O PERFIL DE ALUNOS DE LÍNGUA INGLESA INGRESSANTES NO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS: DELIMITANDO EXPECTATIVAS E METAS PARA A COMPETÊNCIA 1 RESUMO: Este artigo apresenta o perfil dos alunos de inglês de um curso de Licenciatura em Letras. As perguntas de pesquisa foram: 1. Qual o perfil linguístico-comunicativo de alunos ingressantes do Curso de Letras (Língua Inglesa), segundo suas visões? e 2. Quais as expectativas dos alunos ao ingressarem no curso? PALAVRAS-CHAVE: Perfil; Expectativas; Crenças; Competência linguística-comunicativa. Introdução Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada em uma faculdade particular do interior do estado de São Paulo e faz parte do projeto integrado A (in)competência linguístico-comunicativa de alunos de Letras-Língua Estrangeira: construto e tendências na formação do professor do grupo de pesquisa ENAPLE- CCC, coordenado pelo Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo e apoiado pelo CNPq. O objetivo deste trabalho é fornecer dados que ajudem a traçar um perfil do aluno ingressante no curso de Licenciatura em Letras no que diz respeito às suas expectativas e aos seus objetivos quanto ao desenvolvimento de sua competência linguístico-comunicativa no decorrer da graduação. Como aponta a literatura, as crenças dos alunos são diferenças individuais que podem influenciar o processo de ensino/aprendizagem (BARCELOS, 2001; BORG, 2001). Assim sendo, as crenças que os alunos possuem acerca de sua competência linguístico-comunicativa ao ingressar no curso de Letras podem ter forte influência na concretização de suas expectativas e de seus objetivos. O mapeamento destas crenças pode, portanto, auxiliar o entendimento da cultura de aprender dos alunos, possibilitando sua discussão e favorecendo um processo de aprendizagem reflexivo. 1. Metodologia e contexto de pesquisa 1 Mestre em Estudos Linguísticos pela Unesp. Diretor do CCLi Centro de Consultoria Linguística. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 11
Os dados foram coletados 2 por meio de um questionário, contendo perguntas abertas e fechadas, elaborado e analisado seguindo a proposta teórica de Gillham (2000). Também foram realizadas perguntas semiestruturadas gravadas em áudio para obter esclarecimentos acerca de algumas respostas do questionário, além de aprofundar alguns pontos específicos sobre as crenças dos alunos. A análise como um todo adotou os procedimentos e as categorizações propostas no trabalho de Silva (2003), que também faz parte do mesmo projeto integrado. Os participantes da pesquisa foram os alunos ingressantes no curso de Licenciatura em Letras de uma faculdade particular do interior do estado de São Paulo (doravante PAR3) no ano de 2003. No total, o grupo possui 30 alunos, mas três deles não responderam o questionário por estarem ausentes. O perfil socioeconômico dos alunos é variado, mas, no geral, são empregados do setor de serviços que trabalham durante o dia e estudam à noite. A faixa etária do grupo é bastante ampla, sendo que o aluno mais novo tem 17 e o mais velho 60 anos; a idade média é de 24 anos e meio. O grupo é formado, majoritariamente, por alunos do sexo feminino (82%) e todos têm o português como língua materna. É importante ressaltar que o aluno ingressante no curso de Licenciatura em Letras da PAR3 cursa tanto a disciplina de Língua Inglesa quanto a de Língua Espanhola durante dois semestres. No final do segundo semestre, no entanto, ele deve optar por uma das línguas na qual será licenciado. Assim sendo, seria de se esperar que tivesse dificuldades para definir, no início de seus estudos, suas expectativas e metas com relação ao estudo da língua inglesa. Entretanto, foi possível observar em suas respostas que, mesmo os alunos que afirmaram já ter certeza de que não optarão pela língua inglesa, possuem muitas expectativas, que serão abordadas a seguir, para o estudo desta língua na faculdade. 2. Análise e discussão dos dados Com base nos dados, pode-se dizer que o principal contato dos alunos com a língua inglesa antes de ingressarem na faculdade é durante o ensino fundamental e médio. Apenas 20% tiveram contato com a língua inglesa em cursos de idiomas. Segundo COLERALL (apud BARCELOS, 1999, p. 161), a experiência anterior de 2 Auxiliaram, neste trabalho, as alunas de iniciação científica Maria Elizabete Vittorelli e Samanta D Avila. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 12
aprendizagem é crucial para a formação das crenças e da autopercepção dos alunos, determinando sua autoconfiança e seu consequente sucesso na aprendizagem. Pode-se dizer, portanto, que as crenças dos alunos ao estabelecerem suas metas para o curso no ensino superior estão fortemente relacionadas com a longa experiência que tiveram no contexto de ensino fundamental e médio. Diversos são os motivos apontados pelos alunos que os levariam a escolher a Licenciatura em Língua Inglesa no final do ano. A maior parte dos alunos afirmam têla escolhido simplesmente por gostarem da língua e quererem estudá-la. É interessante observar que é exatamente o motivo oposto que faz com que muitos alunos já tenham decidido pela Licenciatura em Língua Espanhola, ou seja, o fato de não gostarem da língua inglesa, de terem medo de não entendê-la e de considerarem ter muitas dificuldades nesta língua. Para um terço dos alunos, o fato de a língua inglesa ser uma língua mundial e oferecer melhores oportunidades de trabalho é o que os motiva a estudá-la. Surpreende apenas dois alunos (pouco mais de 0,5% do grupo) terem declarado que optaram pelo curso para se tornarem professores de língua estrangeira (doravante LE). Percebe-se, portanto, que os alunos ingressantes no curso ainda não se veem como futuros professores. Como argumentado por Silva (2003), isto ocorre porque as crenças dos alunos refletem o seu atual papel de aprendizes de Língua Inglesa I (primeiro estágio da língua na faculdade) e a falta de um estudo das questões específicas de ensino/aprendizagem de LE os mantêm ainda distantes de uma consciência do seu papel de professor em formação. A principal expectativa dos alunos é conseguir falar fluentemente ou se comunicar na língua. Nesse ponto, é interessante verificar como sua cultura de aprender, descrita anteriormente, pode influenciar decisivamente em seus objetivos. Como já foi discutido, o fato de terem tido contato com a língua inglesa apenas no ensino fundamental e médio, onde o insumo linguístico é marcado, na sua maioria, por uma abordagem estruturalista (CONSOLO, 1992), cujo foco é o desenvolvimento da competência gramatical e não da competência comunicativa dos alunos, faz com que muitos não consigam responder quais aspectos do trabalho realizado nas aulas na faculdade poderão contribuir para o desenvolvimento de sua competência oral. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 13
Percebe-se, portanto, que crenças dos alunos sobre o que é a linguagem e como estudá-la podem não proporcionar um ambiente que favoreça o uso da linguagem. Um exemplo recorrente nos dados coletados é o medo que eles possuem de interagir com o outro, advindo da crença de que devem, necessariamente, produzir enunciados corretos ao falar. Consequentemente, o aluno não coopera para o desenvolvimento de sua própria fluência oral e sente-se, constantemente, incapaz de aprender a língua. Também é interessante notar que, de todos os alunos, apenas um se considera com nível avançado em língua inglesa. A maioria se considera iniciante, embora já tenha tido contato com a língua anteriormente. Na verdade, essa falta de envolvimento com a língua em questão também é verificada quando 50% dos alunos respondem que não têm nenhum contato com a língua fora da sala de aula. Nota-se, então, a crença implícita (e, por ora, até mesmo explícita) dos alunos de que o contexto escolar tem de ser suficiente para que ele aprenda a língua, restringindo sua atuação na língua ao referido contexto. Dos que mencionaram algum tipo de contato fora do contexto escolar, os principais meios relatados são a TV, o rádio e a internet. Com a análise realizada até aqui, pode-se verificar que as expectativas dos alunos com relação à sua competência oral são muito grandes. Para eles, a realização de atividades de conversação em sala de aula é o principal aspecto do trabalho desenvolvido nas aulas de língua inglesa, que pode contribuir para o desenvolvimento de sua competência oral. Muitos deles também acreditam que as aulas devam ser dinâmicas sem explicar, exatamente, o que consideram como sendo esse dinamismo. A meu ver, o que eles acreditam é que não será possível adquirir a competência oral que almejam seguindo a abordagem estrutural que tinham nos contextos de ensino anteriores. Há, portanto, o desejo de uma mudança. No entanto, percebe-se que não há uma vontade prática para que tal mudança seja efetivamente implementada. Embora muitos acreditem que o professor deva, por exemplo, falar em inglês durante as aulas para que possam ter contato com a língua falada, a maioria afirma que o professor deve usar também o português para que eles possam entender a gramática. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 14
No tocante às atividades que mais agradam os alunos, menos da metade (37%) disseram que as de conversação são as suas preferidas, mesmo acreditando que são exatamente estas atividades que os levarão a desenvolver sua competência oral tão almejada. Outras atividades como tradução, leitura e explicações na lousa foram citadas dentre as mais agradáveis. Nota-se, também, certa confusão por parte dos alunos do que constitui realmente uma atividade oral, pois uma simples leitura em voz alta já é considerada conversação para alguns. 3. Conclusão Os resultados deste trabalho indicam que o aluno de Licenciatura em Língua Inglesa possui grandes expectativas com relação ao desenvolvimento da sua competência oral. Contrastando estes resultados com os obtidos por outros estudos que também se preocuparam em traças o perfil do aluno de língua inglesa (SILVA, 2003; CONSOLO, 2001; RODRIGUES, 2001), verifica-se que, embora haja diferenças significativas entre os contextos pesquisados, há certa homogeneidade com relação às crenças dos alunos. Isso se justifica, a meu ver, pelo fato de que, como mencionado na análise, a maioria desses alunos possui um histórico de aprendizagem de línguas semelhantes, o que, consequentemente, produz crenças semelhantes com relação ao processo de ensino/aprendizagem. Outro resultado importante a ser discutido é a questão da definição do termo fluência. Fica implícito que os alunos associam o falar fluentemente a falar sem erros, corretamente. Embora Richards (1990, p. 75-76) reconheça que ser fluente é produzir um discurso compreensível, fácil de acompanhar, livre de erros gramaticais e interrupções na comunicação (grifo meu), Lennon (1990; 1999) propõe que a fluência é apenas um componente da proficiência oral que varia de acordo com o assunto que está sendo tratado ou discutido, a situação em que se acham o falante, o interlocutor e o estado psicológico do falante. Interessante notar também o paradoxo que surge ao relacionarmos as crenças que os alunos possuem com relação ao processo de ensino e aprendizagem e as suas expectativas e metas com relação à sua competência linguístico-comunicativa. Embora almejam tornarem-se fluentes na língua e acreditem que aulas dinâmicas, em que haja atividades de conversação, possam Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 15
auxiliá-los neste processo, suas crenças estão embasadas por uma visão estruturalista da linguagem, segundo a qual devem ter uma sólida base gramatical para que possam começar a interagir em língua estrangeira. Com base nisso, pode-se afirmar que o dizer do aluno não condiz com o seu fazer. Da mesma forma que o professor reflexivo consciente de sua prática se torna capaz de identificar suas próprias limitações e incoerências, a fim de redirecionar e readequar sua prática (ALVARENGA, 1999), acredito que a tomada de consciência, por parte do aluno, de suas próprias crenças e a visualização de suas metas enquanto professor em formação pode fazer com que seu fazer se aproxime cada vez mais do seu dizer. Assim, como já sugerido por Consolo (2001), faz-se necessário que se discuta a questão da definição da competência que o aluno de Letras deve/quer atingir para que, de posse disso, seja possível redefinir a abordagem da língua inglesa no contexto de ensino de formação de professores. ABSTRACT: This paper focuses on the profile of English language students in university level. Its research questions were two: 1. Which is the linguistic-communicative profile of freshmen students in the course Licenciatura em Letras, according to their own views? and 2. Which expectations do they have when starting the course? KEYWORDS: Profile; Expectations; Beliefs; Linguistic-communicative competence. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARENGA, M. B. Configuração da abordagem de ensinar de um professor com reconhecido nível teórico em linguística aplicada. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999. p. 111-125. BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender línguas (inglês) de alunos no curso de Letras. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999. p. 157-177. BARCELOS, A. M. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 16
BORG, M. Teachers beliefs. ELT Journal, v. 55, n. 2, p. 186-188, abr. 2001. CONSOLO, D. A. O livro didático e a geração de insumo na aula de língua estrangeira. Trabalhos de lingüística aplicada. Campinas, n. 20, p. 37-47, jul./dez. 1992.. Competência lingüístico-comunicativa: (re)definindo o perfil do professor de língua estrangeira. In: VI Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, 2001, Belo Horizonte: ALAB, 2002. 1 CD-ROM. FÉLIX, A. Crenças do professor sobre o melhor aprender de uma língua estrangeira na escola. Campinas, 1998. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) IEL, Universidade Estadual de Campinas. GILLHAM, B. Developing a Questionnaire. London: Continuum, 2000. LENNON, P. Investigating fluency in EFL: a quantitative approach. Language Learning, v. 40, n. 3, 1990.. The lexical element in spoken L2 fluency. Alemanha, 1999. (memeo) RICHARDS, J. C. Second language teacher education. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. RODRIGUES, D. F. Percepção de alunos e professores de inglês como língua estrangeira sobre o processo de ensino/aprendizagem de vocabulário. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística, Fortaleza, v. 26, p. 132-134, 2001. Especial. SILVA, C. V. da. A competência lingüístico-comunicativa de alunos de letras-língua inglesa: perspectivas de alunos ingressantes. São José do Rio Preto, 2003. Relatório de Iniciação Científica. Universidade Estadual Paulista. Scientia FAER, Olímpia - SP, Ano 1, Volume 1, 2º Semestre. 2009 17