8a. PARTE CRITICA DE LIVROS

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Transcrição:

8a. PARTE CRITICA DE LIVROS

O CONTO E DEZ CONTISTAS F. S. Nascimento Antes do surgimento da Cooperativa Edições Clã, em 1942, o livreiro Edésio Albuquerque foi um dos maiores incentivadores da produção literária em Fortaleza, patrocinando a impressão de livros a que hoje recorremos pelas questões que encerram e pelo que representam como raridades bibliográficas. Trazem a marca de Edésio Editor os romances Doutor Geraldo (1937), de Jáder de Carvalho, e Poço dos Paus (1938), de Fran Martins, narrativa esta cuja ação se desenvolve em torno da construção de um grande açude por cassacos tangidos pela seca. Passados tantos anos, filho e neto do livreiro Edésio Albuquerque se uniram à Secretaria de Cultura e Desporto do Estado, para juntos estimularem a criação literária através de um concurso de contos. Afora prêmios em dinheiro para os cinco primeiros colocados e menções honrosas para outros cinco concorrentes, concretiza-se agora a parte mais interessante da iniciativa, com a publicação desta coletânea reunindo, pela ordem de classificação, os dez contistas vitoriosos. Funcionando como ajuizador, ao lado dos professores Otacílio Colares e Vicente Eduardo Sousa e Silva, confesso, de minha parte, que não dispus do tempo necessário para formar opinião mais consistente sobre esses contistas, pouco dizendo sobre a técnica de armar as situações ou os episódios que fictivamente apresentam. Aliás, as comissões julgadoras não costumam descer a indagações dessa ordem, limitando-se a considerações que não chegam a oferecer nítidas escalas de valor. E claro, assim procedendo contornam situações por vezes delicadas, só faltando consolar os derrotados com a lição de Anatole France de que "a glória dos vencidos é igual à dos vencedores, e é mais tocante". Na verdade, aqueles que aceitam a atribuição de julgar, fazem-no muitas vezes a título de colaboração, não se justificando nesses torneios literários posicionamentos agressivos que nada constroem, ou atitudes complacentes que mais enganam do que estimulam. aí que o exercício da crítica assume uma postura eufemística, CO!lsiderando a matéria em estudo, na maioria dos casos, com a indefinibilidade que a situação impõe ou aconselha. 389

Nessa linha de avaliação, alguns conceitos em literatura adquirira r:n importância histórica, não propriamente pelas lições de que se revestiram, mas pela habilidade demonstrada pelos conceituadores no ajuizamento das individualidades em estudo ou na definição de um gênero em debate. Três lições foram selecionadas para mostragem dessa modalidade de julgar ou de conceituar. Na,primeira lição de mestre, observe-se atentamente como Machado de Assis, sensibilizado por uma demonstração de afeto, conseguiu situar o poeta e folhetinista Luís Guimarães Júnior na área da curta ficção: "No gênero dos contos, à maneira de Henri Murger, ou à de Trueba, ou à de Ch. Dickens, que são diversos entre si, têm havido tentativas mais ou menos felizes, porém raras, cumprindo citar, entre outros, o nome do Sr. Luís Guimarães Júnior, igualmente folhetinista elegante e jovial". E concluía Machado de Assis: " gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor". 1 Eis integralmente a lição do maior contista brasileiro sobre o gênero em que se tornaria mestre universal. E agora a pergunta: quem é hoje Luís Guimarães Júnior contista? Outra lição que se incorporou à teoria do conto no Brasil foi a que resultou de um inquérito promovido pela Revista Acadêmica (1938), em que Mário de Andrade saiu com esta abertura estética: "Em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto". 2 Mas, quem assim afirmava, conhecia, com absoluta nitidez, os continentes do conto tradicional (ou folclórico) e do conto artístico. Tanto que no mesmo artigo ressaltou os "grandes contistas verdadeiros, os Bocaccio, os Hoffmann, os Kipling, os Mark Twain, os Machado de Assis", completando a sua galeria de grandes mestres da curta ficção com "o maior dos contistas existentes, Guy de Maupassant". 3 Um profundo conhec dor do gênero viria comprovar a consciência téc- ' nica e conceituai do autor de O Empalhador de Passarinho, ao escrever: "Em sua coletânea Contos de Belazarte, e depois Contos Novos, Mário de Andrade põe em prática suas idéias, e se revela um contista dmirável, individualíssimo. Dando ao estilo, com a sua Hngua brasileira, nuanças novas, ritmos novos, e senhor de extraordinária capacidade de penetração nas suas sondagens psicológicas, consegue realizar, através de casos tirados do cotidiano, característi- 1 Machado de Assis. Critica. Rio de Janeiro-Paris, Livraria Garnier, 1924, pp. 18-19. 2 Mário de Andrade. "Contos e Contistas" (1:Í..1938). ln O Empalhador de Passarinho. 2a. ed., São Paulo, Livraria Martins Editora, 1955, p. 5. 3 Idem, ibidem, p. 7. 390

cos da vida brasileira e principalmente paulista, histórias pungentes, ternas, dramáticas, apesar da aparente exigüidade dos temas: a vida de uma solteirona, de um operário, conflitos domésticos, dramas de infância". E concluindo suas percucientes observações: "o conto volta, com Mário, à grandeza machadiana". 4 A terceira lição, selecionada para este pequeno estudo, devemo-la aq saudoso e respeitáve_l crítico Braga Montenegro, que para justificar a inclusão do maior cronista da província numa antologia de contos, assim conceituou: "Mílton Dias é um cronista, mas, sendo a crônica um meio de expressão sem continente próprio, pois que, quando o autor tem talento e o assunto se distrai do cotidiano jornalístico, muita vez resulta em poema ou ficção, tem ele elaborado bons contos, tais como "A Rede", "Teresa" ou "D. Rosa", peças que fazem parte do livro Sete-Estrelo, (1960). Só um ficcionista nos poderia dar um personagem de tamanha autenticidade nordestina como Seu Otávio, um homem não só, de seu mundo particular, porém uma criatura de nosso próprio universo moral". 5 - Essa última conceituação é de uma artificiosidade genial, ao induzir que, por um distraimento, se atinja a atmosfera poemática ou se possa construir uma unidade necessariamente tão precisa em todas as suas articulações, como é o conto. O certo é que para ambos os casos haverá sempre uma intenção preconcebida, conscientemente integrada no processo ficcional ou poético. Recentemente, num depoimento da maior importância, o ficcionista Manoel Lobato deixava implícita a sua rejeição a essa teoria do distraimento criador, ao escrever: "Num conto não pode haver coincidências. Se vai cair uma viga no final da história, essa viga há que aparecer logo nas primeiras linhas, com a possibilidade de cair". 6 Embora hoje me distancie do ponto de vista de que, por mera casualidade se vá fazer uma crônica e saia um conto, também, quanto a Mílton Dias, cheguei a assumir uma atitude que Mário de Andrade denominava de apologética, ao declarar, precisamente há quinze anos: "A impressão que temos, logo à primeira vista, é de que não se trata apenas de um cronista do cotidiano, no sentido atual do termo, mas de um escritor em busca de um gênero mais dinâmico". E adiantava: "Já em Sete-Estrelo pressentimos essa tendência de Mílton Dias para transcender os limites da crônica, realizando incursões 4 Renard Perez. "A Evolução do Conto no Brasil". ln Revista do Livro, no. 19. Rio de Janeiro, MEC/INL, 1960, p. 69. 5 Braga Montenegro. "Evolução e Natureza do Conto Cearense". ln Uma Antologia do Conto Cearensa. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1965, p. 32. 6 Manoel Lobato. "Situação do Conto Moderno Brasileiro" (Depoimento). ln Suplemento literário do MG, no. 761, Belo Horizonte, 02.05.1981. 391

8 Idem, ibidem. numa área da criação literária ocupada pelo conto" J Mas, naquela oportunidade, as observações mais enfáticas se concentraram nas peculiaridades estilísticas e, nesse aspecto, Mílton Dias continuou sendo, ainda por muitos anos, o mais afortunado dos cronistas cearenses. Na sua maneira simples de narrar cenas e contar episódios firmava-se "o valor artístico de sua prosa, tão deliciosamente marcada pelas entonações coloquiais que pontilham as suas histórias." 8 E completaria hoje, histórias que se aproximam mais da singeleza do tale, do que da organicidade da short story, que deve desenvolver-se segundo as suas próprias leis interiores, na opinião de um grande crítico de Maupassant. 9 Rejeitada a tese da distração criadora em literatura, e abrindo-se uma reflexão para a fórmula complacente de que "sempre será conto aqui lo que seu autor batizou com o nome de conto", resta verificar se as dez narrativas enfeixadas neste volume são contos, não porque seus autores assim o disseram, mas porque se sustentam como tais, sem a muleta benevolente da crítica. isso que veremos, cabendo ao leitor o julgamento final, com base na ilusão de realidade que essas histórias lhe venham a causar. De Airton Monte, entra nesta coletânea "Amor, Velho Bandido", um conto de intenções fortes que exige do leitor o máximo de atenção, sob pena de não acompanhar os fluxos que se vão juntando até completar a montagem. As exteriorizações, que convencionalmente resultam em diálogos, aparecem fundidas à narração, processo que, embora não se constitua uma novidade, representa um procedimento formal bastante audacioso. A ação se fragmenta e desenvolve numa atmosfera caótica, e até hermética, o que para o leitor menos versado nessa modernidade significa não propriamente um desafio à compreensão, mas sobretudo um desestímulo a esse tipo de exercício mental. Sem ousadias formais que, se por um lado acusam preocupações inovadoras, por outro dificulta o tráfego da leitura, Nilto Maciel entra com 'A Odisséia de Carlos Magno", uma história que oscila mais para a crônica, do que para o conto. Escritor consciente da importância e do nível de trabalho que executa, Nilto Maciel vem demonstrando aptidão ainda mais forte para a crítica literária. E, no seu caso, com o instrumental que domina, eu não vacilaria entre as duas áreas de atuação, decidindo pela segunda opção. Isso não vale como uma restrição, mesmo porque, com o talenfo que possui, Nilto Maciel tem condições de prosseguir ambos os itinerários, tanto podendo fazer a boa prosa de ficção, como realizar estudos críticos da melhor qualidade. 7 F.S. Nascimento. "O Habitante da Noite". ln O POVO, Fortaleza, 18-19 de junho de 1966. 9 Efim Etking. "Sujet-Style-Contenu". ln Philologica Pragensia. Praga, Ceskoslovenska. Akademie Ved, no. 2, 1967, p. 65. 392

Sobre Alberto Santiago Galeno e seu "Homens de Palavra" já escrevi, noutra oportunidade: "A linguagem é precisa, economicamente essencial. O uso predominante de frases curtas estabelece uma situação de envolvência, emprestando ao narrador uma postura de quem está revivendo um caso real mente acontecido. O tema representa outro aspecto afortunado desta história que, sob a plumagem da ficção, encerra uma denúncia sobre uma das múlti pias formas de exploração do trabalho na sociedade rural em função dos agentes do desenvolvimento industrial. Pela segura caracterização do problema, e pela maneira como o faz, o autor merece o estímulo de uma premiação". 10 Numa proposta reveladora de intenções fictivas, Nilze Costa e Silva faz uso de projeções visionárias, reflexões, reminiscências, definições e indefinições teológicas. Mas seu "O Julgamento" não chega a transpor o deslinde, de tendo-se numa esfera espacial reservada às formas contingentes, o que não invalida o seu esforço criador. De sua parte, César Barros Leal conduz a linha narrativa de "Meu Grande Amigo" numa linguagem reminiscente mais objetiva, centrada num episódio de sua vida. Entretanto, somente o narrador emerge dotado das funções de lembrar e reproduzir imagens e sensações. Daí porque Rudy existe apenas como um signo gerador de evocações, não chegando a erigir-se em entidade orgânica, como pretende Efim Etkind. Já noutra ocasião me ocupei de Waldy Sombra e do seu conto "Jitira na", ao escrever: "Seu amadurecimento como ficcionista ressalta à primeira vista, usando com bastante propriedade a estrutura verbal da curta narrativa. Além da boa qualidade da linguagem, explora um tema de grande evidência social, e este aspectô é projetado, através da ficção, com uma segura consciência desse degrau da condição humana. Prostituta inconformada, Jitirana alimenta a esperança de retornar à sua cidade do interior como uma senhora casada e digna de respeito.!: uma história realmente edificante". 11 Poeta e cronista, já o troveiro Fernando Câncio Araújo decidiu sair para outro continente expressivo, relatando, através da linguagem da ficção, o atri buto assumido por uma beata, dessas que podem ser encontradas em qualquer cidade do interior nordestino, e nasceu de sua pena "A Pagadora de Promessas". De início, a impressão que se tem é de um registro à maneira de crônica. Mas o contista não tarda a identificar-se como tal, conseguindo animar a sua personagem ao ponto de seu halo se fazer sentir, respirando aliviada ou trançando seus bilros, enquanto "a vocação de pagadora de promessas continuava em seu íntimo, externada na calma de seus olhos". Em "Fogo Apagado", uma ação linear muito extensa prejudica o bom tema explorado por Maria lima de Lira. As proporções existenciais são recons 1 F.S. Nascimento. "Concurso Livreiro Edésio". ln O POVO, 1<? de dezembro de 1 980. 11 F.S. Nascimento, trab. cit. 393

tituídas com absoluta fidedignidade, o que revela o conhecimento da au.tora de um dos muitos aspectos da condição humana, dentro da paisagem econômica e social do Nordeste. Mas, quanto à elaboração ficcional, o excesso de situações extrapola a medida episódica do conto atual, melhor se acomodando, talvez, no continente da novela. A fartura de material sugere, portanto, uma dimensão narrativa maior, o que não deixa de representar um aceno para a ficcionista, pela sua já comprovada aptidão para a criação literária, uma vez que autora dos romances Serrinha (1961) e Rendeiros do Santo, inédito. Com "Um Galo para um Dia de Gala", Valdemir de Castro Pacheco re constitui um episódio, enriquecendo-o de múltiplos pormenores imagísticos, alguns dos quais intensamente cromáticos. Entretanto, os direcionamentos da visão do narrador são tantos para os cenários que emolduram o núcleo da tabulação que, em determinados momentos, chega a sentir-se a ausência do galo no espaço ficcional. Finalmente, com "O Elevador" Maria Amélia Barros Leal completa as dez histórias enfeixadas neste volume. Sua aptidão kafquiana poderá conduzi-la a texturas bem mais urdidas, não lhe faltando talento e força criativa para alcançar melhor posição no panorama do conto no Ceará. Após a leitura dessas dez histórias, caberá uma indagação. Será que, dentre esses novos valores, poderá o leitor selecionar três nomes em condições de superarem, em modernidade, Fran Martins, Eduardo Campos e Moreira Campos? E note, o primeiro estreou em 1934 com Manipueira, o segundo em 1943 com Águas Mortas e o terceiro em 1949 com Vidas Marginais. De 1946 são "O Abutre", de Eduardo Campos, e "Cão Vadio", de Fran Martins, ambos os contos atualíssimos, ao ponto de serem incluídos como new short stories dentro das conceituações mais avançadas sobre a ficção menor. De minha parte, responderia com um apelo, animando-os a pmsseguirem na exercitação do conto, até que indagações como esta venham a ser redargüidas pela própria qualidade da escritura artística na fatura da curta ficção. Tudo contribuirá para isso, a partir do acesso às teorias do conto, hoje largamente difundidas e questionadas nos cursos de letras, afora a existência de obras específicas nas próprias bibliotecas universitárias. Não sugeriria a emulação, mesmo porque os mestres de ontem não pararam no tempo, evoluindo para os modelos da atualidade, sem perd rem de vista as lições de Maupassant, Tchecov ou Machado de Assis. Se estivesse entre esses novos valores, procuraria, senão destroná-los, pelo menos colocar-me à altura deles, para também usufruir as glórias da berlinda. 394