. Nos anos de 1950, Anísio Teixeira pretendia aproximar o campo educacional ao científico e, a um só tempo, introduzir uma postura investigativa na atividade educativa de modo a afetar qualitativamente o sistema brasileiro de ensino. Nas palavras do educador Anísio Teixeira (1957, p. 22):

18 Os Centros de Pesquisas Educacionais foram criados para ajudar a aumentar os conhecimentos científicos que assim possam ser utilizados pelos educadores isto é, pelos mestres, especialistas e administradores educacionais para melhor realizarem a sua tarefa de guias a formação humana, na espiral sem fim de seu indefinido desenvolvimento. Acreditava, principalmente, que por intermédio de uma intervenção na formação e re-formação dos professores, e na re-organização do sistema escolar, a situação do ensino público brasileiro tomaria novos rumos. Para tanto, a ciência cumpriria o papel de subsidiar projetos que poderiam gerar mudanças sociais, enquanto que a educação estaria comprometida com o engajamento selado entre o pesquisador, a realidade social e o desenvolvimento científico. Assim, como destaca Xavier (2000), o que se propunha era a articulação entre ciência, educação e política, isto é, entre o conhecimento e ação, entre prática social e pesquisa educacional. Uma vez inauguradas as reflexões e as pesquisas no campo educacional, Anísio Teixeira esperava que a prática educativa sofresse alterações com a aplicação dos resultados de pesquisas (MENDONÇA, 1997). Para esse educador, a introdução do espírito científico nas escolas brasileiras demandaria o entrosamento entre a educação e as chamadas ciências-fontes (psicologia, sociologia e antropologia) e possibilitaria uma oxigenação e re-formulação do ensino no país. Assim, podemos notar nas palavras do próprio Anísio (1957, p. 8): Com o método cientifico, vamos submeter as tradições ou as chamadas escolas ao crivo do estudo objetivo, os acidentes às investigações e verificações confirmadoras e o poder criador do artista às análises reveladoras dos seus segredos, para a multiplicação de suas descobertas; ou seja, vamos examinar rotinas e variações progressivas, ordená-las, sistematiza-las e promover, deliberadamente, o desenvolvimento contínuo e cumulativo da arte de educar Esse aspecto intervencionista, como bem sinaliza Mendonça (1997), encontrava-se claramente presente na estrutura e objetivos do CBPE. Segundo Xavier (1999a), o CBPE, ao se tornar um centro de pesquisa e de assessoria técnica para assuntos educacionais, se encaixava perfeitamente na perspectiva desenvolvimentista que circulava na nação na década de 1950. Seu pressuposto de racionalizar os serviços associados ao sistema oficial de ensino e o seu modo de planejamento dos projetos educacionais reforçam essa tese.

19 Cunha (1999) nos chama a atenção para o fato de que o discurso da renovação pedagógica no Brasil prescrevia ser imprescindível planejar toda e qualquer intervenção a ser realizada na escola. Para este autor, a criação dos Centros de Pesquisa do INEP representam a melhor tradução do ideário racionalizador, científico e moderno, essência do ideário desenvolvimentista que imperou no Governo JK. De antemão, cabe ainda destacar que, segundo Mendonça et al.(2005, p.3), apesar de não se apresentar como pensamento homogêneo do período em análise, o desenvolvimentismo, no que diz respeito às estratégias no âmbito da educação, constituiu-se em um solo fértil para a retomada e a expansão do ideário da Escola Nova e particularmente do pragmatismo deweyano entre os educadores brasileiros. Para esses autores, as políticas desenvolvidas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) apontam para o fato de que tanto o INEP, quanto o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) representam importantes órgãos de disseminação do pragmatismo de John Dewey e do desenvolvimentismo no país, respectivamente. De acordo com Moreira (1997), as interpretações sobre o modo como a filosofia, ciência e educação se relacionam na obra de John Dewey são bastante controversas. Para nós interessa sinalizar para o ponto de que Anísio Teixeira, considerado um expoente das formulações de Dewey no Brasil, buscou desenvolver no CBPE: uma mentalidade experimentalista tributária de uma tradição filosófica e educacional que se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos da América. No final do século XIX, na Universidade de Chicago, o educador John Dewey, em conjunto com outros pesquisadores, desenvolveu o que se tornou conhecido como pragmatismo, com destaque para reflexões no campo da filosofia, sociologia e psicologia aplicadas à educação. Boa parte dos conhecimentos elaborados e investigados por este educador foram construídos a partir de pesquisas empíricas na Laboratory School daquela Universidade e tiveram, como plano central, o desenvolvimento de seu método empíricoexperimental (MOREIRA, 1997). Para Mendonça et. al. (2005), a apropriação do pragmatismo na década de 1950, no país, se fez a partir de três perspectivas: o método científico, no que diz

20 respeito à sua concepção de ciência, o modo de vida democrático e a escola progressiva, está sendo concebida como um agente de mudança cultural. Anísio Teixeira, desde a década de 1920, já era um seguidor do pragmatismo filosófico e educacional de John Dewey e, nos anos de 1950, ao inaugurar o CBPE conseguiu difundir, segundo Mendonça et. al. (2005), o pragmatismo deweyano por intermédio das publicações (livros, periódicos e material didático) 3, do oferecimento de cursos, da realização de conferências e, também, através da criação das escolas experimentais. Deste modo, posto em funcionamento no ano de 1956, o CBPE, além de ter favorecido a especialização e autonomização do campo educacional (XAVIER, 1999b), se transformou numa importante entidade destinada à promoção de pesquisa científica, com o objetivo de auxiliar as políticas públicas educacionais no país. Segundo Mendonça (2002), diante do favorável quadro de captação de recursos externos, Anísio Teixeira cria esse Centro com verba da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) que originalmente tinha como destino um programa de formação de agentes para a educação rural. O Centro, em sua estrutura organizacional, se distribuía em Divisões autônomas destinada à Pesquisa Educacional (DEPE), à Pesquisa Social (DEPES), à Documentação e Informação Pedagógica (DDIP) e ao Aperfeiçoamento do Magistério (DAM). Assim, com a mesma estrutura de funcionamento, e ligados diretamente ao CBPE, encontravam-se os Centros Regionais de Pesquisa Educacional que se localizavam em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro (sede do Centro Nacional) e formavam uma rede articulada onde se desenvolviam estudos referentes ao levantamento das condições econômicas, sociais, políticas e culturais de cada região (MENDONÇA, 2002). De acordo com Xavier (1999b), a qualificação de professores era uma forte preocupação do CBPE e, por isso, ocupava um lugar central no projeto deste Centro. Na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM) eram promovidos cursos para o aperfeiçoamento de docentes, especialistas em educação, 3 A vasta produção do referido Centro se apresenta refletida nos estudos pedagógicos, guias de ensino e levantamentos bibliográficos, além da publicação do periódico Educação e Ciência Sociais e da continuidade da publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do INEP.

21 orientadores educacionais, entre outros. Destacavam-se, também, os cursos oferecidos à formação de professores para as escolas experimentais 4. Além destes cursos, esta divisão tinha o objetivo de criar escolas e classes que pudessem vir a proporcionar um espaço de pesquisa e experimentação, pois por intermédio destas instituições poderiam testar os novos métodos pedagógicos e desenvolver pesquisas científicas sobre questões escolares. Xavier (1999b) sinaliza para o fato de que as escolas experimentais seriam destinadas a servir de laboratório de testagem, possibilitando o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre o específico escolar. A idéia inicial era que cada Centro Regional tivesse a sua própria escola para a observação e obtenção de informações dos problemas do ensino primário no país. No entanto, somente os Estados da Guanabara (hoje Estado do Rio de Janeiro), com a Escola Guatemala, e da Bahia, com o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, foram beneficiados com a criação de escolas com esta natureza. Como o estudo que se pretende desenvolver visa a Escola Guatemala, consideraremos aqui os aspectos relativos a esta instituição, deixando de lado o Centro Educacional Carneiro Ribeiro. De antemão, é importante salientar que Teixeira, nos anos 1930, enquanto Diretor do Departamento de Educação do antigo DF, já havia utilizado o procedimento de criação de escolas experimentais 5. Acreditava que se deveriam instalar alguns centros escolares que promovessem novas maneiras de ensinar e, a um só tempo, funcionassem como espaços de formação de professores em um ambiente educacional moderno e adequado (CHAVES & MACEDO, 2007). No ano de 1950, com a criação dessas escolas experimentais, em paralelo a outras estratégias, o CBPE vai por em prática o seu intento de dar cientificidade ao campo educacional. Essas escolas se transformariam em locus privilegiado para a implementação de medidas que visassem, principalmente, as mudanças na organização e no funcionamento da educação brasileira, além, é claro, das políticas de valorização do magistério. Deste modo, de acordo com Macedo & Chaves (2006), se a experiência a ser colocada em prática pela Escola Guatemala foi um ato do INEP, pode-se 4 A relação dos cursos oferecidos pela DAM se encontra no anexo I 5 Sobre esse assunto ver CHAVES, Miriam Waidenfeld A escola anisiana dos anos 30: fragmentos de uma experiênicia - a trajetória pedagógica da Escola Argentina no antigo Distrito Federal (1931-1935), Tese (Doutorado em Educação), PUC- Rio de Janeiro, 2001.

22 concluir que, mesmo duas décadas após a implantação das Escolas Experimentais Argentina, Bárbara Ottoni, México, Estados Unidos e Manuel Bonfim, Anísio Teixeira continuava com o firme propósito de transformar o perfil das escolas primárias brasileiras. Ainda sonhava em vê-las como verdadeiras casas de educação A EG tornou-se o laboratório de experimentação pedagógica da DAM e funcionava como um espaço formal de experimento das novas metodologias de ensino, testando novos programas, currículos e materiais didáticos. Nesse sentido, transformou-se num espaço privilegiado de demonstração de procedimentos pedagógicos do INEP, uma vez que se constituiu em um celeiro de fermentação de novas metodologias e, a um só tempo, um centro de formação de professores, assim como, de multiplicadores das experiências ali desenvolvidas (XAVIER, 1999b). A análise das rotinas e variações progressivas dessa escola possibilitaria transformá-la em um campo de pesquisa científica relacionada a métodos e recursos de ensino, a programas para o curso primário, assim como a análise do tipo de sistema de promoção. O conhecimento ali produzido serviria de base à melhora e ao estímulo da prática docente em todo país e, de modo conseqüente, ao melhor desenvolvimento das aprendizagens dos discentes. Cabe destacar que a Escola recebia alunos-bolsistas de outras localidades do Brasil para acompanhar o experimento ali desenvolvido. De acordo com Lima (2004, p. 28), esses participavam intensamente do cotidiano da escola, pois tomavam parte de todas as atividades que eram discutidas, pesquisadas e orientadas pelas técnicas do INEP. Com o estágio oferecido pela EG, as bolsistas tinham a oportunidade de estar em contato direto com uma experiência educacional nova, experimental, que poderia servir de exemplo bem sucedido para a generalização em todo o país. No entanto, diante da incumbência de organizar uma escola de demonstração para a aplicação de métodos de ensino de acordo com o propósito político do CBPE, DAM buscou desenvolver uma estrutura organizacional e um arcabouço específico de ações dentro do interior da EG. Era de responsabilidade desta divisão a criação de estratégias que pudessem viabilizar o projeto de profissionalização do magistério. Dirigida pela Profa. Lúcia Marques Pinheiro, a DAM promovia cursos de formação de professores e

23 supervisores, estudos sobre programas de ensino primário, publicação de diversos guias de ensino e material de apoio para o professorado, tudo com o objetivo de que se inaugurasse no país uma nova mentalidade pedagógica. O eixo de atuação desses cursos centrava-se na especialização em estágios de aperfeiçoamento de professores primários, em recreação e jogos, em estágio de preparação de professores para excepcionais, na especialização em arte infantil e etc. Deste modo, na expectativa de traçar as características do percurso percorrido para a construção e reconstrução dessa escola experimental, buscaremos, no próximo capítulo, refletir acerca da estrutura organizacional da escola, assim como suas orientações pedagógicas e rumos metodológicos. 2.1 Questões metodológicas Por intermédio dos documentos que compõem os arquivos pessoais da Profa. Lúcia Marques Pinheiro e da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque pretendemos compor parte da história da Escola Guatemala, tendo como foco o SOPP. Para tanto, optamos em promover um estudo de abordagem histórica, situando o nosso objeto de modo mais específico na perspectiva da Nova História Cultural. Isso significa que partimos das análises de Clifford Geertz e Robert Darton para compreendermos a História Cultural como uma ciência interpretativa, na qual a decifração do significado, mais do que inferência de leis causais de explicação, é assumida como a tarefa fundamental (DARTON Apud HUNT, 2001). Com isso, compreendemos que a relevância do passado se dá por intermédio da interpretação e da avaliação dos historiadores, ou seja, a reconstrução da história, para que seja feita com rigor, deverá se aproximar por intermédio de suposições das vivências e experiências daqueles que atuaram em épocas anteriores. Assim, como destaca LeGoff (1984a, p.167), em história as explicações são mais avaliações do que demonstrações, mas incluem a opinião do historiador em termos racionais, inerentes ao processo intelectual de explicação. Sem deixarmos de atentar para a questão da parcialidade e da incompletude da interpretação histórica, tendo, também, o objetivo de se buscar minimizar o caráter monumental da construção discursiva e ideológica dos

24 documentos (LEGOFF, 1984b), procuraremos promover uma análise pautada no permanente diálogo entre os arquivos pessoais, as entrevistas concedidas e o referencial teórico, uma vez que coadunamos com a tese de que os documentos não são textos inocentes e transparentes, foram escritos por autores com intenções e estratégias e, por isso, cabe ao historiador criar suas próprias estratégias para lê-los (HUNT, 2001, p. 18). Cabe também ressaltar o fato de que optamos por trabalhar com a análise de fontes que compõem arquivos pessoais. Deste modo, estamos em sintonia com o pensamento de Heymann (2001, p. 266) ao afirmar que estes retratam a atuação do personagem que o acumulou, apresentando registros capazes de reconstruir a sua trajetória. Assim, como sinaliza esta autora: um arquivo pessoal é constituído pela documentação acumulada por uma pessoa física no exercício de suas atividades, sejam elas de natureza pública ou privada. É esta pessoa, que a partir de seus critérios e interesses, que vai funcionar como eixo de sentido no processo de constituição do arquivo. Com isso, entendemos que os arquivos que foram explorados durante a elaboração desta dissertação refletem a atuação de duas profissionais que foram fundamentais para a implementação do projeto da EG, cujos olhares pretendemos integrar neste trabalho. As fontes que compõem os dois arquivos são de natureza oficial e pessoal. Os documentos pessoais trazem a riqueza do cotidiano e as posições pessoais do acumulador do arquivo. No caso da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, os documentos do seu arquivo pessoal foram ainda enriquecidos com o seu depoimento. No que diz respeito aos documentos oficiais, que são a maioria particularmente no caso do arquivo pessoal da Profa. Lúcia Marques Pinheiro - estes traduzem os procedimentos oficiais da EG, assim como os critérios de trabalho que foram desenvolvidos na instituição em tela. No primeiro momento para a elaboração da presente dissertação somamos à produção do grupo de pesquisa da PUC-Rio um levantamento bibliográfico acerca das pesquisas na área que fazem referência não apenas às políticas

25 educacionais do período em análise (1950-1960), mas, principalmente, à temática em questão. Em um segundo momento partimos para as análises das seguintes fontes: i) documentos do arquivo pessoal da Profa. Lúcia Marques Pinheiro, tendo como recorte o período em que atuava como supervisora do INEP na escola; ii) relatórios de trabalho produzidos pela Profa. Terezinha Lins de Albuquerque durante sua atuação como coordenadora do SOPP. As duas entrevistas concedidas para pesquisa, da Profa. Maria Helena Novaes e da Profa. Terezinha Lins de Albuquerque, foram fundamentais para a elaboração deste trabalho, pois conduziram o processo fornecendo elementos importantíssimos para a problematização das fontes coletadas. Na expectativa de melhor compreender a experiência de uma instituição educacional cujo pensamento político, pedagógico e filosófico teria um caráter inovador, no que tange ao contexto educacional da época, pretendemos, nesta dissertação, analisar o passado da EG tendo em vista as questões do presente (LEGOFF, 1984a), ou seja, temos a clara intenção principal de contribuir com os debates atuais em torno da área da formação dos professores que buscam compreender as dimensões teóricas, técnica e pessoais dos docentes, incorporando-as nas ações que visam o seu aperfeiçoamento.