II- Da Organização Judiciária prevista para o Algarve.

Documentos relacionados
Fonte: SIIAL. Contas de gerência dos municípios

ORDEM DOS ADVOGADOS Delegação de Barcelos Delegação de Esposende

Lagos e o Mundo Rural

REGULAMENTO DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA DA COMARCA DE FARO

Estudo Demográfico do Algarve. Geografia - 8º ano - Algoz

Código de Processo Civil

COMARCA DO ALENTEJO LITORAL COMARCA DA GRANDE LISBOA NOROESTE COMARCA DO BAIXO VOUGA PROPOSTA DE LEI

OBJETIVOS ESTRATÉGICOS

I. GENERALIDADES 7 1. Quanto ao Decreto-Lei nº 49/ Quanto ao Decreto-Lei nº 86/

Cuidados de Saúde Primários

SEMINÁRIO REABILITAÇÃO URBANA, HABITAÇÃO E TURISMO. CCDR Algarve, 11 de junho, 2018

JUSTIÇA LENTA, JUSTIÇA DISTANTE, JUSTIÇA CARA. A - Especialização para qualidade da Justiça e reforma do mapa judiciário?

COMARCA DO ALENTEJO LITORAL COMARCA DA GRANDE LISBOA NOROESTE COMARCA DO BAIXO VOUGA

AVALIAÇÃO DO POTÊNCIAL EÓLICO DA REGIÃO DO ALGARVE

Exma. Senhora Chefe do Gabinete de Sua Excelência a Presidente da Assembleia da República Dra. Noémia Pizarro RESPOSTA À PERGUNTA N.º 779/XII/2.

Tarifários de Água, Saneamento e Resíduos Sólidos Urbanos 2011

nº de beneficiários de subsidio de desemprego por sexo

INQUÉRITO DE AVALIAÇÃO DA SATISFAÇÃO DOS CLIENTES EXTERNOS

MUNICÍPIOS PORTUGUESES

ÍNDICE LAGOA... 4 COMPROMISSOS... 5 AQUISIÇÃO E INSTALAÇÃO DE BALASTROS ELETRÓNICOS... 7

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º /XIII/1

Acesso aos Cuidados de Saúde e Nível de Saúde das Comunidades Imigrantes Africana e Brasileira em Portugal

FASE DE FORMAÇÃO INICIAL. Programa Nacional de Deontologia e Ética Profissionais do Advogado DEONTOLOGIA PROFISSIONAL ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na Justiça

Saúde Algarve

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1109/XII/4.ª RECOMENDA AO GOVERNO A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS REFERENTES AOS CUIDADOS DE SAÚDE NO ALGARVE

IX CONVENÇÃO DAS DELEGAÇÕES

RELATÓRIO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. Armando Jorge Macedo Teixeira foi, por sentença de 11 de janeiro de 2019, declarado em situação de Insolvência.

3848 DIÁRIO DA REPÚBLICA I SÉRIE-A N. o de Agosto de 2000

Reorganização Administrativa do Território das Freguesias

CONCURSO PÚBLICO SEM PUBLICIDADE INTERNACIONAL PARA A AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS POR LOTES DE IMPRESSÃO DE DIVERSAS PUBLICAÇÕES

Reorganização Administrativa do Território das Freguesias - (RATF)

Acordos Quadro em Vigor

RELATÓRIO. O presente RELATÓRIO é elaborado nos termos do disposto no artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas CIRE.

CNEF FASE DE FORMAÇÃO INICIAL PROGRAMA DE DEONTOLOGIA PROFISSIONAL E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

DATA 2 8 FEV REPUBLICA PORTUGUESA

Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior nos Edifícios (SCE)

em < part-time' Metade dos tribunais que vão fechar só têm magistrados

Nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, em 2001, residiam, respectivamente, 14,6 e 9,5 cidadãos estrangeiros por cada mil habitantes.

MAPA JUDICIÁRIO. Proposta de Ajustamentos. Principais Conclusões do Estudo

COMISSÃO NACIONAL DE ESTÁGIO E FORMAÇÃO

Plano de descongestionamento dos tribunais

Acção executiva, meios extra-judiciais e recuperação do iva

S R. PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público no interface entre cidadania e justiça

PRINCÍPIO = começo; ideia-síntese

VII Encontro do Conselho Superior da Magistratura Évora, 26 de Novembro de 2010

Programa de Rastreio e Tratamento Da Retinopatia Diabética

COMPETITIVIDADE TERRITORIAL COESÃO ECONÓMICA E SOCIAL

Barómetro APAV INTERCAMPUS Perceção da População Portuguesa sobre os Direitos das Vítimas de Crime Preparado para: Associação Portuguesa de Apoio à

EDITAL N.º 35/CML/2014. (Tomada de Posição sobre o novo Mapa Judiciário)

ECLI:PT:TRC:2013: TAMGR.C1

Crescimento da População Residente 1991, 2001 e 2011

OBJETIVOS ESTRATÉGICOS PARA O ANO JUDICIAL

ELEMENTOS ESTATÍSTICOS DE 2005 ANÁLISE. Estágio. No decurso do ano de 2005 realizaram-se 2 cursos de estágio, totalizando 27 formandos.

Secção: Os Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos na Reforma da Justiça PROPOSTA DE REVISÃO DA REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO AO DIREITO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA GABINETE DE APOIO AO VICE-PRESIDENTE E MEMBROS DO CSM PARECER

RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DO CONSELHO DISTRITAL DO ANO DE 2009

Ministério Público CEJ 17/07/2008

O Ins5tuto do Emprego e Formação Profissional, I.P. Pensar o Emprego e a Formação hoje. Lagos, 20 de fevereiro de 2016

PARECER Nº 66/PP/2014-P

Serviço do Apoio Judiciário

Direito Constitucional TCM/RJ 4ª fase

OBJETIVOS ESTRATÉGICOS PARA O ANO JUDICIAL 2018

Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição Col. Legislação

BOLETIM INFORMATIVO Nº 147 MARÇO DE No mês de Março de 2009, o Conselho Superior do Ministério Público reuniu em

ACESSO AO DIREITO / ACESSO À JUSTIÇA AS DUAS FACES DE JANUS

ORGANIZAÇÃO DAS NOVAS COMARCAS PILOTO

D2. DOSSIER DE SUPORTE À RECOLHA DE INFORMAÇÃO

Parecer da Câmara dos Solicitadores sobre o Projeto de Portaria que. regulamenta o Regime Jurídico do Processo de Inventário

Distrito - FARO. SINISTRALIDADE Dez de Observatório de Segurança Rodoviária Relatório - Distrito 1

Da conjugação dos elementos acima alinhados poderemos retirar as seguintes conclusões, quanto ao domicílio necessário dos magistrados:

DELIBERAÇÃO 1. LUGARES PARA PROVIMENTO

Plano de actividades 2015/2016

abrantes w,a. cm-obrantespt

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA GABINETE DE APOIO AO VICE-PRESIDENTE E MEMBROS DO CSM PARECER

MEMORANDO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA UTILIZADA PARA UMA DISTRIBUIÇÃO EQUILIBRADA DE MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Última actualização em 06/02/2008

Arbitragem liberta os juízes de questões time consuming

RELATÓRIO. O presente RELATÓRIO é elaborado nos termos do disposto no artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas CIRE.

Regulamento REGULAMENTO. Artigo 1º

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA JUIZ SECRETÁRIO

Procuradoria da República Comarca de Faro Coordenação

REGULAMENTO DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA DA COMARCA CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL 2014

CONSTITUIÇÂO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. (texto integral) Tribunais SECÇÃO V CAPÍTULO I. Princípios gerais. Artigo 202. (Função jurisdicional)

Quadro 1: Listagem dos instrumentos de recolha de informação por Comissão de Protecção

EXPOSIÇÃO ALGARVE DO REINO À REGIÃO

VOLUME II Caracterização e Diagnóstico. Plano Regional de Ordenamento do Território. - Ocupação Urbanística ANEXO O

Decreto-Lei n.º 182/2007 de 9 de Maio

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

RELATÓRIO DA ADMINISTRADORA DE INSOLVÊNCIA

Deliberação relativa à admissão de magistrados nas secções distritais. dos D.I.A.P. das comarcas sede dos Distritos Judiciais

REGULAMENTO QUADRO DA PROCURADORIA DA REPÚBLICA DA COMARCA CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS ARTIGO 1.º. Objeto

PARECER. I - Medidas de descongestionamento dos tribunais:

Prof. Dr. Vander Ferreira de Andrade

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: DEFENSORIA PÚBLICA E


Transcrição:

I- Introdução A sociedade portuguesa tem uma perceção generalizada de uma ineficácia e lentidão do sistema judicial. Nas últimas décadas o Estado introduziu diversas reformas, que nunca resolveram os problemas da justiça, nem os objetivos das sucessivas leis foram alcançados. As medidas tomadas para resolver a pendência judicial, não visaram a resolução dos problemas das pessoas, mas a diminuição dos processos judiciais com sacrifício dos direitos dos cidadãos. O Estado diminuiu os graus de recurso, aumentou as custas judiciais, estreitou o acesso ao apoio judiciário, criou meios alternativos de resolução de litígios, desjudicializou diversas ações (ex. o processo executivo ou o processo de inventário) ou seja, afastou do sistema judicial muitas pessoas e processos, sem que se reconheça uma significativa melhoria do sistema. Na realidade, o resultado das constantes alterações legislativas foi um agravamento dos problemas da justiça. É neste cenário que surge a Reforma do Mapa Judiciário, pelo que, para acreditarmos que esta reforma não será mais uma na linha das que tem sido feitas nas últimas décadas, é indispensável que a mesma assente em pressupostos claros, premissas indubitáveis, que permitam uma conclusão coerente e assimilável por todos. II- Da Organização Judiciária prevista para o Algarve. A alteração do Mapa Judiciário prevê uma alteração substancial da organização judiciária no Algarve, o que, necessariamente, se repercutirá na vida dos operadores judiciários e dos cidadãos. 1

Em síntese, as alterações mais relevantes são: - Centralização dos processos cíveis superiores a 50.000, dos processos penais da competência do Tribunal Coletivo e Instrução Criminal, nas cidades de Faro e Portimão, à semelhança da competência territorial atual dos Tribunais de Família e do Trabalho; - Extinção do Tribunal de Monchique, o que significa que, no Algarve, os Municípios sem Tribunal serão Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Lagoa, S.Brás de Alportel, Castro Marim e Alcoutim, ou seja, 44% dos municípios do Algarve; -Instalação do Tribunal de Comércio em Olhão, cuja competência territorial abrange todo o Distrito de Faro; Silves. -Instalação de duas secções de execuções, uma em Loulé e outra em III- Das consequências desta reforma. a) Para o Cidadão. A presente reforma vai dificultar, ou impedir, o acesso de vários cidadãos à justiça, nomeadamente, os cidadãos mais carenciados dos Municípios de Aljezur, Vila do Bispo, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António. A título exemplificativo refira-se o cidadão que reside em Aljezur e seja interveniente numa ação de insolvência, seja como credor ou insolvente. 2

O Tribunal competente para todo o Algarve é o Tribunal de Comércio de Olhão, o que implica que o cidadão residente em Aljezur tenha que percorrer 130 Km para estar presente numa diligência no tribunal de Olhão. Uma ação de insolvência pressupõe dificuldades económicas, não apenas para o Insolvente como para os credores, que muitas vezes não têm transporte próprio. Ora, os transportes públicos existentes não permitem que se faça a viagem Aljezur-Olhão, presença em Tribunal e regresso Olhão-Aljezur, no próprio dia, o cidadão terá que pernoitar numa qualquer localidade. Acresce que, se beneficiar do apoio judiciário, e uma vez que o Estado não paga as deslocações do advogado para o Tribunal, ser-lhe-á nomeado um advogado da comarca de Olhão. Ora, se o cidadão não tem dinheiro para pagar as despesas judiciais, certamente não poderá suportar as despesas com as deslocações para consultar o advogado, ou para diligências judiciais. Além desta situação extrema, temos todos os outros processos que transitam para Portimão e Faro (tribunal coletivo, instrução, ações cíveis superiores a 50.000), em que os cidadãos têm que suportar os custos com as deslocações a diligências, com as deslocações para consultar advogados, etc. A presente reforma vai impedir o acesso de vários cidadãos à justiça por razões económicas, ou seja, vai negar a realização da justiça aos mais desfavorecidos. b) Para o Advogado. A grande maioria dos advogados, o que significa mais de 50% dos advogados, têm o seu escritório nas comarcas de Faro e Portimão. 3

A concentração de processos nestas duas comarcas vai beneficiar a grande maioria dos advogados do Algarve, mas vai pôr em causa a subsistência de muitos advogados das outras comarcas, não por menor competência, mas porque economicamente é mais desvantajoso para o cliente pagar as despesas do advogado do que deslocar-se o próprio ao Tribunal. IV - Da Posição do Conselho Distrital de Faro quanto à Reforma do Mapa Judiciária para o Distrito de Faro A presente reforma vai impedir o acesso de vários cidadãos à justiça, este é o sacrifício a pagar. A questão que temos que colocar é qual o beneficio que a sociedade obterá por sacrificarmos os direitos de vários cidadãos, nomeadamente, os mais carenciados. Não temos nenhum dado, nenhum estudo, que nos revele que a reforma seja economicamente mais favorável, ou que existirá sequer uma diminuição dos custos. O Tribunal Judicial de Faro não tem sala para as diligências necessárias para os processos atuais, como responderá ao inúmero volume de processos que se preveem com a competência alargada que lhe é atribuída. Vai arrendar novas instalações? Qual o custo desta reforma e da sua manutenção? O Tribunal de Olhão irá receber todos os processos da competência do Tribunal do Comércio, onde? A que custo? No âmbito da justiça não temos avultados investimentos em equipamentos, que justifiquem a concentração de todos os processos num único Tribunal. O maior investimento é em recursos humanos (Juízes, procuradores, funcionários), fotocopiadoras e instalações, cujo custo é muito mais elevado nos grandes centros do que nas cidades mais pequenas. 4

Não podemos acordar em sacrificar direitos dos cidadãos sem avaliarmos os benefícios desta decisão, ou se os mesmos existem. A reforma do apoio judiciário assenta ainda na bandeira da especialização, partindo do pressuposto que a especialização oferece ganhos de qualidade e de produtividade, sem que se faça qualquer previsão desse ganho. Mas ainda que se aceite vantagens na especialização, a mesma podia ser conseguida com menos custos para o cidadão. Veja-se o exemplo das ações cíveis superiores a 50.000 que serão concentradas em Faro e Portimão. O julgamento pode ser feito e a decisão pode ser proferida pelo mesmo juiz especialista, quer esteja em Portimão ou em Albufeira, os inconvenientes traduzem-se no deslocar de uma série de pessoas, as partes, as testemunhas, os advogados, no mínimo, para audiência de julgamento, em detrimento da deslocação de uma pessoa que é o juiz. Estas pessoas vão perder dias de trabalho, enquanto se o julgamento fosse no seu concelho perderiam só horas. Por outro lado, e apesar dos meios informáticos, como o Citius, por vezes, é necessário consultar o processo e o advogado tem de perder uma manhã ou uma tarde para consultar o processo, quando o podia fazer em minutos. Isto é um inconveniente para o advogado que se vai refletir na conta que vai apresentar ao cliente. Esta alteração apenas visa beneficiar os magistrados que deixam de se deslocar, em prejuízo de todos os outros intervenientes no processo. No Estado atual do país ninguém se pode dar ao luxo de defender interesses corporativos que se oponham às necessidades da nossa sociedade e, por isso, entendemos que a reforma da organização judiciária, tendo presente a necessidade de racionalização de meios, deve assentar no cidadão e no acesso deste ao direito. 5

O Conselho Distrital de Faro não apoiará uma reforma da justiça que prejudique o acesso do cidadão à justiça, sem que os fundamentos dessa opção sejam proporcionais e justificados e, no nosso entendimento, é esse o problema desta reforma do Mapa Judiciário, negam-se direitos constitucionais a muitos cidadãos, sem que seja compreensível ou mesurável o interesse coletivo destas medidas. A negação da justiça, nem que seja a 10% da população Algarvia, é um preço demasiado elevado a pagar com esta reforma, e para o qual não contribuiremos de forma alguma. 6