I- Introdução A sociedade portuguesa tem uma perceção generalizada de uma ineficácia e lentidão do sistema judicial. Nas últimas décadas o Estado introduziu diversas reformas, que nunca resolveram os problemas da justiça, nem os objetivos das sucessivas leis foram alcançados. As medidas tomadas para resolver a pendência judicial, não visaram a resolução dos problemas das pessoas, mas a diminuição dos processos judiciais com sacrifício dos direitos dos cidadãos. O Estado diminuiu os graus de recurso, aumentou as custas judiciais, estreitou o acesso ao apoio judiciário, criou meios alternativos de resolução de litígios, desjudicializou diversas ações (ex. o processo executivo ou o processo de inventário) ou seja, afastou do sistema judicial muitas pessoas e processos, sem que se reconheça uma significativa melhoria do sistema. Na realidade, o resultado das constantes alterações legislativas foi um agravamento dos problemas da justiça. É neste cenário que surge a Reforma do Mapa Judiciário, pelo que, para acreditarmos que esta reforma não será mais uma na linha das que tem sido feitas nas últimas décadas, é indispensável que a mesma assente em pressupostos claros, premissas indubitáveis, que permitam uma conclusão coerente e assimilável por todos. II- Da Organização Judiciária prevista para o Algarve. A alteração do Mapa Judiciário prevê uma alteração substancial da organização judiciária no Algarve, o que, necessariamente, se repercutirá na vida dos operadores judiciários e dos cidadãos. 1
Em síntese, as alterações mais relevantes são: - Centralização dos processos cíveis superiores a 50.000, dos processos penais da competência do Tribunal Coletivo e Instrução Criminal, nas cidades de Faro e Portimão, à semelhança da competência territorial atual dos Tribunais de Família e do Trabalho; - Extinção do Tribunal de Monchique, o que significa que, no Algarve, os Municípios sem Tribunal serão Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Lagoa, S.Brás de Alportel, Castro Marim e Alcoutim, ou seja, 44% dos municípios do Algarve; -Instalação do Tribunal de Comércio em Olhão, cuja competência territorial abrange todo o Distrito de Faro; Silves. -Instalação de duas secções de execuções, uma em Loulé e outra em III- Das consequências desta reforma. a) Para o Cidadão. A presente reforma vai dificultar, ou impedir, o acesso de vários cidadãos à justiça, nomeadamente, os cidadãos mais carenciados dos Municípios de Aljezur, Vila do Bispo, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António. A título exemplificativo refira-se o cidadão que reside em Aljezur e seja interveniente numa ação de insolvência, seja como credor ou insolvente. 2
O Tribunal competente para todo o Algarve é o Tribunal de Comércio de Olhão, o que implica que o cidadão residente em Aljezur tenha que percorrer 130 Km para estar presente numa diligência no tribunal de Olhão. Uma ação de insolvência pressupõe dificuldades económicas, não apenas para o Insolvente como para os credores, que muitas vezes não têm transporte próprio. Ora, os transportes públicos existentes não permitem que se faça a viagem Aljezur-Olhão, presença em Tribunal e regresso Olhão-Aljezur, no próprio dia, o cidadão terá que pernoitar numa qualquer localidade. Acresce que, se beneficiar do apoio judiciário, e uma vez que o Estado não paga as deslocações do advogado para o Tribunal, ser-lhe-á nomeado um advogado da comarca de Olhão. Ora, se o cidadão não tem dinheiro para pagar as despesas judiciais, certamente não poderá suportar as despesas com as deslocações para consultar o advogado, ou para diligências judiciais. Além desta situação extrema, temos todos os outros processos que transitam para Portimão e Faro (tribunal coletivo, instrução, ações cíveis superiores a 50.000), em que os cidadãos têm que suportar os custos com as deslocações a diligências, com as deslocações para consultar advogados, etc. A presente reforma vai impedir o acesso de vários cidadãos à justiça por razões económicas, ou seja, vai negar a realização da justiça aos mais desfavorecidos. b) Para o Advogado. A grande maioria dos advogados, o que significa mais de 50% dos advogados, têm o seu escritório nas comarcas de Faro e Portimão. 3
A concentração de processos nestas duas comarcas vai beneficiar a grande maioria dos advogados do Algarve, mas vai pôr em causa a subsistência de muitos advogados das outras comarcas, não por menor competência, mas porque economicamente é mais desvantajoso para o cliente pagar as despesas do advogado do que deslocar-se o próprio ao Tribunal. IV - Da Posição do Conselho Distrital de Faro quanto à Reforma do Mapa Judiciária para o Distrito de Faro A presente reforma vai impedir o acesso de vários cidadãos à justiça, este é o sacrifício a pagar. A questão que temos que colocar é qual o beneficio que a sociedade obterá por sacrificarmos os direitos de vários cidadãos, nomeadamente, os mais carenciados. Não temos nenhum dado, nenhum estudo, que nos revele que a reforma seja economicamente mais favorável, ou que existirá sequer uma diminuição dos custos. O Tribunal Judicial de Faro não tem sala para as diligências necessárias para os processos atuais, como responderá ao inúmero volume de processos que se preveem com a competência alargada que lhe é atribuída. Vai arrendar novas instalações? Qual o custo desta reforma e da sua manutenção? O Tribunal de Olhão irá receber todos os processos da competência do Tribunal do Comércio, onde? A que custo? No âmbito da justiça não temos avultados investimentos em equipamentos, que justifiquem a concentração de todos os processos num único Tribunal. O maior investimento é em recursos humanos (Juízes, procuradores, funcionários), fotocopiadoras e instalações, cujo custo é muito mais elevado nos grandes centros do que nas cidades mais pequenas. 4
Não podemos acordar em sacrificar direitos dos cidadãos sem avaliarmos os benefícios desta decisão, ou se os mesmos existem. A reforma do apoio judiciário assenta ainda na bandeira da especialização, partindo do pressuposto que a especialização oferece ganhos de qualidade e de produtividade, sem que se faça qualquer previsão desse ganho. Mas ainda que se aceite vantagens na especialização, a mesma podia ser conseguida com menos custos para o cidadão. Veja-se o exemplo das ações cíveis superiores a 50.000 que serão concentradas em Faro e Portimão. O julgamento pode ser feito e a decisão pode ser proferida pelo mesmo juiz especialista, quer esteja em Portimão ou em Albufeira, os inconvenientes traduzem-se no deslocar de uma série de pessoas, as partes, as testemunhas, os advogados, no mínimo, para audiência de julgamento, em detrimento da deslocação de uma pessoa que é o juiz. Estas pessoas vão perder dias de trabalho, enquanto se o julgamento fosse no seu concelho perderiam só horas. Por outro lado, e apesar dos meios informáticos, como o Citius, por vezes, é necessário consultar o processo e o advogado tem de perder uma manhã ou uma tarde para consultar o processo, quando o podia fazer em minutos. Isto é um inconveniente para o advogado que se vai refletir na conta que vai apresentar ao cliente. Esta alteração apenas visa beneficiar os magistrados que deixam de se deslocar, em prejuízo de todos os outros intervenientes no processo. No Estado atual do país ninguém se pode dar ao luxo de defender interesses corporativos que se oponham às necessidades da nossa sociedade e, por isso, entendemos que a reforma da organização judiciária, tendo presente a necessidade de racionalização de meios, deve assentar no cidadão e no acesso deste ao direito. 5
O Conselho Distrital de Faro não apoiará uma reforma da justiça que prejudique o acesso do cidadão à justiça, sem que os fundamentos dessa opção sejam proporcionais e justificados e, no nosso entendimento, é esse o problema desta reforma do Mapa Judiciário, negam-se direitos constitucionais a muitos cidadãos, sem que seja compreensível ou mesurável o interesse coletivo destas medidas. A negação da justiça, nem que seja a 10% da população Algarvia, é um preço demasiado elevado a pagar com esta reforma, e para o qual não contribuiremos de forma alguma. 6