DIVISÃO DE FRAÇÕES: É POSSÍVEL DIVIDIR SEM MULTIPLICAR!

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Transcrição:

DIVISÃO DE FRAÇÕES: É POSSÍVEL DIVIDIR SEM MULTIPLICAR! Rafael Vaz IFRJ/Paracambi, rafael.vaz@ifrj.edu.br RESUMO Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o ensino de Matemática, mais precisamente, sobre o ensino de divisão de frações. Trazendo questionamentos sobre a postura ultrapassada adotada pelos professores, possivelmente oriunda dos atuais livros didáticos, que ainda hoje supervalorizam a memorização das regras e de procedimentos operatórios. Em contrapartida, os conceitos fundamentais para a aprendizagem de frações não são ensinados da forma mais adequada a luz das ideias construtivistas. No caso específico das frações, o artigo fornece diversas possibilidades para o ensino deste tópico, percorrendo a divisão com o auxílio de representações de frações, comumente encontradas nos livros didáticos, até a construção do algoritmo da divisão de frações, o qual transforma a divisão em uma multiplicação de frações. INTRODUÇÃO Nas escolas básicas, particulares e públicas, é possível constatar uma estrutura padronizada e engessada no qual grande parte do ensino de Matemática está inserido. O ensino de Matemática apresenta deficiências e carências que percorrem a baixa qualidade de alguns livros didáticos, o desinteresse dos estudantes e as falhas na formação e capacitação docente. Aulas expositivas que apresentam uma sequência didática comum, que se inicia com uma abordagem teórica do professor, o detentor do conhecimento, seguida de alguns exemplos e exercícios de fixação. Se constata uma tendência por parte de professores, principalmente os de Matemática, a considerar que a aprendizagem é exclusivamente e diretamente proporcional a quantidade de exercícios resolvidos pelo estudante. Essa ideia parece estar, ainda hoje, inserida na prática pedagógica do professor, na qual os procedimentos operatórios e a memorização de regras são supervalorizados em detrimento da compreensão dos conceitos pertinentes, mesmo que diversas pesquisas apontem para uma falência deste modelo. O aluno aprende a somar frações com denominadores diferentes, a igualar denominadores usando o menor múltiplo comum para, muitas vezes sem compreender qual a relação entre as novas frações que serão somadas e as frações anteriores. Na divisão de frações o estudante aprende que para dividir duas frações há uma espécie de receita de bolo, que consiste em multiplicar a primeira fração pelo inverso da segunda, mesmo que esse algoritmo não faça nenhum sentido. Para Wu (p.2, 1999) existem problemas que persistem no ensino de frações, como por exemplo, as regras das quatro operações aritméticas em frações parecem ser feitas numa exclusivamente para explicar o fenômeno que descrevem, sem relação com as quatro operações usuais em inteiros positivos com que os alunos estão familiarizados.

A DIVISÃO DE FRAÇÕES A notação de fração (a/b) pode, e provavelmente tem, um significado natural para um professor de Matemática, porém talvez o mesmo não aconteça a um estudante das séries iniciais, pois dois números a e b estão formando um outro número de significado e características distintas. Os números racionais constituem-se em um dos temas de construção mais difícil, pois sua compreensão envolve uma variedade de aspectos que se configuram como obstáculos ao seu pleno domínio. (Campos; Rodrigues, p.69, 2007). Para Wu (p.2, 1999) o fraco desenvolvimento conceitual é um fator prejudicial no ensino de frações, pois segundo o autor: (1) O conceito de fração nunca é definido claramente e suas diferenças com os números inteiros não é enfatizada suficientemente. (2) As complexidades conceituais associadas ao emprego de frações são enfatizadas desde o início em detrimento do conceito básico. (3) As regras das operações aritméticas com frações são apresentadas sem relacionálas às regras das operações com números inteiros, com os quais os alunos têm familiaridade. (4) Em geral, explicações matemáticas essenciais de quase todos os aspectos do conceito de fração não são dadas. Apesar das diversas pesquisas apontarem há algumas décadas para complexidade do tema, o ensino de frações é trabalhado exclusivamente nas séries iniciais, até o sexto ano do ensino fundamental. Um dos problemas que detectamos no ensino de frações, é o fato de que seu ensino tem estado restrito até o final da 6ª série. Parece estar implícito neste tipo de organização curricular, uma reserva de mercado, característica dos currículos anteriores aos PCN, em que frações são tratadas nas 4ª e 5ª séries, razões e proporções na 6ª, álgebra na 7ª, e funções na 8ª. (LOPES, p.10, 2008) Esta organização curricular denota a crença na aprendizagem como sendo um processo linear e sequencial de acúmulo dos conteúdos. Após as aulas de frações no 6º ano os estudantes passariam a dominar este conteúdo nas séries seguintes. O que se constata na prática é uma situação inversa. Embora as representações fracionárias e decimais dos números racionais sejam conteúdos desenvolvidos nos ciclos iniciais, o que se constata é que os alunos chegam ao terceiro ciclo sem compreender os diferentes significados associados a esse tipo de número e tampouco os procedimentos de cálculo, em especial os que envolvem os racionais na forma decimal. (BRASIL, p.100-101, 1997) Os professores do século XXI ainda trazem consigo concepções antigas transmitidas através das gerações. Ensinar como aprendi é uma prática pedagógica comum. Para tornar a situação mais complexa os alunos de hoje em dia possuem muitos motivos para estarem desatentos ou desinteressados, afinal os smartphones, a internet, e as redes sociais são muito mais atraentes que as aulas do século XIX que ainda são ministradas.

O ensino de frações tem sido praticado como se nossos alunos vivessem no final do século XIX, um ensino marcado pelo mecanicismo, pelo exagero na prescrição de regras e macetes, aplicações inúteis, conceitos obsoletos, carroções, cálculo pelo cálculo. Esta fixação pelo adestramento empobrece as aulas de matemática, toma o lugar de atividades instigantes e com potencial para introduzir e aprofundar ideias fortes da matemática. (LOPES, p.20-21, 2008) As frações são apresentadas aos alunos em uma sequência estática comumente encontrada nos livros didáticos: primeiro a notação usual de fração (a/b) atrelada à nomenclatura e as representações diagramáticas para a construção do significado, nas quais, a fração é apresentada como parte de uma unidade contínua (barras retangulares e pizzas). Em seguida, surgem os dois tópicos que parecem ser as metas do ensino de frações: as operações entre frações e a fração como um operador visando a resolução dos problemas. Em linhas gerais, o ensino de frações tem se caracterizado por uma ênfase no simbolismo e na linguagem matemática, na aplicação mecânica de algoritmos (sobretudo na aritmética de frações) e no uso de representações diagramáticas. (MAGINA et al, p.414, 2009) Pesquisadores concordam que as representações relacionadas à fração como parte de uma unidade são importantes para a construção do conceito de frações e, até mesmo, no ensino das operações, entretanto algumas pesquisas destacam a ênfase dada pelos professores no uso de tais representações na construção do conceito de frações em detrimento de outras formas e abordagens. (Magina et al, 2009; Rojas et al, 2015). Predomina el significado de parte-todo en la conceptualización de la fracción, especialmente en situaciones que llevan a pasar de la representación figural a la simbólica (expresar con una fracción las partes pintadas), complementando con tareas que envuelven trabajar distintas magnitudes (longitud, superficie), identificar la unidad, completar la unidad, entre otras. (ROJAS et al, p.162, 2015) O modelo de fração como parte de uma unidade está presente nos livros didáticos adotados no Brasil, e talvez por isso, esteja intrinsecamente inserido na concepção do que seja uma fração para a maioria dos professores e, consequentemente, para grande parte dos alunos. Neste cenário, outras possíveis interpretações parecem excluídas na construção deste conhecimento. Fração como parte de uma unidade discreta (um conjunto), um número na reta numérica, um quociente entre dois inteiros são interpretações que geralmente estão ausentes nos livros didáticos do 6º ano (Merlini, 2005; Vaz, 2013). O que se inicia com uma utilização excessiva e exclusiva, subitamente é abandonada. Após a construção do conceito de fração e formulado os algoritmos das operações, as representações diagramáticas de fração como parte de uma unidade são descartadas, dando lugar aos procedimentos operatórios, que a partir daí, são adotados, geralmente, de forma exclusiva. A sequência didática parece iniciar-se por explicações acerca das relações entre uma quantidade representada por diagramas ou desenhos, e passa, em seguida, a adotar, quase que exclusivamente, a representação simbólica formal associada a situações que requerem resoluções algorítmicas. (MAGINA et al, p.414, 2009)

No ensino tradicional de Matemática, ainda há uma valorização do aspecto processual do conhecimento (Ponte, 1992). A supervalorização da memorização de procedimentos e algoritmos para efetuar as operações básicas faz parte de uma prática pedagógica retrógrada comumente encontrada nas escolas. É importante que o estudante aprenda as operações, no entanto estas devem estar atreladas ao significado e ao raciocínio matemático necessário para a devida compreensão do tópico estudado. O que se observa, no entanto, é um caminhar na contramão da evolução do ensino da Matemática das últimas décadas. O atual movimento internacional de reformar do ensino de Matemática parece sobretudo centrar-se nos processos mais elaborados de raciocínio resolução de problemas e pensamentos de ordem superior acerca dos quais, no entanto, ainda pouco se sabe. (PONTE, p.9, 1992) Alguns pesquisadores defendem que o professor deva atuar mais significativamente na compreensão conceitos e dos conceitos relacionados as operações com frações e recomendam que os professores promovam estratégias de ensino que privilegie o desenvolvimento do conhecimento conceitual de frações e conhecimento processual, termos adotados pelos pesquisadores Fazio e Siegler. (Wu, 1999; Fazio, Siegler, 2011). O conhecimento conceitual de frações é definido por estes pesquisadores como sendo: o conhecimento do significado das frações, de suas magnitudes e relações com grandezas físicas. Trata-se de uma compreensão de como os procedimentos aritméticos com frações são matematicamente justificados (FAZIO; SIEGLER, p.6, 2011). Os mesmos autores definem como conhecimento processual como sendo a habilidade de percorrer uma série de etapas para resolver um problema. (Fazio; Siegler, 2011). Em geral, nos livros didáticos atuais o conhecimento processual ainda é mais valorizado que o conhecimento conceitual. Segundo Lopes (2008), a prescrição de regras e macetes para realizar operações é um problema grave no ensino de frações. O mesmo autor cita duas apresentações do algoritmo da divisão encontradas em livros didáticos de épocas bem distintas, no entanto, mesmo com quase 90 anos de distância, ambos apresentam definições e abordagens similares. No livro Elementos de Aritmética, de 1920, editora FDT o algoritmo é apresentado deste modo: Para dividir uma fracção por uma fracção, multiplica-se a fração dividendo pela fracção divisor invertida. No livro, Pensar e Descobrir, da mesma editora, de 2007 a abordagem não é tão distinta: Para dividir um número racional por outro número racional diferente de zero, basta multiplicar o primeiro pelo inverso do segundo (Lopes, p.4, 2008) Mesmo nos livros didáticos atuais, o conceito da divisão de frações é construído, geralmente, de modo simples e rápido, usando representações diagramáticas de barras retangulares, visando chegar ao algoritmo da divisão. Geralmente, não há atividades posteriores que promovam a construção do conceito, que valorizem as diferentes formas de pensar a divisão ou que utilizem outros procedimentos para efetuá-la. O que se encontra nos livros, geralmente é refletido nas salas de aula, onde os alunos são submetidos a uma sequência de exercícios de fixação, repetitivos e meramente operatórios, posteriores a alguns exemplos. Com esta ênfase na memorização de procedimentos, a divisão de frações perde significado, o conceito relacionado a dividir é confundido com o próprio algoritmo da divisão de frações. Qual seria então uma melhor forma de ensinar a divisão de frações?

Há um modo deste conteúdo ser trabalhado de forma mais construtivista e significativa? Talvez não haja nem uma única resposta, nem um único caminho, entretanto, este artigo oferece uma sugestão de sequência didática. Esta sequência é composta por três etapas orientadas didáticamente: divisão com auxílio de representações, divisão através da divisão e divisão através da multiplicação. DIVISÃO COM AUXÍLIO DE REPRESENTAÇÕES Em um momento inicial, as divisões de frações poderiam ser exploradas de modo mais construtivo, explorando conceitos adquiridos durante a aprendizagem dos números naturais e das frações, sem a utilização de qualquer algoritmo novo. Ao ensinar divisão de números naturais o professor utiliza comumente a ideia de quantos cabem?. Por exemplo, na divisão de 100 por 20 é possível pensar que 100 20 = 5, pois cabem cinco números 20 em 100?. Trata-se de uma forma de pensar natural para professores e estudantes, que geralmente não é utilizado no ensino de frações que poderia contribuir para a aprendizagem deste conteúdo. Para tal, o auxílio de figuras seria muito eficiente. Para dividir 1/2 por 1/8 o estudante poderia observar, na figura 1, que cabem quatro pedaços correspondentes a 1/8 em um pedaço correspondente a 1/2. Logo,. Figura 1 - Tabela de frações Outra exploração interessante está associada a ideia da repartição. Na divisão de 30 por 2, o modo mais eficiente provavelmente não seria em pensar quantos 2 cabem em 30, e sim, repartir o 30 em duas partes. Um modo análogo pode ser utilizado na divisão de 3/4 por 2. Ao repartir cada 1/4 da fração 3/4 em dois pedaços, obtém-se 3 pedaços de 1/8, o que corresponde a 3/8. Figura 2 Divisão de 3/4 por 2. DIVISÃO ATRAVÉS DA DIVISÃO: O ALGORITMO NÃO USUAL

Em uma segunda etapa, a divisão de frações através da divisão de numerador por numerador e denominador por denominador. Este algoritmo é raramente encontrado em livros didáticos, não é usado em sala de aula e, provavelmente, desconhecido pelos professores. Para a construção desse algoritmo, inicialmente, poderia ser trabalhada a divisão de frações com denominadores iguais, por exemplo, a divisão de 9/10 por 3/10. Neste caso, o conceito de quantos 3/10 cabem em 9/10 poderia ser facilmente compreendido, até mesmo em frações representadas em conjuntos. A figura 3 abaixo mostra dois conjuntos de quadrados coloridos, na qual, há 10 quadrados, sendo 9 vermelhos e 1 azul. Figura 3-9/10 de um conjunto A figura 4 ilustra os quadrados vermelhos agrupados em três subconjuntos. Como cada há 3 destes subconjuntos, conclui-se que 9/10: 3/10 = 3. Figura 4-9/10 dividido por 3/10 Após a resolução desta operação com o auxílio dos diagramas, o professor poderia explorar se haveria outro modo de se obter a resposta. O objetivo seria conduzir os estudantes para a possibilidade de se obter o resultado dividindo-se os numeradores e os denominadores. Em seguida, poderia ser explorada a divisão com numeradores iguais, por exemplo: 1/4 dividido por 1/2. Com o auxílio da tabela apresentada na figura 1, o aluno poderia observar que em 1/4 é a metade de 1/2. Logo, em 1/4 cabe a metade de 1/2, ou seja, 1/4 : 1/2 = 1/2.

Figura 5 - Tabela de frações Neste momento, alguns alunos poderiam observar que a fração 1/2 pode ser obtida realizando uma operação análoga ao exemplo anterior, ou seja, dividindo numerador por numerador e denominador por denominador. Então, a próxima etapa, seria dividir frações com denominadores e numeradores distintos, em que os termos da primeira fração fossem múltiplos dos termos da segunda. Normalmente os estudantes aprendem divisão de frações após a multiplicação. Consequentemente, a utilização de um procedimento similar a multiplicação, no qual se operam numerador com numerador e denominador com denominador, pode fazer todo sentido. DIVISÃO ATRAVÉS DA MULTIPLICAÇÃO: O ALGORITMO CONHECIDO A última etapa seria a construção do algoritmo mais eficiente em termos operacionais, que é encontrado em todos os livros didáticos. Para se dividir duas frações, multiplica-se a primeira pelo inverso da segunda. E como chegar a este algoritmo? O professor poderia propor a turma que refletisse sobre uma divisão entre frações em que o denominador da primeira não fosse múltiplo do denominador da segunda, por exemplo, 6/7 dividido por 3/5. Um bom caminho seria aquele que contempla a utilização de outro conceito que frequentemente é abandonado: fração equivalente. O conceito de fração equivalente é essencial para a comparação entre frações e para compreensão da adição e subtração de frações. Porém sua aplicabilidade é muito maior do que possa parecer. Como 7 não é múltiplo de 5, a divisão de 6/7 por 3/5 usando o procedimento anterior parece não ser possível. Entretanto a fração 6/7 é equivalente a 30/35, e 35 é um múltiplo de 5. Fazendo esta substituição a divisão se torna fácil. A construção de um conhecimento conceitual fornece inúmeras possibilidades. Para dividir frações com denominadores diferentes, um procedimento análogo a adição/subtração poderia ser adotado, ao se obter duas frações equivalentes que possuíssem denominadores iguais, como mostra o exemplo a seguir:

Neste caso, entretanto, para que a última parte do processo fosse facilmente compreendida pelo estudante seria necessário que o mesmo já estivesse habituado a interpretar a fração como um quociente entre dois inteiros. Tal exemplo, no entanto, seria um bom caminho para introduzir o algoritmo da divisão. Como 5 não é divisível por 4, obtêm-se uma fração equivalente a 2/5 multiplicando numerador e denominador por 4. Como o novo numerador (8) também não divide por 3, repete-se o procedimento com a fração 8/20 obtém-se outra fração equivalente multiplicando numerador e denominador por 3. Daí, substituímos 2/5 por 24/60, e realizamos a operação. Para finalizar a sequência didática, o professor poderia realizar o mesmo procedimento sem indicar os resultados das multiplicações: Neste momento dividimos 3 por 3, no numerador, e 4 por 4 no denominador. Logo, Então, sendo conveniente, dependendo da turma e da necessidade, o professor poderia desenvolver a generalização deste algoritmo: CONSIDERAÇÕES FINAIS

As sugestões e reflexões apresentadas neste trabalho foram elaboradas após alguns anos de pesquisa e de atuação no magistério no ensino de crianças e de adultos. Motivadas por ideias construtivistas de educadores e educadores matemáticos, foi formulada uma sequência didática para o ensino de divisão de frações, voltada para o desenvolvimento do Fazio e Siegler (2011) denominaram de conhecimento conceitual de frações. Em consonância com os diversos pesquisadores aqui referenciados que apontam que o ensino de Matemática, e mais especificamente, o ensino de frações precisa ser repensado, replanejado e reconstruído. Este artigo atua na defesa do ensino de matemática fundamentado na melhor compreensão dos conceitos e dos significados, da valorização do raciocínio e pensamento matemático, e não nas concepções ultrapassadas de que o aprender matemática está relacionado exclusivamente a repetição e a memorização. Trata-se de um caminho que pode dar alguma contribuição para a melhoria do ensino de frações, atuando na mudança de alguns conceitos ultrapassados enraizados nas concepções dos educadores referentes ao ensino. Esse caminho também se configura como uma sugestão de pesquisa, abrindo diversos questionamentos: Será que esta sequência didática poderia contribuir para uma melhor compreensão da divisão de frações? Quais seriam os pontos positivos e negativos de uma ruptura na forma que se ensina divisão de frações atualmente? REFERÊNCIAS CAMPOS, T. M. M.; RODRIGUES, W. R. A ideia de unidade na construção do conceito do número racional. Revista Eletrônica de Educação Matemática. Santa Catarina. v.2.4, p.68-93, 2007. D AMBROSIO, B. S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates. São Paulo. v. 2, n. 2, p. 15 19. 1989 FAZIO, L.; SIEGLER, R. S. Teaching fractions. Educational Practices Series. Geneva. International Academy of Education - International Bureau of Education. v. 22, 2011 HART, K. M. Fractions. In: HART, K. M, et al. Children s Understanding of Mathematics: 11-16. Eastbourne. Antony Rowe Publishing Services. cap.5, p.66 81, 1981. KERSLAKE, D. Fractions: Children`s Strategies and Errors. A Report of the Strategies and Errors in Secondary Mathematics Project. London: The NFER-NELSON Publishing Company,1986. LESSA, Valéria E. A compreensão do conceito do número fracionário: uma sequência didática para o significado de medida. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Ensino de Matemática). UFRGS, Porto Alegre, 2011. LOPES, Antônio J. O que nossos alunos podem estar deixando de aprender sobre frações, quando tentamos lhes ensinar frações. Bolema. Rio Claro. v. 21, n. 31, p. 1-22. 2008. MAGINA, S.; BEZERRA, F. B.; SPINILLO, A. Como desenvolver a compreensão da criança sobre fração: uma experiência de Ensino. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. v. 90, n. 225, p. 489-510, maio/agosto. 2009.

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